“Quanto mais interdições e
proibições houver,/ mais o povo empobrece,/ mais se possuirão armas cortantes,/
mais a desordem se alastra, /mais se multiplicam os regulamentos,/ mais
florescem os ladrões e os bandidos”. ([RAD1] Lao
Tse, Tao te King, citado por Mireille
Delmas-Marty, A criação das leis e sua recepção pela sociedade, Relatório
apresentado ao IX Congresso Internacional de Criminologia, Viena, set. 1983,
Separata do Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 13, de 1983).
Um grupo de
operadores do Direito, formado por advogados, defensores públicos, magistrados,
membros do Ministério Público e professores de Direito Penal, de Direito
Processual Penal, de diversas unidades federativas do País, comprometidos com a
defesa do Estado Democrático de Direito e os princípios fundamentais da
República, consagrados constitucionalmente, como o da cidadania e o da
dignidade da pessoa humana, deliberou criar o Movimento Antiterror. O objetivo desses
profissionais e estudiosos do sistema criminal, que se reúnem sob um pensamento
comum acima de interesses pessoais, materiais ou partidários, é o de sensibilizar os poderes do Estado, os administradores e trabalhadores da
justiça penal, os meios de comunicação, as universidades, as instituições
públicas e privadas, e os cidadãos de
um modo geral, para a gravidade humana e social representada por determinados
projetos que tramitam no Congresso Nacional e que pretendem combater o aumento
da violência, o crime organizado e o sentimento de insegurança com o recurso a
uma legislação
de pânico.
O volume de
adesões ao Movimento
cresce à medida
que os seus princípios fundamentais estão sendo expostos com clareza e vigor.
Além de centenas de contribuições individuais, é relevante o apoio de
instituições de respeitabilidade nacional, a saber: Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCrim), Instituto Carioca de Criminologia (ICC), Grupo
Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal (AID), Instituto
Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), Instituto de Defesa do Direito de
Defesa (IDDD), Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ), Instituto de Ciências
penais de Minas Gerais (ICP/MG), Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná, Curso de Especialização em Advocacia Criminal
da Universidade Candido Mendes (UCAM), Escola Superior de Direito
Constitucional de São Paulo (ESDC), Associação dos Advogados de São Paulo
(ASSP), Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) e Instituto de
Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes (IELF), Associação dos Defensores Públicos do
Rio de Janeiro (ADPERJ).
As
reações iniciais dessa corrente surgiram com o Projeto de Lei nº 5.073/01 e o
seu Substitutivo que, modificando a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84),
elimina o exame criminológico para orientar o juiz quanto a benefícios no
cumprimento da pena privativa de liberdade e institui o Regime Disciplinar
Diferenciado para submeter determinados presidiários ao isolamento celular
diuturno até 720 dias (dois anos!), no interesse da segurança máxima do estabelecimento
penal e do combate às organizações criminosas. Esse Substitutivo, cuidando do
interrogatório do preso na unidade onde se encontra, tem como pretexto a
supressão de despesas e a eliminação de riscos à segurança pública com o
transporte dos réus ao fórum. Uma emenda alterou a proposta original para
introduzir o interrogatório on line. Porém, o Movimento não é uma reação
limitada a essas propostas pontuais, embora elas, por si sós, o justificassem.
Ele surgiu e se expande em proporção geométrica, face à ausência de uma
política pública adequada ao controle da violência e da criminalidade e pelo
fenômeno da legislação de conjuntura que procura suprir a
omissão dos governos quanto aos programas de prevenção e controle dos fatos
anti-sociais. Outras idéias e propostas visando o endurecimento da lei penal e
a mutilação de garantias processuais estão transitando num cenário de
propaganda como a que sustenta a ampliação da pena de reclusão para 40
(quarenta) anos.
Alguns
parlamentares, reagindo emocionalmente a tragédias recentes, que
lamentavelmente ceifaram a vida de juízes, estimulam e direcionam o cenário
do medo com a pretensão de aumentar o rol dos crimes
hediondos quando a vítima for magistrado, membro do Ministério Público ou
Delegado de Polícia. E, traindo o juramento de cumprir a Constituição,
estimulam os cidadãos a reivindicar a aplicação das penas de morte e de prisão
perpétua, provocando um debate estéril frente à natureza pétrea das cláusulas
que proíbem tais penas cruéis. Esses exemplos demonstram a equivocada tentativa
de enfrentar a violência do crime com a violência da lei e de equacionar a
segurança interna dos estabelecimentos penais com a destruição física e mental
de presidiários. Prega-se, aqui e ali, a “novidade” dos juízes
sem rosto, uma débil contrafação de práticas em lugares
dominados pelas turbulências revolucionárias e o triunfo da anarquia.
Montesquieu já deplorava “esse número infinito de coisas que um
legislador ordena ou proíbe, tornando os povos mais infelizes e nada mais razoáveis”.
Continua a valer em nosso tempo a lição imortal grafada em seu Espírito das
leis (1748): “Qu’on examine la cause de tous relâchements, on verra
qu’elle vient de l’impunité des crimes et non de la moderation des peines”.
Ao falar sobre a moderação dos castigos e dos resultados funestos que a sua
crueldade acarreta, Cesare Beccaria afirmou com a sabedoria que os séculos
consagraram, que “o fim das penas não é
atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já foi
cometido” (Dos delitos e das penas, 1764, § XV).
Especificamente
a respeito do projeto do Regime Disciplinar Diferenciado Máximo, destinado aos
presos que “apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento
penal ou a sociedade”, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP) aprovou, no dia 12 do corrente mês e ano, uma Resolução que considera
essa medida “desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentos
penitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estão custodiados,
a teor do que já prevê a Lei nº 7.210/84”. “De fato, [prossegue o parecer
unanimemente aprovado] ao estipular que o preso que cometer infração
disciplinar poderá ser mantido em isolamento por até 30 dias, parece plenamente
assegurada a possibilidade de direção do presídio de punir o preso faltoso e,
ao mesmo tempo, assegurar o retorno à paz no interior do estabelecimento,
valendo lembrar que a aplicação de tal sanção pode ser repetida quantas vezes o
preso infringir, gravemente, a disciplina prisional”.
O
isolamento celular diuturno de longa duração é um dos instrumentos de tortura
do corpo e da alma do condenado e manifestamente antagônico ao princípio
constitucional da dignidade humana. A sua implementação, por essa idéia
antagônica ao objetivo de reinserção social, invoca as palavras inscritas no
átrio do Inferno que a Divina Comédia de Dante Alighieri
registrou para a imortalidade: “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais” (Lasciate
ogne speranza, voi ch’intrate” (Canto III).
Além do mais, a
medida de segregação extremada é praticamente inviável porque não existe na
arquitetura massificadora dos presídios um número suficiente de celas
individuais para abranger as legiões dos diferenciados. A posição do CNPCP, como
órgão oficial que tem, entre outras, a atribuição legal de “propor diretrizes
de política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça
criminal e execução das penas e medidas de segurança” e de “inspecionar e
fiscalizar os estabelecimentos penais” (Lei nº 7.210/84, art. 64, I e VIII),
não foi desqualificada pelo Ministro da Justiça. Ao contrário, na solenidade de
abertura da reunião do Ministério da Justiça com todos os secretários de
Justiça do País e diretores do sistema penitenciário nacional, Márcio Thomaz Bastos
sustentou a necessidade de reconstruir as instituições de combate ao crime.
Segundo noticiou o Jornal do Brasil, na edição de 15 de maio (p. A 2), “o ministro não
poupou nem mesmo a Subcomissão de Segurança Pública do Senado, que, na noite de
terça-feira, aumentou as possibilidades e o tempo em que os detentos podem ser
mantidos isolados, ao votar projeto da Câmara dos Deputados sobre regime
disciplinar diferenciado nas prisões. O ministro criticou as chamadas
‘legislações de pânico’, como, na sua opinião, seria o projeto de lei
aprovado”.
A tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para enfrentar o surto da violência e a
criminalidade organizada, caracterizada pelo arbitrário aumento da pena de
prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigosos durante dois anos
– além de outras propostas fundadas na aritmética
do cárcere – revelam a ilusão de
combater a gravidade do delito com a exasperação das penas. Nesse panorama em
que a emoção supera a razão do legislador, recrudesce o discurso político e se
aviventam os rumos na direção de um direito
penal do terror. Os apóstolos dessa
ideologia, que considera o delinqüente um inimigo interno e socialmente
irrecuperável, não estão vendo a multiplicação dos crimes hediondos (homicídio
qualificado, seqüestro relâmpago ou duradouro, estupro e atentado violento ao
pudor, latrocínio, roubo, tráfico de drogas, etc.) e a repetição cotidiana das
chacinas em bairros e periferias de grandes cidades, apesar da severidade da
lei penal ao tratar dos chamados crimes hediondos. Não percebem ou
fingem não perceber que o crime organizado tem seus vasos comunicantes com a
desorganização do Estado e com o processo desenfreado de corrupção dele
resultante. Ignoram que a lei penal –
por si só – jamais irá desmantelar esse estado
paralelo que afronta a autoridade pública e intimida a população civil
condenada a ficar no meio dos beligerantes (policiais e traficantes),
desviando-se das “balas perdidas”, essa enganosa expressão, um eufemismo do
cotidiano que mascara o anonimato e dilui a responsabilidade criminal. Suprimem
do debate lúcido e da reflexão social a verdade elementar de que a violência e
o crime devem ser enfrentados pela conjugação de esforços das instâncias
formais (lei, Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, instituições,
órgãos e estabelecimentos penais) e das instâncias materiais (família,
escola, associações, universidade, etc) e para as quais devem convergir
sentimentos e valores como a ética e a educação.
As linhas paralelas da violência descontrolada e do crime organizado
são frutos da omissão, incompetência e corrupção dos poderes públicos de todos
os níveis. Essa guerra civil em miniatura deflagrada nos sítios do Rio
de Janeiro traduz, com suas incontáveis vítimas, a crônica de mortes
anunciadas, parafraseando a história antológica de Gabriel Garcia
Marques.
No entanto, é
certo que há muitos anos os assuntos relacionados às causas próximas ou
distantes da violência e da criminalidade estão nas pautas dos eventos científicos,
das investigações de juristas, de trabalhadores sociais, das reivindicações
populares e de setores do Ministério da Justiça sem que os governos que se
alternam no poder tenham considerado as denúncias da crise do sistema e as
propostas para afastá-las. Existe uma
insensibilidade crônica e uma incompetência profunda em áreas relacionadas à
segurança pública e à política criminal e penitenciária da União e dos Estados,
de um modo geral. Alguns exemplos desse hiato entre a
vontade de mudança e a falta de vontade dos governos, podem ser sumariamente
referidos.
Uma comissão de especialistas do sistema criminal brasileiro nomeada
pelo Ministro José Carlos Dias realizou, no ano de 1999, ampla e criteriosa
investigação sobre os fatores determinantes da crise dos meios e métodos de
controle da violência e da criminalidade. Um diagnóstico preliminar e as
primeiras propostas de reformulação do sistema foram apresentados pelo grupo
coordenado pelo Professor Miguel Reale Júnior, antecipando um programa que ele
pretendia implementar durante sua gestão como Ministro da Justiça. Em uma
de suas passagens mais expressivas, o documento acentua: ”A violência, com sua correspondente carga de criminalidade, passa a
ser, então, um dado componente do cotidiano, ubíquo no dia a dia. Na sociedade
globalizada na qual os meios de comunicação possuem um imenso poder de fogo, a
percepção da violência prescinde da experiência pessoal, de sorte que se torna
mais comunicacional que experimental. A dramatização da violência adquire,
então, uma importância significativa na medida em que se torna um fator de
dimensão política. Um sentimento de total intranqüilidade é implantado no seio
da sociedade e o medo contagia a todos de forma tal que a segurança do cidadão
ocupa a centralidade do ideário popular. Os meios de comunicação social, esses
terríveis fabricantes do medo, aliados a agrupamentos políticos, difundem, em
nome da segurança coletiva, uma escalada do poder repressivo do Estado. As
subseqüentes leis de crimes hediondos foram criadas para atender aos reclamos
de segurança expressos pela opinião pública manipulada e provocaram uma
exacerbação punitiva que não produziu efeito conseqüente algum. O quadro que
segue com os gráficos em anexo deixou patente que, após a aposição da etiqueta
de hediondo em diversos crimes, verificou-se, no período de 1991 a 1998, em
relação a tais delitos, ou uma incidência sensivelmente aumentada (homicídio
doloso e tráfico ilícito de entorpecentes) ou uma significativa estabilidade.
As leis de crimes hediondos foram de total inocuidade”.[1]
Após a colheita de dados oficiais e informações de setores
qualificados da administração pública e da promoção de entrevistas e audiências
públicas, além do exame afeto aos problemas referentes à delinqüência juvenil e
às agências do sistema penal (Polícia, estabelecimentos e instituições
penitenciárias, Ministério Público e Magistratura), a comissão divulgou as principais propostas. Merecem destaque as
seguintes:
(1)
Centros
Integrados de Cidadania (CICs). A reocupação, pelo Estado, nas
periferias das grandes cidades, das áreas abandonadas pelo poder público e a
implementação de políticas na área social, redutoras da violência e da
criminalidade. O vazio provocado pela ausência do Estado tem aberto ensejo para
a prática de atos de violência, especialmente entre os jovens, frustrados na
falta de oportunidades no mercado de trabalho e vulneráveis a atividades
delituosas. Incumbe ao Estado prover equipamentos para tornar possível a
reestruturação de espaços públicos, sobretudo escolas, à disposição das
comunidades fora dos horários curriculares para estimular vários tipos de
aprendizado e lazer. As ações preventivas devem ser conjugadas entre a
comunidade e a polícia para se alcançar resultados positivos assim como ocorreu
no Jardim Ângela, onde a criminalidade apresentou acentuada redução após a
instalação de postos de policiamento e esporte. Outra experiência deve ser
mencionada. Ela ocorre em ponto limítrofe do município de São Paulo, no bairro
de Itaim Paulista, com o funcionamento de um Centro de Integração da Cidadania
(CIC), reunindo o Juizado Especial Cível, Ministério Público, Delegado de
Polícia, destacamento da Polícia Militar, agência do Procon e auxiliares
técnicos (assistentes sociais e psicólogos). Em face da presença desses agentes
e de benéfica atuação, os conflitos passaram a ter mediação acessível. Numa de
suas reuniões, havida com a presença do Ministro da Justiça, José Carlos Dias,
a comunidade manifestou a importância fundamental da presença das autoridades
para resolver incidentes e prevenir fatos graves contra a segurança. No ano
seguinte à instalação da CIC no aludido bairro não houve nenhum homicídio
durante os dias de Carnaval, ao contrário do ano anterior que registrou 27
crimes dessa natureza. A proposta de
instalação de um maior número de CICs na capital de São Paulo[2],
foi vivamente apoiada em visitas da Comissão junto ao Poder Judiciário
paulista. Primeiramente na Escola Superior da Magistratura sob a direção do
Desembargador Cezar Peluso, um dos idealizadores dos Centros, e depois com o
Desembargador Márcio Bonilha, presidente do Tribunal de Justiça. Uma
experiência análoga ocorreu no Rio de Janeiro, na gestão do Professor Nilo
Batista à frente da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, no Governo
Leonel Brizola.
(2)
Plantões
sociais em Delegacias de Polícia. A criação dessa modalidade de
plantão nas Delegacias de Polícia reunindo assistentes sociais, insere-se num
conjunto de medidas de prevenção da criminalidade mais grave e revela a atuação
moderadora do Estado em conflitos de rotina.
(3)
Modelo
nacional de dados. É absolutamente urgente a criação de um modelo
nacional de tratamento, estruturação e apresentação de dados criminais para
utilização nas áreas federal e estadual visando resultados compatíveis com um
sistema de informatização indispensável à modernidade e eficiência do sistema
criminal.
(4)
Integração
das polícias Civil e Militar. Não é mais tolerável a carência
de entrosamento dessas instituições que em inúmeras situações realizam
atividades superpostas para alcançar a mesma finalidade: prevenção e repressão
das atividades criminosas. A separação operacional enseja a duplicidade de
ações e a geração de conflitos em prejuízo da segurança coletiva e de recursos
públicos. A falta de integração e outros fatores negativos, como a má
remuneração, têm estimulado o crescimento da polícia privada sem a
correspondente qualificação de seus integrantes.
(5)
Reequipamento
imediato do sistema penitenciário nacional.
Uma política devidamente
programada deve evitar os nós de estrangulamento no sistema como ocorre
atualmente com a existência de um número avultado de estabelecimentos
prisionais fechados sem a necessária correspondência com o número de
estabelecimentos semi-abertos. Com essa distorção, não se viabiliza a
progressão de regime, impedindo-se o cumprimento da Lei de Execução Penal. Tal
situação prejudica um imenso número de condenados pobres – que constitui a
grande maioria da população carcerária – mantendo-os em regime fechado quando
já adquiriram o direito de serem transferidos para o regime semi-aberto
(colônia agrícola, industrial ou similar). Incidentes graves, rebeliões e
mortes são alguns dos fatos provocados pelas tensões que resultam dessa
anomalia. Por outro lado, em relação aos presos que têm uma defesa eficiente,
surge a possibilidade de obter a transferência para o regime aberto (diante da
ausência de vaga ou inexistência de estabelecimento penal semi-aberto),
fomentando-se assim o sentimento de desigualdade e injustiça interna.
(6)
Escolas
de preparação e integração. É
fundamental que integrantes do sistema criminal (magistrados, membros do
Ministério Público e Delegados de
Polícia), por meio de suas respectivas
escolas, promovam o intercâmbio de informações e reflexões para a avaliação dos
problemas do sistema de justiça criminal, interagindo-os em suas atividades e
preparando-os para atuação criativa e crítica no contexto social e para o
atendimento da população de que são servidores.
(7)
Meios de
comunicação e universidades. Há
necessidade de uma convocação dos meios de comunicação social e das
universidades para a discussão pública dos assuntos relacionados à justiça e à
segurança a partir da realidade dos dias presentes.
(8)
Reordenação
do sistema de penas. No contexto de uma
política criminal e penitenciária adequada é urgente a reordenação do sistema
de penas para ajustá-lo às recentes inovações legislativas e harmonizar os
princípios e regras do Código Penal com a legislação especial.
(9)
Reexame
da Lei de Execução Penal. O tempo de permanência
em cada fase do regime progressivo, a punição por faltas disciplinares, as
atividades das comissões técnicas de avaliação, remição, trabalho do preso,
etc., são aspectos merecedores de um reexame para propor modificações
necessárias.[RAD2]
(10)
Revisão
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A discussão pública em torno do
rebaixamento do limite de idade da imputabilidade penal, com a forte tendência
de redução, apesar da cláusula pétrea da Constituição não permitir emenda,
exige dos profissionais e estudiosos do sistema a consideração de uma via
intermediária. Assim, é oportuno rever o aumento do tempo de internamento dos
menores em relação aos atos infracionais extremamente graves, bem como o
levantamento dos problemas determinantes da rotina de crises e rebeliões nos
estabelecimentos destinados ao internamento. Não, porém, o rebaixamento do
limite de idade para submeter os menores de 18 anos à legislação e aos
processos de adultos.[3]
(11)
A maior e melhor aplicação das penas
restritivas de direitos. Entre
as alternativas à prisão destaca-se a pena de trabalhos gratuitos em favor da
comunidade que deve ser aplicada para um número maior de situações em face de
sua melhor resposta ao fato delituoso que a opção do sursis simples. Por
outro lado, é essencial que entre o juiz da execução e os destinatários dos
trabalhos sejam criados serviços e adotadas medidas que possam viabilizar o
objetivo de utilidade social e participação comunitária do infrator.
(12)
Criação
e ampliação dos quadros da Defensoria Pública. A
Defensoria Pública, consagrada pela Constituição de 1988 como a instituição de
amparo dos necessitados, somente em poucas unidades federativas está
estruturada suficientemente e em outras tantas inexiste. A implementação de
seus quadros é uma das exigências fundamentais numa política de prevenção da
violência e criminalidade, graças à
possibilidade de efetivar os direitos e as garantias dos cidadãos.
(13)
A
assistência ao egresso. É essencial que o egresso
e o liberado condicional possam ter asseguradas as possibilidades de participação
nos mercados de convivência saudável e de trabalho lícito na comunidade.
Somente assim é possível efetivar o primeiro artigo da Lei de Execução Penal
que declara o objetivo de reinserção social.
(14)
Incorporação ou consolidação da legislação
especial. Um dos graves problemas enfrentados pelos operadores
do Direito Penal em suas atividades rotineiras é a inflação legislativa. É
fundamental que o Brasil assimile a experiência da lei delegada para as
codificações de normas penais, de processo penal e de execução penal como
ocorre na experiência bem sucedida de Portugal, Itália e outros países. Outra
opção será a exigência de lei complementar para a elaboração de normas
penais e de processo penal. Tal hipótese virá eliminar, certamente, a saga das leis
de conjuntura, caracterizadas pela iniciativa de parlamentares em propor
solução exclusivamente legal para atender fatos anti-sociais de extrema
complexidade.
Esse levantamento teve, entre muitos outros antecedentes, um marco
especial surgido no período de redemocratização do País, caracterizado pelo
mandato e esforços do último presidente militar. Ele envolveu pesquisadoras,
juristas e cientistas sociais também no âmbito do Ministério da Justiça a
partir de 1979, portanto, há mais de vinte anos. Os estudos mostraram, invariavelmente, a precariedade do sistema
e a necessidade urgente de se elaborar uma política criminal e penitenciária em
harmonia com as necessidades do País e as esperanças populares. No ato
de constituição do primeiro daqueles Grupos de Trabalho, o Ministro da Justiça,
Petrônio Portella, destacou os objetivos da investigação: a) o sistema penitenciário; b)
a violência e a criminalidade dos grandes centros populosos; c) o aprimoramento da legislação; d) a observância, na consecução de tais
propósitos, do interesse social e dos direitos que integram o patrimônio dos
direitos humanos; e) a atualização
das organizações policiais para melhor atender aos objetivos de prevenção e
repressão da violência e da criminalidade.[4]
O outro Grupo, integrado por cientistas sociais, era constituído dias após com
a finalidade de apresentar minucioso estudo interdisciplinar sobre o delito e a
violência, acompanhado de sugestões para orientar as ações governamentais. As
preocupações daquela segunda iniciativa ministerial se concentraram nos
seguintes aspectos: a) vitimidade
decorrente da violência e da criminalidade, nos centros urbanos de maior
densidade populacional; b) a defesa dos direitos humanos do
preso diante dos abusos cometidos pelo Estado nas tarefas de correção e
repressão; c) a interação entre a
Criminologia e a administração da justiça penal, visando o controle da
delinqüência e a recuperação do infrator.[5]
Os minuciosos relatórios, apresentados
após vários meses de intenso labor e da
colheita de informações e sugestões de variadas fontes, foram publicados pelo
Ministério da Justiça.[6]
Seguiram-se debates na imprensa e em diversos cenários acadêmicos e
profissionais.
Poucos anos antes, no âmbito da Câmara dos Deputados, foi instaurada
uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a proceder o levantamento da
situação penitenciária nacional. O relator daquela investigação, Deputado
Ibrahim Abi-Ackel, apresentou conclusões dramáticas sobre as deficiências do
sistema carcerário, verdadeiras “sementeiras de reincidência” e as
flagrantes omissões dos poderes públicos.[7]
Em junho de 1980 instalou-se em Brasília o Conselho Nacional de
Política Penitenciária, criado em 1975 através do Decreto nº 76.387, com o
propósito de viabilizar a reforma penitenciária que deveria ser introduzida no
País. Com o advento da Lei nº 7.210, de
11 de julho de 1984, as atribuições daquele órgão foram ampliadas para se
atender diversos objetivos relacionados à prevenção do delito, administração da
justiça criminal e execução das penas e medidas de segurança. Surgia, então, o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, com detalhadas e
oportunas metas em âmbito federal e estadual, como se verifica pelo art. 64 da
respectiva lei. Desde a sua criação esse órgão tem elaborado, mercê do esforço
e idealismo de seus membros –
profissionais independentes e estudiosos do sistema criminal que prestam
serviço público relevante – uma extensa pauta de propostas e diretrizes visando
reduzir os fatores determinantes da violência e da criminalidade.
Ao lado das atividades do CNPCP e dos conselhos estaduais, também
dedicados à investigação dos problemas do crime e da prisão e à apresentação de
caminhos de solução, o mundo científico e acadêmico tem revelado, ao longo dos
últimos trinta anos, uma notável contribuição para esse mesmo objetivo.
Congressos, seminários, conferências, aulas, palestras, painéis e outros
eventos têm tratado das questões criminais e penitenciárias com extraordinário
afinco e notável competência.
Publicações periódicas específicas como a Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Boletim (IBCCrim), Discursos sediciosos, do Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e
outras, a exemplo da Revista de Estudos
Criminais, do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC) e da Revista Síntese de Direito Penal e
Processual Penal, abordam com grande intensidade os aspectos críticos do
sistema criminal brasileiro sem deixar de oferecer contribuições para a
erradicação ou atenuação dos males. O mesmo ocorre nas seções especiais de
revistas clássicas nos campos do Direito e da Justiça como a Revista Forense e a Revista
dos Tribunais.Mas, se existem inúmeras propostas para a erradicação da
crise; se há uma inflação legislativa nos domínios penal, processual e de
execução penal[8]; se existem
as agências de controle da criminalidade (Polícia, Ministério Público, Poder
Judiciário, instituições e estabelecimentos penais); se o Congresso Nacional
está funcionando e o Presidente da República jurou cumprir a Constituição, que
destaca a segurança entre os bens fundamentais, por que o sistema criminal
brasileiro atingiu essa crise sem precedentes em toda a história do Estado e da
Nação?
É certo que somente duas palavras podem e devem ser utilizadas para
reverter esse malsinado quadro: vontade
política.
Falta a vontade política nos governos de todos os níveis para com o
problema da segurança pública e da melhor administração da justiça criminal que
são gêneros de primeira necessidade. O preconceito, a omissão, a incompetência e a corrupção, como pontos
cardeais para as viagens da insegurança e da anomia, destamparam a Caixa
de Pandora do crime organizado e, cumprindo fielmente a lição da fábula,
deixaram escapar uma multidão de pragas que atingiu a sociedade inteira com os
seus terríveis males.
Em Manifesto divulgado nos mais variados círculos da opinião
pública, o Movimento Antiterror
registra que em 1995 o censo penitenciário indicava existência de
148.760 presos no País, ou seja, 95,4 para cada 100 mil habitantes. Hoje,
segundo o Ministério da Justiça, há 248.685 presidiários, isto é, 146,5 presos
para cada 100 mil habitantes. É uma tendência de crescimento assustadora, mas
não menor que a do aumento da criminalidade que a prisão supostamente
diminuiria. Essa lamentável estatística revela três causas bem definidas: a)
a herança de condenações massificadoras fundadas na lei dos crimes
hediondos; b) a não utilização, em níveis mais satisfatórios, das penas
alternativas; c) a falta do
reconhecimento de benefícios na execução da pena (progressão de regime e
livramento condicional, etc.), em relação aos condenados pobres e que não têm a
assistência da defensoria pública, instituição que a Constituição declara como
fundamental para atender aos necessitados mas que não tem os seus quadros
criados ou providos suficientemente no
País. Vale transcrever:
“Chega de cortinas de fumaça! Um
grande exército de jovens brasileiros está condenado ao mundo do crime, sem
perspectiva de estudo ou de trabalho. Apesar disso as grandes cidades
brasileiras não têm políticas públicas voltadas para reverter o quadro de
exclusão que as atinge. A origem e o impulso da violência brasileira estão na
marginalidade, não na frouxidão das leis penais.
(…)
“Queremos as forças armadas nas ruas? Queremos tanques de guerra
voltados para os morros e para as periferias das grandes cidades? Queremos
guetos? Queremos uma política informal de extermínio de bandidos? Queremos mais
presos? Queremos um milhão de presos? Queremos crianças sendo tratadas como
delinqüentes e delinqüentes sendo tratados com animais? São estes os ideais
brasileiros de segurança pública?
“No combate à violência, é preciso, antes de tudo, acertar o alvo.
Mais ameaçadora do que a ação cotidiana do crime organizado é a falência do
poder público. O sistema penitenciário brasileiro é frágil, cruel e corrupto.
Nossas polícias são violentas, desarticuladas, despreparadas e também
corruptas.
“A possibilidade de um preso possuir telefone celular e liderar sua
gangue é muito mais perigosa do que a possibilidade de progressão de regime no
sistema penitenciário. O Brasil precisa de uma gestão eficiente e controlada do
sistema carcerário, não de pirotecnia legislativa, boa somente para enganar a sociedade,
útil apenas para campanhas eleitorais.
“Mais assustador do que o envolvimento crescente de jovens no tráfico
de drogas, tratados com o rigor estrábico da lei dos crimes hediondos, ainda
que pés-de-chinelo, é o livre trânsito das armas nos redutos do crime.
Isso se resolve com inteligência policial, não com cassetete em punho ou com
canhão do Exército.
“Assistimos, mais uma vez, ao espetáculo político do vendaval
repressivo –fadado ao fracasso, porém capaz de estimular mais violência e de
eliminar do horizonte conquistas civis inestimáveis. Nossa pretensão é dirigir,
de forma sistemática, um olhar crítico e rigoroso para a atuação das
autoridades brasileiras.
É possível ser duro com a criminalidade e radical na preservação de
direitos e garantias individuais”.[9]
Relativamente à situação
carcerária nacional, convém lembrar que a Constituição do Império (1824),
procurando romper com a herança de atrocidades das penas cruéis e desumanas
orientadas pela ideologia das terríveis Ordenações portuguesas, declarava
que “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas
para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus
crimes” (art. 179, XXI). Até hoje aquela proclamação otimista é ignorada
pelos governos que se sucedem na história republicana na quase totalidade dos
estabelecimentos penais brasileiros. Na verdade, as sucessivas crises
penitenciárias não resultam da ausência de leis, mas, sim, da desobediência
secular do poder público em torná-las efetivas. Apesar da Lei de
Execução Penal (1984), se preocupar com a formação de quadrilhas nos presídios
e com a segurança interna, prevendo a construção de presídios federais “em
local distante da condenação para recolher, mediante decisão judicial, os
condenados à pena superior a 15 (quinze) anos, quando a medida se justifique no
interesse da segurança pública ou do próprio condenado” (art. 86, § 1º),
somente agora – 18 anos após o início
de sua vigência – se anuncia a primeira dessas obras, no Estado do Mato Grosso
do Sul. Quanto tempo foi perdido e quantas vítimas devem ser lamentadas em face
do aparecimento e progressão dos diversos comandos que administram o
crime organizado do interior dos presídios e seqüestram o sentimento de
segurança de megalópoles?
A histórica falta de recursos humanos e materiais, a incompetência
técnico-administrativa e a sistemática indiferença dos governos para com os
sintomas da anomia e insegurança projetados pelas cotidianas rebeliões
carcerárias converteram a estrutura e a vida dos estabelecimentos penais em
“erros monumentais talhados em pedra” como já foi dito alhures.
A população brasileira não pode mais ser enganada com medidas
paliativas e mentiras legislativas que,
além de ofenderem o espírito da Constituição, retardem ainda mais as reformas sérias e indispensáveis.
De tudo quanto já foi dito e o mais que será objeto de reflexões do
presente e do futuro, pode-se concluir afirmando que:
O Estado não cumpre as leis criminais que promulga;
O Estado não oferece um sistema carcerário minimamente eficiente para
manter, tratar e recuperar o preso;
O Estado não tem política criminal, educacional, de saúde pública ou
de assistência aos excluídos;
O Estado permite que os seus agentes integrem o crime organizado ou
por ele sejam corrompidos;
O Estado é negligente ao desconsiderar a realidade nacional e os dados
científicos e estatísticas das ciências penais e sociais para elaborar uma
competente Política Criminal e Penitenciária de médio e longo prazo;
O Estado, em nenhuma de suas
instâncias (Legislativa, Executiva ou Judiciária), pode tributar ainda mais o
cidadão para confiscar-lhe, agora, não mais os valores pecuniários, porém os
mais elementares direitos para uma vida digna de ser vivida.
O Movimento Antiterror não defende a impunidade ou a lassidão
legal; não protege e nem representa uma determinada classe ou grupo social ou
econômico; não tem interesses eleitoreiros e não está ao serviço de objetivos
que comprometam o conceito das pessoas físicas e jurídicas que o representam.
O Movimento Antiterror pretende, com a sensibilidade e a
consciência de cidadãos que há muitos anos se dedicam ao estudo dos problemas
da violência e da criminalidade e também com o entusiasmo e o coração dos
estudantes que sempre advogam a causa da dignidade do ser humano, proporcionar
ao país e à nação um material de reflexão para a adoção de novos caminhos em
favor da segurança popular e da eficiência na
administração da justiça.
E também para acreditar que ainda resta a esperança no fundo da Caixa
de Pandora. Esperança que no dizer do Padre Antonio Vieira, “é a mais doce
companheira da alma”.
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 20 de maio de 2003.
[1] O relatório,
com seus quadros gráficos, análise e diagnóstico, foi publicado pela Revista Brasileira de Ciências Criminais,
nº 30 (abril-junho de 2000). As
passagens transcritas estão nas páginas
348/349.
[2] No tempo da
publicação do relatório havia somente dois centros.
[3]
O novo Código Civil, ao estabelecer a incapacidade relativa dos maiores de 16
(dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos (art. 4º, I), reforça o entendimento
– válido para o terreno do Direito Penal – de que essa faixa etária não é
indicativa de entendimento e de autogoverno para a exata compreensão de certos
atos e a maneira de os exercer.
[4] Portaria nº
689, de 11.7.1979.
[5] Portaria nº
791, de 14.8.1979.
[6] Criminalidade e violência, Brasília:
Departamento de Imprensa Nacional, 3 volumes, 1980.
[7] O denso
relatório e as apropriadas conclusões da CPI foram publicadas no Diário do Congresso Nacional, suplemento
ao nº 61, de 4.6.1976, p. 5.
[8] A
inesgotável capacidade legiferante atingiu marcas absurdas nos últimos tempos:
mais de 120 diplomas especiais (leis, decretos-leis e decretos) compõem essa
carga intolerável de normas.
[9] Textual do Manifesto.
I-
Intróito
Após
alguns anos de estudo sobre o impacto da informática nas relações jurídicas
estabelecendo contato através da internet
com estudiosos dos mais diversos países recebemos o convite do Prof. Carlos
Gregório que é Doutor pela Universidade de Buenos Aires e professor da
Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais para participar de um dos mais
importantes Seminários já realizados em toda a América Latina abordando as
questões inerentes ao estreito vínculo existente entre a internet e o sistema judicial.
Neste
encontro serão discutidos temas como as características da informação judicial,
acesso e dados sensíveis; uso e usuários da informação judicial;
vulnerabilidade derivada da difusão de informação judicial; exposição das leis
e soluções normativas; soluções eletrônicas; ações para estabelecer um
equilíbrio entre a transparência, acesso a informação e direito de intimidade e
privacidade.
Estarão
presentes e reunidos no sudoeste da América Central na República da Costa Rica
Ministros das Cortes Supremas de todos os países da América Latina e Caribe
para discutir os temas acima relacionados com objetivo de criar um padrão a ser
adotado pelos países participantes no trato destas questões.
Referido
evento traz questionamentos e preocupações importantes com a utilização dos
dados judiciais que muitas vezes tem influência na vida do jurisdicionado e que
merece um tratamento específico e cauteloso para que não venha a lesionar
direitos já assegurados pelo ordenamento jurídico de cada país.
II- O reflexo da tecnologia no Direito
Não
podemos mais fechar nosso olhos para o binômio direito versus informática que tem suscitado uma série de situações que
levam os estudiosos do direito a depararem-se com situações totalmente novas
que requerem estudos inovadores representando um verdadeiro desafio aos
profissionais do direito.
As novas
tecnologias são desenvolvidas de forma veloz impedindo o devido acompanhamento
simultâneo dos juristas no sentido de elaborar leis e estudos que viabilizem um
regular manuseio dos instrumentos eletrônicos. Assim atestamos um abismo
profundo entre o fático e o jurídico – e o conseqüente debate que isso provoca
– em virtude da existência de outros e novos institutos jurídicos, pelo
surgimento de realidades (o fato) antes desconhecidas; o revigoramento e
adaptação de enfoques outrora consolidados sobre alicerces que se modificam
permanentemente; a presença de direitos e valores que – hoje se enfrentam em
outra esfera (no mundo virtual) e que requerem definições jurídicas, sejam de
origem legal ou judicial.
E patente aos profissionais da área jurídica responsáveis
pela busca de soluções apropriadas a reformulação dos institutos jurídicos
clássicos com o fulcro de serem transplantados para outro âmbito (do mundo
real, para o virtual) e assim solucionar os conflitos que ameaçam as garantias,
direitos e valores em um ambiente diverso, o virtual.
As questões surgidas colocam em xeque um gama variadíssima
de direitos que em algumas situações são ameaçados de violação como os direitos
a liberdade de expressão, liberdade de informação, regulamentação legal, tutela
da privacidade, dos direitos personalíssimos, direito de propriedade, acesso as
bases digitais de dados que contenham informações sensíveis, propriedade
intelectual, direitos do autor, contratação por meios eletrônicos, delitos
informáticos, responsabilidade civil – contratual e extracontratual direta e
indireta – dos diversos sujeitos intervenientes.
O tema que
caberá a nós apresentar no Seminário é o que diz respeito a discriminação do
trabalhador em virtude da difusão de informações judiciais na internet.
Primeiramente,
devemos informar que em nosso país existem três graus de jurisdição por onde
uma reclamação trabalhista poderá tramitar, sendo que em cada um deles, são
difundidas informações por intermédio da Internet nas respectivas home-pages oficiais.
No
primeiro grau existem atualmente 1.109 Varas do Trabalho (denominação ensejada
pela Emenda Constitucional nº 24/99 extinguindo a antiga denominação de Juntas
de Conciliação e Julgamento) compondo-se de um juiz do trabalho titular e um
substituto, os quais julgam os dissídios individuais que são controvérsias
provenientes das relações de trabalho estabelecidas entre empregador e
empregado e tendo a jurisdição equivalente a circunscrição de um município,
sendo que em comarcas que não exista varas especializadas o juízo comum poderá
processar os dissídios.
No segundo grau possuímos os Tribunais Regionais do Trabalho
sito: 1ª Região (Rio de Janeiro); 2ª Região (São Paulo); 3ª Região (Minas
Gerais) 4ª Região (Rio Grande do Sul); 5ª Região (Bahia); 6ª Região (Pernambuco);
7ª Região (Ceará); 8ª Região (Pará e Amapá); 9ª Região (Paraná); 10ª
Região (Distrito Federal); 11ª Região (Amazonas); 12ª Região (Santa Catarina);
13ª Região (Paraíba); 14ª Região (Rondônia); 15ª Região (Campinas/SP); 16ª
Região (Maranhão); 17ª Região (Espírito Santo); 18ª Região (Goiás); 19ª Região
(Alagoas); 20ª Região (Sergipe); 21ª Região (Rio Grande do Norte); 22ª Região
(Piauí); 23ª Região (Mato Grosso); 24ª Região (Mato Grosso do Sul) que têm a
competência de julgar recursos ordinários contra decisões de Varas do
Trabalho, agravos de instrumento, ações originárias
(dissídios coletivos de categorias de sua área de jurisdição – sindicatos
patronais ou de trabalhadores organizados em nível regional), mandados de
segurança , ações rescisórias de decisões suas ou das JCJs etc.
A Constituição Federal de
1988 estabelece que “haverá pelo menos um TRT em cada Estado e no Distrito
Federal” (art.112). Atualmente, existem 24 TRTs sendo que em São Paulo
existem dois, um na Capital, outro em Campinas. Os Estados de Tocantins, Acre,
Roraima e Amapá permanecem sem Tribunais Regionais do Trabalho
No
terceiro grau de jurisdição possuímos o Tribunal Superior do Trabalho que tem
por principal função uniformizar a jurisprudência trabalhista. Julga recursos de revista, recursos ordinários e agravos de instrumento contra
decisões de TRTs e dissídios coletivos
de categorias organizadas em nível nacional, como bancários, aeronautas,
aeroviários, petroleiros e outros, além de mandados de segurança, embargos
opostos a suas decisões e ações
rescisórias. É composto por 17
ministros, togados e vitalícios, nomeados pelo Presidente da República.
Todos os
Tribunais e a Corte Superior Trabalhista possuem na internet sites que
veiculam informações processuais, disponibilizam e-mail’s, atas de audiência,
sentenças, alguns peticionamentos eletrônicos, cálculos trabalhistas, dentre
outras funções de extrema importância para o jurisdicionado e o advogado.
IV-
Utilidades provenientes da disponibilização de informações judiciais na
Internet
No Brasil
muitas utilidades são proporcionadas pelas home-pages
mantidas pelos órgãos judiciais trabalhistas. Nelas é possível protocolar,
desde que respeitada as normas técnicas estabelecidas pelo Tribunal
correspondente, uma petição economizando tempo e recursos.
Os
processos podem ser consultados pelo número por qualquer usuário, permitindo o
conhecimento do andamento processual, bem como das decisões correspondentes.
Podem
também ser obtidos nesses sites
informações sobre seus juízes, sobre o histórico do Tribunal, notícias e e-mail’s para contato com a
administração ou até mesmo, diretamente com os juízes, encurtando assim
distâncias.
As
decisões dentre os vários tribunais podem ser confrontadas servindo de subsídio
para recursos e argüição de divergência jurisprudencial.
Essas
facilidades proporcionadas pelos órgãos judicantes visam e efetivam uma maior
presteza na atividade, bem como a aproximação da Justiça até as localidades
mais distantes e de difícil acesso, tornando a prestação jurisdicional mais célere
e eficaz.
Preocupados
com a lesão a direitos do cidadão em virtude da propagação de informações sobre
as decisões judiciais pela Internet,
muitos países da América Latina resolveram de forma simplista desconsiderar e
desprover de validade jurídica e legal as decisões extraídas virtualmente
considerando que os sites
disponibilizados pelos órgãos judiciários teriam apenas a função de informar
sem, contudo, reconhecer a autenticidade das decisões achando que esta seria a
melhor forma de resolver o problema
O ensaio
intitulado “Una web sin seguridad
jurídica: la del Tribunal Supremo de Justicia (TSJ) venezoelano(1)” de autoria do advogado Zdenko
Seligo e publicado na edição de dezembro da Revista Eletrônica de Derecho
Informático(2).demonstra bem o
equívoco deste pensamento
Nele o
articulista expõe grande e coerente insatisfação com a decisão do Supremo
Tribunal de Justiça da Venezuela que não reconhece nenhuma eficácia, nem valor
jurídico as sentenças disponíveis em seu próprio site na web.
Segundo a
sentença nO.2031 de 19 de agosto de 2002 da Sala Constitucional do
Tribunal Supremo da Venezuela extraída de seu ‘inseguro’ site “….o sitio em questão
foi desenhado como “um meio auxiliar de divulgação de sua atividade judicial”,
é dizer, que tem uma finalidade notadamente informativa pois busca simplesmente
divulgar sua atuação sem que, de forma alguma, possa substituir a informação
alí contida como a que repousa nos expedientes. E neste sentido, a referida
página web expressamente faz a advertência ao dispor na seção termos e
condições de uso que: “O Tribunal Supremo de Justiça, com os fins de melhorar o
serviço que presta aos jurisdicionados e a comunidade em geral, publica dados
relativos a sentenças, contas, casos e outras atividades associadas a sua
função jurisdicional, usando para isso mecanismos telemáticos como seu sítio
web na internet www.tsj.gov.ve. A veracidade e exatidão de tais dados deve ser
contrastada com os originais que repousam nos arquivos e demais dependências
das Salas deste Tribunal. As informações antes mencionadas tem um sentido
complementar, meramente informativo, reservando-se este alto Tribunal a
potestade de modificar, corrigir, emendar ou eliminar aquilo que por erro
técnico ou humanos tenham sido publicadas com inexatidão.”(3)
Zdenko
Seligo diz em seu artigo que o acesso à página gera temor e pânico, pois
implica em desconfiança e atraso e que, apesar da mais alta Corte do Poder
Judiciário ter um elevado custo de infra-estrutura em hardware e software, as
decisões extraídas de sua web, não
podem ser consideradas como meio de prova, nem sequer representam uma presunção
ou indício.
Ao estudarmos o caso
resolvemos então saber como o assunto vem sendo tratado em nosso país.
VI- Jurisprudência nacional (brasileira) extraída dos sites de Tribunais
Para nosso espanto
algumas decisões encontradas tem o mesmo sentido da decisão da Suprema Corte
Venezuelana entendendo por rejeitar a validade judicial dos pronunciamentos
judiciais veiculados em seus próprios sites.
Antônio de Pádua Ribeiro
Ministro do Superior Tribunal de Justiça é contundente no relato do Agravo de
Instrumento julgado pela Corte Superior dizendo que “Nem a internet, nem outro meio eletrônico é repositório oficial de
jurisprudência.(4)
Milton de
Moura França Ministro do Tribunal Superior do Trabalho em Julgamento de
Embargos no mesmo sentido diz que “o
artigo 331, § 4º, do RITST, por sua vez, elenca como fontes oficiais de
publicação dos julgados apenas o Diário da Justiça da União e dos Estados, a
Revista do Tribunal Superior do Trabalho, a Revista de Jurisprudência
Trabalhista do TST, as revistas publicadas pelos Tribunais Regionais do
Trabalho e os repositórios autorizados à publicação da jurisprudência
trabalhista. Nesse contexto, são imprestáveis à comprovação da divergência
jurisprudencial os arestos que trazem como fonte de publicação apenas o
endereço desta Corte na “internet”, que, conforme se depreende do
Regimento Interno desta Corte, não figura dentre as fontes oficiais de publicação
de julgados.(5)
Haydevalda
Sampaio Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal considera em
julgado que a internet é mero
subsídio ao advogado e as partes(6).
Nesse
sentido a jurisprudência tem considerado que as decisões disponibilizadas nos sites dos Tribunais tem a função
meramente informativa.
VII- Revista Eletrônica da Jurisprudência do STJ
Felizmente,
a jurisprudência começou a entender que a validade das decisões veiculadas nos sites dos Tribunais traria grandes
benefícios e economia a todos que desejassem em processo judicial utilizar de
maneira eficaz as decisões extraídas da grande rede. Assim em lúcido julgamento
o Ministro Ruy Rosado de Aguiar considerou que “indicado como paradigma acórdão do próprio STJ, com referência ao
Diário da Justiça da União, órgão de publicação oficial, e com a reprodução do
inteiro teor divulgado na página que o STJ mantém na internet, tem-se
formalmente satisfeita a exigência de
indicação da fonte do acórdão que serve para caracterizar o dissídio”.(7)
**Após
esse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça foi ainda mais além, resolveu
através do Ato n 88 de 14 de junho de 2002 criar a Revista Eletrônica da
Jurisprudência onde foram disponibilizados em formato texto, no site do STJ
acórdãos na íntegra em página certificada, ou seja, não necessitarão de
autenticação no momento em que forem utilizados em processos judiciais.
Assim,
profissionais dos quatro cantos do país poderão, com segurança, rapidez e
economia acessar a página daquela Corte Superior e extrair as mais variadas
decisões sem custo adicional necessitando apenas de um computador, impressora e
papel.
Portanto,
queremos registrar nosso aplauso pela jovialidade desta Corte Superior
esperando que o exemplo seja seguido por todas as Cortes Estaduais para uma
melhor efetivação e utilidade das páginas oficiais disponíveis, fugindo da
pecha de serem apenas instrumentos de mera informação.
VIII- Inovação trazida pelo novo Código Civil
brasileiro
Porém,
essa situação modificou-se a nosso ver, com o advento do novo Código Civil
brasileiro que trouxe muitas e importantes inovações em benefício da sociedade.
A lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 que o instituiu dentre suas diversas
premissas possibilitou em seu artigo 225 que:
Art. 225. As reproduções fotográficas,
cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras
reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena
destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
Assim o
reconhecimento de um documento como verdadeiro deixou de ser previamente
exigido como vinha ocorrendo em diversas repartições e processos judiciais. Com
o dispositivo acima referido, nossa legislação passou a prestigiar o chamado princípio da verdade documental que
considera o documento como verdadeiro até que provem o contrário.
Institui-se
com isso, semelhança com o direito penal quando assevera que o réu é
considerado inocente (princípio) até que se prove o contrário em sentença
transitado em julgado. Da mesma forma o documento ou a firma deverá ser
considerada autentica até que seja constestada e, em seguida, provada sua
inautenticidade por intermédio de um exame pericial ou grafotécnico conforme o
caso. Vale lembrar que, mesmo documentos autenticados e com firma reconhecida
podem sofrer contestação quanto a sua autenticidade não possuindo imunidade que
impeça a argumentação pela parte adversa e possível verificação por intermédio
de exames periciais específicos.
Cabe ainda
salientar, que com a norma descrita acima é possível reconhecer validade aos
documentos eletrônicos uma vez que não precisam de autenticação. Portanto, se
aplicarmos o princípio da subsidiariedade que permite a utilização de normas do
Direito Comum no Direito Eletrônico temos como válidos os documentos
eletrônicos (decisões judiciais) apresentados para efeitos cíveis tal como os
demais até que seja contestado pela parte prejudicada.
Nesse
caso, porém, vale ressaltar nossa já antiga reinvindicação para que sejam
feitas leis apropriadas para as relações virtuais, pois se continuarmos a
aplicar a legislação vigente no Direito Eletrônico poderemos trazer uma série
de conseqüências jurídicas desastrosas que ensejam insegurança neste tipo de
relação.
Deixamos
claro nossa concordância com as modificações feitas nas legislações no sentido
de desburocratizar o sistema legal, esperando que as mesmas sejam corretamente
compreendidas e aplicadas nas vida prática e, alertando para a diversidade de
situações principalmente na que diz respeito ao documento eletrônico que
precisa urgentemente de lei específica que o regule.
Assim,
superada a questão da validade das publicações e informações veiculadas nos sites dos tribunais passamos aos
malefícios que as mesmas podem causar ao trabalhador se não forem tomadas
medidas preventivas pelos órgãos responsáveis pela administração da home-page oficial.
IX- Discriminação do trabalhador (Listas negras)
Infelizmente,
as facilidades advindas do avanço da informática não estão sendo devidamente
acompanhadas pelos lidadores do direito que insistem primeiro em aproveitar-se
dos benefícios e depois discutir as questões jurídicas que envolvem seus atos.
No caso dos Tribunais do
Trabalho o prejuízo é ainda muito maior para o trabalhador, pois põe em risco a
conquista de um novo emprego. Por que?
Bom, ao disponibilizar
essas informações de forma irrestrita, os Tribunais armam maus empregadores de
um banco de informação a respeito dos trabalhadores que possuíram ou possuem
algum tipo de ação contra seu empregador ou ex-empregador, motivo pelo qual,
poderá funcionar como empecilho para a obtenção por parte dos trabalhadores de
novo emprego.
Referida discriminação já
existia antes desse banco de dados através de “listas negras” que circulavam e
circulam em empresas, porém não com tamanha facilidade e poder de inibição.
Assim qualquer empregador que deseje saber se o empregado já ajuizou alguma
reclamação na Justiça do Trabalho bastará acessar a home-page do tribunal para constatar e ao mesmo tempo impedir o
acesso do empregado ao quadro de funcionários da empresa.
Mencionada discriminação
ocorria todos os dias e a princípio não havia como ser exterminada totalmente,
porém certos cuidados devem ser tomados para evitar essa atitude. A principal
medida a ser tomada (nossa recomendação a época) é a de que o acesso fique
restrito apenas aos advogados (de maneira livre pois exercemos uma função de
essencialidade para a justiça conforme o artigo 133 da Constituição Federal) e
às partes no processo em que estiverem envolvidos, evitando assim uma consulta
geral e indiscriminada e portanto, dificultando esta prática abusiva por parte
do empregador. Prática esta que dificilmente seria comprovada se viesse a ser
suscitada perante a justiça.
Nossa recomendação com
absoluta certeza dificultaria de maneira decisiva esta prática abusiva por
parte de empregadores mal intencionados dando maiores possibilidades ao
trabalhador de conquistar seu tão almejado emprego. Nossa proposição
espelhou-se na Resolução do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª
Região que proibiu as consultas por busca livre pelo nome das partes.
Discriminações que
impeçam o acesso livre ao emprego com base em certidões expedidas pelo SERASA
ou em virtude do empregado já ter ajuizado reclamação trabalhista contra seu
antigo empregador são práticas abusivas e inconstitucionais que devem ser
combatidas pela sociedade. A OAB/PA através da Comissão de Estudos de Direito
da Informática apresentou projeto encaminhado aos tribunais no sentido de
limitar o acesso livre em sites
jurídicos apenas aos advogados, restringindo às partes e demais envolvidos o
acesso apenas através do número do processo.
Com isso, almejamos
assegurar o direito constitucional à liberdade de trabalho estatuído no artigo
5º inciso XIII- “é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer.”
Vale ressaltar que todos
os direitos fundamentais têm aplicação na relação de trabalho, surgindo diante
de nós um novo campo de estudo que é “a
proteção dos trabalhadores no que diz respeito ao tratamento automatizado de
dados pessoais”.
Preocupados
com as conseqüências da disponibilização da pesquisa processual pelo nome do
reclamante nos sites dos Tribunais, o
Presidente do Tribunal Superior do
Trabalho em 30/08/2002 determinou a retirada desta busca dos sites oficiais enviando uma circular a
todos os Tribunais Regionais do Trabalho para que procedessem da mesma forma.
Antes
mesmo da determinação da Corte Superior, Trabalhista o Tribunal Regional do
Trabalho da 24º. Região já havia proibido este tipo de busca pelo nome do
reclamante evitando, assim essa prática discriminatória que impedia o acesso
livre ao emprego conforme podemos destacar no Provimento abaixo:
(1) PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO
TRABALHO
TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 24o. REGIÃO
ATO GP N 310/2001
Dispõe sobre o bloqueio das consultas de processos,
por nome das partes, da página na Internet e nos terminais de extrato dos
órgãos da Justiça do Trabalho da 24O. Região.
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24o.
REGIÃO, no
uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a consulta de processos, por nome das partes,
está sendo utilizada como instrumento de discriminação dos trabalhadores que
têm ou tiveram ações trabalhista ajuizadas nesta Justiça Laboral;
CONSIDERANDO que as facilidades oferecidas com a utilização da
página na internet e dos terminais de extrato instalados em diversos órgãos da
Justiça do Trabalho da 24O. Região tem contribuído para a prática
ilegal de discriminação dos trabalhadores que buscam a tutela do Poder
Judiciário Trabalhista;
CONSIDERANDO, ainda, que o direito de ação, garantido pela
Constituição Federal, não pode ser objeto de qualquer contrangimento,
R E S O L V E,
Art. 1O.
Determinar o bloqueio da consulta de processos, pelo nome das partes, da página
na Internet e nos terminais de extrato dos órgãos da Justiça do Trabalho da 24O.
Região.
Art. 2O.
Este Ato entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3O.
Publique-se no Boletim Interno e no Diário Oficial do Estado do Mato Grosso do
Sul.
Campo
Grande 13 de dezembro de 2001
ANDRÉ LUIS
MORAES DE OLIVEIRA
Juiz-
Presidente do TRT da 24O. Região
XI- Projeto de Lei
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta lei proíbe a utilização, como critério
de contratação, promoção ou despedida de trabalhador, do ajuizamento de ação
judicial por parte deste.
Art. 2º Acrescentem-se ao art. 791 da Consolidação
das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943, os seguintes parágrafos:
“Art 791[…]
§ 3º É proibido ao empregador em quaisquer
circunstâncias exigir do trabalhador certidão relativa ao ajuizamento de ação
judicial, fornecer ou requerer informação acerca de tal fato, ou utilizar tal
informação para fins de contratação, promoção ou despedida.
§ 4º Em caso de violação ao parágrafo 3º será
devida ao trabalhador uma indenização no valor de dez a cem vezes o salário
estabelecido para o cargo, a ser paga pelo empregador ou pelo recrutador.
§ 5º Em nenhuma hipótese poderá a Justiça do
Trabalho fornecer certidão relativa à existência ou não de ações ajuizadas pelo
trabalhador.”
Art. 3º O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216-B:
“Discriminação relativa ao exercício do
direito de ação”
“Art. 216-B. Discriminar alguém com base em
ajuizamento de ação judicial, como critério de contratação, promoção ou
despedida.”
“Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois)
anos.”
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
XII-
Medida do Poder Executivo
O Ministério do Trabalho preocupado com a restrição ilegal feita pelos
empresários aos trabalhadores resolveu em 2002 criar a Portaria abaixo
transcrita também no sentido de dificultar a realização de qualquer
procedimento discriminatório de livre acesso ao emprego:
Portaria
do Ministério do Trabalho:
Portaria
Nº 367, de 18 de setembro de 2002
O MINISTRO
DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso das atribuições que lhe confere o
artigo 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal.
considerando
o direito ao livre acesso ao Poder Judiciário para a defesa de direito lesado
ou sob ameaça, conforme o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal;
considerando
o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, conformo
o art. 5º, XIII, da Constituição Federal;
considerando
ainda a competência das Delegacias Regionais do Trabalho – DRTs para fiscalizar
e combater práticas discriminatórias no emprego e na ocupação,
resolve:
Art. 1º
Toda denúncia formalmente dirigida ao Ministro do Trabalho e Emprego,
principalmente por meio da Ouvidoria, dos Núcleos de Promoção da Igualdade de
Oportunidades e Combate à Discriminação e da página do Ministério na internet,
referente à ocorrência de prática discriminatória por parte de empresa que
recuse a contratação de empregado que tenha ingressado com ação judicial
trabalhista, será encaminhada à chefia de fiscalização da respectiva Delegacia
Regional do Trabalho para apuração.
Art. 2º À
denúncia recebida nos termos do art. 1º será conferida natureza prioritária no
âmbito das ações de fiscalização do Ministério do Trabalho e emprego.
Art. 3º
Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Paulo
Jobim Filho
XIII- Legislação Brasileira
A Constituição Federal
brasileira assegura direitos que coibem a discriminação trabalhista ocorrida
pela disseminação de informações judiciais pelos sites do Tribunais do Trabalho. Vejamos:
a) Artigo 5º, inciso XXXV- a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (Permite que
lesões a direitos, como o do trabalhador ao ser discriminado por ter ajuizado
reclamação trabalhista contra seu ex-empregador, sejam submetidos ao exame de
um juiz.)
b) Art. 6º – São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição. (Assegura o acesso ao trabalho, o qual todo o cidadão
tem direito.)
c) Artigo. 7º, inciso
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (Veda
especificamente discriminações que possam ocorrer no momento da contratação
indicando sua evidente condenação a esse tipo de prática.)
d) Art. 5º, inciso. XLI
– a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais; (O artigo condena as práticas discriminatórias que ferem a
igualdade do trabalhador no momento de acesso ao trabalho.)
Concomitantemente, a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dá ênfase ao princípio
da publicidade dos atos judiciais quando diz que:
Art. 5º – .XXXIII – todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações do seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (grifado);
No que diz respeito ao Judiciário, a própria Constituição
estatui regra específica quanto à publicidade de seus atos: IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença,
em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes;
Porém faz
uma restrição no art. 5º, inciso LX diz que– “a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem”
A Carta Magna também assegura o direito de petição a todos os que dele
necessitam para defesa de seus direitos:
Art. 5 XXXIV – são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos
Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
Na esfera
infra-constitucional possuímos legislação específica Lei nº 9.029/95 que coíbe
a prática discriminatória que vede ao trabalhador a conquista de trabalho.
Vejamos:
Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática
discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação
familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor
previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
Portanto, devemos tentar
harmonizar os princípios assegurados na Carta Magna nacional estabelecendo
mecanismos e interpretações que vislumbrem uma solução coerente que permita o
resguardo dos direitos do trabalhador de acesso livre ao emprego e à
publicidade das decisões judiciais pela rede mundial de informações, princípio
este, fundamental para um Estado Democrático de Direito.
Em matéria
de relações trabalhistas temos passado por grandes mudanças. Essas
transformações estão dentro de um âmbito mais amplo: O direito na internet.
Estamos assistindo ao nascimento do Direito das novas tecnologias. Uma espécie
de ciência autônoma do direito que atinge e influi em todos os ramos do
Direito.
Vivenciamos
um dilema, pois nossos especialistas e legisladores estão arraigados a velhos
institutos tradicionais Possuímos um ordenamento jurídico inapto à conjuntura
tecnológica e econômica. Tal situação traz uma série de malefícios para o contrato
de emprego e às relações de trabalho como um todo, pois sem esta adaptação a
realidade tecnológica e a organização do trabalho estamos contribuindo para o
retrocesso da economia, a medida em que, criamos desestímulos legais para a
implantação da tecnologia por gerar conflitos de difícil solução.
Para não
sermos ameaçados com a extinção ou lesão de direitos fundamentais devemos nos
posicionar claramente sobre os fatos advindos do caso concreto, estabelecendo
diretrizes gerais que não beneficiem apenas umas das partes. Por isso somos
favoráveis a interpretações e decisões baseadas no equilíbrio de direitos
que permitam resguardar o direito à publicidade das decisões e processos
judiciais, bem como a proteção à privacidade e intimidade do trabalhador.
Como
podemos observar, as autoridades brasileiras já vêm tomando medidas que coíbem
a prática discriminatória ensejada pela veiculação de informações processuais
por intermédio da internet. O próprio
Poder Judiciário através da eliminação da pesquisa pelo nome do trabalhador nos
processos em tramitação ou arquivados. O Poder Legislativo com projeto que
prevê até mesmo a detenção dos empregadores que discriminem o acesso livre ao
trabalho. O Poder Executivo através da Portaria acima mencionada. Medidas que
visam resguardar o direito dos trabalhadores de acesso ao emprego assegurando o
respeito a legislação constitucional e infra-constitucional que tem sido
violada pelo avanço tecnológico.
Cabe por
fim a nós alertar a todos que passamos por uma revolução cibernética que atinge
em cheio as relações de trabalho e que, portanto, devem ser estudados e
solucionados os conflitos provenientes dessas transformações munindo os atores
sociais de arcabouços jurídicos e legais aptos para lidar com esses tipos de
relações, com vistas a criar um equilíbrio social entre princípio da
publicidade que rege a atividade dos órgãos judiciais com os direitos de livre
acesso do trabalhador ao emprego, sem que haja discriminações provenientes pela
difusão de informações advindas do Poder Judiciário.
XV- Sites consultados
3-
www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller
(1) SELIGO, Zdenko. Una web sin
seguridad jurídica: la del Tribunal Supremo de Justicia (TSJ)
venezoelano.[capturado em 09 de dezembro de 2002] [on line]
(<http://www.alfa-redi.org/revista/data/55-1.asp>).
(2) Site:
www.alfa-redi.org
(4) STJ – AGA 299396 – GO – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 09.10.2000 – p.
148.
(5) TST – ERR 328804 –
SBDI I – Rel. Min. Milton de Moura França
– DJU 07.04.2000 – p. 18. Ver
também Ementa: PROCESSO DO TRABALHO. RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO
EM RECURSO DE REVISTA. DISSENSO PRETORIANO. INTERNET COMO FONTE DE PUBLICAÇÃO.
INADMISSIBILIDADE.Não se prestam a demonstração de divergência
jurisprudencial,acórdãos transcritos da Internet, fonte de publicação esta não
relacionada como repositório de jurisprudência autorizado pelo TST.
Agravo de instrumento não provido.(TST- PROC: AIRR NUM: 711700- 12ºRegião, 5º.Turma – Rel. Juiz Convocado Aloysio Santos, DJU 24-05-2001, pág:730)
(6) Ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO DE APELAÇÃO –
INTEMPESTIVIDADE. INFORMAÇÕES COLHIDAS VIA “INTERNET” – MERO SUBSÍDIO
ÀS PARTES E AOS ADVOGADOS – PREVALÊNCIA DA PUBLICAÇÃO NO ÓRGÃO OFICIAL – ART.
236 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
1. Verificada a intempestividade, o recurso de
apelação é manifestamente inadmissível e comporta a negativa de seguimento,
consoante disciplina o art. 557 do Código de Ritos.
2. A teor do que determina o art. 236, do Código de
Processo Civil, “consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos
atos no órgão oficial”. Assim, a informação extraída do sistema
informatizado do Tribunal, via “internet”, representa mero subsídio
de consulta às partes e aos advogados, não substituindo a publicação no Diário
da Justiça.
3. Agravo improvido. À unanimidade.(TJDF – AGI
19990020043862 – 5ª T.Cív. – Relª Desª Haydevalda Sampaio – DJU 03.05.2000 – p.
44);
(7) STJ – RE 327.687 –SP – Rel. Min. Ruy Rosado
de Aguiar – DJU 15.04.2002
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…