Resumo: Profundos foram os impactos causados pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência –, em vigor desde janeiro de 2016, no ordenamento jurídico pátrio. Essa lei é fruto das disposições contidas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, igualmente, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, visa promover a autonomia da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a mesma conversão traz ainda diversos conceitos que devem ser seguidos pelos países signatários. Há os que aprovam a amplitude da lei diante da extensão do alcance de suas normas, que notadamente, traduzem verdadeira conquista social. Nesse sentido, a nova legislação visou promover melhores condições de acesso aos portadores de deficiência, seja na educação, na saúde, ou mesmo, em outros seguimentos sociais. Ademais, a legislação concretiza as disposições contidas no artigo 5º da Constituição Federal: Contudo, algumas mudanças introduzidas no ordenamento jurídico nacional por meio das disposições da Lei nº 13.146/2015, ainda que muito bem intencionadas, podem vir a gerar impactos desastrosos, como é da previsão do artigo 6º, inciso VI, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, cuja redação é a seguinte: A partir dessa normativa, pessoas que até então eram consideradas absolutamente incapazes para a realização dos atos da vida civil foram colocadas em situação de plena capacidade, pelo menos em princípio, inclusive no tocante à adoção.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana Adoção. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Abstract: Deep were the impacts caused by Law nº13.146, of July 6, 2015 – Statute of Person with Disabilities – in force since January 2016, the Brazilian legal order. This law is the result of the provisions contained in the Convention on the Rights of Persons with Disabilities, of which Brazil is a signatory, also the Convention on the Rights of Persons with Disabilities aims to promote the autonomy of persons with disabilities on an equal conditions, same conversion also brings many concepts that must be followed by the signatory countries. There are those who approve the scope of the law on the extension of the scope of its rules, which notably reflect true social achievement. In this sense, the new legislation aimed to promote better access to people with disabilities, whether in education, health, or even in other social sectors. Moreover, the legislation fleshes out the provisions of Article 5 of the Federal Constitution: However, some changes introduced in national law by the provisions of Law nº. 13,146 / 2015, although well intentioned, are likely to generate disastrous consequences, as of Article 6 forecast, item VI of the Person Statute with Disabilities, whose wording is as follows: from this legislation, people who until now were considered absolutely unable to carry out the acts of civil life were placed in full capacity situation at least in principle, including in relation to adoption.
Keywords: Human Dignity Adoption. Status Of Person With Disabilities.
Sumário: Introdução; Estatuto da pessoa com deficiência considerações iniciais; A adoção do ordenamento jurídico pátrio; pressupostos e requisitos; procedimentos para adoção; Regime civil das incapacidades Código Civil versus Estatuto da Pessoa com Deficiência; A capacidade de fato e de direito da pessoa com deficiência; a dignidade da pessoa humana face à possibilidade de adoção no novo Estatuto da Pessoa com Deficiente- Lei n 13.146/2015; Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Em 06 de julho de 2015, foi promulgada a Lei nº 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência que tem como finalidade proporcionar igualdade, acessibilidade e respeito pela dignidade e autonomia individual as pessoas portadoras de deficiência. Esse diploma normativo representa expressiva inclusão das pessoas portadoras de deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, no plano familiar, gerou expressiva inclusão das pessoas com deficiência, uma vez que, nos termos da lei, nem toda deficiência retira o discernimento para a prática dos atos da vida civil, inclusive a adotar alguém. A partir daí a presente pesquisa se voltará à análise da possibilidade da adoção pelas pessoas portadoras da deficiência em face das disposições normativas introduzidas pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência –, face ao princípio da dignidade da pessoa humana. Neste enfoque, surge o problema principal, que se insere no âmbito do Direito Constitucional, Civil com influência no Direito de Família, a ser elucidado por esta pesquisa: Qual a extensão da capacidade para o exercício da adoção em face do novo regime de capacidade, do até então incapaz, principalmente face ao princípio da dignidade da pessoa humana tanto do adotado quanto do adotando?
É inegável que este tema trata de uma questão atual, de grande impacto no Direito Civil, pois o conceito de família tem ganhado novo enfoque diante da nova gama de direitos, bem como diante da flexibilização do regime de capacidades.
Entre as modificações implementadas na esfera civil, estabeleceu-se que “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL. LEI, 10.406/2002).
Porém, ainda que bem intencionadas, é preciso reconhecer que a elogiosa iniciativa de reconhecimento de maior acesso a direitos mínimos as pessoas com deficiência, tal possibilidade de acesso não muda a realidade biológica dos fatos, ou seja, de que algumas pessoas ainda precisaram ser curateladas.
Assim, diante do exposto, bem como diante do novo regime de capacidades, percebe-se a relevância da discussão do tema, uma vez que, em decorrência das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, drásticas podem ser os resultados para a vida crianças e adolescentes, em caso de eventual adoção desses, por uma pessoa capaz, nos termos da lei, entretanto, biologicamente incapaz.
A partir daí, o presente trabalho volta-se à análise das implicações dessas alterações normativas, especialmente no tocante à possibilidade de adoção pela pessoa portadora de deficiência, até então consideradas incapazes pela legislação civil.
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, restou sancionado em 6 de julho de 2015, com vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias a Lei nº 13.146/2015, inegavelmente representa um avanço quanto à proteção da dignidade das pessoas com deficiência (TARTUCE, 2015).
Nota-se que, a Lei nº 13.146/2015 trouxe mudanças estruturais e funcionais na teoria das incapacidades, o que acabou por repercutir diretamente em alguns institutos, mormente, no Direito de Família, mais precisamente, no que concerne ao casamento e nos regime de interdição e de curatela.
A lei revogou todos os incisos do art. 3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.
Agora, a nova redação do artigo 3° do Código Civil estabelece, tão somente que: "são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”. Em decorrência disso, conforme Simão (2015, p. [?]): “Todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas plenamente capazes”.
E processe o autor, observando que: “Trata-se de lei de estado. Ser capaz ou incapaz é parte do estado da pessoa natural. A lei de estado tem eficácia imediata e o levantamento da interdição é desnecessário. Ainda, não serão mais considerados incapazes, a partir da vigência da lei, nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional. Imaginemos uma pessoa que tenha deficiência profunda. Tal pessoa, em razão da deficiência, não consegue exprimir sua vontade. Esta pessoa, hoje, passa por um processo de interdição e é reconhecida como absolutamente incapaz. Seu representante legal (normalmente um dos pais), na qualidade de curador a representa para os atos da vida civil.Com a mudança trazida pelo Estatuto, tal pessoa, apesar da deficiência profunda, passa a ser capaz (SIMÃO, 2015, p. [?])”:
Em síntese, não há mais no sistema privado brasileiro pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Consequentemente, não há mais o que se falar em ação de interdição absoluta, uma vez que os menores civilmente não são interditados (SIMÃO, 2015).
Demais disso, todas as pessoas com deficiência, passam a ser, com o advento da Lei, em regra, plenamente capazes, o que é fator determinante para a total inclusão social (STOLZE, 2015).
Notável destaque merecem as disposições contidas no artigo. 6º, inciso IV, da Lei nº 13.146/ 2015, segundo o qual: Art. 6o “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I – casar-se e constituir união estável; […]VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Logo, diante de tais disposições há notável inclusão da pessoa com deficiência quanto ao plano familiar.
Diante dessas e de outras alterações, percebe-se que o sistema de incapacidades deixou de ter um modelo rígido, tornando-se mais maleável. Contudo, embora evidentemente inclusiva, a legislação não está imune a questionamento e críticas (TARTUCE, 2015).
Uma vez que, não há como não se considerar situações concretas, por exemplo, como permitir que um psicopata não seja mais reconhecido como absolutamente incapaz? E mais, não sendo esse incapaz, nos termos na nova redação do artigo 3° do Código Civil, como poderá o Estado conceder a esse a guarda, ou a adoção de uma criança ou adolescente (TARTUCE, 2015).
Ora, sendo, então o deficiente, o enfermo ou excepcional, pessoa plenamente capaz, e no mesmo contexto sendo garantido a esses a prática dos atos da vida civil, dentre eles, a adoção, como esperar segurança jurídica dessas relações, bem como, de que forma atribuir, ou não, real extensão da (in) capacidade para os atos da vida, principalmente no que diz respeito ao discernimento para a adoção (SIMÃO, 2015).
Ante ao exposto, percebe-se que há um problema prático em questão, uma vez que o Estatuto passou a considerar tal pessoa capaz, para os atos da vida cotidiana, porém, quando se analisado da ótica clínica, essa mesma pessoa talvez, diante do caso em concreto, não consiga ter capacidade para de fato exprimir sua vontade (SIMÃO, 2015).
Ou seja, agora a capacidade é a regra, no entanto, questiona-se como trabalhar no sentido de se preservação dos direitos dos vulneráveis.
A ADOÇÃO DO ORDENAMENTO JURíDICO PÁTRIO
Segundo Dias (2015, p. 486) “o instituto da adoção é um dos mais antigos de que se tem notícia”. Ademais, a Constituição Federal de 1988 eliminou qualquer distinção entre a adoção e a filiação ao deferir idênticos direitos e qualificações aos filhos, proibindo também quaisquer designações discriminatórias. Dessa forma, a justiça é uníssona em impedir tratamento distinto.
Na busca de dar efetividade ao comando constitucional, com a intenção de consagrar o princípio da proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA passou a regular a adoção dos menores de 18 (dezoito) anos, assegurando-lhes direitos, inclusive no âmbito sucessório.
Assim é de reconhecer que o estado de filiação decorre de um fato, qual seja, o nascimento, ou de um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial.
A adoção cria um vínculo jurídico fictício de “paternidade – maternidade – filiação” entre pessoas desconhecidas, análogo ao que resulta da filiação biológica (IDAS, 2015).
A Adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e de ser amado. Trata-se de modalidade de filiação construída por laços de afetividade.
Ela consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se não em fatores biológicos, mas sim, em fatores sociológicos (LOBO, 2015).
A doutrina da proteção integral e a vedação de referências discriminatória, alteraram drasticamente a perspectiva da adoção. Inverteu-se o enfoque atribuído a infância e à adolescência, rompendo a ideologia do assistencialismo, bem como o da institucionalização, que privilegiava o interesse e a vontade dos adultos.
A adoção significa bem mais do que a busca de uma família para uma criança, após o advento da Constituição Federal e do ECA, que deixaram de lado a concepção tradicional, em que prevalecia a natureza contratual e que significava a busca de uma criança para uma família.
A adoção não pode ser encarrada como uma paternidade de segunda classe, contudo se prefigura como a paternidade do futuro, enraizada no livre exercícios das liberdades. Da mesma forma, conforme Dias (2015, p. 498), “A filiação não é um dano da natureza, mas uma construção cultural, fortificada na convivência, no entrelaçamento dos afetos, pouco importando sua origem”.
Daí que não cabe mais falar em “filho adotivo”, e sim em “filho por adoção”. Uma vez que, a partir da sentença constitutiva de adoção e a retificação de registro de nascimento, o adotado é filho, sem nenhuma adjetivação.
O adotado adquire a partir desse momento os mesmos direitos e obrigações como qualquer filho, ao nome, ao parentesco, a alimentos e até mesmo direitos sucessórios. Por outro lado, cabe ao adotado também os deveres de obediência e respeito mútuo. Os novos pais, por sua vez, têm os deveres de guarda, criação, educação e fiscalização.
A adoção atribuiu ao adotado a condição de filho para todos os efeitos legais, assim há o desligamento de vínculos com os genitores biológicos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.
Já em relação à família do adotante, a relação de parentesco se estabelece integralmente, tanto em linha reta, quando em linha colateral, assim sendo idênticos os graus de parentesco que se estabelecem em relação aos filhos biológicos do adotante.
Outro ponto diz respeito ao fato de que a adoção possui caráter irrevogável, logo há o rompimento com todos os laços em detrimento da família biológica. Da mesma forma que, a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar do pais naturais.
PRESSUPOSTOS E REQUISITOS
Com o advento da Lei de Adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a prever, em consonância com o disposto acerca da capacidade no Código Civil, a idade de 18 anos para a habilitação na adoção.
Outro requisito que diz respeito à idade é o fato de que deve haver uma diferença de 16 (dezesseis) anos entre adotando e adotado. A citada distinção de idades busca evitar transtornos legais. Sendo dois os adotantes, basta o respeito à diferença de idade com a referência a somente um dos requerentes. A referida regra admite flexibilização, principalmente quando o pedido de adoção é antecedido de período de convivência por lapso temporal que permita a constituição da filiação afetiva.
A priori, qualquer pessoa pode adotar, seja pessoa solteira, casada, divorciada ou viúvas. A lei não faz qualquer distinção em relação a orientação sexual do adotante (SIMÃO, 2015).
Outro ponto, é a independência do estado civil do adotante, ou seja, quer pessoa casada ou ainda os que vivem em união estável, além disso, a adoção não precisa ser levada a efeito pelo casal, uma vez que a lei não proibi que somente uma pessoa adote.
Ainda, determina o Estatuto da Criança e do Adolescente que em cada comarca ou foro regional, deve haver um duplo cadastro de adoção, o primeiro constituído por crianças e adolescentes em condição de serem adotadas e o segundo de pessoas interessadas em adotar.
Para serem inclusos neste rol, os interessados devem ser considerados aptos à adoção. Após serem submetidos a entrevistas e a estudos psicossociais.
Observa-se que na tentativa de agilizar o procedimento de adoção, bem como de reduzir o tempo de permanência de crianças e adolescentes em instituição de acolhimento institucional, a Lei nº 12. 010. 09, denominada Lei Nacional de Adoção ou ainda Lei de Adoção, que segundo Maria Berenice Dias “não faz jus ao nome” uma vez que apenas veio a dificultar o procedimento de adoção, pois de forma injustificável dá preferência à família biológica, o que leva o Judiciário a despender muito mais tempo buscando encontrar possíveis parentes que desejem adotar a criança.
A Lei de Adoção, deu nova redação a dois artigos do Código Civil que tratam do tema, qual seja, artigos 1.618 e 1.619, de outra banda, a lei também revogou todos os outros artigo do capitulo da adoção, deixando exclusivamente para o Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção de crianças e adolescentes. (LOBO, 2015).
Procedimentos para adoção
A adoção de crianças e adolescentes, assim como de maiores de 18 anos de idade, apenas pode ocorrer mediante intervenção do Estado, ou seja, pelas vias judiciais, tanto na fase do procedimento de habilitação para a adoção quanto para ação de adoção.
A Lei de Adoção visa a garantir a tramitação prioritária dos processos, sob pena de responsabilidade, contudo, não prevê nenhuma sanção. As ações de suspensão e perda do poder familiar precisam estar concluídas no prazo de no máximo 120 (dias) (DINIZ, 2014).
Ainda, conforme ensina Dias (2015, p. 571) “a sentença deve ser averbada, mediante mandado judicial, no registro civil, sem qualquer referência à origem do ato” É tal o interesse em que a natureza do vínculo não seja revelada, que da inscrição no registro de nascimento o adotado não pode constar qualquer referência ou observação, sendo proibido o fornecimento de certidão. Contudo, lembra-se que, atualmente é pacificado o entendimento de que há o direito subjetivo ao conhecimento da origem genética de qualquer pessoa.
REGIME CIVIL DAS INCAPACIDADES CÓDIGO CIVIL VERSUS ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº13.146/2015 –, mesmo antes de sua entrada em vigor, já gerava diversas discussões, principalmente no que diz respeito às disposições concernentes ao instituto da curatela e ao direito de família, vez que o Estatuto atribuiu a plena inclusão civil de pessoas que até então eram tidas como absoluta ou relativamente incapazes (TARTUCE, 2015).
Diante das alterações promovidas pelo Estatuto há posicionamentos prós e contras, alguns autores civilistas, tais como, José Fernando Simão e Vitor Kümpel, condenam veementemente as modificações, sob o argumento de que a dignidade de tais pessoas, até então tidas como incapazes, nos termos do artigo 3º e 4º do Código Civil, deveria ser resguarda, abarcada, dessa forma, a proteção como vulneráveis (dignidade-vulnerabilidade) (TARTUCE, 2015).
De modo contrário, há uma segunda corrente da qual se filia Paulo Lôbo, Nelson Rosenvald, Pablo Stolze, dentre outros doutrinadores, os quais elogiam as inovações, esses autores argumentam que a tutela da dignidade-liberdade das pessoas com deficiência, e enaltecida pelos objetivos de sua inclusão.
Cabe antes de mais nada, realizar alguns esclarecimentos sobre o tema. Inicialmente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, veio ao ordenamento jurídico nacional com o objetivo de regulamentar a Convenção de Nova York, que trata de direitos humanos, da qual o Brasil é signatário.
Nos termos do artigo. 1º, tem-se que o propósito da citada Convenção "é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente".
Foram diversas as alterações trazidas ao ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 13.146/2015, entretanto, as alterações que dizem respeito ao regime de capacidades vem sendo alvo de severas críticas.
Deve-se deixar claro que, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é uma norma legal, a qual implicou positivamente diversos avanços no que diz respeito ao tratamento digno e igualitário a pessoa portadora de deficiência mental (TOMAZETTE, 2015).
Não se nega, porém, que, no desejo de avançar, eventuais alterações a um sistema logicamente concebido deveriam ser bem melhor analisadas, para não se correr o risco, bem como, ocorre agora, de essas mudanças implicarem rupturas jurídica (TOMAZETTE, 2015).
Infelizmente, as mudanças introduzidas pela Lei nº 13.146/2015, mesmo que muito bem intencionadas, podem desencadear impactos negativos diante da esperada segurança jurídica das relações civilistas.
Nesse novo sistema, restou clara a evidente confusão entre os termos incapacidade, interdição e curatela, bem como seus limites e aplicabilidade diante dos contornos legais da nova legislação.
Ocorre que a diferença entre os dois sujeitos da relação jurídica é a extensão de sua capacidade, logo aqueles dotados de personalidade jurídica devem ser os mesmo dotados de “aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.”.
Diante dessa premissa inicial o Código Civil de 2002, antes do advento da Lei nº 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, considerava: absolutamente incapazes: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (BRASIL. LEI, no.10.406/ 2002).
Ocorre que, até então, a vontade do sujeito não era considerada como suficiente para praticar os atos da vida civil, por si mesmo, em razão das limitações da lei Contudo, como já citado, os dispositivos do Código Civil de 2002 que definiam as disposições sobre o regime das incapacidades foram alterados com o advento da Lei nº 13.146/2015, o que implicou alterações quanto às indicações dos absolutamente e dos relativamente incapazes.
Agora, nos termos das alterações promovidas por meio do Estatuto da Pessoa Deficiência, o rol de absolutamente incapazes, abrange apenas os menores de 16 anos. Não obstante, àqueles que por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, são agora considerados como relativamente incapazes.
Mesmo que se saiba da importância, e da necessidade de se proteger os direitos daqueles que se encontram, seja por qual motivo for, limitados de expressar sua vontade de forma coerência, não se pode deixar de lado as evidencias de que as alterações promovidas pelo Estatuto do Deficiente quanto ao regime das capacidades, correm o risco de gerar insegurança jurídica (SIMÃO, 2015).
Cumpre observar que, o Projeto de Lei nº 757 de 2015, em tramitação, visa alterar o Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Código de Processo Civil, no sentido da não vinculação automática da capacidade, tendo em vista a condição de pessoa com deficiência a qualquer presunção de incapacidade, contudo, garantindo que qualquer pessoa, com ou sem deficiência, tenha o apoio de que necessita para os atos da vida civil (SENADO FEDERAL, 2016)
Decorrente de tais mudanças, as pessoas que antes haviam sido interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passaram a integrar o rol de pessoas capazes Ademias, de acordo com o novo Estatuto, nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional, serão consideradas, de regra, incapaz.
Entretanto, em que uma pessoa que tenha deficiência profunda, inegavelmente, essa pessoa, em decorrência dessa deficiência, não conseguirá exprimir sua vontade. Essa pessoa, até o advento da Lei nº13.146/2015, passava pelo processo de interdição no qual era reconhecida como absolutamente incapaz. Assim, seu representante legal, intitulado de curador tinha incumbência de representado nos atos de disposição da vida civil.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, coloca, contudo, as pessoas com deficiência no centro do Direito, assegurando a estas direitos fundamentais, tais como direito à vida e à acessibilidade.
Ainda, o direito fundamental à capacidade civil, com ênfase a vida independente, a autonomia e o direito de fazer as próprias escolhas com os recursos de que de dispõem.
Neste aspecto, o auxílio para os atos da vida civil foram assegurados, conferindo à pessoa com deficiência os seus recursos e apoios suficientes a manifestação de suas vontades, em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A CAPACIDADE DE FATO E DE DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
As mais relevantes alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência concentram-se nos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002, relativos à incapacidade.
Os portadores de deficiência mental passaram a possuir plena capacidade, podendo inclusive casar, constituir união estável e exercer guarda e tutela de outrem, direitos estes, agora afirmados explicitamente no art. 6º da lei 13.146/2015:
O eixo de sustentação de capacidade de fato (ou de agir) do indivíduo natural são a cognoscibilidade e a autodeterminação de maneira que é plenamente capaz para os atos da vida civil aquele que possui a capacidade de se compressão e de autodeterminação, e que, assim, possui pleno poder de gerenciar sua vida, seus negócios e seus bens.
Conforme ensina Diniz (2014, p. 164) “a personalidade tem sua medida na capacidade, que, é reconhecida num sentido de universalidade, no artigo 1º do Código Civil, que prescreve “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”. A norma Civilista traz o termo inicial da capacidade da pessoa humana.
Nesse aspecto, capacidade é compreendida como a aptidão proveniente da personalidade, para adquirir direitos ou contrair obrigações, e a esta dá-se o nome de capacidade de gozo ou de direito. A capacidade de direito jamais pode ser recusado ao indivíduo, sob pena de se negar a qualidade de pessoa humana, desfazendo-se assim dos atributos da personalidade (DINIZ, 2014).
Entretanto, essa capacidade poderá sofrer restrições legais quanto ao seu exercício, isso por que pode haver a interferência de fatores externos e genéricos, como por exemplo, tempo, maioridade, deficiência mental, incapazes.
“Logo a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil, dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o licito do ilícito, o conveniente do prejudicial” (DINIZ, 2014, p. 169).
Nesse passo, sabe-que a capacidade da pessoa física pode ser limitada, uma vez que, o indivíduo pode ter gozo de um direito, sem, contudo, ter o exercício desse mesmo direito, por considerado, nos termos da lei, incapaz. Daí que o representante legal destes agirá em seu nome, já que, a capacidade de exercício pressupõe a de gozo, porém esta poderá subsistir sem a capacidade de fato ou de exercício.
De modo contrário, a incapacidade é a restrição legal a plenitude do exercício dos atos da vida civil, esta deve sempre sem encarada estritamente, vez que deve-se levar em consideração de que “a capacidade é a regra e a incapacidade exceção” (GONÇALVEZ, 2014).
Quanto ao tema: “Como toda incapacidade advém da lei, consequentemente não constituem incapacidade quaisquer limitações ao exercício dos direitos provenientes de ato jurídico Inter vivos ou causa mortis. Exemplificando, se o doador grave o bem doado de inalienabilidade, o donatário não poderá dele dispôs; se o testador instituiu uma substituição fideicomissária, o fiduciário não terá a disponibilidade da coisa recebida (DINIZ, 2014, p. 170)”.
Ou seja, deve-se confundir também com a incapacidade a vedação legal de efetuar eventuais negócios jurídicos com certos indivíduos ou mesmo em atenção as bens a elas pertencentes.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA FACE À POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO NO NOVO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIENTE- LEI nº 13.146/2015.
Como demonstrado até aqui, diante das disposições na Lei nº 13. 146/2015, os portadores de deficiência mental passam a possuir plena capacidade, assim podem casar, constituir união estável e exercer guarda e tutela de outrem. Conforme determinação legal expressa no art. 6º da lei 13.146/2015:
Ou seja, imagine-se uma pessoa deficiente e que tenha idade mental, por exemplo, calculada em 12 (doze) anos de idade. Esta pessoa, agora, sendo faticamente maior de 18 anos, será tão capaz para o exercício de seus direitos, assim como qualquer outra pessoa.
De plano, a capacidade de direito deve seguir a capacidade de fato. Por outro lado, a incapacidade é resultado de limitações à aptidão, ou seja, para viver com notável e substancial autonomia, dessa forma, tomando decisões assim como, agindo por conta própria.
Entretanto, imprescindível observar que, nem todo indivíduo com deficiência é incapaz, assim como nem todo indivíduo sem deficiência é plenamente capaz, já que existem muitas deficiências, inclusive mentais, as quais não afetam tal aptidão, do mesmo modo que há outras causas, não concernentes a qualquer deficiência, que trazer limitações.
Inegavelmente, a sociedade é carregada por sentimento de preconceitos contra os indivíduos com deficiência. Bem como, ainda é comum que esse indivíduos sejam denominados como incapazes, excepcionais ou mesmo anormais.
Da mesma forma que, a luta pela inclusão dessas pessoas não se inicial se não se partir da constatação imparcial e realista de que são pessoas, com direito s e obrigações. Assim como qualquer outra (IBDFAM, 2015).
A não ser pelo fato de que possuem uma deficiência, por vezes definida por características físicas outras psíquicas ou sensoriais, contudo caraterística estas que a sociedade, em grande parte das vezes, discrimina, atitude esta externada através da imposição de limites ou cultivando barreiras à sua plena participação.
Entretanto, é imprescindível acabar as barreiras que ainda existem, seja, nas leis ou nos costumes, além disso, é importante a criação de mecanismos que promovam a inclusão das pessoas com deficiência.
Ao longo muitas décadas, várias leis foram aprovadas com o propósito de cumprir esses objetivos. Uma das mais relevantes e mais abrangentes é, sem dúvida, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, intitulada Estatuto da Pessoa com Deficiência.
O Estatuto trouxe avanços memoráveis, através da substituição do conceito estritamente médico pelo biopsicossocial de pessoa com deficiência, além disso trouxe à baila a tipificação do crime de discriminação em face das pessoas com deficiência.
Por outro lado, e de fácil percepção erros na elaboração de uma norma longa e complexa tal como o Estatuto, que, inegavelmente, trouxe avanços positivos, entretanto, está muito longe de ser perfeita, ou mesmo ideal a realidade brasileira.
Logicamente, alguns erros de redação, sem maiores consequências, não ocasionam grande preocupação. Contudo há, infelizmente, erros potencialmente drásticos, sem qualquer exagero, acerca da questão da capacidade civil, os quais não foram sequer percebidos, de plano.
Em vez de extinguir veementemente os elementos da Norma Civil que discriminavam os indivíduos com deficiência e colocá-los em pé de igualdade com as demais pessoas, o Estatuto alterou de forma, contraditória todo o regime de incapacidade, com prejuízos para todos que, seja com ou sem deficiência, não possuam condição de exercer plenamente a autonomia civil.
Sabe-se, contudo, que pela regra antiga, ou seja, antes da promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a associação a deficiência era diretamente atrelada à incapacidade, e, consequentemente, a incapacidade.
Entretanto, de modo contrário, não existe razão para restringir a capacidade jurídica de quem possua uma deficiência que não limite o discernimento, pelo contrário, pois algumas deficiências não afetam todas as habilidades do indivíduo, ou mesmo o discernimento para os atos.
Assim, o que deve prevalecer, para o exercício dos atos da vida civil, é a capacidade da pessoa de entender o que faz e de expressar sua vontade.
Ou seja, se a pessoa tem o discernimento reduzido indecentemente da causa (transtorno psicológico, confusão mental passageira) deve receber o apoio para o exercícios de seus esses atos.
Dessa forma, o Estatuto e o Código Civil deveriam refletir fato de que não importa se o indivíduo tem deficiência, entretanto se possui discernimento e capacidade real (CORREIA, 2015).
Logo, se não possuir, no caso em concreto condições de se autodeterminar, deve sim, ser tida como absolutamente incapaz, da mesma forma necessitando de representação. Ou ainda, se possuir tais condições em grau limitado, deverá ser assistida.
Isso, sem dúvida asseguraria maior igualdade civil as pessoas com deficiência. Da mesma forma que, corrigir eventuais erros ocasionados pelas disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência não é um retrocesso legislativo e sim, uma adequação necessária
Sendo, na verdade, mecanismo de defesa de toda sociedade, seja das pessoas com ou sem deficiência, ou seja, com vistas a garantir plena autonomia a quem realmente tenha condições de exercer os atos da vida civil.
Ademais, quanto a análise da possibilidade da adoção pelas pessoas portadoras de deficiência em face das disposições normativas introduzidas pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência –, face ao princípio da dignidade da pessoa humana. Diante de todo exposto, constata-se que:
Será necessário reconhecer as garantias das pessoas com deficiência, que poderão ser consideradas relativamente incapazes. Art. 4º, II, CC e 1767, I, CC., uma vez que, não há mais incapaz automático. É preciso averiguar, no caso concreto, se objetivamente pode ou não exprimir sua vontade de forma ponderada (BARBOSA, 2016).
Contudo, não se nega o fato de que, as disposições contidas no artigo 6º, inciso VI, do Estatuto da Pessoa com Deficiência é apta a ensejar insegurança jurídica, bem como, correm o risco de violar os direitos do adotado, vez que o coloca iminente risco, não é aceitável que uma pessoa, até então incapaz, possa agora adotar, tendo em vista o alto grau de discernimento e capacidade necessária para tanto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cumpre dizer que, quanto à promoção dos direitos da pessoa com deficiência, extremamente válido as disposições contidas no Estatuto. Assim, necessário admitir acerca da respeitável iniciativa do legislador, contudo, é preciso dizer também, que a realidade normativa não é suficientemente válida a alterar a realidade biológica do indivíduo os dos fatos.
São centenas de milhares de pessoas que vivem, infelizmente, por vezes, incapacitadas de exprimir sua vontade, ou declaradas biologicamente absolutamente incapazes, no sentido biológico, daí por que, não cabe a uma legislação de forma genérica contrariar a realidade dos fatos, como se o que a lei traz seja o único sinônimo de verdade, de justiça ou igualdade.
O advento dessa lei não significa que qualquer pessoa poderá, a partir de agora, adotar. Apenas retificou o procedimento até então existente, que lhes tolhia a priori a capacidade para a prática desse de outros atos da vida civil, sem qualquer consideração sobre a real aptidão, caso a caso, para exerce-los.
Nesse sentido, as alterações vêm de encontro da necessidade de promoção de inclusão social das pessoas portadoras de deficiência, sem representar risco ao adotado.
A pessoa com deficiência passara pelos devidos exames no tocante a sua aptidão para adotar, assim como acontece com pessoas sem deficiência. A distinção até então exatamente de fato revelava-se ilegítima violando os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.
Advogada atuante nos ramos do Direito Civil e Trabalhista pós graduada em Direito Público Acadêmica do curso de Letras
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