Resumo: O presente artigo científico visa analisar, de forma crítica, o conteúdo do Enunciado nº 418, da Súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, expondo conceitos doutrinários e entendimentos jurisprudenciais a respeito das questões processuais envolvidas na necessidade de reiteração do recurso especial após julgamento de embargos de declaração. As lições de autores consagrados, juntamente às citações de julgados proferidos pelas Cortes Superiores de Justiça possuem o condão de ressaltar a importância teórica e prática sobre o debate, sendo salutar a correta interpretação sobre a dimensão dos princípios constitucionais e infraconstitucionais que estão abrangidos pela discussão. Longe da audácia de pretender adotar soluções estanques à controvérsia exposta, o presente trabalho busca estimular os estudiosos do Direito Processual Civil e os militantes da Advocacia, principalmente na instância recursal, a se aprofundarem sobre as nuances do tema em voga. [1]
Palavras-chave: Embargos de Declaração. Recurso Especial. Necessidade. Reiteração. Enunciado. Súmula. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breves Considerações Sobre os Embargos de Declaração. 3. Excepcional Efeito Infringente dos Embargos de Declaração e Peculiaridades do Recurso Especial. 4. Obrigatoriedade de Fundamentação das Decisões Judiciais. 5. O STJ e a Aplicação da Súmula 418. 6. Flexibilização do Enunciado na Esfera Penal e Processual Penal – Possibilidade de Flexibilização na Esfera Civil e Processual Civil. 7. Esboço de Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Hodiernamente, no direito pátrio, os enunciados das súmulas dos Tribunais possuem grande relevo no que concerne à resolução das lides e ao comportamento das partes durante o transcorrer da relação jurídica processual. Tais enunciados revelam-se consequências de posicionamentos reiterados pelas Cortes de Justiça em seus julgados, que se consolidam através de pequenos textos sintetizadores de um entendimento.
Na hipótese do presente trabalho, está em destaque o enunciado nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação leciona que “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.” Tal assertiva advém de diversos fatores, tais como as peculiares características do recurso especial e o excepcional efeito infringente dos embargos de declaração.
O referido enunciado traz à baila o chamado recurso “prematuro”. Em outras palavras, reputa como inadmissível o recurso especial manejado, supostamente, fora do prazo e antes de esgotada a prestação jurisdicional na instância ordinária. A aplicabilidade do aludido verbete sumular será estudada de acordo com lições doutrinárias de autores de escol e com a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, o que desaguará numa crítica à atual abrangência indiscriminada que detém o mencionado enunciado.
Consabido que as súmulas, mesmo as não vinculantes, exercem um poder de persuasão ao julgador e às partes para agirem de acordo com seus preceitos, é importante atentar-se para os precedentes que resultaram na cristalização de determinado posicionamento jurisprudencial sumulado, para aplicá-lo nos casos onde realmente se mostre pertinente.
Após uma breve digressão acerca dos embargos declaratórios, suas hipóteses de cabimento e seus efeitos, bem como depois de um resumido comentário a respeito do recurso especial, será abordado o núcleo do debate ora proposto, qual seja, aquele que dá título ao presente artigo: “A (des)necessidade de ratificação do recurso especial após o julgamento dos embargos de declaração”. A análise crítica a qual se pretende expor, como mola propulsora ao aprofundamento da discussão, leva em conta o conteúdo material dos princípios processuais envolvidos no tema, como a duração razoável do processo, a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, a vedação ao formalismo excessivo, dentre outros.
Faz-se salutar explicitar que não se tem a audácia, como já salientado no resumo do texto, de esgotar o debate acerca do tema, tampouco adotar soluções estanques e imunes à transformações, no entanto, é possível estabelecer uma espécie de método para a aplicação do enunciado sumular supratranscrito da maneira que se entende por correta.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Antes de adentrar diretamente ao cerne da discussão é importante, a título de contextualização, discorrer de forma sintética sobre os embargos declaratórios. O recurso de embargos de declaração está previsto no art. 496, inciso IV, do Código de Processo Civil[2]. Desse modo, não há dúvida de que se trata de meio de impugnação – ordinário e endoprocessual – a pronunciamento judicial, ou seja, enquadra-se perfeitamente no conceito de recurso.
Nas palavras de Luiz Orione Neto, da análise dos conceitos de “recurso” empregados pela doutrina, é possível identificar um traço fundamental: “o fato de ser exercitável na mesma relação jurídica processual em que foi proferida a decisão recorrida, vale dizer, sem que se instaure um novo processo.” Arremata o autor, que “Em síntese, o ato de recorrer é uma longa manus do exercício do direito de ação e defesa.”[3]
Atende ainda o recurso de embargos de declaração ao princípio da taxatividade que, por sua vez, é tratada por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha como “regra da taxatividade”, nos seguintes termos:
“Consiste na exigência de que a enumeração dos recursos seja taxativamente prevista em lei. O rol legal dos recursos é numerus clausus. Só há os recursos legalmente previstos. Lei, aqui, é termo que deve ser compreendido em sentido amplo, como fonte formal do Direito.”[4]
Em que pese o posicionamento esposado pelos citados autores, impende destacar que na maior parte da doutrina a taxatividade é tratada como verdadeiro princípio processual. Nelson Nery Junior, em sua Teoria Geral dos Recursos[5], assevera, litteris:
“O art. 496, do CPC faz uso exatamente do vocábulo seguinte, dando ao intérprete a induvidosa opção pelo princípio da taxatividade dos recursos: somente aqueles meios de impugnação ali descritos é que são considerados pela lei como sendo recursos.”
Despiciendo o aprofundamento sobre tal discussão – se norma-regra ou norma-princípio –, sendo válido tão somente destacar que além do CPC, outras leis federais preveem a existência de recursos judiciais, utilizando-se da competência legislativa da União para dispor sobre matérias de direito processual civil encartada na Constituição de 1988[6].
A Lei Adjetiva Civil, no Livro I, que disciplina o Processo de Conhecimento, em seu Título X, ao tratar dos recursos, destina Capítulo próprio, qual seja o V, aos embargos de declaração. Os arts. 535 a 538[7] do CPC cuidam de elencar desde as hipóteses de cabimento dos aclaratórios, à imposição de multa em face de seu manejo protelatório.
Assim sendo, devidamente consagrado como recurso no processo civil (também existente nos processos penal e do trabalho), os embargos de declaração possuem peculiaridades que os distinguem sobremaneira das outras espécies recursais, tais como sua fundamentação vinculada aos vícios constantes nos incisos do art. 535, bem como o efeito interruptivo para a interposição de demais recursos, consoante se depreende da leitura do art. 538, caput.
Cumpre salientar, a título de esclarecimento, que muito embora não se pretenda nesse trabalho discutir sobre o cabimento dos embargos contra determinados pronunciamentos judiciais (despacho, decisão interlocutória ou monocrática, sentença, acórdão e etc.), filiamo-nos à corrente que prega a possibilidade de sua oposição em face de todo e qualquer ato do juiz com conteúdo decisório.
Característica particular dos embargos declaratórios que guarda salutar importância com os argumentos expostos no presente trabalho consubstancia-se no efeito integrativo buscado pelo aviamento de tal insurgência. É que ao opor os aclaratórios, a parte visa eliminar um vício que macula a decisão judicial (lato sensu), qual seja a omissão, contradição ou obscuridade que por ventura contaminem o pronunciamento. Frise-se, nessa senda, que há outras hipóteses onde doutrina e jurisprudência convergem para o cabimento de tal recurso, mesmo que não expressas no CPC, quais sejam os casos de erro material ou de fato.
No recurso extraordinário nº 428.991/RS, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado pelo Ministro Marco Aurélio, asseverou que “Os embargos declaratórios visam ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Cumpre julgá-los com espírito de compreensão.” Convém repisar que o apelo extremo teve provimento unânime pela Primeira Turma do STF. No âmbito do STJ é uníssono o posicionamento jurisprudencial no seguinte sentido, verbis:
“Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os embargos de declaração têm por escopo esclarecer, complementar ou aperfeiçoar os atos judiciais, quando tais erros possam comprometer seu perfeito entendimento”. (EDcl no AgRg no HC 252.331/PE, DJe 02/04/2013).
Verificado que o objetivo dos embargos é integrar a decisão judicial – provocando o julgador a se pronunciar sobre ponto omisso ou a sanar contradição, por exemplo – tem-se, por conseguinte, que seu aviamento interrompe o prazo para interposição dos demais recursos. É que quando opostos os embargos, surge a possibilidade de complementação de um pronunciamento viciado, em outras palavras, é suscitada a hipótese de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Portanto, nos casos onde se configura perfeitamente cabível a sua oposição, somente após o acolhimento ou rejeição dos aclaratórios seria possível falar em uma decisão apta a solucionar a lide que lhe foi posta de maneira satisfatória.
Exposto esse sucinto quadro acerca do recurso de embargos de declaração, cumpre contextualizá-lo com o propósito do presente trabalho, tecendo comentário a respeito do que se acredita ser a base para a construção do enunciado nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
3. EXCEPCIONAL EFEITO INFRINGENTE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E PECULIARIDADES DO RECURSO ESPECIAL
Atualmente, doutrina majoritária e jurisprudência pacífica admitem, em determinadas situações, a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração. Tal fato decorre de consequência lógica do próprio objetivo do recurso. Há casos onde a supressão de uma omissão, ou a eliminação de uma premissa contraditória podem mudar o sentido da decisão, transformando o efeito integrativo em modificativo. Expliquemos.
Ao negar provimento a um recurso de apelação, pode o acórdão omitir-se em relação a ponto significativo para o deslinde satisfatório da lide. A existência de decisão citra petita, nos casos onde determinado pleito sequer foi apreciado, enseja a oposição dos aclaratórios com fulcro no art. 535, inciso II, do Codex Processual Civil. Conhecendo e acolhendo os embargos, a Turma, Câmara ou Seção julgadora pode vir a dar provimento à apelação, haja vista o pronunciamento acerca da matéria anteriormente ignorada possuir o condão, em alguns casos, de alterar o rumo da resolução do conflito.
Acredita-se que em função desse excepcional efeito modificativo que pode ter o recurso de embargos declaratórios, veio a ser editado o enunciado nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o exemplo acima descrito, simultaneamente à oposição de embargos de declaração por uma das partes, que em sua convicção entendeu por viciado o pronunciamento judicial, a parte ex adversa poderia tranquilamente ter interposto recurso especial, entendendo que, em que pese a ausência de omissão, contradição e obscuridade, há na decisão eventual violação a dispositivo de lei federal (art. 105, inciso III, alínea a, da CRFB/1988[8]).
Observado que as partes não têm controle sobre qual o recurso será interposto pelo litigante contrário, uma delas toma conhecimento dos aclaratórios manejados pelo adversário nas hipóteses em que são intimadas a oferecer resposta, ou somente quando da intimação do julgamento dos embargos, nos casos onde resta suprimido o contraditório (a discussão sobre o contraditório nos embargos de declaração não é desconhecida, somente não se presta o presente trabalho a analisá-la).
A situação de integração da decisão judicial que modifica o seu conteúdo através do julgamento dos embargos implica, extreme de dúvidas, a reiteração do recurso especial interposto em momento anterior pela parte embargada, posto que o teor do pronunciamento atacado sofreu alteração, que inclusive pode ocasionar a possibilidade de aditamento do apelo nobre.
Nas situações onde há alteração substancial da decisão embargada, e mesmo nos casos onde não exista expresso efeito infringente nos embargos declaratórios, mas ocorra modificação seja em sua fundamentação, seja em seu dispositivo, entende-se plausível a necessidade de reiteração do recurso especial nos termos do enunciado 418 da súmula do STJ.
Sobre a adoção de efeitos modificativos aos aclaratórios, salutar trazer à baila trecho de acórdão esclarecedor sobre o tema, proferido pela Corte Infraconstitucional, senão vejamos:
“Os embargos de declaração constituem a via adequada para sanar omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais do decisório embargado, admitida a atribuição de efeitos infringentes apenas quando esses vícios sejam de tal monta que a sua correção necessariamente infirme as premissas do julgado”. (EDcl no AgRg nos EREsp 747.702/PR, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, Corte Especial, DJe 20/9/12).
O recurso especial dirigido ao STJ, por sua vez, enquadra-se na subcategoria de recursos excepcionais, ao lado, por exemplo, do recurso extraordinário dirigido ao STF. Diz-se isso devido a existência de pressupostos específicos para sua admissibilidade, bem como ao seu caráter “especial” propriamente dito, posto que provoca a jurisdição, via recurso, da Corte Superior responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal em todo o território nacional.
O Superior Tribunal de Justiça é um sodalício que não foi previsto para atuar como uma terceira instância, revisora dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais. A missão institucional do chamado “Tribunal da Cidadania” é, como salientado acima, dar a última palavra sobre questões predominantemente de direito federal em sentido estrito – o que implica a vedação ao reexame de fatos e provas em sede de recurso especial, por exemplo.[9]
Teresa Arruda Alvim Wambier leciona, em obra de leitura obrigatória para os estudiosos dos recursos extraordinários lato sensu, que “O que se examina fundamentalmente, nos recursos excepcionais (especial e extraordinário), são aspectos exclusivamente jurídicos da decisão de que se recorreu.” Finaliza a sempre festejada processualista que “Têm, os recursos especial e extraordinário, a função de preservar a ordem jurídica, evitando a dilaceração do sistema jurídico federal ou normativo federal, exercendo, assim, a sua função, que é a de tornar claras pautas de conduta.”[10]
Uma das características que ensejam o rótulo de extraordinário ou excepcional ao recurso especial é a necessidade de esgotamento das vias ordinárias para sua interposição. De modo sintético, é possível resumir tal exigência como o fato de que faz-se imprescindível para a admissibilidade deste meio de impugnação, que os juízos ordinários – leia-se primeira e segunda instâncias – tenham se manifestado sobre todos os pontos suscitados durante o processo, bem como tenham sido manejados todos os recursos previstos para combater os provimentos jurisdicionais proferidos pelos órgãos julgadores que as integram.
Extrai-se da leitura do caput e inciso III do art. 105 da CF, litteris: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: […] julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida.”
Destaque-se que somente as causas decididas em única ou última instância pelos TJ’s e TRF’s serão objeto de recurso especial, ou seja, aquelas decisões colegiadas proferidas no âmbito da competência originária dos citados Tribunais e/ou quando não houver mais recurso cabível perante a própria Corte regional.
Com o intuito de esclarecer o que se diz, importa trazer à baila lição doutrinária da já mencionada Teresa Arruda Alvim Wambier, in verbis:
“Os recursos extraordinário e especial têm como pressuposto de cabimento o esgotamento das vias ordinárias. Isto significa que, no direito brasileiro, não se adotou a possibilidade de recursos per saltum. Sendo cabíveis, ainda, recursos ordinários, eles é que deverão ser interpostos primeiramente, e não diretamente os excepcionais.”[11]
Não obstante a transcrição normativa decorrer da atual Constituição, promulgada em 1988, e os excertos doutrinários serem recentes, desde 1963 vigora enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal com a seguinte redação: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Aplicando por analogia o referido verbete sumular, vejamos julgado recentíssimo proferido pelo STJ, verbis:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 281/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Inviável, por ausência de esgotamento das instâncias ordinárias, a interposição de recurso especial contra decisão monocrática que indeferiu a inicial e julgou extinta ação rescisória. Incidência, por analogia, do óbice previsto na Súmula 281/STF. 2. Agravo regimental não provido”. (AgRg no AREsp 316.284/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 31/05/2013).
Também tratando da necessidade de esgotamento das vias ordinárias para o manejo dos recursos especial e extraordinário, Athos Gusmão Carneiro[12] afirma, inclusive com esteio em posicionamento jurisprudencial, o que se segue:
“Não é decisão ‘de última instância’ a proferida por maioria de votos em ação rescisória julgada procedente, porque cabível recurso ordinário de embargos infringentes, a teor do art. 530 do CPC, não sendo destarte tal decisão impugnável por recurso especial.” (STJ, 5ª Turma, REsp. nº 134.087, rel. Min. José Arnaldo, ac. De 21.10.1997, in RSTJ, 107/373).
Diante desse panorama, convém repisar a existência do enunciado nº 207 do STJ cuja redação prescreve que “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no Tribunal de origem.” Sendo assim, não só em relação à ação rescisória julgada procedente por acórdão não-unânime, mas também nos casos de provimento não-unânime de apelação para reforma de sentença de mérito, não será admitido o recurso especial antes de aviado recurso de embargos infringentes[13].
Tecido comentário acerca da excepcionalidade da atribuição de efeitos infringentes aos embargos declaratórios, circunstância que ocasiona substancial alteração no julgado, bem como exposta argumentação a respeito de algumas características do recurso especial, cabe agora adentrar ao núcleo da discussão, ou seja, é chegado o momento de analisar as situações onde deve ser realmente exigida a ratificação do apelo raro após o julgamento dos aclaratórios, nos termos do enunciado nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, importa também efetuar essa análise a partir de um contraponto com o princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação – ou motivação – das decisões judiciais.
4. OBRIGATORIEDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Quem labora nos fóruns e tribunais prescinde de qualquer estudo científico ou pesquisa para perceber que o acolhimento dos aclaratórios com efeitos infringentes é exceção na atual conjuntura.
É comum se deparar com sentenças e acórdãos que, ao rejeitar embargos de declaração, mantém a decisão embargada por seus próprios fundamentos, constatada a ausência dos vícios que poderiam dar guarida aos aclaratórios. Os julgadores utilizam-se da chamada fundamentação per relationem, ou, tão somente, aduzem não existir omissão, contradição, obscuridade ou qualquer erro material que dê albergamento à pretensão veiculada pelo embargante. A proliferação de provimentos jurisdicionais nesse sentido deve-se muito ao posicionamento consolidado pelas Corte de Superposição, no que diz respeito à obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais.
No âmbito da repercussão geral (art. 103, § 3º, da Constituição e 543-A e 543-B, do Código Processual Civil), o tema nº 339 cuidou do assunto em aresto ementado nos seguintes termos:
“Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.” (AI 791292 QO-RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-06 PP-01289 RDECTRAB v. 18, n. 203, 2011, p. 113-118).
Na jurisprudência do STJ, o tema é decidido de forma reiterada no seguinte sentido, in verbis:
“[…] De regra, "o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão" (REsp 739.711/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 14/12/2006). De igual modo, não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional.” […] (AgRg no REsp 1205917/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 15/03/2013).
O que se procura elucidar com a transcrição de tais excertos de julgados proferidos pelas Corte Superiores é a tendência de, via de regra, rejeitarem-se os embargos tendo em vista a (suposta) suficiência de fundamentação da decisão embargada e o atendimento ao princípio constitucional da motivação e devida fundamentação das decisões judiciais. Não se pode descuidar do fato de, em muitos casos, tornarem-se os embargos mera repetição de peças processuais anteriormente analisadas (petição inicial, contestação, apelação e etc.), o que realmente desgasta o instituto, contribuindo para sua banalização.
Acontece, porém, que por vezes o pronunciamento judicial encontra-se realmente viciado, e o acolhimento dos aclaratórios se mostra salutar para a consecução de uma prestação jurisdicional satisfatória às partes. Sendo assim, reiterando o que afirmou o STF em aresto relatado pelo Eminente Ministro Marco Aurélio, o julgador precisa se despir de qualquer preconceito ou vaidade ao analisar o aludido recurso, para o bem dos escopos maiores da sistemática processual.
Em nossa visão, os argumentos repetidos pelas inúmeras decisões prolatadas nos mais diversos processos, no sentido de “manter a sentença embargada pelos seus próprios fundamentos” ou rejeitar os embargos com o superficial embasamento de que “não se encontram presentes os vícios elencados em lei para provimento do recurso” ferem de morte o postulado da motivação/fundamentação das decisões emanadas do Poder Judiciário.
A redação do art. 93, inciso IX, da CRFB/1988 é clara ao asseverar que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade […]”. Por sua vez, o art. 131 do Código de Processo Civil, que trata do chamado “princípio do livre convencimento motivado” preceitua que “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”
Dessa forma, na humilde opinião sustentada nesse artigo, a esteira intelectiva adotada pelos Tribunais pátrios no sentido de que “o julgador não está adstrito a responder a todos os argumentos das partes, desde que embase sua decisão” ou “o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão” padecem, de certa forma, de ilegalidade e inconstitucionalidade.
Capitaneando essa cultura disseminada pela imensa maioria dos Tribunais brasileiros está o julgamento, pelo STF, da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 791.292, cuja ementa restou transcrita linhas acima. É necessário destacar, no entanto, que no âmbito doutrinário possui adeptos a corrente esposada pelo multicitado Ministro Marco Aurélio. Consignou em seu voto o aludido Julgador o seguinte:
“Ressalto cumprir ao Judiciário emitir entendimento explícito sobre todas as causas de defesa, sobre todos os pedidos formulados pela parte. O órgão judicante não está compelido a fazê-lo apenas quando o que articulado se mostre incompatível com o entendimento já adotado no pronunciamento judicial. Lembro-me de que certa vez me deparei, em nota de rodapé de uma publicação do Código de Processo Civil, com um precedente que considerei perigosíssimo. Segundo assentado, o juiz não é um perito e, portanto, não precisa se manifestar sobre todas as matérias de defesa veiculadas pela parte. Digo que o juiz é um perito na arte de proceder e na de julgar e que não existe prestação jurisdicional aperfeiçoada se não se examinarem, até para declarar a improcedência, todos os pontos enfocados pela parte”.
Tanto isso nos se afigura plausível, que o Projeto do Novo Código de Processo Civil prevê como sentença sem fundamentação a que se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.[14]
Em obra peculiar, o Magistrado a Professor Wilson Alves de Souza elenca a sentença imotivada como inexistente no ordenamento jurídico. Tal é a importância da fundamentação dos pronunciamentos judiciais que essa garantia possui status constitucional desde a Carta de 1988. Dessa forma, além de sequer existir no mundo jurídico, a decisão que carece de motivação fere a Lei Maior e o próprio Estado Democrático de Direito. As lições do eminente autor baiano ilustram com maestria o que se concluiu em sua obra:
“[…] sentença carente de motivação é ato absolutamente ilegítimo que transcende em antijuridicidade, ou seja, é ato de puro e aberto arbítrio, de pura e aberta violência, o que significa dizer que não passa de aro caracterizado como juridicamente inexistente, ainda que emanado de agente estatal (juiz) competente dentro de um processo a pretexto de agir em nome do Estado, de maneira que nenhum cidadão está obrigado a cumpri-la, sendo absolutamente legítima e conforme o direito toda e qualquer conduta da parte contra ao mesmo, sem prejuízo de poder exigir que o Estado e o juiz sejam responsabilizados pelo grave ilícito cometido.”[15]
O mencionado autor explicita em sua tese que a motivação das decisões judiciais, além de se relacionar com diversos princípios processuais, reflete a legitimidade do Estado-Juiz ao decidir os conflitos postos à sua tutela. Aduz, ainda, que a sentença imotivada não transita em julgado, tampouco possui prazo para ser desconstituída, constituindo-se fator de insegurança jurídica e afronta à cidadania. Na mesma esteira intelectiva, Beclaute Oliveira Silva[16], com espeque em Riccardo Guastini, Michele Taruffo e Ada Pellegrini Grinover que “a fundamentação consiste em uma garantia fundamental ante o órgão do Poder Judiciário”.
Além de prevista na CRFB/1988, a motivação das decisões judiciais também se encontra presente na legislação federal infraconstitucional, mais precisamente nos arts. 165 e 458, ambos do Código de Processo Civil, litteris: “Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.” e “Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: […] II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito”.
Ao comentarem o art. 458 da Lei Adjetiva Civil, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[17] asseveram que “A fundamentação das decisões judiciais é ponto central em que se apóia o Estado Constitucional, constituindo elemento inarredável de nosso processo justo”. Mesmo trazendo à baila em seu comentário julgados afirmando que “o juiz não está obrigado a responder todos os argumentos das partes na fundamentação da sentença” (premissa tida como equivocada neste humilde trabalho), os festejados autores afirmam, com base em acórdão da Corte Especial do STJ, que em sede de embargos de declaração “a parte tem direito a obter comentário sobre todos os pontos levantados no recurso”.
O princípio da fundamentação das decisões judiciais, aqui tido como garantia fundamental prevista expressamente pela Constituição Federal, é ponto fulcral para compreensão do tema que ora se propõe debater, tendo em vista que o presente estudo diz respeito aos embargos de declaração e, por isso, gira em torno de eventuais vícios que maculam os provimentos jurisdicionais.
5. O STJ E A APLICAÇÃO DA SÚMULA 418
No Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.099.875/MG, a Quarta Turma do STJ, em aresto relatado pelo Ministro Raul Araújo asseverou que a redação da súmula 418 decorre de norma constitucional.
Já foi dito que um dos pressupostos específicos de admissibilidade dos recursos excepcionais é o esgotamento das vias ordinárias. Dessa maneira, consolidou-se a ideia de que somente é impugnável mediante recurso especial e/ou extraordinário a “última decisão proferida no processo”, ou seja, aquela não mais passível de reforma por insurgências dirigidas ordinariamente. Eis a ementa do julgado, verbis:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PREMATURO. INTERPOSIÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO MANEJADOS PELA PARTE CONTRÁRIA. NECESSIDADE DE OPORTUNA RATIFICAÇÃO NO PRAZO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. IRRELEVÂNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 418/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É prematuro, uma vez que ainda não esgotada a jurisdição do Tribunal de origem, o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, mesmo que opostos pela parte contrária e rejeitados, sem alteração do acórdão embargado, devendo ser ratificado o recurso especial, dentro do prazo recursal, após a intimação do acórdão dos declaratórios. Incidência da Súmula 418/STJ. 2. É irrelevante que a interposição do apelo nobre tenha ocorrido antes da edição do enunciado em questão (Súmula 418 do STJ), porquanto a necessidade de ratificação do recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração decorre da interpretação do texto constitucional já vigente, e não da aplicação de nova regra, e, por conseguinte, do princípio processual tempus regit actum. 3. "Os embargos de declaração, tempestivamente apresentados, ainda que considerados protelatórios, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, porquanto a pena pela interposição do recurso protelatório é a pecuniária e não a sua desconsideração." (AgRg no Ag 876.449/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 22/6/2009) 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1099875/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 01/08/2011).
A esteira intelectiva adotada no acórdão, cuja ementa restou acima transcrita, considerou insignificante o fato de os aclaratórios não alterarem em absolutamente nada o julgado anterior. Em outras palavras, consignou-se que mesmo diante do caráter eminentemente integrativo da decisão que julga os embargos de declaração, não havendo modificação alguma no provimento anteriormente proferido, há um novo pronunciamento. É como se fosse possível conceber que algo pode ser “integrado” por “nada”, gerando o “novo”. A premissa adotada é respeitável – imperativo constitucional, no entanto, não é imune à críticas.
Em outra oportunidade, o Sodalício responsável por uniformizar a jurisprudência no âmbito federal infraconstitucional chegou a divergir sobre o tema em discussão. Num primeiro momento, foi possível observar que o assunto teve atenção merecida pela Corte, sendo analisadas suas nuances e seus detalhes, bem como suscitada tese relativa a algo que podemos chamar de “irretroatividade de jurisprudência”.
Não obstante a Turma Julgadora reconhecer o conteúdo da súmula 418, entendeu que o posicionamento firmado em seu sentido se deu posteriormente à hipótese dos autos em espeque e, por isso, aquela orientação não se aplicaria in casu. Com o fito de elucidar melhor a questão, merece transcrição literal a ementa do acórdão proferido nos autos dos Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 837.411/MG:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS DECLARATÓRIOS. NECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO. DELIBERAÇÃO A RESPEITO. IMPOSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DO JULGADO À JURISPRUDÊNCIA POSTERIORMENTE CONSOLIDADA. 1. Cabíveis os embargos de declaração para deliberação sobre questão suscitada em contra-razões, quanto à necessidade de ratificação do recurso especial interposto antes do julgamento dos declaratórios opostos na Corte de Segundo Grau. 2. Questão tida como superada no julgamento do recurso especial, ante a posição de que a ratificação só seria necessária se os aclaratórios fossem opostos pela mesma parte ou se, opostos pela parte contrária, dessem ensejo à alteração do julgado. 3. Embora a Corte Especial tenha firmado, ao depois, orientação favorável à embargante, a Primeira Seção deste Tribunal, no EREsp 480.198/MG, pacificou o entendimento de que ao juiz não é dado conceder efeito modificativo aos embargos de declaração para adaptar as decisões judiciais às teses jurídicas posteriormente consolidadas pelos Tribunais. 4. Embargos de declaração acolhidos sem efeito modificativo”. (EDcl no REsp 837411/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 545).
Ressalte-se que a linha de raciocínio esposada em 2007 nos parece muito mais razoável do que a firmada anos depois, senão vejamos. Elucidou-se a questão relativa à reiteração do recurso especial, exigindo-a tão somente quando opostos os embargos pela mesma parte ou quando ocorresse alteração no acórdão embargado, bem como restou explicitada de forma contundente a impossibilidade de aplicação da jurisprudência posteriormente consolidada a casos pretéritos.
Infelizmente essa posição não subsistiu. Em sede de Embargos de Divergência o STJ foi rasteiro em adotar, integralmente e de forma sucinta, o teor do enunciado 418, valendo-se de inúmeros precedentes mas sem fundamentar claramente sua decisão:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. INTERPOSIÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. I – Segundo entendimento pacificado nesta Corte, é extemporâneo o recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, salvo se houver reiteração posterior, porquanto o prazo para recorrer só começa a fluir após a publicação do acórdão integrativo. Precedentes: REsp 776.265/SC, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Min. CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/04/2007, DJ de 06/08/2007; EREsp 963.374/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/08/2008, DJe de 01/09/2008; AgRg no Ag 815.394/SP, Rel. Minª JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2007, DJ de 17/12/2007; AgRg no Ag 904.861/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 30/05/2008, DJe de 04/08/2008. II – Agravo regimental improvido”. (AgRg nos EAg 1091280/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2009, DJe 19/10/2009).
A ementa acima transcrita reflete irrefutavelmente o que já consideramos como fundamentação per relationem, que nas palavras do sempre mencionado Wilson Alves de Souza ocorre quando “o juiz ai invés de apresentar motivos próprios se reposta a motivos apresentados por outrem (partes, membro do Ministério Público, juiz de primeiro grau em relação ao juiz do recurso, etc.) no mesmo processo”.[18]
Hodiernamente, com a vigência do atual Código de Processo Civil, persiste a posição de que a súmula 418 se aplica indiscriminadamente em qualquer hipótese de julgamento de embargos posteriormente à interposição de recurso especial, com raríssimas exceções pontuais.
6. FLEXIBILIZAÇÃO DO ENUNCIADO NA ESFERA PENAL E PROCESSUAL PENAL – POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO NA ESFERA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Como dito linha atrás, faz-se necessária uma aplicação lúcida do conteúdo do verbete sumular nº 418 do Superior Tribunal de Justiça. Existem diversos princípios processuais que devem ser sopesados diante da exigência de reiteração do recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos declaratórios.
Partindo dessa premissa, a Quinta Turma do STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Jorge Mussi, elencou diversos postulados da ordem processual que inviabilizam a incidência irrestrita da multicitada súmula. Nos Embargos de Declaração em Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.203775/SP, os integrantes do mencionado Colegiado sobrepuseram a economia processual, a instrumentalidade das formas, a conservação dos atos processuais, o contraditório e a ampla defesa sobre a formalidade de reiteração do apelo excepcional.
Vejamos, para melhor compreensão do que se busca dizer, a ementa do acórdão discutido:
“PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N.º 418 DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS. REITERAÇÃO PERANTE A CORTE A QUO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS POR CORRÉU. IMPROVIMENTO. AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO, INTEGRAÇÃO OU SUPRESSÃO DOS JULGADOS ANTERIORES. RATIFICAÇÃO POSTERIOR DAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL PELO EMBARGANTE. DESNECESSIDADE. TEMPESTIVIDADE DO APELO NOBRE. CASO. EMBARGOS ACOLHIDOS. 1. Constatando-se que a situação fática tratada nos presentes autos é distinta daquelas que serviram de substrato à elaboração do Enunciado Sumular n.º 418/STJ, torna-se de rigor o afastamento do referido entendimento jurisprudencial à hipótese aqui versada, sob pena de se aplicar o mesmo direito à fatos diversos. 2. Tendo sido opostos, por corréu, segundos embargos de declaração perante o Tribunal local e desacolhida a insurgência ao fundamento de que a matéria nele versada já havia sido devidamente analisada, não havendo, assim, qualquer modificação, integração ou supressão nas decisões anteriormente proferidas, seria desarrazoado exigir ratificação posterior do apelo nobre pelo ora Embargante. Tal formalidade implicaria em malferição dos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas, da conservação dos atos processuais, do contraditório e da ampla defesa, não se compatibilizando a Súmula n.º 418/STJ com os princípios que regem hodiernamente o Direito Criminal. 3. Embargos de declaração acolhidos a fim de afastar a aplicabilidade do Enunciado Sumular n.º 418 desta Corte Superior à hipótese dos autos e, desta forma, prover o Agravo de Instrumento para determinar a subida do Recurso Especial para melhor exame da matéria nele versada”. (EDcl no AgRg no Ag 1203775/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 29/08/2011).
Impende destacar, nesse diapasão, que o aresto objeto da oposição do aclaratórios restou assim ementado:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE POSTERIOR RATIFICAÇÃO DO APELO RARO. INTEMPESTIVIDADE. SÚMULA 418/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO 1. Nos termos da Súmula 418 deste Superior Tribunal de Justiça, "é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação." 2. Agravo regimental improvido”. (AgRg no Ag 1203775/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 20/09/2010).
Vê-se, portanto, que após a maturação do tema, provavelmente provocado de maneira brilhante pela parte e seu patrono, o Superior Tribunal de Justiça deu excepcional efeito modificativo aos embargos, para afastar a intempestividade do recurso especial e examinar seu mérito.
A argumentação constante na ementa é digna e aplausos e não mereceria retoques, a não ser por um motivo. Na parte final do item 2, há a afirmação de que o enunciado nº 418 não se coaduna com as características do Direito Penal. Tal posicionamento adveio da interpretação dos princípios já mencionados, que na visão dos preclaros julgadores “regem hodiernamente o Direito Criminal”.
A partir desse panorama, surge a seguinte inquietação: Em que pese o Direito Penal tratar do bem jurídico mais relevante (a vida humana em sua acepção mais pura, a liberdade), os princípios aduzidos pelo STJ também não merecem atenção especial nos outros ramos do Direito, como o das Famílias ou o Administrativo? Expliquemos. A economia processual não é deveras importante para um candidato aprovado em concurso público que precisou postular na Justiça sua nomeação? O contraditório e a ampla defesa não são derivados do devido processo legal e assegurados no processo judicial (em qualquer esfera da justiça) e administrativo?
Pois bem, embora o posicionamento esposado no julgado comentado tenha sido louvável, algumas arestas ainda não se encontram reparadas. Sendo assim, antes de concluirmos o presente trabalho, faz-se salutar tecer uma breve menção a um dos princípios esposados pelo STJ como norteadores do afastamento da súmula 418 em determinados casos envolvendo o Direito Penal e Processual Penal.
No que concerne à economia processual, mister se evidencia a citação da clássica Teoria Geral do Processo, de Antonio Carlos de Araújo Cintra Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco[19]:
“Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.”
Observa-se, sobre o assunto, que o aludido princípio se coaduna muito bem com o chamado “aproveitamento dos atos processuais”, insculpido no art. 250, do Codex Processual Civil: “Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais”.
Mesmo para os que não são adeptos de uma “Teoria Geral do Processo” – não se desconhece doutrina que não acredita existir tal teoria – forçoso reconhecer que a economia processual se aplica a todos os processos judiciais, independente de sua natureza.
Repise-se, ainda nessa senda, que a instrumentalidade das formas caminha lado a lado e no mesmo sentido da economia processual e da conservação e aproveitamento dos atos processuais. Sobre o citado postulado, deveras interessante a transcrição em trecho de aresto proferido pelo Superior Tribunal de Justiça onda a doutrina da Teoria Geral do Processo acima mencionada restou aplicada no caso concreto:
“Falar em instrumentalidade do processo, não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando o bem estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminando os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada. O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por três ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o Estado persegue: sociais, políticos e jurídico. A consciência dos escopos da jurisdição e sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social (…) constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do processo, em sua conceituação e endereçamento social e político" (ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, "Teoria Geral do Processo", Malheiros Editores, São Paulo, 2000, 16ª ed., p. 41)”. (EDcl no REsp 442795/RJ, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 19/11/2007, p. 230).
7. ESBOÇO DE CONCLUSÃO
Embora compreendamos que a conclusão de um trabalho científico, por menos presunçoso e ambicioso que o seja, como o é aqui, retrata a parte onde mais se deve escrever “com as próprias palavras”, no presente caso não há como escapar da repetição de tudo o que foi dito durante essas breves e singelas linhas.
Dessa maneira, prezando pela didática, inteligível expor rascunhos de conclusões em tópicos, com o fito de finalizar esta exposição deixando mais questionamentos do que respostas, no entanto, procurando se afastar ao máximo da vagueza e inaplicabilidade prática do quanto se expôs.
1. A motivação (fundamentação) das decisões judiciais é princípio constitucional expresso (art. 93, inciso IX, da CF/88), constante também na legislação federal infraconstitucional (arts. 165 e 458, inciso II, do CPC), sendo fator de legitimidade da atuação do Estado-Juiz na resolução dos conflitos postos à sua tutela, configurando-se em prestígio ao Estado Democrático de Direito.
2. Assim sendo, o pronunciamento judicial deve atender a todos os elementos postos pelas partes, solucionando integralmente a lide e suas questões preliminares e prejudiciais. Embora não seja a sentença ou acórdão uma “resposta aos questionários dos litigantes”, o juiz não pode se abster de se manifestar a respeito das questões expostas por autor e réu, sob pena de decisão eivada de ilegalidade e inconstitucionalidade.
3. A sentença ou acórdão que padece de vício (omissão, contradição, obscuridade ou erro material) pode ser sanado através de recurso próprio, qual seja os embargos de declaração. A decisão que julga os aclaratórios deve ser fundamentada como qualquer outra e, excepcionalmente, pode atribuir efeitos infringentes à impugnação, que via de regra, não os detém.
4. Há situações, entretanto, em que uma das partes pode entender por perfeita e acabada a prestação jurisdicional – acórdão de TJ ou TRF (embora contrária aos seus interesses) e interpor recurso especial ao STJ, enquanto a parte ex adversa pode entender que o mesmo acórdão padece de vício a ser sanado pelos embargos declaratórios, opostos ordinariamente.
5. Em casos como este, surge a incidência do enunciado nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação leciona que “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.
6. Acontece, todavia, que o citado verbete não possui aplicação irrestrita, sendo necessário observar quem opôs os aclaratórios, se eles foram acolhidos ou rejeitados (providos ou improvidos) e se houve alteração substancial na decisão embargada (em sua fundamentação ou em seu dispositivo).
7. Se os embargos foram rejeitados, ou acolhidos sem efeitos infringentes, não há que se falar em reiteração do recurso especial como pressuposto de admissibilidade, observado o caráter meramente integrativo do acórdão que julgou os aclaratórios. Nesses casos é que se evidencia a impossibilidade de aplicação irrestrita da súmula 418 do STJ, o que configuraria afronta aos princípios da economia processual e instrumentalidade das formas, igualmente caros ao processo civil e ao processo penal.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia – UFBA. Assessor Jurídico da 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
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