Desde o Direito Romano os doutrinadores oferecem definições diversas que representam as ideias predominantes de cada época.
Há duas significativas concepções de casamento[1], uma do Digesto que marcou o período clássico atribuído à Modestino: Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio. Tradução literal: “Núpcias são uma união em casamento de macho e fêmea, uma ação de toda a vida, a comunicação do direito divino e humano”.
As Institutas de Justiniano já determinaram outra definição que fora elaborada por Ulpiano e, vindo mais tarde ser aperfeiçoada pelo Direito Canônico.
De todas as definições há em comum o mesmo sentido ideológico de perenidade, de permanência por toda vida dos cônjuges. A do Digesto se referia ao direito humano e divino; a das Institutas se referia propriamente a uma relação jurídica que a celebração traduziria uma convivência animada pelo affectio maritalis (advindo do Direito Canônico) e, mais tarde, elevada à categoria de sacramento posto que com a celebração os nubentes formassem uma só entidade física e espiritual (uma só carne, ou seja, caro una) de forma indissolúvel e sob a inspiração do princípio segundo o qual o homem não pode separar aqueles que Deus uniu[2].
O magistral Pontes de Miranda definiu casamento como um contrato solene, pelo qual duas pessoas de sexo diferente e capazes, conforme a lei, se unem com o instituto de conviver toda a existência, legalizando por ele, a título de indissolubilidade do vínculo, as suas relações sexuais, estabelecendo para seus bens, à sua escolha ou por imposição legal, um dos regimes regulados pelo Código Civil e, comprometendo-se a criar, educar a prole que de ambos nasceu. (Direito de Família, p.15, edição de 1917).
Nessa esteira, Beviláqua também aponta o caráter contratual e solene, e que estabelece a mais estreita comunhão de vida e de interesses.
Lafayette mais sintético apontou o casamento como ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, com a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida.
Ainda mais sucinto foi Orlando Gomes é a união de um homem uma mulher para constituírem uma família legítima. Na definição além de se indicar a natureza jurídica se atém à sua finalidade e seus caracteres. E contemporaneamente em face das variadas transformações por que tem passado a família, bem como o casamento.
Pois não mais satisfazia definição dada por Modestino com a comunicação do direito humano e o direito divino para a união dos consortes, e nem a concepção de Ulpiano que enfatizava a união segundo os costumes.
Então, elucidou Caio Mário que o casamento é a união de duas pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente[3].
Para alguns doutrinadores a acepção do casamento transcende o direito privado, e suas finalidades e funções tocam diretamente o direito público (Alberto Trabucchi). E, Savatier foi mais longe ao transferir o Direito De Família para o mais amplo campo de Direito Público, principalmente pelo fato de que nas relações jurídico-familiares há acentuada predominância de princípios de ordem pública (René Savatier, Du Droit Civil au Droit Public, pp. 19 ss.).
Analisando a definição apresentada pelo Direito Romano[4] percebe-se que o casamento é consórcio de vida, porém os romanos não eram propensos à abstração e, mesmo mais adiante com as Institutas o casamento continuou sendo descrito como uma situação de fato, uma união (coniunctio) de homem que gera a convivência.
E, o Cristianismo ao se apropriar dessa acepção lhe confere a natureza de sacramento com força de ungir a benção do céu, transformando os cônjuges em uma unidade, caro una. Ulpiano foi além da união carnal, colocando-a também no consentimento (consensus).
Dentro das categorias de atos jurídicos, com base em Duguit[5], pode-se classificar o casamento como ato-condição como aquele que resulta de um órgão público (o juiz de paz), apta a colocar o indivíduo em uma situação jurídica com força de vontade legal.
Assim, o casamento é ato solene, ato complexo, pois além de requerer a manifestação das partes requer a participação do Estado através da autoridade celebrante.
Foi partindo da definição das Institutas que veio o Direito Canônico[6] a enxergar o casamento como um contrato. De fato existe no matrimônio esta analogia com os contratos em geral em razão do encontro das duas vontades num só objetivo, embora que em sua essência se destaquem.
Por outra corrente doutrinária projeta a natureza jurídica no cunho institucional do casamento (posto que não possam os nubentes estabelecer condições particulares de sua união, e sim, somente sob uma das formas legais e nem podem livremente escolherem as condições de regulamentação de guarda e dos direitos dos filhos, ou de um cônjuge em relação ao outro, ou de sua separação).
Fazem os juristas a distinção entre a relação jurídica do casamento e o ato jurídico do casamento, daí se concluir, que seja uma instituição, enfim o casamento[7] é um contrato de direito de família, um contrato institucional.
É quase unânime identificar nas diferentes definições de casamento a finalidade de criar e educar a prole que deste derivar. De sorte que o casamento legaliza as relações sexuais, e obrigam-se para com os filhos (sejam os já existentes ou os futuros).
Trata-se da finalidade natural do casamento, porém não única. O Direito Canônico tratou de distinguir a procriação como finalidade primária do casamento, porém também não é a única finalidade.
O casamento consiste assim na união afetiva matrimonializada pelo rito formal da celebração. É um negocio jurídico constituído pelo consentimento recíproco de um homem e uma mulher, na forma da lei, estabelecendo a criação de sociedade e vínculo conjugais disciplinados pelo direito positivo, dando origem à família nuclear e aos efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais desta decorrente.
A finalidade principal do casamento é a constituição da família sendo esta uma célula social por excelência e, nesse sentido, a atual Constituição Federal brasileira prevê que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, e pode ser também gerada pela união estável, e ainda se protege as relações socioafetiva.
A Carta da ONU de 1946 dispõe em seu art. XVI, n.3, in litteris: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”.
De toda forma, identificamos vários fins do casamento, e já salientava o Direito Romano que o affectio maritalis representava elemento essencial da celebração e de continuidade da vida conjugal, só admitindo o fim do casamento e motivo para a dissolução o fator de extinguir o affectio.
Já o Direito Civil enunciou como um dos fins do casamento a comunhão de vida e de interesses. Porém surgem outras finalidades não menos relevantes, porém decorrentes do casamento são apontadas:
a) atribuição de nome à esposa. A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) amenizou o caráter impositivo do preceito do art. 240 do Código Civil de 1916, para transformá-lo em faculdade;
b) Efeito do casamento é a fidelidade[8] recíproca dos cônjuges e a vida em comum do domicílio conjugal, além da mútua assistência.
E, nesse sentido, a Lei do Divórcio estabeleceu como causa dissolutória do casamento a ruptura da vida em comum.
É pelo casamento que se promove a legalização do estado de fato preexistente, podendo haver a conversão da união estável em matrimônio.
De sorte que o casamento assume determinados caracteres[9] tais como a solenidade e publicidade do ato, a dissolubilidade e diversidade de sexos[10] dos nubentes.
O casamento mais complexo e formal em todo o sentido era a confarreatio (era o casamento patrício), enquanto que a coemptio correspondia ao casamento civil uma reminiscência de uma compra, menos sacramental e era uma ficta venditio.
A terceira forma, usus que pouco se diferenciava de concubinato, era a forma plebeia de casamento, era equivalente à posse, que o decurso do tempo consolidava em situação jurídico-matrimonial, salvo se interrompesse a continuidade da coabitação e os cônjuges deixassem de conviver sob o mesmo tempo por três noites seguidas (usurpatio trinoxium).
Já o casamento pelo Direito Canônico, segundo o cristianismo, o matrimônio celebrava-se solo consensu, dessa forma, não era a benção do pároco, bastando que os nubentes comparecessem simultaneamente à Igreja e em consciência se recebessem como marido e mulher.
Com os inconvenientes resultados dos casamentos clandestinos, a Igreja passou a exigir para sua validade, a realização perante o seu ministro, como uma testemunha necessária e qualificada, e essa orientação o Direito Canônico preserva até hoje desde o Concílio de Trento[11] (1545 a 1563).
Nos povos ocidentais, o direito civil envolve o ato matrimonial num manto de solenidade que principia com os proclamas e continua pela cerimônia e se estende até a inscrição ou assento cartorário próprio. Mesmo na China onde ser reduz até a maior simplicidade, exige-se igualmente pelo menos um registro público do casamento.
Sobressai na solenidade matrimonial a presença do representante do estado que vem colher a viva manifestação de vontade dos nubentes e, em seguida declara o casamento. Vige minuciosa orientação da lei civil brasileira regulando os momentos formais da celebração do casamento.
A simplificação da solenidade do ato matrimonial é criticada com amargura por desprestigiar a relevância do casamento no meio social. Mas, de qualquer forma, a Antiguidade contribuiu para a evolução do Direito de Família e, em sua historiografia já registra que já existia o divórcio no direito hebreu, direito grego e no direito germânico.
O Novo Testamento[12] registra divergência referente ao divórcio pois enquanto o Evangelho de São Mateus abre exceção para o caso de adultério, o de Marcos e Lucas o repelem.
As Epístolas de São Paulo[13] condenam o divórcio, e, imponentemente proclama: “o que Deus uniu, o homem não separa.”, que serviu de base para os doutrinadores da Igreja Católica ( como Santo Agostinho, Graciano, Pedro Lombardo)[14], para defenderem a indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Após advertir contra a imoralidade sexual, Paulo passa a tratar no capítulo sete sobre os deveres do casamento onde exalta a fidelidade conjugal entre marido e esposa. Cogita ainda daqueles que optaram pelo celibato para se dedicarem mais às atividades eclesiásticas, mas recomenda que aqueles que não tenham vocação religiosa e para vida casta, para se casarem. Também permite novo matrimônio para as viúvas, considerando mais adequado as pessoas se casarem que viverem em imoralidade contrária aos propósitos divinos.
O divórcio no Brasil na época do Império em face do casamento católico, como atendia a religião oficial do Estado, era tido como inadmissível pois o matrimônio era indissolúvel.
Com o crescimento populacional brasileiro majorou-se o número de “não católicos” e, então a Lei 11 de setembro de 1861 regulamentou o Decreto de 17/04/1863 que admitiu o casamento civil (ao lado do casamento religioso) principalmente quando os nubentes eram credos diferentes.
Em síntese, eram nessa época três tipos de casamentos: 1) o celebrado de acordo com as normas do Concílio de Trento de 1563; 2) o casamento misto (entre católico e não católico) celebrado sob os princípios do Direito Canônico; 3) o casamento de nubentes de seitas dissidentes com a observância de preceitos religiosos respectivos.
Coube à república brasileira, estabelecer o casamento civil em caráter obrigatório através do Decreto 181, de 24/01/1890, o que foi confirmado pela Constituição brasileira de 1891 (art. 72, quarto parágrafo).
O fundamento filosófico desta proposição seria a separação da Igreja e do Estado, estipulando-se o Estado laico[15]. O Código Civil de Beviláqua confirmaria a existência do casamento civil, sem alusão eclesiástica que retornou à tona com a Constituição brasileira de 1934 (art. 46). Permaneceu obrigatório o casamento civil e facultativo o casamento religioso, o que gerava a duplicidade de bodas (o que era inconveniente).
Prevaleceu na sistemática pátria por longo tempo a indissolubilidade matrimonial escorada com previsão constitucional da época. E foram numerosas tentativas de romper a muralha constitucional e ideológica em prol do divórcio, a afamada “batalha pelo divórcio” que se travou entre o então deputado Padre Arruda Câmara e Deputado Federal Nelson Carneiro.
E, após a pesquisa de opinião popular, conclui-se que o divórcio era aceito pela maioria, o que culminou com a edição da Emenda nº 9 de 1977, o que ensejou a Lei 6.515/1977. Por fim, a Constituição cidadã de 1988 consagrou finalmente e plenamente o divórcio em seu art. 226, quarto parágrafo completando-lhe a estrutura.
Com a Emenda Constitucional 66/2010 conhecida como a Emenda do Divórcio representou verdadeira revolução para o direito de família brasileiro, remodelando o art. 226, terceiro parágrafo da Constituição federal vigente (“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”).
A referida emenda tem aplicação imediata sendo uma norma autoexecutável. Assim, não é mais viável juridicamente a separação de direito, que inclui a separação judicial e a separação extrajudicial que foram banidas totalmente do sistema jurídico. Abolindo inclusive a punição de outro cônjuge (infrator dos deveres conjugais).
Boa parte da doutrina concluiu que a separação judicial ou por escritura pública foi figura abolida[16] em nosso direito, restando o divórcio, que simultaneamente, rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial.
Porém, ainda existe excepcionalmente a separação de fato dos cônjuges, é preciso que ambos se manifestem no sentido de obter o divórcio que se concretiza como direito potestativo.
Apesar disto, o Conselho Nacional de Justiça não acatou o pedido do IBDFAM de alteração de pontos da sua Resolução 35 que regulou os atos notariais decorrentes da Lei 11.441/2007, apesar de ter excluído o art. 53 referente à exigência de lapso temporal de dois para o divórcio extrajudicial.
Embora ainda existam juristas favoráveis à manutenção da separação judicial e extrajudicial no sistema brasileiro como é caso de Mário Luiz Delgado, Luiz Felipe Brasil Santos, João Baptista Villela e ainda Regina Beatriz Tavares da Silva.
Para essa corrente doutrinária, a referida EC 66/2010 não alterou a ordem infraconstitucional, havendo premente necessidade de normas para regulamentá-la. Mas, tal pensar desconsidera a força normativa da Constituição e toda engendrada evolução do Direito Civil Constitucional.
Consigne-se que existem enunciados[17] da CNJ que concluíram pela manutenção da separação de direito (a saber: 514, 515, 516 e 517). Mas, concluímos que não mais se pode cogitar em divórcio indireto ou por conversão, persistindo apenas o divórcio direto e que será tão-somente denominado de divórcio, eis que não mais há necessidade de qualquer distinção categórica. E, na Lei de Divórcio continua a vigorar as regras processuais, mas somente em relação ao divórcio.
As formas de extinção do vínculo conjugal estão: o divórcio, a morte de um dos cônjuges e a invalidade do casamento. O divórcio como medida dissolutória do vínculo matrimonial válido implica, ipso facto, na extinção dos deveres conjugais.
Foi um longo percurso evolutivo sofrido pelo divórcio na sistemática brasileira que foi desde a indissolubilidade absoluta do vínculo até hoje quando o divórcio se posiciona como exercício de direito potestativo.
Num primeiro momentum ocorreu a possibilidade jurídica do divórcio sendo imprescindível a prévia separação judicial. Mais tarde, com a ampliação do divórcio seja pela conversão da separação judicial, seja pelo exercício direto.
O verdadeiro marco para elevação do divórcio dentro do sistema jurídico brasileiro foi o art. 226 da Constituição Federal de 1988 e, em particular, o sexto e quarto parágrafos.
Por essa razão, é relevante citar literalmente (explicando que os conteúdos riscados correspondem aos textos já revogados e que ganharam nova redação):
“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
§ 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (grifo nosso).
§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Alterado pela EC-000.066-2010). (grifo nosso)
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Alterado pela EC-000.065-2010)
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Alterado pela EC-000.065-2010).
I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Alterado pela EC-000.065-2010)”.
Cumpre destacar que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Lei 7.841 de 1989 deu nova redação ao art. 40 da Lei de Divórcio, adaptando-o nos exatos termos a seguir: “No caso de separação de fato e desde que completados dois anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso de tempo da separação”.
Mas, em 2010 com a Emenda Constitucional 66, a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição, inclusive na modalidade de requisito voluntário para conversão em divórcio. Igualmente, desapareceu o requisito temporal para o divórcio.
Igualmente, desapareceu o requisito temporal para o divórcio que passou a ser exclusivamente direito seja por mútuo consentimento seja por litigioso.
Sem dúvida, a EC 66/2010 desfecha a mudança de paradigma, onde se reconhece a autonomia para se extinguir o vínculo matrimonial, pela livre vontade, sem a necessidade de atender ao requisito temporal ou ter motivo desvinculante.
Assim nessa contemporânea fase, o divórcio desponta definitivamente como direito potestativo, cujo exercício cabe somente aos cônjuges, porém não afetando sua relação com os filhos.
A facilitação do divórcio principalmente pela via extrajudicial, vem a consolidar as chamadas famílias recombinadas ou blended families. Ademais, é inexorável a reabertura do conceito tradicional de família, por fatores mais variados (social, econômico, político, antropológico, psicanalítico e cultural).
A extinção da separação judicial foi salutar posto que fosse uma medida menos profunda que o divórcio e, dissolvia apenas a sociedade conjugal. E, as pessoas separadas não poderiam se casarem novamente.
Desta forma, revela-se o divórcio mais vantajoso até pelo viés psicológico além de se evitar a duplicidade de processos. A partir da promulgação da EC66/2010 desapareceu a separação judicial de nosso sistema. Sendo tacitamente revogados os arts. 1.572 ao 1.578. Não há mais o divórcio indireto.
Também se pode requerer o divórcio pela via administrativa vide art. 1.124-A do CPC que deverá sempre ser consensual. A própria facilitação proposta pela Lei 11.441/2007 exige a consensualidade e outros requisitos tais como filhos maiores.
A Lei 11.441/2007, em síntese, alterou os dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa conforme a exigência de seu art. 1º.
Faculta-se também que seja feita a conversão de separação em divórcio conforme os termos da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça bastando para tanto a apresentação da certidão de averbação de separação no assento de casamento.
Porém, com o advento da E.C. 66/2010 a eventual escritura de separação não terá validade jurídica tendo em vista a supressão do instituto em nosso ordenamento jurídico pátrio.
De fato, com a EC 66/2010 dois problemas surgiram na doutrina de direito de família: o primeiro tange a manutenção ou não do conceito de sociedade conjugal e, o segundo problema se refere à situação jurídica das pessoas que já estavam separadas (seja judicial ou extrajudicialmente).
Entende-se por sociedade conjugal um ente despersonalizado formado pelo casamento e relacionado com os deveres de coabitação, fidelidade recíproca e com o regime de bens. É verdade que a separação judicial colocava fim a tais deveres e às regras patrimoniais decorrentes do regime de bens. Conforme bem ilustrou Flávio Tartuce o casamento engloba a sociedade conjugal.
Atualmente, apenas o divórcio possibilita a extinção do casamento por fato posterior e a pedido dos cônjuges, sendo efetivado o divórcio desaparecerão tanto o casamento como também a sociedade conjugal.
Ratifica Paulo Lôbo que com o fim da tutela jurisdicional da separação judicial, cessaram a finalidade e a utilidade da dissolução da sociedade conjugal sendo absorvida inteiramente pela dissolução da sociedade conjugal.
Desta forma, perdeu sentido o caput do art. 1.571 do Código Civil de 2002. A manutenção da sociedade conjugal resta amparada na pertinência do regime de bens, e é exercida pelo marido e pela mulher em regime de colaboração.
Poderão os separados com o advento da EC 66/2010 se considerarem automaticamente divorciadas? É negativa confirma a resposta o doutrinador Flávio Tartuce e José Fernando Simão.
Pois se preocupa em resguardar o direito adquirido dos separados conforme consta no art. 5º, inciso XXXVI da CF/1988 e do art. 6º da LICC (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro).
Não se pode admitir a modificação automática e categórica da situação jurídica, de separado juridicamente para o divorciado. Historicamente o art. 42 da Lei de Divórcio que as sentenças já proferidas em causas de desquite em curso na data da vigência da lei passariam automaticamente a visar à separação judicial.
Mas não foi essa a opção do legislador nacional não se podendo pois presumir tal transmudação dos institutos jurídicos, endossam tal entendimento Flávio Tartuce e Pablo Stolze Gagliano.
Assim, os separados judicialmente têm a opção de ingressar imediatamente com a ação de divórcio, se assim o quiserem, cabendo tal propositura a qualquer tempo, pelo unificado tratamento da matéria.
Em suma, com a abolição do divórcio indireto, foram revogados vários dispositivos da Lei 6.515/1977. Processualmente é possível a conversão da cautelar de separação de corpos em divórcio, mesmo sem separação judicial, conforme reconheceu Maria Berenice Dias, in verbis:
“Não só a separação judicial, também a separação de corpos pode ser convertida em divórcio. Inexiste a exigência do prévio trânsito em julgado da sentença que decreta a separação judicial para que ocorra o decreto do divórcio (…). No fundo, o legislador nada mais fez do que reduzir o prazo para a concessão de divórcio, quando a separação de corpos foi deferida judicialmente. (…).”
O codificador, fazendo uso do permissivo constitucional, deu mais um passo ao admitir tal hipótese de divórcio. Enfim, o divórcio tem duas regras do Código Civil de 2002 devem ser tidas como mantidas e perfeitas, sem qualquer interferência da EC 66/2010[18], é o art. 1.581 do C.C. que confirma o teor da Súmula 197 do STJ.
É curial lembrar que a partilha dos bens do casal pode ocorrer em momento posterior ao divórcio. Agora não apenas a partilha judicial é possível, mas também a partilha extrajudicial, mediante a escritura pública e acordo entre os ex-cônjuges.
A ação de divórcio é personalíssima, pois o seu pedido somente cabe aos cônjuges. Mas ocorrendo incapacidade superveniente do cônjuge, caberá a legitimidade ao curador, do ascendente ou do irmão.
Infelizmente não há consenso entre os doutrinadores se cabe à discussão sobre a culpa no divórcio, e prevalece até o momento a impossibilidade de debater a culpa conjugal.
Ademais veio o direito brasileiro contemporâneo abater gradativamente a importância da culpa na separação conjugal tendo perdido as consequências jurídicas que antes provocava: quanto à guarda dos filhos menores que não poderá mais ser negada ao culpado, posto que a guarda seja fixada sempre no sentido no melhor interesse da criança ou do adolescente; os alimentos devidos aos filhos também não são mais orçados no grau da culpa conjugal de seus pais; e até mesmo o cônjuge.
Outro fato importante é que mesmo o cônjuge culpado[19] fará jus aos alimentos indispensáveis à sua subsistência; pois que maior que seja sua infração ao dever conjugal, sua punição não poderá lhe extirpar a sobrevivência por ferir frontalmente a dignidade da pessoa humana. E tal pensionamento alimentício é possível tanto em face da dissolução matrimonial como também da união estável independentemente da culpa do companheiro causador da desunião.
Desta forma, opina a melhor doutrina que há um direito potestativo à extinção do casamento, sem a preocupante aferição de culpa.
Repise-se que a perda do sobrenome de casado por parte do cônjuge culpado não ocorrerá mais quando trouxer evidente prejuízo para sua identificação e promover manifesta distinção entre o seu nome de família e a dos filhos havidos da união dissolvida; ou houver dano grave reconhecido em decisão judicial. Afinal, a perda do sobrenome fere diretamente o direito da personalidade e não pode ser afetado pela culpa em razão da irrenunciabilidade, instransmissibilidade e a indisponibilidade.
A Emenda Constitucional 66/2010 representa a maior mudança no atual direito de família no Brasil, ocorrida no século XXI, a primeira depois da EC 9/1977 que instituiu o divórcio como possibilidade jurídica.
Porém, há a corrente minoritária que aponta ser possível e viável ainda o debate sobre a culpa conjugal em sede do divórcio que então será litigioso e, nesse sentido, se posicionou Gladys Maluf Chamma e, ainda, Rogério Ferraz Donnini.
E, nesse mesmo sentido há o ilustre doutrinador Álvaro Villaça Azevedo devendo o julgador dar prioridade à decretação do divórcio para em seguida apreciar as demais questões, também Flávio Tartuce endossa esse entendimento.
É inegável a mitigação da culpa conjugal principalmente quando houver a culpa recíproca dos cônjuges ou ainda de difícil investigação. Desta forma, na evidente deterioração factual do julgamento da culpa conjugal, decreta-se o divórcio por mera causa objetiva (aliás, como já vinha sendo entendido pela jurisprudência nacional).
Tal tendência de afastamento da culpa como motivo de separação fora observada pela aprovação de enunciado na III Jornada de Direito Civil (2004): “Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos do C.C.), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) que caracteriza a evidente impossibilidade de vida em comum – sem atribuir culpa aos cônjuges.” (Enunciado 254 CJF/STF) e ainda Enunciado 100 do SJF/STJ.
Ainda se pode cogitar em divórcio litigioso? Questionam pertinentemente Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho pois com o sumiço das causas objetivas ou subjetivas para o divórcio, qual seria a resistência palpável e oponível ao outro cônjuge, ao ponto de constituir uma lide?
A lide em geral se constrói por não haver consenso sobre guarda dos filhos, quanto aos alimentos, ao uso de sobrenome e a divisão de patrimônio conjugal.
Na audiência o juiz terá oportunidade de ouvir os cônjuges, inclusive verificando a real possibilidade de reconciliação. Então, se conclui que houve enfim a derrocada da culpa no direito de família. Não obstante conheçamos os avanços da responsabilização civil em razão do direito de família.
De fato, não faz sentido a busca esquizofrênica do culpado pelo fim do casamento ou mesmo da união estável. Sem dúvida, a ideia de culpa fora resultado da grande influência da Igreja Católica em nosso direito, notadamente pelo caráter eclesiástico e sacramental do casamento.
Mas, é um debate paradoxal quando enfim encaramos o casamento pelo mero viés contratual que concebe maior relevância à vontade dos nubentes, apesar da grande participação do Estado na oficialização matrimonial. Mas, no entanto, desconsidera essa mesma vontade no momento da separação judicial.
E, como já elucidou Namur Samour é preciso que a ideia de separação conjugal venha em razão da separação e, não da culpa de um dos cônjuges e, mesmo até de ambos.
Apesar do fim da separação judicial na sistemática pátria ainda subsiste a separação de corpos cujo objetivo é a suspensão do dever conjugal de coabitação, um especial dever jurídico decorrente do casamento.
É forçoso então admitir que existam casos em que o cônjuge precisa obter ordem judicial para a retirada do outro do domicílio conjugal (ou até autorização da saída do próprio autor) suspendendo esse específico efeito decorrente do matrimônio.
Ao citarmos as diversas definições de casamento as que foram consagradas pelo Direito Romano e as formuladas pelos civilistas, há sempre referência à união de pessoas do sexo diferente, como fator coincidente.
A diversidade sexual foi tratada por Sá Pereira como “elemento natural do casamento” sendo mesmo pressuposto fático da sua existência.
A teoria dos “casamentos inexistentes” foi criada pelo escritor alemão Zachariae, no século passado, em Comentário ao Código Civil Francês, de 1804 na Alemanha e traduzida pelos comentaristas Aubry et Rau e, mais tarde, desenvolvida por Saleilles, em estudo divulgado no Bulletin de la Société d’Etudes Legislatives, 1911, p. 351.
Apesar disto, a mídia informa que o Parlamento Europeu pediu que os países da União Europeia permitissem o casamento de homossexuais. Além de abolirem a discriminação de homossexuais e, deixarem de penalizá-los.
E, nesse sentido, o Parlamento britânico amenizou as limitações, reduzindo a idade consentida para relações homossexuais, de 21 anos para 18 anos.
Não obstante a forte oposição a proposta de casamento dos homossexuais ou mesmo união civil, especialmente na América Latina, as práticas homossexuais cresceram e reforçaram o intuito de legalização das uniões de pessoas do mesmo sexo.
No entanto, os costumes traçam como premissas implícitas da legislação brasileira no sentido de conceituar o casamento como “união de pessoas do sexo oposto”. Vem a doutrina brasileira prestigiar a tese “do casamento inexistente” da pessoa do mesmo sexo.
Há um movimento favorável à união de pessoas do mesmo sexo, sem o reconhecimento de casamento formal. Pela Deputada Marta Suplicy foi apresentado o projeto de lei com o fim de admitir a legitimação de uniões de homossexuais[20], que encontra em lenta tramitação[21].
O casamento em alguns idiomas há vocábulos diferentes: wedding (em inglês), significando o casamento-ato; e marriage que representa o casamento-estado; em alemão hochzeit (ato) e ehe (Estado).
E com o reconhecimento da união estável e possibilidade de igualmente formar família, deu-se o fim da família que era outrora formada apenas pelo casamento. E, hoje mesmo os laços sócioafetivo são capazes de gerar parentesco e formar família.
De sorte, que a evolução do casamento, sua celebração e mesmo dissolução, ora menos burocratizada, quando consensual e atendente aos requisitos da lei, nos permite observar a grande evolução conceitual, se afastando dos dogmas religiosos e positivistas e flexibilizando os efeitos da culpa conjugal, bem como, seus reflexos na guarda dos filhos e nos alimentos.
Ultrapassando elementos como a diversidade de sexo, o conceito matrimonial se aproxima da ideia de união com o escopo de formar família. Interessante é reafirmar a preservação da dignidade da pessoa humana nas uniões afetivas com interesse de sediar a família, a célula fundamental da sociedade.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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