A evolução do conceito de consumidor e o princípio da vulnerabilidade

Resumo: Compreendendo que o direito do consumidor é matéria inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, o presente trabalho discorre, brevemente, sobre o respaldo histórico reservado ao sujeito vulnerável das relações consumeristas, com o intuito de auxiliar na melhor compreensão das diversas teorias doutrinárias concernentes ao conceito do consumidor na contemporaneidade.  Para tanto, foram realizadas pesquisas em bibliografias especializadas, bem como em materiais específicos disponibilizados em ambientes virtuais. Enfatiza-se, que por se tratar de um microssistema normativo, o 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor', deve ser objeto de especificações futuras sobre a perspectiva das suas diversas competências.

Palavras-chave: Consumidor. Teorias. Vulnerabilidade.

Abstract: Understanding that consumer law is an innovative subject in the Brazilian legal system, with the purpose of helping to better understand the various doctrinal theories concerning contemporary consumer concepts, this paper briefly discusses the historical support reserved for the subject Vulnerability of consumer relations. For this purpose, researches were carried out in specialized bibliographies, as well as in specific materials made available in virtual environments. It is emphasized that, because it is a normative micro-system, the 'Consumer Protection and Protection Code' should be subject to future specifications regarding the perspective of its various competences.

Keywords: Consumer. Theories. Vulnerability.

Sumário: Introdução. 1 Consumidor: breve síntese dos antecedentes históricos. 2 Brasil: pressupostos fundamentais do 'Código de Defesa do Consumidor'. 3 Consumidor individual: análise das teorias do STJ.  4 Consumidor por equiparação. 5. Vulnerabilidade: princípios e classificações. 6 Hipossuficiência processual do consumidor. Conclusão. Referências.

Introdução:

Neste artigo, o conceito histórico sobre a figura do consumidor é discutido em alguns de seus pontos considerados mais relevantes, concernente a melhor compreensão da vulnerabilidade ante as teorias doutrinárias e suas definições interpretativas, que, apesar de diversas, procuram resguardar e amparar o 'Princípio da Dignidade da Pessoa Humana' nas relações de consumo.

Respaldando-se em preceito normativos e doutrinários, preliminarmente se recorreu a gênese do comportamento consumerista, com o intuito de proporcionar a observação de determinados costumes praticados tanto nas civilizações antigas quanto nas contemporâneas, que influenciaram diretamente no reconhecimento legal dos direitos e garantias da figura do consumidor. Em outra parte, considerando que a aplicação jurisprudencial depende da concepção magistral sobre a boa-fé existente entre fornecedor e consumidor, discorre-se sobre algumas premissas basilares voltadas aos consumidores, as quais o legislador ordinário procurou preservar e elevar ao status de norma constitucional com o intuito de regular a atividade jurídica brasileira sobre a matéria.

1 Consumidor: breve síntese dos antecedentes históricos

Consumidor, apesar de ser um termo considerado contemporâneo no ramo do Direito, seus fundamentos podem ser encontrados, de forma abstrata, em preceitos normativos de culturas distintas, substancialmente, nos costumes dos mais variados países. Entretanto, em virtude da inexistência do devido reconhecimento jurídico, a figura do 'comprador final' não recebia a consideração que hoje ostenta e nem dispunha da denominação atualmente reconhecida. Desde o século XVIII a.C., a civilização babilônica, comandada pelo imperador Hamurábi, procurou proteger as relações de consumo através de regimentos moderadores, que orientavam os negócios locais. O 'Código de Hamurábi' comprova que os compradores da época já estavam tendo seus interesses resguardados, inclusive pela existência de regras que procuravam impedir o lucro abusivo dos comerciantes.[i]

Também no 'Código de Manú', foram encontradas certas proteções ao consumidor, já na Grécia Antiga, estudos dos depoimentos de Cícero, ainda no século I a.C., asseguravam a presença de garantias contra os vícios ocultos nas relações comerciais e Aristóteles já se referia a necessidade de prevenção contra as manobras de especuladores. (MENEZES, 2003. p. 50-67)

Com o advento da 'Lei do Chá' criada pelos britânicos na Europa de 1773, autorizando o monopólio comercial do chá à 'Companhia Britânica das Índias Orientais', sediada em Londres, se desencadeou a revolta dos consumidores, que ficou conhecida como "Boston Tea Party" ou a Festa do Chá de Boston.

Conforme se percebe, os períodos históricos do mercado de consumo foram diversos e uma sequência de acontecimentos precederam a criação da primeira legislação de proteção ao consumidor, que se deu na Suécia, no ano de 1910, entretanto, os que mais influenciaram na formalização da ordem jurídica atual, ocorreram nos Estados Unidos da América, no início do século passado.

Em decorrência da ascensão dos preços das mercadorias de consumo e de problemas éticos em diversas áreas comerciais, no ano de 1914, o Congresso norte-americano foi pressionado a aprovar, a criação da "Federal Trading Commission", órgão máximo do sistema federal de proteção do consumidor e predecessor da "United States Federal Trade Commission" ou 'Comissão da Federação Americana do Comércio'. Logo após, ante o 'escândalo da talidomida', que assolou a Europa e foi considerado um dos mais horríveis acidentes médicos da história, o então Presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy, em 15 de março de 1962, deu início ao marco jurídico dos 'Direitos do Consumidor'. Em carta enviada ao 'Congresso dos Estados Unidos da América', Kennedy consolidou a figura do consumidor, solicitando o reconhecimento legislativo dos direitos e garantias inerentes aos sujeitos vulneráveis das relações de consumo. Na mensagem, conhecida como "Special message to congress on protecting consumer interest", o presidente afirmou que: "(…) Consumidores, por definição, nos incluem a todos. São eles, o maior grupo econômico, afetando e afetado por quase todas as decisões econômicas públicas e privadas. Dois terços das despesas econômicas são dos consumidores, mas eles são o único grupo importante na economia não organizados efetivamente, cujos pontos de vista geralmente não são ouvidos. (…)".

A máxima de Kennedy, consagrou como consumidores todos os indivíduos e levou a 'Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas', em sua 29ª sessão em 1973, a reconhecer a razão principiológica dos direitos do consumidor. Tal carga valorativa, se materializa no estado de vulnerabilidade, ao qual todas as pessoas, sem exceção, estão suscetíveis enquanto consumidores, motivo pelo qual se torna de importância fundamental para consolidação do 'Princípio da Dignidade da Pessoa Humana'. (MADALOZZO, 2016. p.14.)

2. Brasil: pressupostos fundamentais do 'Código de Defesa do Consumidor'

O 'Conselho de Defesa do Consumidor', considerado como primeira entidade brasileira consumeristas organizada, surgiu na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1974, precedendo uma série de movimentos como a 'Associação de Defesa do Consumidor', em Curitiba, 'Associação de Proteção do Consumidor' de Porto Alegre e, em São Paulo, o Decreto 7.890, que estabeleceu o 'Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor', antecessor da atual 'Fundação Procon São Paulo'.  Devido a força desses setores sociais, por meio do Decreto nº 91.469, de 24 de julho de 1985, foi criado o 'Conselho Nacional de Defesa do Consumidor', cujo objetivo foi assessorar o Presidente da República na elaboração de políticas públicas em defesa do consumidor brasileiro. (Ministério da Justiça. p. única)

Sabe-se que todas as razões principiológicas pertinentes ao reconhecimento da dignidade humana foram efetivadas no Brasil com o advento da 'Nova Carta Magna', e relativamente aos direitos do consumidor não foi diferente. O legislador constituinte, concentrado em tutelar a dignidade humana em suas variadas ramificações, buscou assegurar seu reconhecimento também nas relações comerciais, priorizando as garantias do sujeito consumidor, que foram fixadas na 'Constituição da República Federativa do Brasil de 1988' em seu artigo 5º, inciso XXXII. Entretanto, como se tratava de matéria específica, dependente de lei infraconstitucional, no artigo 48 do 'Ato das Disposições Constitucionais Transitórias' se estabeleceu prazo para elaboração da norma especialíssima.

A vulnerabilidade do sujeito consumidor até a promulgação da 'Constituição da Republica de 1988' foi parcialmente desconsiderada pelo direito brasileiro e mesmo ante a previsão constitucional, sua consolidação normativa ocorreu apenas em 1990, com o advento da Lei Nº 8.078, de 11 de Setembro, ou como é mais conhecida, o 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor', que regularizou os direitos do consumidor conferindo-lhe as garantias necessárias ante sua vulnerabilidade nas relações de compra e venda. Anterior ao 'Código Civil' de 2002, o 'CDC' influenciou as bases jurídicas das relações econômicas privadas, principalmente nas matérias versadas sobre os direitos das obrigações.

Como bem discorre o civilista Paulo Lobo sobre a matéria: "Uma das mais importantes realizações legislativas dos princípios constitucionais da atividade econômica é o Código do Consumidor, que regulamenta a relação contratual de consumo. Seu âmbito de abrangência é enorme, pois alcança todas as relações havidas entre os destinatários finais dos produtos e serviços lançados no mercado de consumo por todos aqueles que a lei considera fornecedores, vale dizer, dos que desenvolvem atividade organizada e permanente de produção e distribuição desses bens. Assim, o Código do Consumidor subtraiu da regência do Código Civil a quase totalidade dos contratos em que se inserem as pessoas, em seu cotidiano de satisfação de necessidades e desejos econômicos e vitais." (1999, p. 09)

3 Consumidor individual: análise das teorias do STJ

O consumidor stricto sensu, ou consumidor individual, pode ser definido como sendo àquele que se destina ao consumo imediato de um produto ou serviço. Ou seja, o sujeito, pessoa física ou jurídica, que retira do mercado comercial de consumo o bem adquirido imediatamente após a sua aquisição com intuito de satisfazer alguma vontade particular.

Apesar do art. 2°, da Lei Nº 8.078, definir o consumidor de forma precisa, como sendo "toda pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza, produto ou serviço, como destinatário final". As concepções doutrinárias por divergirem sobre a melhor definição acerca do tema, especificamente no referente a qualidade finalista do sujeito consumidor, deram origem a três correntes detentoras de teorias, que apesar de diversas, facilitam a atividade jurídica, na medida em que cada uma dispõe de carga valorativa importante no ajuste da lei aos casos concretos.

3.1 Teoria finalista

Também chamada teleológica ou subjetiva, sustenta o conceito adotado pelo 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor', considerando o sujeito vulnerável da relação consumista apenas a pessoa, física ou jurídica, que retire permanentemente de circulação, o produto ou serviço, do mercado de consumo, com o intuito de satisfazer necessidade ou satisfação específica, que não enseje em remuneração posterior advinda do bem adquirido. Em se tratando de pessoa jurídica, será considerada consumidora, quando da mesma forma, o bem adquirido for exclusivo para uso da própria instituição. Assim, um hospital, ao adquirir produtos de limpeza cujo a finalidade enseje na higienização do ambiente de trabalho pode ser considerado consumidor, diferente das aquisições de produtos farmacêuticos, que se destinam ao atendimento de seus pacientes.

Como se pode observar ante o seguinte julgado da '3ª Turma Cível do 'Tribunal de Justiça do Distrito Federal': – AGR1: 201500200218941. Agravo de Instrumento, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 08/04/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/05/2015. Pág.: 220. "(…) 1. Consoante orientação predominante no STJ, a vulnerabilidade do consumidor, pessoa física, é presumida, enquanto que a da pessoa jurídica deve ser demonstrada no caso concreto. Assim, há de se ponderar, no caso dos autos, o conceito de consumidor, a fim de evitar a aplicação desmedida do diploma legal (CDC) acabando por descaracterizar a igualdade material buscada. 2. Destinatário final é o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, incrementar sua atividade, pois ele não é o consumidor final, já que está transformando e utilizando o bem para oferecê-lo, por sua vez, ao cliente, ao consumidor do produto ou serviço. 3. O STJ adota o conceito subjetivo ou finalista de consumidor para fins de aplicação da legislação específica, não se encaixando o perfil da agravante no contrato em questão diante do apreciado escopo de incrementar a sua atividade negocial(…) no qual vê-se que o seu objeto social (cláusula quinta) é o transporte de cargas em geral, extração e o comércio de areia, cascalho e brita, nítido incremento de sua atividade negocial, impossibilitando in casu as regras do CDC  Lei 8078/90 e seus institutos facilitadores em privilégio do consumidor destinatário final.(…)".

Nesse contexto, como bem afirmativa o professor Flávio Tartuce, "trata-se de uma teoria de abrangência mínima, que restringe a existência da relação de consumo, na medida em que desconsidera determinadas situações onde a mesma se concretiza". (2013, p. 85)

3.2 Teoria maximalista

A teoria maximalista ou objetiva, bem como o finalismo, conceitua a figura do consumidor a condição de destinatário final, no entanto, Cláudia Lima Marques assevera, que " os maximalistas veem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger o consumidor não-profissional. O CDC seria um Código geral sobre consumo, em Código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes de mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2 deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo essa corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado." (2006. p. 255).

Na aplicação desta teoria, a jurisprudência do 'Tribunal de Justiça de Minas Gerais', se posicionou da seguinte maneira: "TJ-MG – AC: 10145095311653001 MG, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 10/04/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/04/2013. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – TEORIA MAXIMALISTA – REFORMA DA SENTENÇA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE EXCLUSÃO DA MULTA RESCISÓRIA – CULPA EXCLUSIVA DA OPERADORA DE TELEFONIA. – A corrente maximalista considera o CDC um estatuto geral do consumo, aplicável a todos os agentes do mercado, que ora ocupam a posição de fornecedores, ora de consumidores. Para os adeptos de tal entendimento, o conceito insculpido no art. 2º deve ser interpretado da forma mais ampliativa possível. Dessa forma, o destinatário final seria o destinatário de fato do produto, aquele que o retira do mercado. – Conquanto a teoria finalista seja amplamente difundida, a crítica que se faz a tal corrente de pensamento consiste no fato de que, se por um lado, a interpretação restritiva do conceito de destinatário final justifica a existência do microssistema consumerista, por outro, pode afastar a tutela protetiva das partes nitidamente vulneráveis da relação contratual. – Preliminares rejeitadas; agravo retido improvido e apelo provido."

Apesar de minoritária, resta claro que a teoria maximalista, foi essencial na adequação dos casos regulados pelo 'Código Civil de 1916' às conquistas e garantias previstas na 'Constituição Federal de 1988', que, apesar de constarem no CDC, só foram claramente regulamentadas após o advento do 'Código Civil de 2002', a exemplo dos princípios da boa-fé e da função social dos contratos.

3.3 Teoria finalista aprofundada

Também denominada como teoria mitigada, abrandada, temperada, mista ou híbrida, surgiu da interpretação jurisprudencial do 'Supremo Tribunal de Justiça', que se apoiando na definição de consumidor por equiparação, devidamente amparada no art. 29 do CDC, reconheceu como consumidor, todo sujeito vulnerável da relação de consumo, independentemente da finalidade a qual se destina o bem adquirido. Para esta teoria, o conceito preeminente da figura consumidora respalda-se precipuamente na eficácia material do 'Princípio da Vulnerabilidade´, qualificando como consumidor, toda pessoa, física ou jurídica, que se encontra no polo passivo e mais frágil da relação jurídica de consumo.

Desde já, cabe compreender, que a aplicação do finalismo aprofundado, depende de hipossuficiência comprovada no caso concreto, assim verificável na seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Apelação Cível Nº 70065394686, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 22/07/2015. "APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALTA DE ENERGIA ELÉTRICA. DANOS À PRODUÇÃO DE FUMO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. VULNERABILIDADE DO AUTOR." A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, abrange quem adquire produtos e serviços para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade. A vulnerabilidade referida no CDC abrange aspectos econômicos, sociais e técnicos. Aplicação da teoria finalista aprofundada. Lições doutrinárias e precedentes do Col. STJ. Hipótese em que o autor, pequeno agricultor, embora utilize indiretamente o serviço de energia elétrica para a realização de sua atividade lucrativa, não figurando como destinatário final, é evidentemente vulnerável frente à requerida, sendo caso de aplicação do CDC à espécie. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. CARÁTER OBJETIVO. É cediço que, sendo a empresa demandada concessionária de serviço público, responde objetivamente pelos danos que, na consecução de seu mister, por ação ou omissão, houver dado causa, bastando à vítima a comprovação do evento lesivo e do nexo etiológico entre este e a conduta do agente. Exegese do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR. Hipótese em que restou comprovada nos autos a relação de causa e efeito… entre os danos suportados pela parte autora e a falha do serviço prestado pela ré, consistente na suspensão dos serviços essenciais de energia elétrica por longo lapso temporal, acarretando problemas no processo de secagem do fumo. Montante dos danos corretamente apurado na sentença, de acordo com a prova produzida nos autos. APELAÇÃO DESPROVIDA."

Deveras esclarecido, claramente se percebe que o finalismo aprofundado pode ser considerado como uma teoria mais ampla, que reconhece as inúmeras diferenças existentes entre as pessoas jurídicas. Uma corrente adotada pela jurisprudência na busca de respaldar tanto a vulnerabilidade quanto a hipossuficiência de determinadas empresas nas relações consumeristas firmadas com grupos empresariais economicamente mais fortes.

4. Consumidor por equiparação

O parágrafo único, artigo 2º, do 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor', bem como os artigos 17 e 29 do mesmo diploma jurídico, prevê mais dois tipos de consumidores, que são assim considerados, por equiparação ou proporcionalidade. Conforme decisão relatada pelo excelentíssimo Desembargador JOÃO EGMONT, no Acórdão n. 841982. "Pessoas atingidas por falhas no produto ou na prestação de serviço, independentemente de serem consumidoras diretas, são amparadas pelas normas de defesa do consumidor. A doutrina convencionou chamar de consumidor por equiparação ou bystander, aquele que, embora não esteja na direta relação de consumo, por ser atingido pelo evento danoso, equipara-se à figura de consumidor pelas normas dos arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC." O bystander, consumidor equiparado, pode ser qualquer um, que não participando da relação jurídica de consumo, isto é, mesmo não adquirindo diretamente qualquer produto ou não sendo contratante de algum serviço, possa vir a ser lesionado, direta ou indiretamente. São terceiros protegidos pela Lei Nº 8.078 como se consumidores fossem e pode-se, inclusive, serem invocadas para tanto, as garantias dispostas nos artigos 12 e 14 do mesmo dispositivo legal, onde resta configuradas situações de responsabilidade por parte do fornecedor. (Poder Judiciário da União-2015).

Exemplificando, o bystander surge quando o sujeito A, consumidor original, adquire o bem e o presenteia a um terceiro, sujeito B, consumidor equiparado, mas o bem apresenta algum vício ou problema; ou quando um serviço prestado a uma coletividade de pessoas, por ineficiência do fornecedor, vem a causar prejuízos a outras pessoas que não tenham relação com negócio jurídico estabelecido.

5. Princípio da Vulnerabilidade

Princípio orientador do direito do consumidor, a vulnerabilidade é prevista no artigo 4º , inciso I , da Lei Nº 8.078 de 1990, que reconhece a existência da parte frágil nas relações jurídicas de consumo.

A relação abarcada pelo respectivo diploma legal ocorre quando se encontram seus três elementos essenciais, quais sejam, os sujeitos subjetivos, o objeto e a finalidade, ou condição de aquisição finalista da negociação por parte do consumidor. De um lado, o fornecedor, polo ativo da relação jurídica, oferecendo um produto ou serviço de maneira parcial e, do outro, o consumidor, polo passivo, ansiando por sanar alguma demanda particular. Ante a dispensa de conhecimento aprofundado sobre o produto ou serviço adquirido, que se restringe ao básico e atenda às necessidades existentes, coube ao o legislador reconhecer a fragilidade do consumidor e garantir-lhes direitos diferenciados inerentes a condição vulnerável de conhecedor superficial do bem de consumo. Conforme afirma Rizzatto Nunes, "a vulnerabilidade é carga valorativa de direito material que usufrui de presunção absoluta, da mesma maneira, sua legalização representa a harmonia de dois outros princípios fundamentais para ordem jurídica, que são a razoabilidade e a proporcionalidade". (2009. p. 129/130). A doutrina de forma geral conceitua a questão em tipificações diversas, no entanto, objetivando sintetizar a matéria e seguindo o entendimento majoritário, a vulnerabilidade do sujeito consumidor pode ser classificada em fática, técnica, informacional e jurídica.

A vulnerabilidade, per si, define e ampara situações onde predomina a ausência de conhecimento específicos por parte do sujeito consumidor, sendo, a fática relevante a falta de entendimento econômico; a técnica, materializada na ausência obrigacional de conhecimentos sobre o bem adquirido; a Informacional, pertinente as informações geralmente omitidas ou distorcidas nas propagandas de marketing comercial e, por fim, a vulnerabilidade jurídica, destinada aos deveres do fornecedor ante a carência de conhecimento jurídico da figura vulnerável, se contrapondo a realidade própria do empresário, que sabe ser necessário à sua atividade a assessoria jurídica adequada para formalização das cláusulas contratuais que melhor satisfaçam aos seus interesses. Resta esclarecer, que a vulnerabilidade jurídica trata de situação importantíssima, onde o fornecedor corre o risco de ter o negócio jurídico anulado se comprovada ausência da boa-fé de sua parte em esclarecer as dúvidas, manifestas ou não, que possam acarretar em prejuízo, total ou parcial do consumidor. Outrossim, importa corroborar sobre a existência do instituto da 'hiper-vulnerabilidade', qualidade atribuída aos idosos, crianças, analfabetos ou pessoas debilitadas de saúde.

6. Hipossuficiência processual do consumidor

A proteção ao consumidor hipossuficiente esteve restrita a Lei n.º 1.060/50, que estabeleceu as normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, até a promulgação da 'Constituição Federal' de 1988, que em seu art. 5º, inciso LXXIV conferiu-lhe garantia no ordenamento pátrio. Atualmente, tal instituto encontra-se resguardado tanto na Lei nº 13.105 de 2015, que institui o 'Código de Processo Civil', quanto no 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor'. É neste ponto que a doutrina demonstra divergências referentes ao reconhecimento da inversão do ônus da prova, preceito resguardado no inciso VIII, artigo 6º, da norma consumerista, versado sobre a identificação da hipossuficiência cultural do sujeito impossibilitado de ter acesso aos meios probatórios imprescindíveis para que reste configurado vício ou defeito do negócio jurídico celebrado.  No tocante aos consumidores, a hipossuficiência pode ser econômica e cultural, entretanto, as tipificações acerca da matéria exige cautela, pois quando demasiadas, promovem inúmeros equívocos na interpretação do instituto, fazendo com que o mesmo, gradativamente, passe a ser considerado erroneamente, como simplória extensão da vulnerabilidade lato sensu. Destarte, tanto a vulnerabilidade quanto a hipossuficiência, visam promover o 'Princípio da Isonomia' nas relações de consumo, entretanto a hipossuficiência é qualidade restrita a um grupo específico de consumidores, que possibilita, inclusive, a inversão jurídica do ônus da prova em benefício do elo mais frágil da relação.

Como bem leciona o professor Flávio Tartuce[ii], ambos os institutos não se confundem, pois enquanto a vulnerabilidade se converte em princípio jurídico reservado a todos os consumidores, conforme o disposto no inciso I, do artigo 4º, do 'Código de Proteção e Defesa do Consumidor', o estado de hipossuficiência, por sua vez, é restrito e se materializa no âmbito processual, onde segundo o artigo 6º, inciso VIII, do mesmo diploma legal, deve ser comprovado ante a autoridade judicial competente, podendo ser negado no caso do magistrado perceber que determinado consumidor possui meios para arcar com as custas judiciais e advocatícias.

Conclusão

Parafraseando o jurista Miguel Reale, "a vida do direito é o diálogo da história" e o direito do consumidor é prova viva de que sem a devida consideração aos antecedentes históricos, nada se cria e nem se transforma no mundo jurídico. Entre as divergências teóricas e as certezas legais, a 'práxis' jurisprudencial toma corpo e segue adequando, mais que a lei, as normas costumeiras nas resoluções dos casos concretos. Resta nítido, que cabe a magistratura deter fluente compreensão sobre o desenrolar dos fatos históricos, inclusive daqueles omitidos a cognição do homem médio, em prol de recuperar, desta forma, a confiança social ante o exercício da justiça, que se consolida pelo reconhecimento de valores éticos e morais, assim como evitam as distorções provocadas pela ausência de entendimento sobre temas específicos. Destarte, por estar o consumo por toda parte e sendo o ser humano aquele quem cultiva essa necessidade natural, cube ao legislador, salvaguardar a tutela dos mais fragilizados das relações consumeristas.

Conforme leciona José Geraldo Brito Filomeno, "um dos grandes princípios do art. 4º do Código do Consumidor é a harmonização dos interesses entre consumidores e fornecedores; disso resulta, antes de uma atitude de confronto e conflito, a adoção de instrumentos preventivos desses conflitos". Constata-se que apesar da 'procrastinação jurídica de cada dia', o direito do consumidor segue mais jovem que nunca, tanto por sua agilidade normativa quanto pela modernidade conceitual, que versa sobre ele e se estende no decorrer dos tempos, demonstrando se tratar de matéria não exaustiva. Isto posto, em decorrência da real supremacia das questões econômicas, que sustentam as relações comerciais, as garantias legais sobre o consumidor, conferem respaldo a concretização da dignidade humana, na medida em que a exatidão dos números se torna complexa ante as variadas situações promovidas pela vivencia social dos homens.

 

Referências
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TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Aspectos Principiológicos do Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. Campinas: Russel, 2009.
Notas
[i] “trata-se de um sistema codificado de leis, surgindo na mesopotâmia, através do rei da Babilônia, Hammurabi, também conhecido por Kamo-Rábi, que reviu, adaptou e ampliou diversas leis sumérias e acadianas”. Essa “codificação cuidava de regulamentar o exercício do comércio, de forma a disciplinar posturas de controle e supervisão das atividades comerciais de competência do palácio real”. TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Op.cit., p. 70.
[ii] "(…) Trata-se de “um conceito fático e não jurídico, fundado em uma disparidade ou discrepância notada no caso concreto(…)".  TARTUCE, F. Op. Cit., p. 33-34.

Informações Sobre os Autores

Audrey Jorge Lázaro

Acadêmica de Direito na Universidade Salgado de Oliveira – Campus Recife

Danielle Spencer Holanda

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – IAVM e o DIEX


Equipe Âmbito Jurídico

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