A eficiência da gestão administrativa e o controle pelos tribunais de contas

Resumo: O trabalho visa estudar o princípio da eficiência, inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional n° 19/98. Assim é que, preliminarmente, será analisado o significado e as funções desse novo princípio constitucional, bem como as suas implicações práticas no âmbito da Administração Pública. Após, será examinada a questão do controle efetivo pelos tribunais de contas brasileiros da plena realização desse princípio por parte dos gestores públicos.


Palavras-chave: Eficiência; Gestão Administrativa; Controle; Tribunais de Contas.


Sumário: 1. Introdução; 2. Significado do princípio da eficiência; 3. Os tribunais de contas brasileiros e o controle da realização plena do princípio; 4. Conclusões.


1. Introdução


A reestruturação do Estado brasileiro, na parte que diz respeito à administração pública, trouxe como novidade a introdução explícita no texto constitucional do princípio da eficiência.


Com efeito, com a Emenda Constitucional n° 19/98, o caput do art. 37 de nossa Carta Magna vigente passou a preceituar que “A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”.


Essa reforma estrutural da Administração Pública tenta alcançar a melhora em todo o sistema institucional-legal, incluindo, de um modo geral, organização, finanças, pessoal e controle das contas públicas.


De forma peculiar, o princípio da eficiência procura buscar a dimensão social como ponto fundamental para a presença do Estado na sociedade. E por isso, ele vai ser mais sentido em vários dispositivos alterados pela Emenda Constitucional n° 19/98, pois como princípio geral, expurgou do direito positivo, em seu mais alto grau, limitações que entravavam a máquina administrativa.


Se for bem aplicado, na prática, melhorará a qualidade dos serviços prestados pelo Poder Público, fazendo com que se atinja a finalidade maior da Administração Pública: o interesse coletivo.


É necessário ressaltar, porém, que a eficiência deve ser utilizada na mais ampla forma possível, ou seja, não deve nortear apenas a Administração Pública, mas também os Poderes Legislativo e Judiciário, seja na elaboração das leis, na execução administrativa e no processo de aplicação do direito.


O princípio da eficiência é uma exigência do moderno direito administrativo democrático, no sentido de que a Administração Pública, por meio de seus servidores e prestadores de serviço, priorize a qualidade superior no cumprimento de seus objetivos: a finalidade pública.


2. Significado do princípio da eficiência


Eficiência, segundo o Dicionário Aurélio, é a “ação de produzir um efeito desejado”. [1] Está ligado, portanto, à idéia de eficácia, ação, força, no sentido de se conseguir aquilo que realmente se busca ou se deseja alcançar.


Nesse sentido, HELY LOPES MEIRELLES afirma que o administrador público tem o dever de eficiência, ou seja, aquele “que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional”.[2]


ALEXANDRE DE MORAES, por sua vez, ensina que o princípio da eficiência


“é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social”.[3]


Pode-se entender também a eficiência como princípio decorrente da própria indisponibilidade do interesse público, que deve pautar toda a atividade administrativa executada com zelo, cura e boa administração. Com o princípio, tenta-se alcançar o máximo de resultado com o mínimo de esforços por uma prestação econômica, eficaz e qualitativa do serviço público.


Entretanto, a inserção do princípio no texto de nossa Carta Magna não significa um valor absoluto diante dos demais, consoante ensinamentos de ZANELLA DE PIETRO[4], eis que todos os demais princípios, sem exceção, deverão ficar resguardados. Aliás, seria incongruência assegurar um princípio com a violação de outro.


Destarte, as ações dos agentes públicos devem atender também aos princípios da legalidade, publicidade, impessoalidade e moralidade. Isso significa dizer neutralidade, justiça, isenção de qualquer valoração dos interesses porventura conflitantes. Significa mais imparcialidade (os administrados devem ser tratados igualitariamente, sem favorecimentos ou perseguições), sempre se tendo em mente a supremacia do interesse público sobre o particular.


Além disso, no âmbito interno da Administração Pública, deve haver um sistema de estímulos à produção dos servidores, devendo aqueles que tenham maior rendimento funcional terem um acréscimo na remuneração ou serem mais rapidamente promovidos.


Por outro lado, na aplicação dos princípios constitucionais, deve o administrador buscar extrair deles o máximo possível para resguardar o interesse público. Assim, por exemplo, na aplicação do princípio da publicidade, deve o administrador público fazer com que o maior número de pessoas possíveis possa saber de suas ações, o que, infelizmente, não acontece, posto que é muito comum nas cidades do interior dos Estados a mera afixação de editais de concursos públicos ou de licitações na porta das prefeituras.


Da mesma forma, o princípio da gestão participativa também deve orientar a eficiência na Administração Pública, com uma efetiva participação e aproximação dos serviços públicos da população interessada na gestão dos serviços administrativos. Aliás, foi isso que direcionou o legislador constituinte derivado, ao colocar no texto constitucional a participação do usuário na administração pública direta e indireta, seja por meio de reclamação, acesso a registros e informações, ou pelo exercício do direito de representação contra negligência ou abusos (§ 3° do artigo 37 da CF), condicionando, portanto, o Poder Público a manter um serviço adequado.


Manter um serviço adequado gera outra característica do princípio, que é a busca da qualidade, otimizando os resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços a serem incluídos, para a satisfação dos usuários dos serviços, do consumidor ou mesmo do cliente. Buscar a qualidade total é melhorar permanentemente o serviço. Como exemplo, temos agora (com a Reforma) a obrigatoriedade das escolas de governo para especializar e aperfeiçoar servidores públicos (artigo 39, §2°, da CF).


3. Os tribunais de contas brasileiros e o controle da realização plena do princípio


Com relação aos tribunais de contas brasileiros, pode-se afirmar que são órgãos constitucionais cuja principal função é auxiliar o Poder Legislativo no controle externo da Administração Pública. São os tribunais de contas quem fiscaliza, portanto, a função administrativa nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e no Ministério Público.


Apesar de serem órgãos auxiliares do Parlamento, detém competências próprias e é dotado de autonomia administrativa e financeira, sem qualquer relação de subordinação com os Poderes Executivo, Judiciário e, nem mesmo, com o Legislativo.[5]


Nesse sentido, afirma ODETE MEDAUAR que


“Tendo em vista que a própria Constituição assegura ao Tribunal de Contas as mesmas garantias de independência do Poder Judiciário, impossível considerá-lo subordinado ao Legislativo. Se sua função é atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição, é a de órgão independente desvinculado da estrutura de qualquer dos três Poderes.”[6]


De uma simples leitura do artigo 70 da Constituição brasileira[7], verifica-se que a Administração Pública direta e indireta sofre a incidência de um controle que analisa a legalidade, legitimidade e economicidade de todos os seus atos e contratos quanto aos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários e patrimoniais.


O Tribunal de Contas da União observa, portanto, não só se a aplicação dos recursos públicos ocorreu nos termos do ordenamento jurídico (legalidade), mas também se atendeu ao interesse público e à moralidade administrativa (legitimidade), e, ainda, se a despesa pública se concretizou da forma menos onerosa para a Administração (economicidade).


Sem dúvida alguma, são muito amplas as competências dos Tribunais de Contas em sua atividade de controle das funções administrativas dos poderes da República, pois abrange aspectos relacionados não só com o julgamento e aplicação de sanções, cujo elenco legal é vastíssimo, como também, e principalmente, com a atividade fiscalizatória de quem quer que gerencie dinheiro público.


Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que os Tribunais de Contas têm importância inquestionável para a defesa dos postulados essenciais de organização da Administração Pública e do comportamento de seus agentes, com especial ênfase para os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da legalidade. Detêm para esse mister todos os poderes, explícitos e implícitos, que se revelem inerentes e necessários à plena consecução dos fins que lhes foram cometidos.[8]


De acordo, pois, com todos os poderes implícitos e explícitos, com as suas relevantes funções e o amplo rol de sanções constitucionais e legais que podem aplicar (artigo 70 da Constituição Federal e Lei n° 8.443/92), pode-se inferir, sem maiores delongas, que, mais do que qualquer outro tribunal, as Cortes de Contas detém um verdadeiro arsenal a sua disposição para controlar ativamente a função administrativa dos gestores da res pública.


Considerando que a Constituição e a lei não contêm palavras inúteis, tendo em vista também que as competências são previstas para serem exercidas, conclui-se que evidentemente toda a estrutura institucional das Cortes de Contas brasileiras foi elaborada para que esta atue, de forma ativista, no sentido de fiscalizar se efetivamente os administradores públicos estão agindo de acordo com o princípio constitucional da eficiência.


Do contrário, não haveria sentido em se construir uma estrutura tão complexa e ampla, com inúmeras atribuições institucionais, se não fosse para realizar ativamente as suas funções, pois isso seria o mesmo que se ter um grande elefante branco, cuja completa inutilidade reclamaria a sua extinção.


Outro aspecto de singular importância para o controle da eficiência da gestão administrativa tem a ver com a possibilidade das cortes de contas tratarem de aspectos atinentes ao mérito do ato administrativo.


De fato, essa possibilidade existe de forma ampla para os tribunais de contas brasileiros, pois, além da legalidade formal, pode verificar aspectos relacionados com a economicidade das políticas públicas, bem como do ato ou contrato administrativo, e com a legitimidade da despesa, ou seja, se esta observou o interesse público, a moralidade administrativa e os princípios constitucionais.[9]


Sobre esse ponto, comentando as funções dos tribunais de contas de uma maneira geral, SOUSA FRANCO assevera que estes devem avaliar a gestão financeira dos gastos públicos não só numa perspectiva técnica, mas também sob o ângulo econômico-social, apreciando a sua economia, eficácia e eficiência (ou seja, a utilidade social obtida por cada unidade monetária de despesa), bem como a coerência e efetividade das políticas públicas, pressupondo a anterior definição dos objetivos pelos órgãos competentes, através de averiguações, inquéritos, auditorias ou relatórios feitos pelo próprio tribunal ou pelos seus serviços auxiliares de apoio técnico.[10]


Assim, ao avaliar a economia, eficácia e eficiência da prática da despesa pública sob o ângulo econômico-social, autoriza-se expressamente os tribunais de contas a penetrar no próprio conteúdo do ato administrativo, verificando, outrossim, aspectos relacionados à conveniência e oportunidade. Em outras palavras, o próprio mérito do ato administrativo.


Nesse diapasão, podem esses tribunais expedir recomendações para que os administradores adotem determinada postura no que tange à plena satisfação do princípio da eficiência, bem como aplicar sanções administrativas face à inobservância desse princípio. Em casos em que comprovadamente se tenha verificado a ocorrência de danos ao erário, podem ainda condenar os gestores ao ressarcimento do prejuízo causado.


Tem-se, portanto, que as cortes de contas brasileiras são tribunais intrinsecamente vocacionados para a fiscalização da eficiência da Administração Pública, posto que, além de serem elaboradas estruturalmente para fazer um amplo controle desta, com a previsão de numerosas funções e sanções, podem verificar aspectos atinentes ao mérito administrativo (tais como a economia, a eficácia e eficiência sob o ângulo econômico-social), fazendo com que os administradores obedecem plenamente esse princípio constitucional.


4. Conclusões


Com a introdução do princípio da eficiência na Constituição Federal, bem como dos meios de sua aplicação, conforme observado, novos formatos organizacionais e institucionais surgiram. Rotinas administrativas foram e serão revistas, procedimentos de controles de formas para avaliação de resultados serão substituídos. Sem sombra de dúvida, mais benefícios foram e serão gerados à sociedade, que financia a máquina estatal.


Isto porque, a atividade administrativa deve sempre andar em direção ao bem comum. A coletividade não paga impostos desmotivadamente. O retorno do investimento deve se materializar no atingimento do interesse público de forma eficiente. A administração pública deve sempre servir à sociedade que lhe custeia.


No que tange aos tribunais de contas brasileiros, como órgãos essencialmente estruturados para o controle da função administrativa, tem-se que estes jamais podem abdicar de sua competência de verificar se os gestores públicos estão agindo de acordo com o princípio constitucional da eficiência.


Cientes dessa sua zelosa missão, devem os Ministros e Conselheiros desses tribunais inexoravelmente adotarem uma postura ativista no que tange ao controle da eficiência no serviço público, de forma a coibir qualquer tipo de atividade que represente mero gasto de dinheiro público em completo desrespeito aos interesses da sociedade, através de recomendações e da aplicação das sanções administrativas.


Somente assim, e nessa medida, é que se pode aperfeiçoar o regime democrático, que implica instituições voltadas exclusivamente para o bem comum do povo, e o exercício da cidadania, que pressupõe, no dizer de CANOTILHO, a accountability (dever de cuidado dos poderes públicos e o dever de prestar contas) e a responsiveness (sintonia profunda da atuação dos poderes públicos com as aspirações dos cidadãos).[11]


 


Notas:

[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 172

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 90.

[3] MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional n° 19/98. São Paulo: Atlas, 999, p. 65.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1998. p. 73.

[5] PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 128

[6] MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1993, p.142.

[7] “Art. 70 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.”

[8] STF, SS N0 1308-RJ, Relator: Ministro Celso de Mello. Fonte: DJU de 19/10/1998, p. 11856.

[9] É o que dispõe expressamente o artigo 70 da Constituição brasileira.

[10] FRANCO, Antônio Luciano de Sousa. Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 1997, Vol. I, p. 467.

[11] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. Itinerários dos Discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2006, p. 334.

Informações Sobre o Autor

Carlos Roberto Galvão Barros

Procurador do MPJTCE-RN, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Professor da UNP e da FAL


Equipe Âmbito Jurídico

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