A dúvida do Supremo Tribunal Federal na adoção das teorias monista ou dualista frente à globalização

Resumo: Na medida em que a globalização se instaura nos Estados, a necessidade de estruturação das normas de Direito Internacional e a resolução dos conflitos dessas normas com as de direito interno se mostram extremistas, sendo mister a adoção de uma teoria (monista ou dualista) coerente com a evolução da sociedade que evite a desagregação do país frente a comunidade internacional. Em vista disso, o objetivo é decifrar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, quando em confronto as normas de direito interno com as normas de internacional e quais são os fundamentos para adoção de uma ou outra teoria.


Palavra-chave: internacional, monista, dualista, paridade, globalização.


Abstract: To the extent that globalization is established in the States, the need for structuring the rules of international law and resolution of conflicts with those rules of law to show extremists, being necessary to adopt a theory (monistic or dualistic) consistent with the evolution of society to prevent the disintegration of the country before the international community. In view of this, the goal is to decipher the position adopted by the Supreme Court, the guardian of the Constitution, when confronting the norms of domestic law with international standards and what are the reasons for adopting either theory.


Key-words: international, monist, dualist, parity, globalization.


Sumário: 1. Introdução. 2. Relação entre direito interno e direito internacional. 2.1. A Teoria Monista. 2.2 A Teoria Dualista. 3. A Convenção de Viena e as normas de importância fundamental. 4. O Pacto de São José da Costa Rica. 5. Exceções à regra de paridade. 6. Conclusão. Referências.


1. Introdução


A globalização entendida como um meio de interação crescente que envolve de maneira inexorável o direito das gentes, e dessa forma a paz mundial, requer a solução de conflitos entre as normas de direito internacional e direito interno de maneira que não se intensifique os ânimos dos países signatários dos tratados, bem como não coloque em choque os direitos humanos preservados por instrumento diferente da Carta Magna, como o caso do depositário infiel, que veremos no presente trabalho.


Nesse sentido, para a presente exposição, nos deteremos na definição de Hildebrando Accioly que entende como direito internacional público o conjunto de princípios ou regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto nos Estados ou outros organismos análogos, quanto aos indivíduos, já que considera um poder limitado dos Estados pelos compromissos internacionais e regras do direito internacional.


Com base na definição do direito internacional e o objetivo de identificar o posicionamento adotado pelo Brasil quanto a sua maior ou menor interação, no que tange à estrutura hierárquica traçada pelo direito interno ante os conflitos de normas, mister a análise de algumas situações já decididas pelo Supremo Tribunal Federal que nos permita tecer crítica ao sistema e a possibilidade, considerando a existência do acaso, de concluir os motivos de suas decisões.


2. Relação entre direito interno e direito internacional


Enfrentar a questão dos conflitos entre o direito internacional e o direito interno, bem como a polêmica sobre a supremacia ou não dos tratados sobre a legislação interna, em conseqüência da intensificação das relações internacionais, impõe uma análise sobre a posição monista ou dualista que o Brasil adota, sem deixar ao desalento as exceções à regra de paridade apontadas pelo Supremo Tribunal Federal que tão notoriamente indicam um estado de hibridez.


A análise do direito interno é aprazível, porque está no contexto social desde a mais tenra idade, se apresenta como o “braço forte do Estado que garante a vigência da ordem jurídica, subordinando compulsoriamente as proposições minoritárias à vontade da maioria e, fazendo valer, para todos, tanto o acervo legislativo quanto as situações e atos jurídicos que, mesmo no âmbito privado, se produzem na sua conformidade”[1].


A ordem jurídica interna pressupõe a obediência às regras postas, a fim de regular as condutas intersubjetivas, baseada, aparentemente, na pirâmide de Kelsen, sendo que no topo estaria a Constituição Federal, e acima dela, como fundamento de validade último, a norma fundamental.


Em relação ao direito internacional não existe autoridade superior dotada de jurisdição a ponto de coagir ao cumprimento de uma obrigação, a não ser que o Estado concorde em submeter-se a uma autoridade.


Os Estados têm igual soberania, de forma que “se organizam horizontalmente, e prontificam-se a proceder de acordo com as normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento”[2].  


Nesse ponto, convém ressaltar que a existência desses vínculos horizontais no direito é determinada pelas relações de coordenação entre as normas jurídicas que são estabelecidas por critérios de relação semântica (em razão da matéria) e pragmática (em razão da forma), em que uma norma completa o sentido da outra.[3]


No âmbito do direito internacional, e numa concepção monista, as normas estariam sob o crivo do critério de complementação, enquanto que sob a ótica da teoria dualista, o critério da subordinação estaria presente, haja vista a estrutura hierarquizada em que se organizam, traçando as margens do direito positivo.


2.1. A Teoria Monista


A teoria monista se revela como a teoria que considera a existência de somente uma ordem jurídica, ou como definiu Hildebrando Accioly: “em princípio o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado quer se apresente nas relações internacionais”[4].


Os autores da teoria monista dividiram-se em duas correntes: monismo com primazia do direito interno (raízes em Hegel) e o monismo com primazia do direito internacional (raízes em Kelsen).


O ponto de vista do monismo com primazia do direito interno tenta impor uma desobrigação de cumprimento de tratados firmados com outros Estados, o que efetivamente não é o que acontece. “Por essa corrente, há soberania absoluta do Estado, que não está sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha surgido de sua própria vontade. O fundamento do Direito Internacional é a autolimitação que o Estado dá à manifestação de sua vontade. O Direito Internacional não passaria de um Direito Estatal Externo, partindo da suposição de que regula as relações do Estado com o “exterior”, as suas relações com outros Estados”[5].


Na obra do autor Roberto Luiz Silva[6] encontram-se algumas críticas a essa corrente, no sentido de que a concepção negaria a própria existência do Direito Internacional como sistema jurídico autônomo e independente, além disso, não estaria de acordo com a prática internacional, pois caso estivesse, qualquer mudança na vontade de um Estado, como no caso de um golpe de Estado, ocasionaria a ruptura de todos os tratados anteriormente celebrados, o que não ocorre.


Na teoria do monismo com primazia do direito internacional não estabelece diferenças entre a ordem interna e a externa. Aqui paira a teoria pura do direito de Kelsen e a sua pirâmide de normas, em que toda norma tem sua origem e retira seu fundamento de validade de uma norma que lhe seja imediatamente superior.


2.2. A Teoria Dualista


Em relação à teoria dualista temos o direito internacional e o direito interno como ordens distintas e independentes, de modo que a norma de direito internacional só produza efeitos quando o Estado tenha antes demonstrado aquiescência por meio de procedimento próprio estruturado pelo direito interno.


Para os autores dualistas – dentre os quais se destacaram no século XX, Carl Hinrich Triepel, na Alemanha, e Dionisio Anzilotti, na Itália -, o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional[7].


Na mesma obra do autor Roberto Luiz Silva[8] também há críticas sobre essa teoria, já que a norma internacional somente se aplica, nessa concepção, depois de internalizada, ou seja, quando se transforma em direito interno, aplicando, portanto, a legislação interna que coloca o tratado em vigor, conforme o procedimento que já conhecemos.


As críticas que o mencionado autor se refere, diz respeito à impossibilidade de inserção de outros sujeitos de Direito Internacional, além disso, a teoria não é suficiente para explicar a obrigatoriedade dos costumes internacionais, entre outras críticas de igual importância, concluindo que tal concepção já seria ultrapassada.


Destaca-se a concepção de ultrapassada na medida em que somos acolhidos pela globalização, haja vista a abertura ao mundo de vários setores do Brasil em relação aos sujeitos de direito internacional.


Ocorre que, a evolução da sociedade requer o amadurecimento de seu sistema Judiciário, assim, como as mudanças são rápidas, existe um perceptível atraso na criação de normas que sejam coerentes com a realidade. E isto não acontece só em relação às normas, mas os próprios aplicadores do direito revestidos do ponto de vista conservador.


3. A Convenção de Viena e as normas de importância fundamental


Historicamente os tratados internacionais eram pautados pelos costumes que regiam os acordos entre os Estados se utilizando de princípios basilares, quais sejam, respeito ao acordado, pacta sunt servanda e boa-fé dos Estados participantes.


Posteriormente, sentiu-se a necessidade da codificação do direito dos tratados, materializado pela Convenção de Viena que somente entrou em vigor em 27 de janeiro de 1980, sendo que no Brasil restou aprovado em 2009.


A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados teve seu texto ultimado em 23 de maio de 1969. Sua negociação envolvera cento e dez Estados, dos quais apenas trinta e dois firmaram, naquela data, o documento. Mais de dez anos se passaram até que a Convenção de Viena, o grande tratado que se preparou com paciência, trabalho tenaz e conjugação de talentos incomuns para reger o destino de todos os demais trabalhos, entrasse em vigor, para Estados em número equivalente, de início, à quarta parte da comunidade internacional.[9]


O referido tratado disciplina a forma como os acordos internacionais devem ser internalizados nos países signatários.


No preâmbulo do referido tratado é possível identificar o que levou parte da comunidade internacional entender pela necessidade da codificação do direito dos tratados, materializado pela Convenção de Viena. Vejamos:


“Os Estados Partes na presente Convenção,


Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais,


Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais e sociais,


Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos,


Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito Internacional,


Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições necessárias à manutenção da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados,


Conscientes dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas, tais como os princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, da igualdade soberana e da independência de todos os Estados, da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos,


Acreditando que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito dos tratados alcançados na presente Convenção promoverão os propósitos das Nações Unidas enunciados na Carta, que são a manutenção da paz e da segurança internacionais, o desenvolvimento das relações amistosas e a consecução da cooperação entre as nações,


Afirmando que as regras do Direito Internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção”.


Os fundamentos expostos, como bem ressalta REZEK em sua obra, demonstram que a Convenção não é suficiente para alcançar todos os aspectos do direito dos tratados, tanto é verdade que afirma que as regras do direito consuetudinário continuarão a reger as questões não tratadas por ela.


Claro que muitas questões poderiam ser abordadas no âmbito do direito consuetudinário internacional na análise da Convenção de Viena, mas o propósito da presente pesquisa é verificar em que sentido pende o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal da República, como lhe confere a Carta Magna em seu artigo 102, em relação à hierarquia ou não dos tratados no que diz respeito ao direito interno.  


Nesse sentido, para tentar alcançar tal objetivo, abordamos o que dispõe o artigo 46, da Convenção de Viena:


“Artigo 46


Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados


1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental.”


O artigo em questão introduz as normas de importância fundamental, que nos relembra a pirâmide de Kelsen, como precursor da teoria monista com primazia no direito internacional, de forma que toda norma tem sua origem e retira seu fundamento de validade de uma outra norma que lhe é hierarquicamente superior e, somente a Constituição Federal, como norma última (ou primeira) do sistema, retira seu fundamento de validade da norma fundamental.


4. O Pacto de São José da Costa Rica


O Pacto de São José da Costa Rica também chamado de Convenção Americana de Direitos Humanos prevê:


“Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal


7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”


A Constituição Federal de 1988, disciplina em seu artigo 5º, inciso LXVII que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.


Considerando que o Pacto de São José da Costa Rica foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 27, de 25-9-1992, e promulgado pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992, a princípio não haveria base legal para a prisão de depositário infiel.


Em razão de tais disposições aparentemente conflitantes, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal em vista do que prevê o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal que não excluía outros direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa seja parte.


Diante desse quadro, o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que os tratados a que a CF/1988 se referia teriam posição inferior no ordenamento jurídico, de forma que não poderiam prevalecer sobre norma constitucional expressa, assim, permanecendo a possibilidade de prisão do depositário infiel. Para ilustrar:


“Prisão civil de depositário infiel (CF, art.5º, LXVII): validade da que atinge devedor fiduciante, vencido em ação de depósito, que não entregou o bem objeto de alienação fiduciária em garantia: jurisprudência reafirmada pelo Plenário do STF – mesmo na vigência do Pacto de São José da Costa Rica (HC 72.131, 22.11 .95, e RE 206.482, 27.5.98) – à qual se rende, com ressalva, o relator, convicto da sua inconformidade com a Constituição.” (STF, 1ª T., RE 345.345/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 25-2-2003, DJ 11 abr. 2003, p. 926).


Com o advento da Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, objeto de diversas discussões, incitou a questão de prisão civil no caso de depositário infiel, quando acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal, prescrevendo que os tratados sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.


A referida disposição trouxe dúvidas sobre os tratados anteriores à Emenda Constitucional n.º45/2004, de tal sorte que, para que o Pacto de São José da Costa Rica fosse equivalente à emenda constitucional, deveria então ser submetido ao quórum de três quintos, em dois turnos em cada casa do Congresso Nacional.


Como isso não ocorreu, em tese, o Supremo Tribunal Federal poderia continuar com o mesmo posicionamento, ou seja, seria uma legislação ordinária sem possibilidade de alterar norma constitucional expressa.


Porém, não foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em que prevaleceu a tese de status de supralegalidade da Convenção de Direitos Humanos, restando vencidos outros Ministros que entendiam pela qualidade constitucional.


Desse julgamento, resultou na Súmula Vinculante n.º 25 do Supremo Tribunal Federal que prevê:


“É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.


A qualificação constitucional que outros Ministros, como Celso de Mello, dão ao Pacto de São José da Costa Rica, se justifica em razão do que já previa a Constituição Federal em seu artigo 5º, § 2º, anteriormente à Emenda Constitucional n.º 45/2004.


5. Exceções à Regra de Paridade


A regra de paridade se estabelece quando o tratado internacional e a lei interna estão no mesmo grau de hierarquia. Faz-se mister proceder-se à transcrição da doutrina de Francisco Rezek sobre o tema[10]:


“De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004, em que assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – sem embargo das conseqüências do descumprimento do tratado, no plano internacional.


A paridade entre tratado e lei nacional é o sistema consagrado nos Estados Unidos da América, no caso de conflito, prevalece o texto mais recente, como nos informa REZEK em sua obra[11].


No Brasil, com o julgamento do Recurso Extraordinário n.º 80.004 (conflito entre a Convenção de Genebra sobre títulos de crédito e o Decreto-lei 427/69), ficou estabelecida a tese de que no conflito entre tratado e lei posterior, a prevalência seria pelo critério da lei mais recente.


No entanto, vários doutrinadores não concordam com tal posicionamento, pois entendem que a decisão implica em um enfraquecimento do Direito Internacional, de forma a concluir que o Brasil não respeite as regras de Direito Internacional, em vista da própria globalização. Destarte, entendem que o tratado é norma especial, devendo prevalecer sobre lei interna, ainda que posterior.


As exceções à regra de paridade seriam, portanto, as sobreposições das normas de direito internacional sobre a norma de direito interno.


Nesse sentido, nos parece que o artigo 98, do Código Tributário Nacional estaria dentre as exceções, já que prescreve o seguinte:


os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha“.


A hipótese nos traz a questão dos Acordos de Bitributação que o Brasil firmou com diversos países. E aqui alguns autores vão concluir que não se trata de supremacia do direito internacional sobre o direito interno, mas que considerando que as leis ordinárias estão em posição horizontal, o conflito se resolveria com a aplicação do critério de antinomia da especialidade.


A relação de subordinação entre as normas em que o direito interno é pautado se implementa pela fundamentação ou derivação quanto à matéria e a forma, já que ele próprio disciplina sua criação e transformação. Ou seja, na pirâmide de Kelsen, as normas de superior hierarquia servem de fundamentação para as normas de menor hierarquia e assim se inicia um processo de derivação.


A regra de paridade pressupõe a existência de um critério de complementaridade, no entanto, o vínculo constitucional que envolve verticalmente o direito internacional por meio do tratado e uma lei ordinária, não interfere na relação de coordenação das normas.


6. Conclusão


A conclusão a que se tenta chegar com a exposição é definir se o Brasil, por meio do guardião da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal, ante a globalização, tem conseguido permanecer dualista, ou tem cedido, por vezes, à teoria monista, a fim de possamos, de forma absoluta (se possível), afirmar a que teoria estamos filiados.


A Convenção de Viena faz referência às normas de importância fundamental, enquanto que a Constituição Federal tem fundamento de validade na norma fundamental, dessa forma, poderíamos dizer que os tratados estariam em posição supraconstitucional? Ou seria drástico demais afirmar que os tratados se sobrepõem ao direito interno?


Não sabemos ao certo como encarar tal questão, mas o fato é que o Brasil adota as duas teorias (monista e dualista) dependendo de sua conveniência.


A teoria dualista se demonstra quando levamos em consideração os procedimentos de inserção do tratado internacional no ordenamento jurídico, no entanto, quando nos lembramos do Pacto de São José da Costa Rica, conseguimos visualizar aí um toque da teoria monista de forma mascarada, já que nenhum dos Ministros afirmou expressamente que se fundamentavam em alguma teoria.


Poder-se-ia dizer que o Pacto de São José da Costa Rica foi anterior à Emenda 45/2004, e por isso, objeto de outro procedimento de inserção adotado à época, no entanto, apesar de o Supremo Tribunal Federal concluir pelo seu caráter supralegal, o resultado prático é o mesmo do que uma emenda constitucional, porém, sem necessidade do trâmite legislativo conferido a ela para sua validade.


Em relação à regra de paridade, no que toca aos tratados tributários internacionais, como é o caso do Acordo de Bitributação, haveria uma sobreposição das normas de direito internacional sobre as normas de direito interno, teríamos assim uma prevalência da teoria monista nesse campo.


Por fim, os conflitos de normas de direito internacional e de direito interno, sempre vão existir e a adoção de medidas para resolução das questões dependerá do interesse econômico e político no qual se insere.


 


Referências

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1948.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. Lisboa, Armênio Amado Ed, 1984.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª edição, rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2006.


Notas:

[1] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8 Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 1.

[2] Idem. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8 Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 1.

[3] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

[4]ACCIOLY, Hildebrando et al. Manual de Direito Internacional. São Paulo: Saraiva, 1948.

[5] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª edição, rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 129 apud KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 373

[6] Idem. Direito Internacional Público. 2ª edição, rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 129.

[7] Idem. Direito Internacional Público: Curso Elementar. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 4.

[8] Idem. Direito Internacional Público. 2ª edição, rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, 127.

[9] Idem. Direito Internacional Público: Curso Elementar. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 13.

[10] Idem. Direito Internacional Público: Curso Elementar. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 99.

[11] Idem. Direito Internacional Público: Curso Elementar. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, pág. 98.

Informações Sobre o Autor

Adriana Souza Dellova

Mestranda em Direito das Relações Econômicas Internacionais (PUC/SP). Especialista em Direito Processual Civil (PUC/ Campinas). Pós-graduanda em Direito Tributário (IBET/SP). Advogada em São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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