A dispensa arbitrária e o estado empregador: Uma revisão da jurisprudência atual

Resumo: O presente trabalho apresenta um panorama da dispensa do empregado público, através da revisão bibliográfica, buscando estudar a jurisprudência atual sobre o tema, identificando e analisando os fundamentos aventados para a (des)necessidade de motivação da dispensa do empregado público aprovado em concurso público, a luz dos princípios constitucionais e do conjunto normativo regulador da atuação das estatais. Grande parte da doutrina defende que os princípios constitucionais que regem a Administração Pública Direta e Indireta não autorizam a dispensa do empregado público desprovida de qualquer fundamentação, notadamente considerando a necessidade de controle da legalidade e finalidade desses atos. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento que se encontra pendente do Recurso Extraordinário 589998/PI, na esteira do voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Sessão Plenária de Julgamento de 24 de fevereiro de 2010), tem a oportunidade de adotar uma visão humana e sistêmica da matéria, ocasião em que se espera seja reconhecida a necessidade de motivação da dispensa dos empregados públicos concursados das empresas estatais, como elemento de validade e controle desses atos.

Palavras-chave: empregado público, dispensa, empresas estatais, motivação.

Abstract: This work presents a broad view of public servant dismissing, developed through a bibliographic review, in order to study the conformation of the current law precedents about the topic, identifying and analyzing the juridical grounds suggested in support of the (no)need motivation for dismissing public servants previously selected through official examination, considering all the constitutional principles and the laws that rules the state-owned companies. Most part of the legal doctrine claims that the constitutional principles that rules the Direct or Indirect Public Administration do not authorizes dismissing public servants without motivation, specially considering the need to control these acts legitimacy and purpose. The Supreme Court, during the Extraordinary Appeal 589998/PI imminent trial, following the path of Justice Ricardo Lewandowski vote (24 February 2010 Plenary Trial Session), has the opportunity to adopt a more human and systemic understanding, when is expected a step forward in acknowledgement of the need to motivate acts of dismissing public servants that works at state-owned companies, as legitimacy and control requirement of these acts.

Key-words: public servant, dismissal, state-owned companies, motivation.

Sumário: Introdução. 1. Empregado público. 1.1 Conceito. 1.2 Distinções. 2. A relação de emprego com o Estado. 2.1 Formação. 2.2 Extinção. 3. Estabilidade constitucional. 4. A dispensa do empregado público de empresas estatais admitido por concurso público. 5. A evolução da jurisprudência. 5.1 Tribunal Superior do Trabalho. 5.2 Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências.

Introdução

A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso II, fixou, de forma clara, tanto para a Administração Direta quanto para a Indireta, a condição básica de acessibilidade a cargos ou empregos públicos: a prévia aprovação em concurso público. No mesmo ensejo, o constituinte submeteu, indistintamente, a Administração Pública aos cânones dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A despeito de tais regras constitucionais, a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal autoriza que o empregado público de Empresa Pública e de Sociedade de Economia Mista, ainda que contratado por concurso público, seja dispensado arbitrariamente, isto é, sem qualquer motivação, notadamente com supedâneo na natureza econômica das atividades desempenhadas por tais empresas estatais, porquanto aplicável a essas entidades o art. 7°, I, a teor do art. 173, §1°, II, ambos da Constituição Federal.

O atual entendimento das Cortes Superiores permite que os empregados de empresas estatais sejam vítimas de abuso de poder ou desvio de finalidade praticados pelos seus próprios administradores que, em outros termos, fazem letra morta do interesse público e da possibilidade de controle de finalidade e legalidade de tais atos, em franca dissonância aos ditames do Estado Democrático de Direito.

Motivo de alento para aqueles que entendem que a dispensa pura e simples de empregado público concursado desmoraliza não só o caro instituto do concurso público, mas os princípios da impessoalidade, moralidade, finalidade, motivação e, fundamentalmente, do interesse público, é o recente voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski proferido na Sessão Plenária de Julgamento de 24 de fevereiro de 2010, na relatoria do Recurso Extraordinário 589998/PI que, embora se refira à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, defende a necessidade de motivação dos atos de dispensa em homenagem aos princípios e regras constitucionais aplicáveis à Administração Direta e Indireta.

Nesse diapasão, o presente trabalho, com atenção à evolução jurisprudencial sobre a questão, dispôs-se a investigar os fundamentos jurídicos que embasam a necessidade de motivação da dispensa do empregado público aprovado em concurso público, notadamente à luz dos preceitos constitucionais.

1. Empregado Público

1.1 Conceito

Não é de hoje que a doutrina e a jurisprudência divergem acerca da existência de estabilidade para os empregados públicos. Com efeito, o tema é dos mais polêmicos e, como tal, merece ser examinado considerando as várias formas de interpretação desta temática, com foco na jurisprudência atual.

A tarefa de examinar a possibilidade de dispensa arbitrária do empregado público é das mais espinhosas para os operadores do Direito, haja vista a propriedade dos argumentos de ambos os lados.

Não obstante, nos parece fundamental para o deslinde da questão posta, a escorreita compreensão do conceito de empregado público para que, munidos desse conteúdo, possamos analisar as decisões atuais e emitir uma visão própria desta problemática interdisciplinar em que institutos de Direito Administrativo e Direito do Trabalho se combinam.

Empregados públicos nada mais são do que agentes públicos administrativos que ocupam empregos públicos criados por lei, aprovados em concurso público e cuja vida funcional é regida pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)[1].

Ou seja, seu regime básico é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções pertinentes à posição especial de uma das partes – o Poder Público: exigência de aprovação em concurso público, vedação de acumulação de cargos e empregos, teto remuneratório constitucional, entre outras prerrogativas[2].

1.2 Distinções

Importa mencionar que a doutrina estabelece distinções importantes entre os ocupantes de cargo público e os que ocupam emprego público, malgrado sejam ambos agentes administrativos que exercem alguma função pública de caráter permanente em decorrência de relação funcional com o Estado e as entidades da Administração Indireta[3].

Os ocupantes de cargos públicos são chamados de servidores estatutários eis que sujeitos ao regime estatutário previamente implantado pela Administração para a qual presta serviços, cujos vínculos podem ser efetivos ou em comissão, sendo os primeiros de caráter definitivo, a serem providos através de concurso público e os segundos de caráter provisório e destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento[4].

De outra sorte, o empregado público é aquele que presta serviço para Administração Pública e a relação funcional é ditada pelo regime trabalhista previsto na legislação federal, de modo que seu regime jurídico é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções pertinentes à posição especial de uma das partes – o Poder Público[5].

Vê-se, pois, que os empregos públicos constituem núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem desempenhados pelos chamados empregados públicos, sob regência da CLT, os quais também devem ser previamente aprovados em concurso público[6], a teor da regra do art. 37, II da Constituição Federal.

Neste ponto, vale observar que a Administração Pública Direta, que abrange os entes políticos União, Estados, Municípios e Distrito Federal; as Autarquias e as Fundações Públicas podem adotar tanto o regime de pessoal estatutário quanto o trabalhista, sendo que as empresas públicas e as sociedades de economia mista estão atreladas obrigatoriamente ao regime de pessoal trabalhista[7].

2. A relação de emprego com o Estado

2.1 Formação

A investidura em emprego público, seja na Administração Direta ou na Indireta, depende, com supedâneo nos princípios da eficiência e impessoalidade, de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei[8].

O concurso público é, portanto, a pedra fundamental do regime de recrutamento de servidores públicos e instrumento imprescindível para a concretização do princípio da isonomia, caracterizando-se como o critério mais eficiente de premiar o mérito do candidato ao serviço público e de profissionalizar a Administração Pública com ganhos de qualidade e eficiência[9].

Conquanto tenha disciplinado a regra do concurso público em seu art. 37, inciso II, a Constituição Federal também passou a apresentar em seu corpo o art. 173, §1º, inciso II, que prevê a sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mistas destinadas a explorar atividade econômica ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas.

Embora grande dúvida tenha pairado à época acerca da obrigatoriedade de realização de concurso público, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n. 21.322-DF[10] acabou por pacificar a questão ao fixar o entendimento de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista também deveriam obedecer ao princípio moralizador do concurso público para provimento dos empregos públicos, o que não colidiria com o expresso no art. 173, §1º, inciso II, eis que o regime legal desses trabalhadores será o celetista[11].

Tratando do assunto, o Tribunal Superior do Trabalho[12] fez publicar a Súmula n. 363, cujo teor sofreu algumas alterações e culminou na seguinte redação atual: “SUM-363    CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 – A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.”

2.2 Extinção

Sob a ótica do Direito Administrativo a extinção da relação funcional com caráter punitivo é denominada demissão e decorre de sentença judicial transitada em julgado ou penalidade disciplinar em razão de falta grave apurada em processo administrativo disciplinar[13].

De outra senda, tratar-se-á de exoneração sempre que a extinção da relação funcional se der por interesse de uma das partes[14].

Volvendo os olhos para o Direito do Trabalho, temos que as principais hipóteses de extinção da relação são nomeadas demissão, quando a extinção ocorre por vontade do empregado, dispensa ou despedida, quando se dá por iniciativa do empregador, sendo que esta última pode ser arbitrária, sem justa causa; por justa causa, sempre que o empregado incorre em conduta capitulada como falta ou indireta, quando a falta grave é praticada pelo empregador, dando justo motivo ao empregado para romper a relação empregatícia[15].

3. Estabilidade Constitucional

Trata-se de prerrogativa assegurada constitucionalmente pelo nosso ordenamento, aplicável apenas no âmbito da Administração Pública, que se destina a profissionalizar os quadros funcionais do serviço público e a assegurar aos servidores públicos uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições, com o escopo de evitar que sofram pressões e ingerências de natureza política para atuar em desacordo com o princípio da impessoalidade, em evidente detrimento do interesse público[16].

Ultrapassada a questão conceitual, mostra-se pertinente analisar o dispositivo constitucional que trata da estabilidade ora examinada. Dispunha o art. 41, originalmente, que “são estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público.” A Emenda Constitucional n. 19/1998 alterou a redação do art. 41, dando-lhe os seguintes contornos: “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.“

Vale observar, ainda, que a Emenda Constitucional n. 19/1998 incluiu no Texto Constitucional outra hipótese de perda do cargo por servidor estável: exoneração quando for imprescindível para redução das despesas com pessoal aos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), nos termos do art. 169, §4º da CF, sempre que as medidas adotadas com base no §3º daquele artigo não forem suficientes para tanto.

Considerando que a exigência constitucional de aprovação em concurso público é para investidura em cargo ou emprego público, houve grande discussão sobre a aplicação da referida garantia prevista no art. 41 da Carta aos empregados públicos, tendo surgido duas correntes: a que defende que servidores concursados, independentemente de serem estatutários ou celetistas, adquirem estabilidade após três anos de exercício e a que sustenta que a Emenda Constitucional n. 19/1998 alterou a redação do art. 41 deixando de estender a estabilidade aos celetistas..

Aqueles que entendem que o preceito constitucional somente se refere aos servidores públicos estatutários argumentam, primeiramente, que a exigência de concurso público consubstancia apenas uma tentativa de moralizar o acesso ao emprego público, não bastando, por si só, para alcançar a estabilidade ao empregado aprovado nessa forma de seleção[17].

Acrescentam, ainda, que o regime de adoção do fundo de garantia por tempo de serviço seria incompatível com a estabilidade, defendendo que os dois regimes não coexistem[18].

Além disso, aduzem que a Administração Pública, sempre que contrata, equipara-se ao empregador privado, de sorte que o empregado público, sujeito ao regime celetista, não pode ser beneficiado pelo art. 41 da Constituição Federal, o qual seria dirigido apenas ao regime de caráter administrativo, notadamente considerando que o art. 41 encontra-se dentro do capítulo VII – Da Administração Pública; Seção II – Dos servidores públicos, tratando tão somente dos servidores públicos civis da Administração[19].

Por outro lado, há quem defenda que a estabilidade do art. 41 deveria ser aplicada ao empregado público aprovado em concurso público, tese esboçada com supedâneo no princípio constitucional da isonomia, eis que aquele também é servidor público[20]

No que diz respeito à jurisprudência, antes do avento da Emenda Constitucional n. 19/98, os precedentes do Supremo Tribunal Federal[21] eram no sentido de que a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal independia da natureza do regime jurídico adotado, de maneira que servidores concursados e submetidos ao regime jurídico trabalhista teriam jus à estabilidade ainda que optantes pelo sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Nesse diapasão, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Orientação Jurisprudencial n. 22 da SDI-II, em 20/09/2000, que rezava que o servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional seria beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal e, posteriormente, a Orientação Jurisprudencial n. 229 da SDI-I, então com a seguinte redação: “ESTABILIDADE. ART. 41, CF/1988. CELETISTA. EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL”[22].

Conquanto após a Emenda Constitucional n. 19/1998, o Tribunal Superior do Trabalho manteve esse entendimento e o converteu na Súmula n. 390[23]: “ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nº s 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.00)

II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)”

Por todo o exposto, ainda que se entenda que tais servidores não são contemplados pela estabilidade constitucional ao fundamento de que a Emenda Constitucional n. 19/98 teria limitado tal garantia ao regime de cargo, certo é que o ordenamento jurídico federal agraciou o empregado público da Administração Direta, Autárquica e Fundacional da União com uma espécie singular de garantia contra a dispensa imotivada, prevista no art. 3º da Lei n. 9.962/2000, pela qual só poderão dispensados em 4 hipóteses:

(a) prática de falta grave (art. 482 da CLT);

(b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

(c) necessidade de redução do quadro de pessoal, para adequar ao limite de despesas do art. 169 da Constituição Federal;

(d) insuficiência de desempenho.

4. A dispensa do empregado público de empresas estatais admitido por concurso

A sociedade de economia mista e a empresa pública integram a Administração Indireta e são genericamente intituladas empresas estatais, às quais são repassadas pelo Estado determinadas atividades públicas ou pelo menos de interesse público, com o fim de mais prontamente alcançar a satisfação de necessidades coletivas[24].

Em resumo, diz-se empresas públicas as pessoas jurídicas de direito privado, instituídas pelo Poder Público, mediante autorização de lei específica, sob qualquer forma jurídica e com capital exclusivamente público, cujo objetivo é a exploração de atividades de natureza econômica ou execução de serviços públicos. Por sua vez, as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, criadas pelo Estado, mediante autorização legal específica, sob a forma de sociedade anônima e com capitais públicos e privados, para a exploração de atividades de natureza econômica ou execução de serviços públicos[25].

Note-se que a despeito de sua personalidade jurídica de direito privado essas empresas estatais jamais podem ser confundidas com as empresas privadas, notadamente tendo em vista que devem servir a interesses públicos e estarão sob controle imediato da esfera do Poder Público que as criou[26]. Isto é, sejam exploradoras de atividade econômica ou prestadoras de serviço, tais entidades, por disposição expressa da Constituição, são regidas por normas ali constantes que impedem sua perfeita simetria com a generalidade das empresas privadas[27].

Dentre as sujeições abarcadas pelo Regime Jurídico Administrativo, encontra-se indubitavelmente o respeito aos princípios trazidos pelo artigo 37 “caput” da Constituição Federal, que devem ser vistos como instrumentos de equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração Pública.

Esclarecidas essas questões preliminares, é de se ver que, conforme já repisado, malgrado o empregado concursado de tais empresas não detenha estabilidade, os princípios constitucionais que regem a Administração Pública Direta e Indireta não autorizam que sua dispensa seja imotivada.

Conquanto o princípio da motivação não tenha sido positivado no art. 37 da Constituição Federal, sua aplicação às empresas estatais encontra substrato no princípio da legalidade e decorre do próprio Estado Democrático de Direito. O princípio da legalidade é a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração: toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei[28]. E é justamente através da indicação dos fundamentos de fato e de direito que os administrados poderão exercer o controle de legalidade das decisões administrativas.

Todavia, não é esse o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho cristalizado na redação original da Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-I[29]: “Servidor público. Celetista concursado. Despedida imotivada. Empresa pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade.” Historicamente, o TST tem entendido, com base no artigo 173, § 1º, da Constituição, que a dispensa de empregados de empresas estatais poderia ocorrer sem motivação, ainda que o ingresso no serviço público tenha ocorrido por intermédio de concurso público.

Ocorre que, a partir do julgamento do RE 220.906-9-DF, a esfera de incidência das normas de direito público nas relações jurídicas da Empresa de Correios e Telégrafos foi sensivelmente ampliada pelo STF, porquanto equiparou-se referida empresa à Fazenda Pública, declarando-se a impenhorabilidade de seus bens e sua submissão ao regime geral de precatórios do artigo 100 da Constituição:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI N 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME GERAL DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada á Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei nº 509/69 e não incidência da restrição contida no artigo 173, § 1o, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica, ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.

Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância do regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no art. 100 da Constituição Federal.”

Não obstante, a ECT permaneceu deixando de motivar seus atos, o que culminou em várias decisões judiciais tomadas em sentido contrário à jurisprudência consolidada do TST, bem como o entendimento majoritário da SDI-I pela impossibilidade da demissão imotivada dos seus empregados, razão pela qual se afetou o tema ao Pleno do Tribunal em incidente de uniformização de jurisprudência.

Em setembro de 2007, o Pleno do TST, fundamentado no fato de o STF ter assegurado privilégios inerentes à Fazenda Pública, especialmente quanto ao pagamento de débitos por intermédio de precatórios, entendeu que os atos administrativos da ECT estão vinculados aos princípios que regem a administração pública direta, em especial o da motivação da despedida de seus empregados.

Então, o TST publicou, no Diário da Justiça de 13/11/2007, a Resolução 143/07, dando nova redação à Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-I[30]:

“SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

1. A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;

2. A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.”

O conteúdo do enunciado em questão elucidou a questão, definindo que no ato de dispensa dos empregados da ECT deverão estar expressas as causas e os elementos que motivaram a decisão do administrador público, bem como o dispositivo legal em que se funda. Entender de forma diversa seria atribuir à ECT a cômoda posição híbrida na qual gozaria apenas dos direitos assegurados pelas duas naturezas jurídicas, a pública e a privada, sempre em detrimento do trabalhador hipossuficiente. Certamente esse posicionamento jurisprudencial do TST representará uma maior transparência nas relações de trabalho na referida estatal, permitindo um controle efetivo dos representantes sindicais e dos próprios trabalhadores quanto à regularidade do ato de demissão, evitando assim a ocorrência de desvio ou abuso de poder[31].

5. A evolução da jurisprudência

5.1 Tribunal Superior do Trabalho

A par da louvável mudança jurisprudencial levada a cabo em 2007 através da alteração da Orientação Jurisprudencial n. 247 – SDI-I, que representou um importante avanço na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores da ECT, subsiste ainda hoje, no Colendo Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento consolidado de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas sujeitam-se ao regime das empresas privadas, não lhes sendo obrigatória a observância da teoria da motivação dos atos administrativos, podendo, inclusive, despedir seus empregados concursados sem justo motivo, por força do disposto no art. 173, § 1.º, da Constituição Federal.

Registre-se, porém, essa Corte passa por um momento de renovação jurisprudencial e mudança de posicionamentos antes consolidados, notadamente tendo em vista a sua nova composição, o que nos leva a inferir que os citados enunciados e jurisprudências talvez não prosperem por muito tempo.

Corrobora essa assertiva recente Acórdão prolatado pela 2ª Turma em sede de Recurso de Revista em que o Ministro Relator estende a aplicação da segunda parte da Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-I: “(…)  O cerne da controvérsia está em saber se a reclamante, servidora pública contratada por ente da administração pública direta (município) antes da Constituição Federal de 1988 sem concurso público, poderia ser dispensada dos quadros do empregador sem a adequada motivação.

Com efeito, o artigo 37, caput, da Constituição Federal estabelece como princípio aplicável à Administração Pública o da motivação de seus atos, segundo o qual devem ser expressos os motivos de fato e de direito que levaram à Administração Pública à tomada de determinada decisão.

Nesse ínterim, a demissão sem qualquer motivação de servidor que prestou serviços por quase vinte anos ao Município reclamado apresenta-se como arbitrária e violadora do artigo 37, caput, da Constituição Federal, uma vez que impossibilitaria ao administrado verificar/questionar a legalidade do ato proferido pelo ente público.

Infere-se esse mesmo entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 247, II, que preconiza: “OJ-SDI1-247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA . EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. Inserida em 20.06.2001 (Alterada – Res. nº 143/2007 – DJ 13.11.2007) 
I – omissis.

II – A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Não há falar em violação do artigo 37, II, da Constituição Federal, uma vez que a discussão sobre legalidade da demissão em razão da ausência de concurso público pressuporia que o ato demissional fosse válido e, portanto, calcado motivos de fato e de direito expressos de forma antecedente ou, no máximo, concomitante ao ato demissional.

Em outros termos, a exposição tardia de fundamentos deduzidos como argumentos de defesa em ação judicial – a demissão teria ocorrido em razão da nulidade de contratação – como forma de tentar salvar-se ato maculado não encontra respaldo, uma vez que o ato é absolutamente nulo, pois arbitrário em razão da falta de motivação contemporânea.

Em face do exposto, apresenta-se despicienda, ainda, a análise da divergência jurisprudencial suscitada, uma vez que o v. acórdão encontra-se em conformidade com o entendimento inferido da referida Orientação Jurisprudencial. Incidência da Súmula nº 333 e artigo 896, § 4º, da CLT. (…)”[32]

5.2 Supremo Tribunal Federal

Volvendo os olhos para a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, de fácil constatação que ambas as Turmas reiteradamente entendem que os empregados admitidos por concurso público em empresa pública ou sociedade de economia mista podem ser dispensados sem motivação, eis que aplicável a essas entidades o art. 7º, I e art. 173, §1º, II, ambos da Constituição Federal[33], sem que a ausência de motivação da dispensa incorra em violação do art. 37, caput e inciso II também da Constituição Federal[34].

Quando instada a se manifestar sobre essa questão, a Corte Suprema limita-se a invocar a jurisprudência assentada de suas Turmas, remetendo-se à fundamentação de precedentes, deixando de enfrentar as contradições que a parte buscava ver sanadas perante o STF, notadamente que o regime jurídico aplicável às empresas estaduais por força do art. 173, §1º, inciso II da Constituição Federal tem o objetivo de evitar o desequilíbrio concorrencial entre as empresas estatais e o setor privado, mas não o de dispensar as empresas estatais de obedecer aos princípios administrativos a ela impostos pelo art. 37.

Conquanto esse seja o panorama atual, não se pode deixar de registrar que o recente voto do Ministro Ricardo Lewandowski, proferido na Sessão Plenária de Julgamento de 24 de fevereiro de 2010, na relatoria do Recurso Extraordinário 589998/PI, representa grande avanço no trato da matéria em exame, no que foi acompanhado pelo Ministro Eros Grau, não tendo o julgamento sido concluído[35].

Trata-se de recurso extraordinário interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho – TST em que se discute se a recorrente tem, ou não, o dever de motivar formalmente o ato de dispensa de seus empregados. Na espécie, o TST reputara inválida a despedida de empregado da recorrente, ao fundamento de que “a validade do ato de despedida do empregado da ECT está condicionada à motivação, visto que a empresa goza das garantias atribuídas à Fazenda Pública.”. A ECT, em síntese, aponta contrariedade aos artigos 41 e 173, § 1º, da CF, haja vista que a deliberação a respeito das demissões sem justa causa é direito potestativo da empresa, interferindo o acórdão recorrido na liberdade existente no direito trabalhista, por incidir no direito das partes pactuarem livremente entre si. Sustenta, ainda, que o fato de possuir privilégios conferidos à Fazenda Pública — impenhorabilidade dos seus bens, pagamento por precatório e algumas prerrogativas processuais —, não tem o condão de dar aos empregados da ECT o benefício da despedida motivada e a estabilidade para garantir reintegração no emprego.

Considerando a relevância do festejado voto, peço vênia para transcrever seu resumo publicado no Informativo STF n. 576: “(…) O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso. Salientou, primeiro, que, relativamente ao debate sobre a equiparação da ECT à Fazenda Pública, a Corte, no julgamento da ADPF 46/DF (DJE de 26.2.2010), confirmou o seu caráter de prestadora de serviços públicos, declarando recepcionada, pela ordem constitucional vigente, a Lei 6.538/78, que instituiu o monopólio das atividades postais, excluídos do conceito de serviço postal apenas a entrega de encomendas e impressos. Asseverou, em passo seguinte, que o dever de motivar o ato de despedida de empregados estatais, admitidos por concurso, aplicar-se-ia não apenas à ECT, mas a todas as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos, em razão de não estarem alcançadas pelas disposições do art. 173, § 1º, da CF, na linha de precedentes do Tribunal. Observou que, embora a rigor, as denominadas empresas estatais ostentarem a natureza jurídica de direito privado, elas se submeteriam a regime híbrido, ou seja, sujeitar-se-iam a um conjunto de limitações que teriam por escopo a realização do interesse público. Assim, no caso dessas entidades, dar-se-ia uma derrogação parcial das normas de direito privado em favor de certas regras de direito público.

Citou como exemplo dessas restrições, as quais seriam derivadas da própria Constituição, a submissão dos servidores dessas empresas ao teto remuneratório, a proibição de acumulação de cargos, empregos e funções, e a exigência de concurso para ingresso em seus quadros. Ao afastar a alegação de que os dirigentes de empresas públicas e sociedades de economia mista poderiam dispensar seu pessoal no uso do seu direito potestativo de resilição unilateral do pacto laboral, independentemente de motivação, relembrou que o regime jurídico das empresas estatais não coincidiria, de forma integral, com o das empresas privadas, em face das aludidas restrições, quando fossem exclusiva ou preponderantemente prestadoras de serviços públicos. Ressaltou que o fato de a CLT não prever realização de concurso para a contratação de pessoal destinado a integrar o quadro de empregados das referidas empresas, significaria existir uma mitigação do ordenamento jurídico trabalhista, o qual se substituiria, no ponto, por normas de direito público, tendo em conta tais entidades integrarem a Administração Pública indireta, sujeitando-se, por isso, aos princípios contemplados no art. 37 da CF. Rejeitou, por conseguinte, a assertiva de ser integralmente aplicável aos empregados da recorrente o regime celetista no que diz respeito à demissão.

Afirmou que o objetivo maior da admissão de empregados das estatais por meio de certame público seria garantir a primazia dos princípios da isonomia e da impessoalidade, o que impediria escolhas de índole pessoal ou de caráter puramente subjetivo no processo de contratação. Ponderou que a motivação do ato de dispensa, na mesma linha de argumentação, teria por objetivo resguardar o empregado de uma eventual quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir, razão pela qual se imporia, no caso, que a despedida fosse não só motivada, mas também precedida de um procedimento formal, assegurado ao empregado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Rejeitou, ainda, o argumento de que se estaria a conferir a esses empregados a estabilidade prevista no art. 41 da CF, haja vista que tal garantia não alcançaria os empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos de orientação já fixada pelo Supremo, que teria ressalvado, apenas, a situação dos empregados públicos aprovados em concurso público antes da EC 19/98.

Aduziu que o paralelismo entre os procedimentos para a admissão e o desligamento dos empregados públicos estaria, da mesma forma, indissociavelmente ligado à observância do princípio da razoabilidade, porquanto não se vedaria aos agentes do Estado apenas a prática de arbitrariedades, mas se imporia também o dever de agir com ponderação, decidir com justiça e, sobretudo, atuar com racionalidade. Assim, a obrigação de motivar os atos decorreria não só das razões acima explicitadas como também, e especialmente, do fato de os agentes estatais lidarem com a res publica, tendo em vista o capital das empresas estatais — integral, majoritária ou mesmo parcialmente — pertencer ao Estado, isto é, a todos os cidadãos. Esse dever, ademais, estaria ligado à própria idéia de Estado Democrático de Direito, no qual a legitimidade de todas as decisões administrativas tem como pressuposto a possibilidade de que seus destinatários as compreendam e o de que possam, caso queiram, contestá-las. No regime político que essa forma de Estado consubstancia, seria preciso demonstrar não apenas que a Administração, ao agir, visou ao interesse público, mas também que agiu legal e imparcialmente. Mencionou, no ponto, o disposto no art. 50 da Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; … § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”). Salientou que, no caso da motivação dos atos demissórios das estatais, não se estaria a falar de uma justificativa qualquer, simplesmente pro forma, mas de uma que deixasse clara tanto sua legalidade extrínseca quanto sua validade material intrínseca, sempre à luz do ordenamento legal em vigor. Destarte, disse não se haver de confundir a garantia da estabilidade com o dever de motivar os atos de dispensa, nem de imaginar que, com isso, os empregados teriam uma “dupla garantia” contra a dispensa imotivada, eis que, concretizada a demissão, eles terão direito, apenas, às verbas rescisórias previstas na legislação trabalhista.

Em seguida, ao frisar a equiparação da demissão a um ato administrativo, repeliu a alegação de que a dispensa praticada pela ECT prescindiria de motivação, por configurar ato inteiramente discricionário e não vinculado, havendo por parte da empresa plena liberdade de escolha quanto ao seu conteúdo, destinatário, modo de realização e, ainda, à sua conveniência e oportunidade. Justificou que a natureza vinculada ou discricionária do ato administrativo seria irrelevante para a obrigatoriedade da motivação da decisão e que o que configuraria a exigibilidade, ou não, da motivação no caso concreto não seria a discussão sobre o espaço para o emprego de um juízo de oportunidade pela Administração, mas o conteúdo da decisão e os valores que ela envolve. Por fim, reiterou que o entendimento ora exposto decorreria da aplicação, à espécie, dos princípios inscritos no art. 37 da CF, notadamente os relativos à impessoalidade e isonomia, cujo escopo seria o de evitar o favorecimento e a perseguição de empregados públicos, seja em sua contratação, seja em seu desligamento. Após o voto do Min. Eros Grau que acompanhava o relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.”  (grifo nosso)

Vê-se, portanto, que o voto em análise sinaliza uma possível mudança de posicionamento da Suprema Corte, eis que o relator, em interpretação sistemática da Constituição Federal, concluiu pela necessidade de motivação da dispensa de empregado aprovado em concurso público não só pela ECT, mas por todas as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadores de serviço público, às quais não se aplica o art. 173, §1º da Constituição Federal.

Neste ponto, chamo a atenção para os fundamentos delineados pelo relator em seu voto, os quais alcançam, indistintamente, todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive aquelas exploradoras de atividade econômica, porquanto alicerçados nos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

O processo em questão encontra-se pendente de julgamento, consoante andamento processual informado no site do próprio STF, ensejando, destarte, grande ansiedade na comunidade jurídica que aguarda o pronunciamento conclusivo do Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade motivação para os atos de dispensa dos empregados públicos admitidos por concurso público pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Considerações finais

O panorama esboçado nas linhas precedentes retrata que, após a alteração do art. 41 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 19/1998 e, ainda, a teor das decisões jurisprudenciais atuais, o empregado público, diferentemente do servidor público dito estatutário, está protegido pela estabilidade constitucional, de modo que sua relação funcional poderá ser extinta por iniciativa da própria Administração Pública.

Os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior, estes últimos cristalizados inclusive em Orientações Jurisprudenciais, distinguem a dispensa dos empregados públicos da Administração Direta e da dispensa dos empregados das Empresas Estatais, sendo que apenas para os primeiros a motivação do ato é pressuposto indispensável à sua validade, ainda que contratados por concurso público.

Conquanto os Tribunais autorizem a dispensa imotivada do empregado de empresa pública e de sociedade de economia mista aprovado em concurso público, ao fundamento principal de que tais empresas submetem-se ao regime jurídico das empresas privadas, subsiste em grande parte da doutrina o entendimento de que se o administrador estatal está vinculado às regras constitucionais que disciplinam o ingresso de pessoal no serviço público, em contrapartida não lhe seria dado prescindir da observância dessas mesmas normas, critérios e motivos justificáveis para dispensar seus empregados, notadamente tendo em vista que exercendo ou não tais pessoas jurídicas atividades eminentemente econômicas, estarão elas sob o controle imediato da esfera do Poder Público que as criou.

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal Superior do Trabalho embasam seus precedentes sobre a matéria na impossibilidade de se conferir ao empregado regido pela CLT a estabilidade outorgada aos detentores de cargos públicos estáveis. Não obstante, a questão deve ser enfrentada sob outro prisma, não se trata de buscar conferir aos empregados públicos, regidos pela disciplina da CLT, a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição, permitindo a demissão do trabalhador apenas após a efetivação de processo administrativo, fundado em uma falta que justifique a despedida. De fato, o ponto nevrálgico a ser debatido é que a Administração Pública tem o dever de, quando da prática de qualquer ato, em especial o de dispensa, fazê-lo baseada em pressupostos que corroborem sua ação.

Ora, a Administração Pública Indireta também deve pautar sua atuação pela observância da impessoalidade e moralidade: se o acesso ao emprego público foi antecedido de aprovação em concurso público a dispensa há de ser motivada, permitindo o confronto entre os motivos alegados e a realidade dos fatos, de sorte a conferir a segurança de que também a demissão de um empregado não estará impregnada de interesses outros, que possam prejudicar a atuação do Poder Público.

Em um Estado Republicano como o nosso, não nos parece admissível que aquele responsável por gerenciar a res publica esteja desobrigado de submeter-se ao controle de seus atos, sejam eles praticados sob a égide de um regime público ou privado.

Diante do quadro apresentado, espera-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento que se encontra pendente do Recurso Extraordinário 589998/PI, alentado pelo voto do Ministro Ricardo Lewandowski, proferido na Sessão Plenária de Julgamento de 24 de fevereiro de 2010, adote uma visão mais humana e sistêmica da matéria, reconhecendo a necessidade de motivação da dispensa dos empregados públicos concursados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, como elemento de validade e controle de tais atos. 

  

Referências
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Notas
[1] FALCÃO, Felipe H. de B. A estabilidade do empregado público. Novos debates sobre antigas questões. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1689, 15 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10954>. Acesso em: 19 jan. 2011.
[2] JORGE NETO, op. cit., p. 1321.
[3] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 50.
[4] JORGE NETO, op. cit., p. 1320.
[5] Ibid., p. 1321.
[6] MOTA, op. cit., p. 348.
[7] ALEXANDRINO, op. cit., p. 37.
[8] BARROS, op. cit., p. 502.
[9] AMARAL, Roberto F. do. Acesso democrático a cargos, empregos e funções na Administração Pública brasileira. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, Goiânia, 2010, vol. 25, p. 421.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança. MS n. 21322. Relator: Min. Paulo Brossard. Brasília, DF, 3 de dezembro de 1992. Publicação: Diário da Justiça de 23 abr. 1993. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 15 mai. 2011.
[11] IWAMOTO, Yasmini F. Aplicação do princípio da proteção à confiança ao Direito do Trabalho: Mitigação da Súmula n. 363 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, Goiânia, 2010, vol. 25, p. 500.
[12] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 363. Disponível em: http://www.tst.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 05 mai. 2011.
[13] ALEXANDRINO, op. cit., p. 198.
[14] JORGE NETO, op. cit., p. 1371.
[15] MARTINS FILHO, Ives G. da S. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 113 e 114.
[16] ALEXANDRINO, op. cit., p. 196.
[17] FALCÃO, op. cit.
[18] Idem.
[19] JORGE NETO, op. cit., p. 1408.
[20] Ibid., p. 1412.
[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 187229/PA, 2ª Turma. Relator: Min. Marco Aurélio de Mello. Brasília, DF. Publicação: Diário da Justiça de 14 de maio de 1999. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 15 mai. 2011.
[22] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial n. 229 SDI-I. Disponível em: http://www.tst.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 09 mai. 2011.
[23] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 390. Brasília, DF, 20, 22 e 25 de abril de 2005. Disponível em: http://www.tst.jus.br. Acesso em: 01 abr. 2011.
[24] MELO, op. cit., p. 1099.
[25] ALEXANDRINO, op. cit., p. 33.
[26] MELO, op. cit., p. 1100.
[27] MOTA, op. cit., p. 357.
[28] ALEXANDRINO, op. cit., p. 105.
[29] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial n. 247 SDI-I. Disponível em: http://www.tst.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 15 mai. 2011.
[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 220.906-9/DF, Tribunal Pleno. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, DF. Publicação: Diário da Justiça de 14 de novembro de 2002. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 15 mai. 2011.
[31] TORELLY, Rodrigo P. OJ 247 do TST avança defesa dos interesses dos trabalhadores. Consultor Jurídico, São Paulo, 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007>. Acesso em 16 mai. 2011.
[32] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. RR 75700-25.2005.5.09.0068, 2ª Turma. Relator: Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos. Brasília, DF. Publicação: Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho de 06 de mai. 2011. Disponível em: http://www.tst.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 15 mai. 2011.
[33] BRASIL. Supremo Tribunal Federa. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. AI 648.435 – AgR/ES, 1ª Turma. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF. Publicação: Diário da Justiça de 19 de dez. 2007. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 15 mai. 2011.
[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. AI 541.711–AgR/RJ, 2ª Turma. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Publicação: Diário da Justiça de 10 de mar. 2006. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acesso em 15 mai. 2011.
[35] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 589998/PI. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo. Acesso em: 16 mai. 2011.

Informações Sobre o Autor

Emilia Munhoz Gaiva

Procuradora do Estado de Goiás


Equipe Âmbito Jurídico

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