A dignidade da pessoa humana e a efetivação da Justiça

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, inciso III – “A dignidade da pessoa humana” , em face da efetivação da justiça, no sentido de potencializar uma reflexão frente a urgência de adaptação da justiça às mudanças exigidas pelo Estado Democrático de Direito.

Palavras chaves: Dignidade – Justiça – Efetividade – Direitos – Respeito – Acesso à Justiça – Direito Humanos

Sumário: 1.Introdução 2. Dignidade da Pessoa Humana 3. O Estado Mínimo e a Ideologia Neoliberal 4. A Previsão Constitucional 5. Justiça 7. A Duração Razoável do Processo e suas Implicações na Efetividade da Justiça 8. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho quer ainda que timidamente demonstrar, o quanto a efetividade da justiça tem peso no que tange a dignidade da pessoa. O mundo moderno se desenvolveu trazendo consigo a imediatidade, a tecnologia alijou a demora, não há mais como conviver com ações que demoram 20, 30 e até mais anos, o jovem que entrava com uma demanda via seus sonhos se desfazerem em face dos entraves burocráticos, dos recursos protelatórios, e morria sem ver o que era seu devolvido a ele. As ações faziam parte da herança do autor, que sucedia uma a uma as gerações seguintes.

 Diversos acontecimentos ajudaram a desencadear a crise de credibilidade no poder judiciário. Condenações abusivas e absurdas pelo país a fora começou a deixar a população estarrecida quando, por exemplo, uma jovem foi condenada a quatro anos de prisão, por roubar um pote de 200 gramas de manteiga, enquanto isto, a lentidão desonrosa nos julgamentos contra sanguessugas, e mensaleiros, sem falar nos pedidos de indenização por acidentes graves como o do shopping de Osasco. E assim poderíamos citar inúmeros exemplos. A justiça que era até então cega, começava a ser tremendamente parcial, sendo forte com os fracos e fraca com os fortes. O mesmo tempo que é aliado de uns é carrasco de outros, assim a justiça foi perdendo o condão de administrar a efetividade da justiça.

No pequeno ensaio, com todo respeito às demais denominações religiosas, optamos por abordar uma bibliografia relativa ao pensamento da Igreja Católica referente à Justiça e a dignidade, lembrando que a Bíblia traz nas suas páginas nada menos de 550 (quinhentos e cinquenta) apelos e invocações sobre a justiça, sobre o direito dos pobres, marginalizados, excluídos, denominados então, como “a viúva, o órfão e o estrangeiro”.

A Efetivação da justiça é sem dúvida a mola mestra no desenvolvimento ou o retrocesso de um país, não há desenvolvimento onde a pessoa humana é aviltada naquilo que há de mais sagrado na pessoa, sua dignidade.

As citações, as considerações feitas neste trabalho acabarão por concluir que onde não há respeito à dignidade da pessoa humana, não há Justiça, no sentido amplo da palavra.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

CONCEITO:

O que significa realmente a expressão Dignidade da Pessoa humana:

Segundo Alexandre Morais: “Ao Estado cabe o dever de garantir a justiça e direitos de liberdade individual. A dignidade da Pessoa Humana atribui unidade aos direitos e garantias fundamentais, inerente às personalidades humanas afastando a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em função da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco da pessoa, que se manifesta singularmente na sua autodeterminação consciente e responsável, trazendo consigo a pretensão ao respeito das demais pessoas, edificando um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, todavia sem menosprezar o merecimento das pessoas enquanto seres humanos.” Alexandre de Morais- Direito Constitucional – Editora Atlas, 2005 – página 16.

Num breve relato histórico podemos dizer que desde seus primórdios o Cristianismo muito influi no nascimento e no reconhecimento não só dos direitos, mas também da dignidade da pessoa humana. Contudo não podemos olvidar que os mesmos não surgiram ao mesmo tempo, nem nasceram de uma única esfera. Antes disso o pensamento grego já trazia em suas idéias a existência de um Direito baseado no mais íntimo da natureza humana. Pensadores defendiam a idéia da existência do chamado direito natural, direito este, percebido como permanente e eternamente válido, independente de legislação ou qualquer outro instrumento formal. Os gregos o concebiam na perspectiva da existência de princípios universais válidos para todos os povos em todos os tempos. O Jus naturalismo ao longo da História foi angariando defensores e adeptos.

Mas é no direito Contemporâneo que a defesa dos direitos humanos, se impôs, em decorrência de lutas árduas e históricas.

A Igreja sem dúvida exerceu uma grande importância no surgimento de direitos humanos. No entendimento de alguns autores o advento da Reforma Protestante consagrou a necessidade de tolerância de credos distintos e também o chamado garantismo processual, a concepção de que ninguém seria julgado sem o devido processo legal.

 “Em 1215, surge na Inglaterra a Carta Magna – primeiro registro do princípio do devido processo e diploma legal que tratava da humanização das penas”.[1]

Importa, entretanto, destacar que os momentos marcantes para o desmoronamento dos direitos humanos tem por referência a Revolução Norte- Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789. A partir dessa época foram consagrados os princípios liberais políticos e principalmente econômicos, estabelecendo o Estado Liberal Clássico, com uma ideologia individualista, de interesses individuais, relativos à liberdade e à igualdade. O individualismo dos séculos XVII e XVIII instalado no liberalismo clássico aliado à atitude de omissão do Estado diante dos problemas sociais econômicos desencadeia em um modelo capitalista desumano e escravizador. O século XIX viveu as consequências: desajustamentos, misérias e exclusões sociais que se agravaram com a Revolução Industrial que se alastraram em proporções gigantescas com a permissão do Liberalismo. O pensamento marxista aliado ao violento extremismo fascista, tenta impedir a continuidade da liberal-democracia, que por sua vez viu-se sem saída. O estado não podia mais permanecer omisso e inerte, diante dos graves problemas e abismos sociais que se havia instalado.

Terminada a I Guerra Mundial, começam a surgir constituições mais preocupadas com os direitos sociais, em detrimento às garantias apenas dos direitos individuais, além dos direitos políticos, que foram se afirmando nas democracias liberais, os textos constitucionais começam a consagrarem os direitos sociais e econômicos.

 No início do século XX, o surgimento das Constituições, especificamente a Constituição alemã, defendia que ao Estado cabia a obrigação de patrocinar direitos mínimos. Uma vez que o liberalismo proclama a liberdade de expressão e de consciência, é imprescindível, então, o acesso ao direito social á educação para a formação livre das convicções pessoais. É o início do caminho para consagrar a teoria da indivisibilidade dos direitos humanos como superação do pensamento liberal clássico. “Os direitos humanos não são direitos estanques – o exercício de um direito fundamental vai pressupor a garantia de outro.” [2]

Após a II Guerra Mundial, o mundo se dá conta de que é imprescindível a criação de mecanismos que garanta a eficácia dos direitos humanos. Os horrores do holocausto demonstram o quanto o ser humano é capaz de subjugar o outro e usurpar dele a característica intrínseca da natureza humana, que é a dignidade. Descobre que para subjugar uma pessoa basta coisificá-la tratando de despersonalizá-la. “Neste sentido Barroso e Barcellos entendem que o fracasso do positivismo inaugura reflexões acerca da função social do Direito. Surgindo ainda que provisória a designação terminológica o Pós – Positivismo, no qual se busca a definição das relações entre as normas e suas espécies – regra e princípios – fazendo surgir o tempo de uma nova hermenêutica constitucional, erigida sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, iniciado com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948. Nasce o processo de principiologia que tem representado um elemento garantidor do sistema democrático baseado nos direitos fundamentais”.

Devido a divisão do mundo em dois blocos socialistas e capitalistas, na Europa o Estado Social se desenvolve estribado na observância dos direitos sociais. A princípio, o Estado Social era assistencialista depois tornar-se um exemplo de garantidor dos direitos fundamentais, consagrando a teoria da indivisibilidade dos direitos humanos, uma vez que a liberdade individual e outros direitos liberais estão amparados na possibilidade de exercício dos demais direitos fundamentais.

“A teoria da indivisibilidade pondera para o fato de que a vida e a liberdade existem em razão de o Estado não atentar contra elas – o direito à vida significa vida digna e não apenas situação de subsistência, o que se garante com o acesso ao trabalho, saúde, educação, justa remuneração, e de tudo mais que uma pessoa humana necessita para se reconhecer como ser humano, na construção de uma sociedade dita democrática de fato.

O ser humano não pode mais ser visto como apenas aquele que vota, trabalha, tem saúde, lazer e dignidade. José Luiz Quadros de Magalhães. ”[3]

O ESTADO MÍNIMO E A IDELOGIA NEOLIBERAL

O pensamento liberal tem seu retorno em função da crise do Estado Social. O crescimento das demandas sociais, a diminuição da arrecadação tributária incidiram na crise da manutenção do Estado do Bem – Estar social. A referida conjuntura torna-se terreno fértil para o alastramento de idéias neoliberais, propagadas como a única solução para salvar o mundo da crise que se estabelecia. Tendo início na década de 1980 sendo seu ápice durante a década de 1990, todo mundo comunga-se dos principais tentáculos da ideologia neoliberalista: a idéia do Estado Mínimo; a diminuição do Estado nas prestações sociais fundamentais essenciais; consequentemente enfraquecimento dos sindicatos, com a adoção de políticas econômicas geradoras do desemprego, e sem dúvida a segregação de pessoas que perdem seu “status quo” e começam a se quedaram a margem.

Torna-se necessário então, refletir sobre a relação existente entre dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, lembrando que a Declaração de 1948 decretou direitos cujo objetivo é garantir existência digna da pessoa humana. Os direitos fundamentais inseridos na constituição como princípios tem a missão preponderante de proibir mecanismos do ser humano objeto ou “coisa”. A ideologia neoliberal defende a garantia que o Estado tem obrigação de prestar direitos mínimos, contudo não há como ter uma sociedade justa se a mesma não se estriba em alicerces dignos, e não há alicerces dignos sem a observância de direitos humanos. A constatação da história da humanidade: o aviltamento da dignidade humana é a clara consequência de um direito fundamental desrespeitado.

No entender de José Adércio Leite Sampaio, vale citar:

Os defensores da fundamental idade dos direitos sociais debatem-se com a seguinte inquietação: não haverá algum apelo, que seja moral, político, filosófico ou de outros domínios, no sentido de que haja uma igualdade mínima entre as pessoas, mínima além da forma geral da lei, mínima que transcende a imparcialidade das instituições e da aplicação da lei, como sugeriria abreviadamente Rabis (1993), fornecida por ações estatais destinadas à satisfação de certas necessidades materiais dos indivíduos?

Mínima abaixo da qual se poderia afirmar, com Michelman (2003:22), que uma constituição ou um contrato social seriam moralmente incompletos, resultando daí que se devem incluir garantias de direitos sociais? Ou, no limite como Campilongo 1995:135), subtrair do mercado político comum os tais direitos em vista de seu primado ético para a dignidade do homem e sua expressão no ambiente social?”A inquietação dos defensores da fundamentalidade dos direitos sociais sobre discute a questão de “como falar em legitimidade democrática de decisões tomadas por representantes eleitos se a fome e a miséria alimentam as eleições como um mercado de trocas, de um pão por um voto para um e não de um voto por muitos pães para todos?”[4]

Segundo o autor italiano Luigi Ferrajoli, a realidade é que se trata da importância dos direitos fundamentais que garanta um mínimo de dignidade que seja. Ou se é digno por completo ou não se é, pois não existe mais ou menos, porque os mais básicos direitos são fontes que garantem a dignidade como um todo.

Vale citar ainda, as quatro teses que o autor defende relativas matéria:

1ª Tese: trata da radical diferença de estrutura entre os direitos fundamentais classes inteiras de sujeitos, e os patrimoniais cada um de seus titulares com exclusão dos demais.

2ª Tese: Trata que aos direitos fundamentais correspondem interesses e expectativas de todos, o que contribui a formação da igualdade jurídica e para a dimensão substancial da democracia – dimensão expressa assegurada pelo paradigma do Estado Democrático de Direito.

3ª Tese: Trata da concessão dos direitos fundamentais, independente da condição do exercício da cidadania.

4ª Tese: Trata dos direitos e garantias, primeiras e secundárias. As primárias são os direitos fundamentais enquanto obrigações e as secundárias os direitos fundamentais na proibição de lesões.[5]

Não há como compreender o princípio da dignidade da pessoa humana, sem entender ainda que de forma superficial a origem dos direitos fundamentais, uma vez que estes são os geradores de um novo paradigma principiologico que faz surgir no Direito o que se tem denominado como “pós-positivismo”. A assimilação das quatro teses, aliada a dimensão universal dos direitos humanos fortalece a discussão sobre a função de garantidores da dignidade humana. A democracia, regime adotado em grande parte do mundo, só se efetiva na medida em que são observados e exercidos efetivamente os direitos fundamentais na prática do dia a dia.

Sem um mínimo de decoro, sem assimilação dos direitos fundamentais e seu viés ético-moral na doutrina jurídica, depois de terem sidos elevados à condição de princípios, com as tendências constitucionais advindas pós – segunda guerra mundial, não há como se falar em vida digna.

A PREVISÃO CONSTITUCIONAL

Na concepção de Pinto Ferreira: Os princípios constitucionais se autorizam como norteadores dos ordenamentos jurídicos da maioria das Constituições que adotam o paradigma do Estado Democrático de Direito.

“A Ciência do direito constitucional induz da realidade histórico-social os lineamentos básicos, os grandes princípios constitucionais, que servem de base à estruturação do Estado. Os princípios essenciais assim estabelecidos são os summa genera do direito constitucional, fórmulas básicas ou postos-chaves de interpretação e construção teórica do Constitucionalismo, e daí se justifica a atenção desenvolvida pelos juristas na sua descoberta e elucidação.[6]

Na ordem constitucional estão intrinsecamente relacionados os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, pois a segunda é princípio jurídico. Dessa forma, o tripé Dignidade – Direitos fundamentais e Constituição são paradigmas da conduta estatal e particular, por se tratar do conjunto fundante da ordem jurídica como um todo. Daí se estabelecer a idéia de que os direitos fundamentais são a caracterização da dignidade humana dentro da ordem constitucional; é esta distinção que a faz informadora de todo o ordenamento jurídico.

Importa esclarecer que em virtude do reconhecimento de sua importância os direitos fundamentais, foram elevados à condição de princípios constitucionais. A partir daí estabelece oportuna conexão entre direitos fundamentais e a missão a eles delegada de “transmutar-se em sustento da condição digna” [7]. Em função disto é importante fazer uma reflexão ainda que tímida na disposição do princípio da dignidade da pessoa humana, quando da efetividade da justiça uma vez que os direitos fundamentais, consagrados como princípios – torna-se, portanto, sustentáculo de um princípio-maior.

Comparar os direitos fundamentais a condição de princípios representa um sentido teleológico de validade, que significa politizar o direito constitucional e conceitua-los para além do caráter meramente individual.

Esta visão teleológica dos direitos fundamentais – opção daqueles que em outra oportunidade designei como representante do constitucionalismo comunitário – resulta na primazia do conceito de bom sobre o de dever ser, na medida em que os princípios expressam mais os valores fundamentais da sociedade. É neste sentido que a previsão constitucional dos direitos fundamentais expressa mais a vontade e a autodeterminação da comunidade do que o reconhecimento de que os indivíduos naturalmente são. Em outras palavras, o sentimento de pertença à comunidade é anterior ao processo da atribuição dos direitos. Os direitos fundamentais, portanto, jamais poderiam ser justificados caso não se recorresse os significados culturais, os componentes comunitários e ás histórias de vida que constituem as identidades dos seres humanos reais que instituem e exercitam esses direitos.Segundo o entendimento Ingo Wolfgang Sarlet:[8]

“O dispositivo (texto) que reconhece a dignidade como princípio fundamental encerra normas que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (não-violação da dignidade), mas que também impõem condutas positivas no sentido de proteger e promover a dignidade, tudo a demonstrar a multiplicidade de normas contidas num mesmo dispositivo.”[9]

O artigo 5º da Constituição brasileira em seu parágrafo 1º determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, ou seja, são auto-executáveis. “Há um debate caloroso em relação à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que significa a incidência de tais direitos no âmbito das relações sociais entre os particulares, a “eficácia privada”. Na perspectiva do princípio da dignidade, Gustavo Tepedino, defende a existência da tutela e promoção da pessoa humana, justificando o princípio como norma fundante de toda a ordem constitucional pátria visando, sobretudo, a observância por parte do Estado e de o toda comunidade aos direitos fundamentais decretados na Carta Magna, que são sustento da vida digna. ”[10] Em face do pensamento do citado autor, é interessante trazer a lição de Sarmento, que esclarece:

“(…) é importante deixar remarcado que nem todas as manifestações da autonomia privada são valoradas da mesma forma. Existem dimensões desta autonomia que ostentam superior importância, por serem consideradas mais relevantes para a garantia e promoção da dignidade da pessoa humana.”[11]

“Cristina Queiroz destaca avanço da Constituição Portuguesa de 1976 foi ter estabelecido, pela primeira vez, o primado dos direitos sobre a lei, assim sendo, os direitos fundamentais tem o condão de garantir não apenas os direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos básicos para a ordem democrática do Estado de Direito. Esclarece a autora que esse significado objetivo dos direitos fundamentais acabou por transformá-los em preceitos negativos de competência. Valendo-se de Hesse, continua a asseverar que o decisivo nesta concepção ampla dos direitos fundamentais, acabou por amparar a noção material desses direitos e a rejeição de sua interpretação meramente formal.”[12]

Como normas de observância obrigatória e não podem ser dispostos, como meros valores à escolha aleatória. Por alicerçarem a vida digna não podem ser objetos de mera preferência, mas obrigatórios.

Ana Paula de Barcellos, em relação ao sistema constitucional e a interligação dos direitos humanos com o princípio da dignidade da pessoa humana, assevera que:

“Além dos direitos já consagrados no artigo 5º, chamados comumente de direitos individuais, há outros direitos previstos na Constituição, pertencentes a outras categorias, a saber: direitos sociais, econômicos e sociais, normalmente; que vão dar forma – ao menos uma fração deles o fará – ao conteúdo mínimo da dignidade.”[13]

Cada direito fundamental, da mesma forma, esclarece e projeta a dignidade, uma vez que é a origem do seu despertar. Podendo-se afirmar que há uma inter relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.

Da integridade moral, basea-se o princípio da dignidade da pessoa humana. Barcelos e Barros relacionam liberdade e valores como ao espírito às mínimas condições de subsistência, servindo este princípio de fundamental para justificar as mais diversas decisões judiciais.

Não obstante a resistência do Estado Laico em relação ao pensamento da Igreja Católica é ela a instituição que mais tem suscitado discussões nesta linha.

Catecismo da Igreja Católica: No que diz respeito à pessoa humana assevera que

“Só se pode conseguir justiça social no respeito à dignidade transcendente do homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.” [14]

“A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo criador. (…) Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente responsável e obrigados a este dever.

O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhes impõe. São eles que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou recusando-se a reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral. Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência de seus súditos. (…)

O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: “Que cada um respeite o próximo, sem exceção, como ‘outro eu’, levando em consideração ante de tudo sua vida e os meios necessários para mantê-la dignamente”. Nenhuma lei seria capaz, por si só, de fazer desaparecer os temores, os preconceitos, atitudes de orgulho e egoísmo que constituem obstáculos para o estabelecimento de sociedade verdadeiramente fraterna. (…) [15]

Ignorado o respeito à pessoa se estabelece um poder ditatorial, onde já não se reconhece o ser humano como pessoa, mas como sujeito a um poder opressor. Estabelece sem dúvida a ditadura. Em tal situação os direitos inerentes a pessoa humana são relegado em virtude do interesse daquele que detém o poder e deseja permanecer nele a força.

Na mesma linha segue os documentos do Concílio vaticano II ocorrido no período de dezembro de 1962 até 1965, também merece ser transcrito:

“Cresce igualmente a consciência da dignidade superior da pessoa, que está, acima de tudo, dotado de direitos e deveres universais e invioláveis.

O ser humano tem direito a tudo de que necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, roupa, moradia, liberdade na escolha do seu estado de vida e na constituição de sua família, educação, trabalho, reputação, respeito, informação objetiva, liberdade de agir segundo a norma de sua consciência reta, privacidade e gozo de uma justa liberdade, inclusive religiosa”.[16]

“Numa ordem social justa, o bem das pessoas passa na frente do progresso, de tal forma que a ordem das coisas está sujeita ao bem das pessoas, e não vice e versa”. Como disse o Senhor, o sábado é para o homem e não o homem para o sábado. A ordem social deve ir se aperfeiçoando dia após dia, baseada na verdade, edificada segundo a justiça e animada pelo amor, obtendo – se aos poucos um equilíbrio cada vez mais humano entre as liberdades. Tudo isso requer, porém, uma nova mentalidade e profundas transformações sociais”.[17]

“Além disso, apesar da justa diversidade que possa existir entre os seres humanos quanto à maneira de viver, dignidade pessoal, que é a mesma em cada um, exige que as condições de vida de todas sejam cada vez mais humana e eqüitativas.

As grandes desigualdades econômicos e sociais entre as pessoa ou os povos da mesma e única família humana são vergonhosas e contrárias à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa, à paz social e internacional”. [18]

“As instituições humanas, privadas ou públicas, devem procurar estar a serviço da dignidade e do fim a que são chamados todos os seres humanos, lutando firmemente contra toda dominação social ou política, em favor do respeito aos direito humanos fundamentais, sob qualquer regime. (…)”[19]

A CNBB por ocasião da Quaresma trás não só para suas igrejas locais, mas para todo o país um assunto relativo à dignidade da pessoa, desde 1967.

JUSTIÇA

CONCEITO:

Sem dúvida, a justiça é um dos conceitos mais importantes à humanidade. Contudo para que a justiça aconteça na prática, faz-se necessário mecanismos, tribunais, juizes, advogados, ministério públicos, que tem como obrigação de resguardar o direito à vida para todas as pessoas, e, ao mesmo tempo, de corrigir e punir as injustiças cometidas, tanto pelo sistema quanto por indivíduos.

Justiça é a virtude de dar a cada um, o que é seu, entretanto, a justiça para ser completa prescinde do tempo hábil. A justiça não tolera tempo demasiado.

Novamente entendemos ser importante transcrever o texto contido no documento do Concílio Vaticano Segundo, que diz o seguinte:

“Do ponto de vista subjetivo, a justiça se traduz na atitude determinada pela vontade de reconhecer o outro como pessoa, ao passo que, do ponto de vista objetivo, ela constitui o critério determinante da moralidade no âmbito intersubjetivo e social. [20]

O Magistério social evoca a respeito das formas clássicas da Justiça: comutativa, a distributiva, a legal, que representa um verdadeiro e próprio desenvolvimento da justiça geral, reguladora das relações sociais com base no critério da observância da lei. A justiça social, exigência conexa com a questão social, que hoje se manifesta em uma dimensão mundial, diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos e, sobretudo, à dimensão estrutural dos problemas e das respectivas soluções. [21]

A justiça mostra-se particularmente importante no contexto atual, em que o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos, é seriamente ameaçado pela generalizada tendência de recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade e do ter. Também a justiça, com base nestes critérios, é considerada de modo redutivo, ao passo que adquire um significado mais pleno e autêntico na antropologia cristã. A justiça, com efeito, não é uma simples convenção humana, porque o que é “justo” não é originalmente determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano. [22]

A plena verdade sobre o homem permite superar a visão contratualista da justiça, que é visão limitada, é abrir também para a justiça o horizonte da solidariedade e do amor:” A justiça sozinha não; e pode mesmo chegar a negar a si própria, se não abrir aquela força mais profunda que é o amor. ”448 Ao valor da justiça, a doutrina social da Igreja aproxima o da solidariedade, enquanto via privilegiada da paz. Se a paz é fruto da Justiça, “hoje poder-se-ia dizer, com a mesma justeza e com a mesma força de inspiração bíblica (Is 32,17; Tg 3,18), Opus solidarietatis pax: a paz é fruto da realização da justiça social e internacional; (…) 450 (Compendio da Doutrina Social)”[23]

UM BREVE HISTÓRICO

No vaticano, há um afresco sobre a justiça, onde Platão aponta para os céus e Aristóteles para a terra. Utopia ou realidade? “Justiça”; esse valor que levou à cruz o senhor das idéias e das palavras, o sonho almejado por todos os povos, assim como o era o desejo dos antigos em alcançar as estrelas; fator decisivo para o desenvolvimento da humanidade.

O povo já se cansou da morosidade da justiça. O termo: “justiça retardada é justiça denegada”, estigmatizou o Poder Judiciário, arrastando para um desprestígio descomunal. Há uma insatisfação que beira a barbárie, haja vista a maneira de como a população tem se comportado diante dos últimos crimes violentos ocorridos no nosso país. O povo passou a fiscalizar os julgamentos, a atuação da justiça. O poder judiciário tem sentido a pressão da população ávida por ver a efetividade da justiça.

Hans Kelsen, considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito, concluiu que o importante não é saber de imediato a resposta, mas não parar de questionar.

O impulso em busca de um ideal estimula os homens. São os sonhos, que nos mantém vivos e esperançosos, não importando onde estejam as soluções.[24]

Dinamarco adverte, acertadamente, que “o processo, além de produzir um resultado justo, precisa ser justo em si mesmo, e, portanto, na sua realização, devem ser observados aqueles standards previstos na Constituição Federal, que constituem desdobramento da garantia do due process of law” (DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil, v. 1. 6.a ed. São Paulo: Malheiros, 2009).

Não há dúvidas do interesse do Estado em tornar a justiça mais efetiva e por sua vez mais célere, entretanto os esforços empenhados não alcançam o volume de ações que são distribuídas diariamente em todas as Comarca do país.

Tal situação avilta diretamente a dignidade daquele que depende da justiça e das decisões dos tribunais.

Algumas vezes o tempo corre contra aquele que depende da Justiça, a angustia do processo, o estresse causado pela demora acaba por minar as esperanças da pessoa, que já não acredita numa decisão que lhe devolverá seu direito, em função da demora das decisões. Seu direito vai se perdendo no tempo. [25]

A grande discussão dos operadores da justiça tem sido sua efetividade. Não faz sentido abrir as portas para o acesso à justiça, com mais celeridade. Enquanto detentor do monopólio da jurisdição, o Estado, precisa propiciar mecanismos que visam garantir a efetividade desta, num período razoável. É indispensável compreender a importância que os princípios fundamentais assumem na hermenêutica jurídica. Aquele o qual é dado à interpretação das normas não pode mais esquecer que a morosidade da justiça se torna instrumento de degradação do ser humano.

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EFETIVIDADE DA JUSTIÇA

O processo é por assim dizer o carro que conduz a ação, e a inúmeras dobras que foram sendo criadas ao longo do tempo tem sido verdadeiros entraves nas efetivação da justiça.

Não há dúvida de que o instrumento se tornou obsoleto, e não mais satisfaz os anseios dos tempos atuais.

O princípio da duração razoável do processo está previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal, por força da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004. Estabelece o mencionado dispositivo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 2008, p.9).

O Princípio de duração razoável do processo está ligada à efetividade da prestação da tutela jurisdicional, num período razoável, objetivando atingir o escopo da utilidade, sem, entretanto prejudicar o ideal de justiça da decisão.

 É claro, que a garantia à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação não deve ser entendida de forma estanque, quando a própria norma relativiza, ao referir um critério: a razoabilidade. O que se pretende é evitar são dilações indevidas, mas ao mesmo tempo uma prestação jurisdicional acelerada, imprudente, que ponha em risco a qualidade da entrega da prestação jurisdicional (GUAGLIARIELLO, 2008, p. 02).

 Não há dúvida de que a demora do processo sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso à justiça. Já que ao Estado coube a proibição da justiça de mão própria há que se conferir ao cidadão um meio adequado e tempestivo para dirimir os conflitos. É óbvio que se o tempo do processo prejudica a parte que tem razão, seria ingenuidade imaginar que a demora do mesmo não beneficia ao que não têm interesse no cumprimento das normas (MARINONI, 2004, p. 02).

No entendimento de Canotilho “ao demandante de uma proteção jurídica deve ser reconhecida a possibilidade de, em tempo útil […], obter uma sentença executória com força de caso julgado”

Assevera ainda o autor Português: “a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça”. Isto não equivale dizer que proteção judicial em tempo adequado seja dizer justiça acelerada, o que significaria com toda certeza diminuição de garantias materiais que pode conduzir a uma justiça pronta, mas materialmente injusta (2003, p. 499).

Há que se ter em conta que tanto o direito ao processo célere, quanto o direito ao contraditório, bem como a ampla defesa, são direitos e garantias. Os quais, em princípio, não devem conflitar, mas se harmonizar na busca da efetividade.

“Da mesma forma, se de um lado da balança encontramos o princípio da celeridade do processo, que visa a sua utilidade, não podemos sacrificar o ideal de justiça da decisão, que demanda um processo dialético-cognitivo exauriente que, por sua vez, demanda tempo. É por isso que o Poder Constituinte Derivado inseriu mecanismo harmonizador ao determinar que a duração do processo seja razoável” (Guagliariello, 2008, p. 02).

Diante disso, há que se estabelecer um ponto de equilíbrio entre a celeridade e o devido processo legal, “volta o discurso sobre a instrumentalidade das formas no procedimento e a séria advertência sobre a sua função vital no direito processual moderno” (DINAMARCO, 2008, p. 344).

Em vista disto se faz necessária a adoção de mecanismos (meios e procedimentos) que visam um acesso cada vez mais adequado à justiça para tornar o processo mais justo e efetivo.

Não sendo prestado uma jurisdição eficiente e efetiva, que garanta a tramitação do processo num período razoável e adequado, torna-se inócuo o acesso ao judiciário

O legislador infraconstitucional tem inovado, neste sentido, o sistema jurídico pátrio com a edição de leis que contemplem esse escopo. E merece destaque o instituto da tutela antecipada e da tutela inibitória, que constituem os mais importantes institutos do processo civil contemporâneo, até a entrada em vigor do referido instituto, em 1994, o procedimento comum do processo de conhecimento não tinha aptidão para evitar a violação de um direito, e a liminar era concedida apenas em determinados procedimentos especiais.

Tal instituto deu um impulso ao princípio da efetividade da jurisdição no processo de conhecimento ao atribuir ao juiz o poder no curso do processo de deferir medidas típicas de execução. O processo cautelar, visivelmente, perdeu espaço.

Não se pode esquecer ainda, os procedimentos previstos na Lei do Juizado Especial Cível, Mandado de Segurança, Ações Coletivas, que visam agilizar a jurisdição, assim como as audiências preliminares e o próprio procedimento sumário. [26].

Disse bem o grande escritor Machado de Assim: "A justiça é cega, daí não se ruborizar com os comentários do povo".

A lentidão da justiça macula a dignidade da pessoa humana, não há como escamotear o notória descaso que envolve os Poderes Constituídos. A angustia da espera, a dor e desespero dos anônimos que buscam a justiça todos os dias não é capaz de sensibilizar a pesada máquina que se tornou a justiça. Parece ter se tornado comum em nosso país, as autoridades publicas omiscuirem-se de suas obrigações, para as quais foram empossadas. O Estado parece ter deixado de ser um ente que tutela o cidadão, tornando-se um verdadeiro leviatã que consome o dinheiro dos pesados impostos que impõe sobre o cidadão, sem devolver o mesmo o que é de direito, e, pior, aviltando seus direitos elementares, pisando na dignidade.

Os séculos XX findou-se com um Poder Judiciário, desestruturado, com funcionários despreparados para funções que ocupa, com insuficiência de magistrados, e não raras às vezes, notabilizado pelo nepotismo e corporativismo. Pompa dos Tribunais tenta ofuscar a falta de atenção aos órgãos de primeira instancia. O Executivo, cada vez mais se desviando do cumprimento do seu dever, levando o povo para o descrédito em seus governantes, contribuindo para a desvalorização do voto. Por vez, um legislativo subjugado a interesses, quando não próprios, de uma minorias e cada vez mais longe dos anseios do povo. Enfim, o vocábulo Autoridade parece ter perdido seu verdadeiro sentido, o Poder que é dado não é mais devolvido em serviço.

A indiferença pelo sofrimento do outro tomou conta de parte da população. A classe abastada vê fechada em seus condomínios de luxo, cercados de segurança, interpreta como natural a miséria que se espalha pelo país, não só uma miséria sócio – econômica, mas uma miséria intelectual. Há muitos que não conseguem mais se levantar de onde estão. A desconfiança tomou conta do povo. Não há mais a quem socorrer, não há mais instâncias isentas e imparciais. Não há que zele mais pela causa do pobre cada vez mais tendo que vender sua dignidade por um preço vil e afrontante.

Em vista da morosidade, e muitas vez da inércia da não cega, mas bastante míope justiça, os jurisdicionados se vêem abandonados a própria sorte, clamando no deserto pela falta, sem resposta diante de uma máquina pesada e arcaica que não consegue mais manobrar seus próprios membros. A justiça parece ter envelhecido, está acometida de uma grave doença o desinteresse pela pessoa humana. O Autor se tornou apenas um número num volumoso processo, empilhado em salas escuras e mofadas, sem janelas, esperança de ver solucionado seu pedido. Esqueceu o principal do elemento da justiça, o jurisdicionado, a pessoa, dotado de dignidade.

 Flávia Piovesan assevera com clareza

“(…) o valor da dignidade da pessoa humana impõem-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.”

E assim sendo, não há como fugir das insuperáveis palavras do escritor José Saramago que reflete sobre a morte da Justiça.

“(…) Suponho ter sido a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma câmpula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta de nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, e nela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira cotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético. (…) Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e, sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste. “[27]

A justiça é simbolicamente representada pela escultura de uma deusa grega, cuja imagem se apresenta com os olhos vendados, com uma espada em punho e segurando uma balança. Esta imagem, de maneira inversa, acaba ilustrando bem a prática de justiça na atualidade, ou seja, ao contrário de ser uma justiça imparcial, ela é cega e infelizmente está desequilibrada, pois julga, muitas vezes, desprezando critérios éticos, que conduzem à vida, e estabelecendo, em suas sentenças, dois pesos e duas medidas, gerando impunidade. Assim, a espada sempre termina virando para o lado daqueles que não se utilizam de espertezas e falcatruas, de tal forma que a balança, normalmente corrompida, acaba pendendo em detrimento daqueles que dispõem de meios e bens materiais.

“A injustiça é uma e indivisível: ataca-la e faze-la recuar, aqui e ali, é sempre fazer avançar a justiça.” D. Helder.

CONCLUSÃO

O Estado Democrático de direito, garantido no artigo 1º da Constituição Pátria, necessita percorrer um longo caminho até ser efetivados na prática, seus princípios norteadores, sobretudo o principio da dignidade da pessoa humana, posto que os direitos fundamentais – bases garantidoras da existência digna – são constantemente inobservados e aviltados. A interposição das “regras do mercado” (esse ente sem rosto, mas com poder quase “sobrenatural” sobre a vida das pessoas) que tendem a reduzir as relações sociais a seu aspecto material, ao poder de compra, culmina em uma realidade de exclusão social e tratamento degradante, indigno a uma grande parcela da sociedade em nosso país. Os direitos fundamentais fruto de lutas e conquistas históricas, cuja observância é a garantia essencial da dignidade humana são desconsiderados em uma persistência quase inabalável, sobretudo no que tange a efetivação da justiça.

A dignidade é qualidade inerente à condição humana. O ordenamento jurídico que adota a dignidade humana como princípio norteador, veda a coisificação e a instrumentalização do ser humano. O Direito não decreta a dignidade humana, posto que essa seja atributo inerente da vida humana; a sua recepção na condição de princípio constitucional faz apenas o seu reconhecimento, com a imantação de direitos fundamentais destinados a amparar a garantia da existência digna.

Os direitos constitucionais não podem ser considerados mais ou menos importante, ou ainda, mais ou menos aplicáveis – por serem todos igualmente assegurados na Carta Magna. A compreensão de que o tratamento aos direitos humanos tem que respeitar a diferença e a necessidade de cada um é que possibilitará a obediência nos mais variados níveis de todos esses direitos. A supremacia do mercado não pode ditar as normas preferenciais, em detrimento das demais. Ainda que tal posição seja revestida de pretensões utópicas, fica como inspiração a lição de Eduardo Galeno ao ensinar que a “utopia serve para nos fazer caminhar, ainda que para horizonte distante”.

Em vista de tudo isto concluímos que há que se refletir sobre a efetividade da justiça e suas implicações na dignidade da pessoa humana, que não pode mais continuar sendo aviltada diante da morosidade da justiça.

Não há mais espaço para uma justiça que não ouve o clamor do povo, que não se efetiva, não há espaço para uma justiça que não se sensibiliza com a perda da identidade sobre tudo de nossas crianças em situação iminente de riscos, que tem seus nomes trocados por codinomes aviltantes, como: “delinqüentes, infrator, avião, pivete, trombadinha, pixote, de menor”.

Não há mais espaços para operadores do direito que usam sua oratória, recursos jurídicos e passe de mágicas para protelar, atenuar ou mesmo escamotear culpas evidentes, tais atitude fere e infringi nossos princípios constitucionais, sobretudo o contido no artigo 1º, III – in verbis “A republica Federativa do Brasil, formada pela união, indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III- a dignidade da pessoa humana.

 

Referência
MORAIS, Alexandre de – Direito Constitucional – 17ª edição – Editora Atlas, 2005 – página 16
SILVA, José Afonso – Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª edição São Paulo: Malheiros -2002
BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional vol. I fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005.
DIMOULIS, Dimitri. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PINHO, Rodrigo César Rabello, Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Editora Saraiva edição. 3ª 2002
Andrade, Durval Ângelo, O Direito de ter Direito: a mais valia dos desvalidos. Gráfica Expressa – Edição e Arte: Geração BHZ Ltda. – 2009
Vaticano II – Mensagens Discursos Documento – Edições Paulinas – 1998.
Catecismo da Igreja Católica – Edição Típica Vaticana – Edições Loyola -1998.
Compêndio da Doutrina Social da Igreja – Edições Paulinas – 2005
Notas:
[1]– ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p.229.
[2] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p.230
[3] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p.231
[4] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p.232, 233 e 234.
[5] ANDRADE, Durval Ângelo. Direito de Ter Direitos: A mais valia dos desvalidos, vários autores. Belo Horizonte, 2009, p.234, 235.
[6] Ibid.,p.236
[7] Ibid.,p.238
[8] Ibid.,p.238
[9] Ibid.,p.239
[10] Ibid.,p.239
[11] Ibid.,p.239
[12] Ibid.,p.239
[13] Ibid.,p.240
[14] Catecismo da Igreja Católica – Edição Típica Vaticana – Edições Loyola – nº 1998, pág. 511 – nº1929
[15] Ibid. p.511 – nº1931
[16] Concílio Vaticano II – Mensagens Discursos Documento – Edições Paulinas- Ano 1997 -Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo –pág. 489 – nº 1340
[17] Ibid. p.489, nº 1341
[18] Ibid.p.491, nº 1411
[19] Ibid.p.492, nº 1412
[20] Compêndio da Doutrina Social da Igreja – Edições Paulinas – Ano 2005 – p.122, nº 443
[21] Ibid. p. 122, nº 201
[22] Ibid.p.123, nº 202
[23] Ibid.p.123, nº 203
[24] Ministro Luiz Fux Presidente da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.
[25] http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/a-efetividade-da-jurisdicao/31869/
[26] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=241 Advogado Roberto Pugliese advogado, professor da Faculdade de Direito de Joinville (SC), coordenador-geral do Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos.
[27] "Da Justiça à democracia, passando pelos sinos", texto de encerramento do 2º Fórum Social Mundial. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3038

Informações Sobre o Autor

Maria Neusa Fernandes da Cunha

Advogada pela Universidade de Itaúna/MG, Especialista em Direito Processual pela Facinter, Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna em disciplina isolada


Equipe Âmbito Jurídico

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