Resumo: Em uma primeira angulação, será conceituado o que vem a ser alimentos geneticamente modificados, de acordo com a legislação nacional.. Em seguida, discutir-se-á questões relativas à saúde humana, focando-se sobremaneira na pedra de toque da nossa Carta Magna: a dignidade da pessoa humana e os deveres éticos da devida informação de quem manipula formulas ligados ao princípio da informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Palavras-chave: Alimentos Geneticamente Modificados.. Lei de Biossegurança.. Carta Magna.- Ética- Código de Defesa do consumidor
Abstract: In a first angle, is regarded what comes to food “genetically modified” in accordance with national legislation.. Then, will discuss issues relating to human health, under the dogmatic Constitution of the Republic, is focusing particularly on the cornerstone of our Magna Carta: human dignity. and the ethical duties of the necessary information on who handles formulas related to the principle of information under the Code of Consumer Protection.
Keywords: Genetically modified foods.. Law of biosecurity. Magna Charter Ethics – Code of consumer.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de alimentos geneticamente modificados (OGMS). 3. Legislação brasileira e internacional regulatória dos alimentos geneticamente modificados. 3.1 A Lei de Biossegurança Nacional na dogmática do CDC. 3.2. Legislações Internacionais sobre Biossegurança. 3.3. Protocolo de Cartagena sobre Segurança da Biotecnologia. 4. OGMS eventuais riscos para a saúde dos consumidores. 5. Ditames constitucionais acerca dos OGMS. 6. Posicionamento dos consumidores sobre os organismos geneticamente modificados. 7. O princípio da devida informação,focado nos ogms. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Hoje abre-se discussão acerca dos riscos do uso dos alimentos geneticamente modificados, mais conhecidos como OGMs (Organismos geneticamente modificados). É importante destacar que tal polêmica envolve não só as áreas da biologia, economia e sociologia, mas também questões jurídicas.
O presente trabalho foca-se na questão da efetividade dos direitos fundamentais no estado democrático de direito, que tem como projeto estruturante a questão da dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade, enfocando a proteção, confiança e boa-fé no direito privado, tendo em vista a tutela do consumidor quanto aos riscos à saúde causados pelos alimentos geneticamente modificados. Visa ainda, a real importância da Constituição no estado democrático como bússola norteadora na proteção de direitos contidos em normas infraconstitucionais, tal como o Código de Defesa do Consumidor, objetivando garantir à sociedade brasileira uma justa e solidária proteção, buscando-se a promoção da dignidade da pessoa humana (pedra de toque da Constituição da República /88), a liberdade e a igualdade nas relações privadas. Abordará sob um prisma jurídico, principalmente as questões relacionadas à proteção do consumidor.
Tanto o fornecedor como o quem manipula fórmulas deverá, dar todas as informações relevantes sobre o produto ou serviço colocados no mercado de consumo, para que o consumidor possa decidir e agir da forma que melhor lhe aprouver. Por ética profissional deve o farmacêutico instruir o consumidor se há ou não a presença de organismos geneticamente modificados. Tais informações compreendem tanto os aspectos positivos quanto os eventualmente negativos, não sendo lícito ao fornecedor e nem ao farmacêutico deixarem de prestá-las.
2 CONCEITOS DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMS) À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O diploma legal que conceitua os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) é a Lei nº 8974/95. Em seu art. 3º, incisos. IV e V, assim preceitua:
“IV – organismo geneticamente modificado (OGM) – organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
V – engenharia genética – atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante”[1].
Assim, na definição de Jorge Alberto Quadros Carvalho Silva (2001):
“transgênicos são organismos que têm a estrutura genética alterada pela atividade da engenharia genética, que utiliza genes de outros organismos para dar àqueles novas características. Essa alteração pode tanto buscar a melhora nutricional de um alimento como tornar a planta mais resistente a um herbicida”[2].
Desta feita, o Dec. 4.680, de 24 de abril de 2003, que substituiu o Dec. 3.871/2001, regulamenta o direito à informação, – quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham organismos geneticamente modificados, ou sejam produzidos a partir deles, deverá ser observado, haja vista que o seu art. 2º impõe o dever de informar aos consumidores sobre a presença de transgênicos nos produtos que os contenham acima de 1%, bem como o previsto no §1º do art. 2º os vendidos a granel ou in natura. Segundo os §§ 1º e 3º desse mesmo artigo, deverá ser destacado o rótulo no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante o Ministério da Justiça, previstas na Portaria do MJ 2.658, de 22 de dezembro de 2003, e a Instrução Normativa Interministerial 1, de 1º de abril de 2004. Por fim, vê-se que o presente Decreto, no seu art. 3º, impõe inclusive a informação ao consumidor de animais, que tenham se alimentado com OGMs, ou que contribuam como
A Lei nº 11.105/2005, em seu art. 40, pois impõe que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, tema regulamentado pela Instrução Normativa Interministerial 1, acima citada.
Nessa esteira, efetivamente quer se preservar os valores constitucionais envolvidos, caso se insira no mercado de consumo, alimentos e ingredientes geneticamente modificados, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o direito à vida (art. 5º, caput e XVI), à liberdade (que inclui a escolha quanto ao alimento) e à informação (art. 5º, caput e XIV) e à proteção do interesse do consumidor (art.5º XXXII).
Fazendo-se uma análise acerca do Sistema Jurídico do Código de Defesa do Consumidor, em conformidade com a Resolução 39/248/85 da Assembléia Geral das Nações Unidas, e as inovações biotecnológicas, percebe-se que a República Federativa do Brasil terá que intervir nas relações de consumo mais eficazmente. A Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, representou uma inovação na proteção dos consumidores, garantindo em seu art. 6º, direito à proteção, à saúde e à segurança, o direito à proteção dos interesses econômicos, o direito à reparação dos prejuízos, o direito à informação e à educação e o direito à representação.
Por conseguinte, o conceito e as normas regulamentadoras dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) extrai-se um direito fundamental à informação dos gêneros alimentícios e alimentos geneticamente modificados, direito este derivado do art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos.
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E INTERNACIONAL REGULATÓRIA DOS ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
3.1 A Lei de Biossegurança Nacional na dogmática do Código de Defesa do Consumidor
É notória a implicação potencial dos processos de engenharia genética aplicados, pois, modificar a estrutura genética dos alimentos que comemos apresenta questões de extraordinária importância para o consumidor, envolvendo questões relativas a sua segurança; são destinatários e beneficiários das biotecnologias, objeto, pois, de proteção.
Os organismos geneticamente modificados são submetidos a uma série de avaliações antes de obter-se permissão para comercializá-los. Nos Estados Unidos, onde há maior quantidade de OGMs comercializados, as avaliações são efetuadas pela Food and Drug Administration (FDA), a Environmental Protection Agency (EPA) e o United Stated Department of Agriculture(Usda)[3]. Na União Européia, o responsável para realizar as avaliações é a European Food Safety Agency (EFSA), desde que ouvidos os comitês de biosseguridade e/ou agências de segurança alimentar dos Estados – membros.
No Brasil, a responsabilidade é do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), criado pela Lei nº 11.105 de 24.03.2005, vinculado à Presidência da República. É órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação de Políticas Nacionais de Biossegurança – PNB. De igual modo, temos a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada pela Lei nº 8974, de 05.01.1995 , reestruturada pela Lei nº 11.105/05 e regulamentada pelo Dec. nº 5591/05.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança é uma instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, que presta apoio técnico e assessoramento ao governo federal na formulação, atualização e implementação das Políticas Nacionais de Biossegurança de OGMs e seus derivados, bem como pareceres técnicos relativos aos riscos para a saúde humana do uso comercial, segundo dispõe o art. 10, da Lei de Biossegurança e o art.4º, do Dec. 5591/05.
Nossa legislação com relação à Biossegurança, adota a alternativa de autorização seletiva e restritiva, bem como os princípios “caso a caso” e “passo a passo”,contidos nos art.14,III,IV e XII, da Lei de Biossegurança Nacional; e art. 5º, III, IV e XII, do Dec. 5.591/05. O princípio, caso a caso, significa que a avaliação dos riscos associados aos organismos geneticamente modificados deve ser realizada de forma individual e singularizada, para cada um deles (case by case); já o princípio passo a passo implica uma escala de progressividade em função do conhecimento prévio e da ausência de riscos em cada função dos conhecimentos prévios e da ausência de riscos em cada fase. É, portanto, um modo de assegurar o “processo de incerteza”, somente procedendo à liberação de OGMs quando a avaliação das etapas anteriores revelar que se pode passar à seguinte sem existência de riscos, ou com riscos mínimos ou controláveis e controle adequado[4].
3.2 Legislações Internacionais sobre Biossegurança,
“Na Argentina, existe o Guia de Boas Condutas, que seguem os padrões internacionais. Além deste, para testes em plantas geneticamente modificadas, há outros diplomas legislativos esparsos que direta ou indiretamente, tratam do tema, tais como a Lei de Sementes e Criações Fitogenéticas nº 20.247; o Decreto Regulamentário da Lei de Sementes e Criações Fitogenéticas nº 2.183/91; o Decreto de Criação do Instituto Nacional de Sementes nº2.817/91, sendo que os dois últimos cuidam de conceitos utilizados na legislação de biossegurança, usando para isso um glossário dos conceitos operacionais ao longo da lei e dos guias de boas condutas, evitando-se, assim, confusões entre os biotecnólogos e os consumidores que se interessam sobre o assunto. Tendo em vista o potencial de risco para a saúde humana, não se pode acusar o legislador argentino de excesso de cautela, porque está apenas garantindo a proteção da saúde pública e da própria vida humana”[5].
“Em relação ao Canadá, existem duas principais leis sobre alimentos: a Lei sobre Produtos Agrícolas e a Lei sobre a Inspeção de Carnes. Assim, os órgão de saúde pública verificam a segurança dos alimentos colocados à disposição do mercado consumidor, abrangendo inclusive os produtos engenheirados, avaliando características peculiares, como a inserção de seqüência de DNA de uma planta alérgica em outra de diferente espécie, capaz de provocar alergia no consumidor, devendo-se, assim, tal fato ser comunicado imediatamente ao consumidor canadense[6].”
3.3 Protocolo de Cartagena sobre Segurança da Biotecnologia
O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança data de 29.01.2000, que entrou em vigor em 11.09.2003, constitui o primeiro instrumento jurídico de “apoio ou continuidade normativa” da Convenção sobre a Diversidade Biológica[7]
Em linhas gerais, o “Protocolo de Biossegurança” tem como objetivo principal garantir que o movimento transfronteiriço dos Organismos Modificados Geneticamente (OVM) se realize em condições seguras para a conservação da saúde humana.
Esta medida foi tomada, visando regular a transferência, utilização e manipulação e, por outro lado, os movimentos transfronteiriços, incluído-se o trânsito, por meio do território de um terceiro Estado, de que possam causar efeitos adversos à saúde humana.
“Este Protocolo, em seu artigo 4º, delimita o âmbito de sua aplicação: ”movimento transfronteiriço”, o trânsito, a manipulação e a utilização de todos os organismos vivos modificados que podem ter efeitos adversos para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, tendo em vista os riscos para a saúde humana”. Em seu artigo 18, o Protocolo de Biossegurança contém as previsões relativas à manipulação, transporte, embalagem e identificação.Essa é uma das demandas mais importantes para os consumidores europeus e para os países em desenvolvimento, tais como o Brasil, pois, para poder aplicar um sistema de rastreamento de OVMs de maneira que a rotulagem chegue ao produto final.Desse modo, se prevê no Protocolo de Cartagena que, para os OVMs destinados ao uso do alimento humano ou animal, ou ao seu beneficiamento,deverá figurar claramente na rotulagem a menção “podem chegar a conter OVMs”,junto com a advertência de que não estão destinados à introdução intencional no meio ambiente.Deverá figurar, igualmente, a identificação de um ponto de contato para solicitar informação adicional: nome e endereço do indivíduo e da instituição em que os OVMs estão consignados(art.18.2,a).Na hipótese de OVMs destinados ao uso confinado,deve-se haver uma identificação clara na etiquetagem como OVMs, especificando os requisitos de manipulação e o ponto de contato para obter a informação adicional(art.18.2,b),já que, para os destinados à introdução intencional no meio ambiente da parte importadora, aqueles deverão ser identificados claramente como OVMs,com especificação das suas características : as condições de manipulação,armazenamento,transporte e uso seguro, bem como o ponto de contato para obter informações adicionais,assim como sinais indicativos tanto do importador,quanto do exportador(art.18 2,c)”[8].
Portanto, percebe-se que o Protocolo de Cartagena, mais especificamente em seu artigo 18, é bastante genérico e se limita regular a identificação de determinados aspetos simplesmente na documentação que acompanhará os OVMs; ao não estabelecer um autêntico sistema de etiquetagem, proporcionando somente conhecimento ao importador.
4. OGMS E EVENTUAIS RISCOS PARA A SAÚDE DOS CONSUMIDORES
A palavra saúde, de acordo com a Enciclopédia Mirador Internacional (1975)[9], se origina do latim salute, que significa “a salvação, conservação da vida, cura, bem-estar” e, segundo a Organização Mundial de Saúde[10] , é um estado de completo conforto físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada em 10.12.1948, pela Organização das Nações Unidas resgatou os ideais da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade, tornando-se um marco de grande relevância, por promover o conhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, pois a Declaração nos traz tantos os direitos civis e políticos (art. 3º a 21º), como os direitos sociais, econômicos e culturais (art.22 a 28º). A Declaração inclui o direito à saúde ao preconizar que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar (art.25).
A Constituição de 1988, seguindo os passos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, situa-se no marco jurídico da institucionalização da democracia e dos direitos humanos no Brasil, consagrando também, as garantias, os direitos fundamentais e a proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira, ao asseverar os valores da dignidade da pessoa humana como imperativo da justiça social[11].
Observa-se que, desde o preâmbulo, a Constituição projeta a instituição do estado democrático, destinado a assegurar o exercício do direito à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
No campo da saúde, a Constituição mostra-se um documento bem moderno, arrojado e de largo alcance social, ampliando os horizontes de cobertura dos riscos sociais, como forma de conquista do bem-estar coletivo, conferindo nova dimensão aos sistemas públicos de proteção social ao inserir a definição de seguridade social, nos termos do art.194 Constituição da República/88, que vem a ser um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde.
É, dessa forma, a temática da saúde bastante abrangente em diversos dispositivos constitucionais, pois é mencionada expressamente como um direito social (art. 6º caput da Constituição da República/88), direito esse fundado em princípios, tais como a universalidade, eqüidade e integralidade, amplamente protegido pela ordem constitucional em vigor.
Nesses termos, deve-se, portanto, observar a questão dos transgênicos e o risco da saúde humana. O Código de Defesa do Consumidor, no art. 8º e seguintes, preconiza que: os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados previsíveis em razão da sua natureza e fruição.Ademais, a legislação consumerista veda expressamente a colocação no mercado de produtos que apresentem alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança do consumidor.
Assim, segundo Edgar Moreira (2001),
“um dos graves perigos apontados dos organismos transgênicos refere-se à efetiva possibilidade de ocorrência de “cruzamento” de cultivos transgênicos com plantas da mesma espécie e com “parentes”da cultura”domesticada”,existentes na biodiversidade”[12].
Desse modo, faz-se, necessário, demonstrar os principais argumentos da liberação do uso dos transgênicos e também daqueles contrários, por entenderem ser altamente danosos para a saúde do homem.
Aos que são favoráveis, argumentam que,
“a introdução imediata, no mercado de consumo, dos organismos geneticamente modificados, farão com que o seu cultivo e a sua comercialização tragam uma maior produção das safras, menos fome, menos risco agrícola, menos uso de defensivos e controle maior da erosão.Segundo os defensores da utilização dos alimentos transgênicos, os riscos e danos para os consumidores não teriam acontecido depois de vários anos de uso.Vê-se que a insulina é transgênica.Sustentam que a avaliação da segurança alimentar dos produtos originários de plantas geneticamente modificadas é baseada no princípio da equivalência substancial, que emprega um conjunto dinâmico de análises para avaliar a segurança alimentar desses produtos em comparação com os alimentos originários dos métodos convencionais.Sistema, aliás, aceito pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”[13].
“Ocorre que, para tais argumentos dos defensores do uso de OGMs, algumas considerações merecem ser tecidas. A respeito do argumento da diminuição da fome mundial, vê-se que o real objetivo das empresas que produzem alimentos geneticamente modificados não é tão somente de criar vias para a solução desse impasse mundial, pois a falta de alimento, slogan das empresas produtoras de alimentos geneticamente modificados, não está relacionada à baixa produtividade, mas sim na obtenção de lucros às custas da pobreza mundial. Há um interesse apenas comercial, em vender a maior quantidade possível desses produtos.Assim, não é preciso cultivar plantas para suprir a demanda de alimentos no mundo, em solos improdutivos, mas, sim, deve haver politícas públicas mais eficientes, para que se reduza cada vez mais as desigualdades sociais existentes em nosso planeta”[14].
Ao argumento de que se terá menos risco agrícola, é importante frisar as conseqüências em relação ao meio ambiente, visto que esta não é sustentável, ou seja, não se tem uma proteção ambiental.Destarte, segundo Varella, 1996:
“A preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrada é reconhecida como direito de todos (princípio determinado pela Constituição Federal), um bem de uso comum do povo, essencial á sadia qualidade de vida”. Importa notar que a legislação brasileira reconhece também o direito ao meio ambiente das futuras gerações, de pessoas que ainda não nasceram. Trata-se de direito transindividual, mas com caráter de novo, o de pessoas futuras. Destruir o meio ambiente não é ato de violação de direito não só das pessoas presentes, mas também das futuras, das próximas gerações”[15].
“Questões relativas ao uso de defensivos agrícolas que poderiam acarretar a transferência indesejada para outros organismos, gerando uma tolerância maior a certos herbicidas, passando as pragas a terem uma maior resistência a estes e, por conseqüência, levaria ao aparecimento de plantas indesejavéis e difíceis de serem destruídas”[16].
Esse posicionamento acima é o entendimento da pesquisadora Carmen Rachel S. M. Faria.
Já David Laerte Vieira, falando sobre o princípio da equivalência substancial objetiva,
“objetiva a avaliação comparativa, visando a concluir que um alimento geneticamente modificado, ou substância nele introduzida, é tão seguro quanto seu análogo convencional, com histórico de uso seguro, identificando-se,assim,similaridades e diferenças”[17].
“O resultado do estudo de equivalência substancial é suficiente para que o produtor do alimento receba o “benefício da dúvida”e desfrute de permissão do FDA(Food and Drugs Administration) de liberar o referido alimento para consumo nos Estados Unidos,dada a incapacidade de comprovar os efeitos negativos do seu consumo à saúde humana”[18] .
Em contrapartida, a União Européia, no que tange à informação dos consumidores, adota posicionamento contrário aos EUA, pois esse país exige a rotulagem em alimentos com adição de conteúdo alergênico ou nutricional. O que vemos em países europeus é uma maior proteção aos consumidores, já que há determinação de que todos os alimentos alterados geneticamente sejam rotulados, independentemente de ser um equivalente substantivo, ou não.Portanto, no sistema europeu de rotulagem dos transgênicos aplica-se o princípio da precaução, exigindo-se prova científica da segurança do alimento transgênico para a sua introdução no meio ambiente.
Dessa forma, há se concluir que nos países europeus tem-se um maior respeito à natureza, visto que ao se aplicar tal princípio, segundo Paulo Antunes Bessa[19], “não pode ser realizada de maneira simplista, porque existe uma complexa relação entre progresso científico, inovação tecnológica e risco”.
Portanto, é de concluir nessa esteira, que a precaução tem que ser proporcional ao risco, devidamente avaliado cientificamente, nos dizeres de Jorge Alberto Quadros Carvalho,
“de tal maneira que se o que está num dos pratos da balança for mais preconceito do que risco é socialmente injusto defender políticas públicas que apenas atendam de imediato a um desconforto elitista, travando em longo prazo o avanço de uma tecnologia”[20].
Então, conclui-se que para aqueles que são favoráveis à introdução imediata dos transgênicos, estes não acarretariam danos à saúde do consumidor, mas sem retirar,contudo, o dever de informar os consumidores sobre a quantidade de alimentos geneticamente modificados que irão consumir,caso comprem aquele produto.
Todavia, existem argumentos contrários à introdução imediata dos OGMs no mercado de consumo, pois entendem que além de trazer riscos à saúde dos homens(consumidores),envolve outros interesses.
Assim, é importante expor o que entendem especialistas da área, como José Maria da Silva, professor da Universidade Federal de Viçosa:
“A grande indústria de capital estrangeiro, que lidera a produção de insumos para a agricultura, a grande empresa rural.Os pequenos produtores só teriam a perder, já que, normalmente, são excluídos das grandes vantagens proporcionadas pelas tecnologias de ponta.O efeito para os médios produtores seria incerto.Enfim, desperta a atenção para a questão do emprego, desde que as variedades transgênicas lançadas até agora seriam predominantemente do tipo que economizaria trabalho, a sua utilização também aumentaria o desemprego agrícola”[21].
Para o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor[22],os riscos à saúde dos consumidores são inúmeros, tais como:
a) aumento de alergias;
b) desenvolvimento de resistência bacteriana;
c) potencializarão dos efeitos de substâncias tóxicas;
d) aumento de resíduos de agrotóxicos;
5 DITAMES CONSTITUCIONAIS ACERCA DOS OGMS
Não consta na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a expressão Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, mas são três os artigos, de suma importância, relativos ao tema da defesa do consumidor. São os art.5º, caput, o inciso XXXII do art.5º, art.170, o inciso V do art 170, o art. 24, incisos V e VIII, bem como o art. 48 dos Atos e Disposições constitucionais transitórias, protegendo, assim, o consumidor brasileiro de forma indireta, de acordo com os ditames constitucionais
É importante frisar que a Constituição de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, com estrutura e cúpula de um Estado Democrático de Direito Nos dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho (2000),[23]”a articulação do ‘direito’ e do ‘poder’ no Estado constitucional significa que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos”.
Assim, a dignidade da pessoa humana individual ou coletivamente, in casu:do consumidor,é o fundamento norteador de todo o sistema constitucional,para respeitá-la é preciso assegurar os direitos sociais.
Existem vários artigos esparsos por toda a Constituição Brasileira em graus e estágios diferentes, relativos à defesa do consumidor, tais como o art.1º, III(dignidade da pessoa humana); art.3º, II e III(desenvolvimento nacional e da redução de desigualdades); art. 6º e ss. (direitos sociais).Todos esses aplicáveis em relação aos alimentos geneticamente modificados, pois está a dignidade da pessoa humana relacionada à vida das próprias pessoas e à redução das desigualdades tem íntima relação com os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor em relação à rotulagem dos OGMs,já que é notória a fraqueza do consumidor frente aos fornecedores e como direito social, direito esse transindividual que deve zelar pela proteção dos consumidores.
6. POSICIONAMENTO DOS CONSUMIDORES SOBRE OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Nos Estados Unidos, 52,8% da população declararam uma expectativa otimista quanto à biotecnologia[24].Diante, de tais dados, o governo americano em março de 2 000 iniciou revisão das medidas adotadas em 1 986 pelo órgão FDA (Food and Drug Administration),pois, nos Estados Unidos, esses alimentos estão no mercado desde 1 994, é que os consumidores não sabem que vêm consumindo alimentos geneticamente modificados.Fato é que os Estados Unidos são hoje o principal mercado consumidor de transgênicos no planeta. 60% da comida encontrada nos supermercados norte-americanos são frutos da engenharia genética, apesar de dois terços da população não desconfiar disso.
Nos países europeus os consumidores rejeitam os alimentos geneticamente modificados, o que levou os supermercados do Reino Unido a banir esses produtos de suas prateleiras.
Nessa esteira, vê-se um real conflito existente entre os Estados Unidos e os países europeus, em suas relações comerciais, visto que aquele é totalmente favorável aos OGMs,mesmo que os consumidores não tenham conhecimento da quantidade de transgênicos que estão consumindo, o que é altamente lesivo para os consumidores daquele país, e o continente europeu é veementemente contrário ao consumo de alimentos geneticamente modificados.
Diante de tal situação a OMC (Organização Mundial do Comércio), se manifestou em 10/02/2006[25] no sentido de que a UE rompeu as regras do comércio internacional ao restringir a importação de produtos geneticamente modificados e alimentos derivados deles, o que representou vitória para os Estados Unidos,reclamantes contra a União européia,naquela entidade.
O relatório da OMC sobre o assunto declarou que os países europeus desrespeitaram regras comerciais quanto aos transgênicos, então rejeitados, e a acusou também de retardar deliberadamente a aprovação das importações, ocasionando verdadeira moratória de fato ao ingresso de produtos geneticamente modificados.
As relações comerciais entre tais países não podem ser abaladas frontalmente, ocorrendo que a violação do dever de informação, transparência e lealdade também não podem ser violentados tanto para os consumidores de produtos nacionais, como de produtos importados. Portanto, deve haver uma real fiscalização: se há, ou não, violação destas garantias dos consumidores, principalmente, de produtos norte-americanos que não informam a presença de organismos geneticamente modificados na rotulagem de seus produtos.
Não só os países europeus,mas também o Japão resguarda-se quanto aos produtos dos E.U.A.,visto que uma associação de consumidores se posicionou contrária, posto que descobriu milho BT em salgadinhos importados dos Estados Unidos, exigindo dessa,forma,que o Ministério da Saúde local não permitisse que os Estados Unidos exportassem transgênicos para o Japão [26]
É necessário destacar que, apesar de a Justiça Federal de Brasília ter proibido a importação de produtos transgênicos, decisão,aliás, confirmada pelo Tribunal Regional Federal local, o Tribunal Regional de Pernambuco permitiu que 38 mil toneladas de milho geneticamente modificados, importados da Argentina, desembarcasse no porto de Recife.Esse acórdão veio a ser confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, entendendo que os Tribunais Regionais tinham a mesma hierarquia, sendo melhor que fosse julgado pelo poder local.Vejamos o texto do Tribunal Regional da 5ª Região, na íntegra[27]:
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPORTAÇÃO DE PRODUTO GENETICAMENTE MODIFICADO. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. LEI Nº 8.974/95. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA MEDIDA LIMINAR. I – A LEI Nº 8.974/95 ESTABELECE QUE A ENTRADA NO PAÍS DE PRODUTO GENETICAMENTE MODIFICADO DEPENDE DE PARECER PRÉVIO CONCLUSIVO DA CTNBIO E AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. II – NÃO PODE A EMPRESA IMPORTADORA SE RESPALDAR EM PARECER EMITIDO PELA CTNBIO EM CASO DISTINTO DE IMPORTAÇÃO DE PRODUTO TRANSGÊNICO, PARA PLEITEAR A LIBERAÇÃO DE MILHO GENETICAMENTE MODIFICADO, DESDE QUE EM CADA IMPORTAÇÃO DE PRODUTO DESSA NATUREZA DEVE SER REALIZADO O EXAME PERTINENTE A FIM DE QUE A AUTORIZAÇÃO SEJA DADA PELO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. III – A DISCUSSÃO TRAVADA A NÍVEL MUNDIAL ENTRE OS CIENTISTAS E AMBIENTALISTAS SOBRE OS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS, DEMONSTRA QUE AINDA NÃO HÁ UMA CONCLUSÃO SOBRE OS EFEITOS DESSES PRODUTOS AO MEIO AMBIENTE E A VIDA HUMANA OU ANIMAL. IV – O FATO DA EMPRESA TER COMERCIALIZADO O PRODUTO TRANSGÊNICO, COM AMPARO NA LIMINAR CONCEDIDA NESTE TRIBUNAL, NÃO TORNA SEM OBJETO O AGRAVO DE INSTRUMENTO.V – AGRAVO IMPROVIDO.”
7. O PRINCÍPIO DA DEVIDA INFORMAÇÃO,FOCADO NOS OGMs
A questão relativa à violação do princípio da transparência pela falta de clareza nas embalagens dos produtos que contenham OGMs – Organismos Geneticamente Modificados, tem íntima relação com o princípio da informação.
Preceitua Clovis Couto e Silva (1976) que,
“a amplitude do dever de informar prevista no art. 31, enquanto tratado como simples obrigação secundária pela doutrina contratual, a inevitável indicação e esclarecimento tinha como origem a jurisprudência e a boa-fé e só atingia determinadas circunstâncias consideradas pelo Judiciário como relevantes contratualmente. Era um dever de cooperação entre contratantes, portanto, restrito pelos interesses individuais (e comerciais) de cada um. No sistema do Código de Defesa do Consumidor, este dever assume proporções de dever básico, verdadeiro ônus imposto aos fornecedores, obrigação agora legal, cabendo ao artigo 31, do Código de Defesa do Consumidor, determinar quais os aspectos relevantes a serem obrigatoriamente informados”[28].
As informações contidas nas embalagens dos produtos terão que ser claras, obedecendo a normas já estabelecidas, para que o consumidor possa comparar os produtos com outros de outras marcas.
Em relação aos produtos perigosos ou que possam trazer algum risco à saúde e à segurança do consumidor, estes podem ir muito além da simples ameaça à vida e à saúde humanas, podendo causar verdadeiro dano ao Homem. Assim, o transgênico passa de perigoso para nocivo, o que acarretará concretamente maiores conseqüências para a sua saúde. Sendo assim, é necessário que o fornecedor informe as características do produto, de forma ostensiva e adequada bem como a periculosidade e a nocividade, como dispõe o art. 9º do Código de Defesa do Consumidor. Assim, como o fornecedor, o bioquímico tem o mesmo dever, a ser aplicado de forma extensiva, calcado no ônus de lealdade para com o consumidor que adquire o produto por este fabricado.
Dessa forma, percebe-se a importância de tal princípio, uma vez que tanto os opositores, como os defensores da liberação de produtos alimentícios geneticamente modificáveis, devem observar o disposto nos artigos 9º e 31 Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, os bioquímicos devem observar o disposto no art 11, inciso III, da Resolução nº 417 de 29 de setembro de 2004, obrigação essa oriunda do exercício da assistência farmacêutica em fornecer informações ao usuário de serviços, mesmo sendo em produtos com pequena quantidade de transformação genética, animal ou vegetal.
Conclusão
A proteção do consumidor é hoje vista como um desafio ao mundo do direito, pois vivemos hoje em uma sociedade do consumo (mass consumption society ou konsumgesellschaft). Portanto, deverá o Poder Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal, fiscalizar de forma contundente questão relativa aos alimentos geneticamente modificados (OGMs),pois o Estado tem a função de proporcionar o bem-estar da população, visando proteger o consumidor de danos causados à sua saúde.
A violação da espeficação da quantidade correta ou da omissão acerca dos OGMs fere não só os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor,tais como a da transparência, ,mas também a pedra de toque da nossa Constituição de 1988:a dignidade da pessoa humana,pois ao longo de todo o texto constitucional brasileiro buscou-se resguardar e tutelar,não só os consumidores,mas a sociedade de um modo geral.
O enfoque deste trabalho não diz respeito à liberação, ou não, dos OGMs, pois tanto com a permissão do consumo, ou não, destes alimentos geneticamente modificados,a falta de espeficação correta da quantidade ou simplesmente a sua omissão levam à lesão do consumidor, com conseqüente aplicação de diversas sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor. Assim, a vulnerabilidade do consumidor é latente, principalmente em relação ao dever ético do bioquímico de informar sobre a real quantidade de alimento geneticamente modificado.
A falta de espeficação correta da quantidade ou simplesmente a sua omissão levam à lesão do consumidor, com conseqüente aplicação de diversas sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor. Assim, a vulnerabilidade do consumidor é latente, justificando-se dessa forma a tutela do Estado.
Percebe-se através desse trabalho, que o Código de Defesa do Consumidor e a Resolução Resolução nº 417 de 29 de setembro de 2004, obrigação essa oriunda do exercício da assistência farmacêutica estão em constante “diálogo” com outras normas jurídicas, em relação aos organismos geneticamente modificados, focados na Lei de Biossegurança Nacional, pois, esta define diversas normas concernentes ao uso, quantidade e implicações desses alimentos para o meio ambiente e para a segurança do consumidor.
Nesse sentido, a proteção do consumidor em relação à rotulagem dos OGMs deverá advir de uma ação integrada entre a sociedade e as ações governamentais, de forma constante,pois a autonomia privada merece sofrer limitações em face do modelo intervencionista estatal,em face da questão da segurança,saúde e bem – estar contidas no art. art 11, inciso III, da para os bioquímicos que descumprirem as recomendações da CTNBio.
Advogada em Belo Horizonte/MG
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