A formação da teoria
As chamadas "Exclusionary Rules"’ tiveram origem no sistema Norte-Americano a partir da idéia de que deveriam ser preservados os direitos e garantias individuais das pessoas nas diversas ações investigativas praticadas pela Polícia, incluindo principalmente aqueles direitos ofendidos em decorrência das buscas e apreensões. Assim, qualquer ação praticada pelos oficiais de Polícia que viessem a burlar os direitos e garantias constitucionais do cidadão deveriam ser considerados nulos e portanto não poderiam integrar, como prova ou mesmo indício os autos do processo.
Havendo sido iniciado para os casos ocorridos na esfera no âmbito da Jurisdição Federal, as "exclusionary rules" acabaram sendo difundidas também para os âmbitos estaduais. A Suprema Corte Norte-Americana fundamentou a utilização destas regras com dupla argumentação: 1- Conter as atuações abusivas por parte da Polícia; 2- Chamada de "Integridade Judicial", para a Corte não dar aprovação tácita àquelas condutas abusivas.
Alguns anos após, e como conseqüência deste doutrina, surge nos Estados Unidos, por conseqüência do julgamento do caso Silverthorne Lumber Co v. United States, a chamada teoria (doutrina) do "Fruto da árvore contaminada".
Segundo esta doutrina, qualquer informação ou evidência obtida a partir ou em conseqüência daquela que houvera sido ilegalmente, por conseqüência, também seria ilegal, porque provinda de uma fonte "contaminada", que, por assim dizer, contamina todos os seus frutos.
Há que se ressaltar que a teoria objetiva definir que os frutos decorrentes daquela árvore devem ser considerados contaminados. Evidentemente que frutos de outras árvores não podem, por essa razão ser também considerados "podres". Isso significa que em termos de análise de evidência obtida em um procedimento investigatório ou em um processo, somente aquelas que dela decorrerem podem ser considerados nulos. Como o processo é constituído de inúmeras fontes, na verdade um complexo de evidências e provas de origens diversas, aquelas originárias de fontes lícitas devem ser consideradas perfeitamente admissíveis. Equívoco portanto é dizer que se existe nos autos uma prova obtida por meio ilícito, por conseqüência todo o processo está contaminado e deve ser anulado. Apenas e tão somente aquelas provas que decorrem daquela fonte ilícita é que devem ser anulados e os demais são perfeitamente válidos. O processo é, por assim dizer, constituído de "várias árvores", e somente aquela que nasce podre deve ser extirpada, mantendo-se as demais.
O debate a respeito da efetiva aplicação da "exclusionary rule" é conduzido normalmente para dupla argumentação – que diz respeito ao "custo/benefício" da sua utilização. De um lado, aqueles que são contrários à sua aplicação argumentam que, se aplicadas as regras a conseqüência será de que uma pessoa criminosa, com evidências potencialmente comprovadas se verá livre, com um custo para o Estado e para a sociedade, portanto, maior do que a sua não utilização.
Aqueles que se posicionam a favor da aplicação das "exclusionary rules" apresentam basicamente os seguintes argumentos:
1- Os policiais não deixam de praticar as condutas porque acreditam que as regras ("exclusionary rules") são ilegítimas e mentir à Corte é uma forma de evitar que sejam aplicadas;
2- Policiais que pretendem agir corretamente não compreendem muito bem as regras, devido à sua complexidade. Puní-los não seria meio eficiente para impedir as condutas – que acreditam ser corretas;
3- A necessidade de ter que decidir e fundamentar sobre estas questões acabam sobrecarrecando as Cortes, em prejuízo da necessidade de apreciação e decisão a respeito de responsabilidades criminais;
Aqueles que se posicionam contra a aplicação das "exclusionary rules" apresentam, de sua parte, basicamente os seguintes argumentos:
1- Nos casos em que as regras são aplicadas para excluírem as evidências, os policiais normalmente sequer ficam sabendo;
2- Na maioria dos casos do sistema americano ocorre a transação penal (plea guilty), de modo que acabam não sendo revistos pela Corte. Os Policiais portanto não aprendem com os erros cometidos;
3- Outros meios mais diretos e eficientes tornam-se possíveis para punir os policiais que agem abusivamente, como ações civis por danos, corregedoria de polícia e até processos criminais – sendo o caso;
4- As "exclusionary rules" não operam em casos que não existam evidências de práticas criminosas em uma busca ilegalmente realizada, então o benefício acaba sempre por conta do criminoso.
Um benefício entretanto, decorrência da aplicação das "exclusionary rules" parece incontestável, o de que, querendo, a Polícia pode preparar-se melhor, através de cursos ministrados aos seus agentes com ensinamentos básicos a respeito de suas atividades e as repercussões processuais.
Segundo doutrinadores e jurisprudência nos EUA, é que a “exclusionary rule”, mais do que para coibir exageros da Polícia, é utilizada no sentido de prevenir condutas irregulares dos seus agentes – ou seja, para que os policiais tenham consciência de que aquela conduta acarreta a não utilização da prova – e assim deixem de agir contra direitos e garantias individuais. A sua aplicação tem portanto intuito verdadeiramente preventivo e não repressivo.
Quer nos parecer, no entanto, que a decisão sobre a anulação ou não de determinadas condutas policiais, ditas abusivas, deverão merecer análise peculiar para cada caso concreto, tomando-se por base o mesmo binômio "custo/benefício" – para o investigado comum, pertencente à organização criminosa ou para a Sociedade.
A teoria do "fruto da árvore contaminada"
Entretanto, mesmo essas regras posteriormente comportaram exceções, pois a Suprema Corte Norte-americana também considerou que o resultado era sempre de que o criminoso, em decorrência da atividade ilícita por parte da Polícia, sairia livre e seu trabalho desperdiçado. A regra do sistema "common law" passou então a ser de que, o fato de a evidência haver sido obtida ilegalmente, não a excluía necessariamente de ser utilizada na Corte contra o acusado, desde que fosse considerada relevante para que se viabilizasse a instauração do processo.
A partir desse raciocínio a Suprema Corte entendeu que não deveria considerar absoluta a teoria do "Fruto da Árvore Contaminada", mas que ela poderia comportar exceções admissíveis e criou então uma doutrina com as seguintes variantes:
a) A exceção da doutrina para os casos em que a conexão entre a conduta ilegal praticada pela Polícia e a descoberta da evidência tivessem tão pouca relação que poderiam ser consideradas como inconsistentes;
b) a evidência pode ser admitida se a acusação demonstrar que ela seria inevitavelmente obtida por outro meio, mesmo que aquela conduta que a obteve não houvesse sido praticada;
c) A evidência obtida ilegalmente no âmbito da Justiça Estadual poderia ser utilizada na esfera da Justiça Federal;
A chamada "Doutrina do fruto da árvore podre" deve portanto ter o seu alcance devidamente considerado, com as atenuações pertinentes, tal como utilizada na doutrina no seu País criador. Repita-se principalmente que não se pode considerar nulo um processo por decorrência de uma prova ilegalmente obtida, pois esta pode, conforme a circunstância, contaminar as demais provas dela decorrentes, e não todo o processo.
A Beweisverbote do sistema alemão
Ao que tudo indica, foi o sistema alemão com a sua Beweisverbote (prova proibida) que, ao lado do sistema norte-americano, mais desenvolveu este temário.
No sistema Norte-Americano, como enfatizado, as exclusionary rules aparecem para que o Estado possa se contrapor à atuação abusiva por parte do órgão de persecução – polícia, e com o intuito de evitar a repetição de atuação que atente contra os direitos e garantias individuais, principalmente referentes à IV e XIV emendas constitucionais, respectivamente concernentes aos preceitos relativos às buscas e apreensões e ao devido processo legal. Trata-se portanto de instituto nascido e desenvolvido voltado para o âmbito exclusivamente processual. Pretende-se com isto através da aplicação das exclusionary rules atingir a prevenção e também a repressão das atitudes ilegais e abusivas da Polícia quando esta, por intermédio de seus agentes atuar em contrário às chamadas unreasonable searches and seizures. São, em última análise, respostas a abusos por ela praticados, e portanto idealizadas e desenvolvidas a partir dos casos práticos, consistindo por assim dizer, segundo a doutrina, no único meio eficaz de coibir os abusos e garantir a disciplina na atividade policial.
Já a chamada Beweisverbote tem origem e desenvolvimento diverso, havendo sido projetada a partir de estudo e desenvolvimento lógico e eminentemente teórico, alicerçado nos direitos individuais – materiais constitucionais dos cidadãos, sobretudo com o intuito de protegê-los (Rechtstaatlichkeit), e visando uma construção sistemática do direito das proibições de prova. Tem estrutura baseada fundamentalmente na proteção da dignidade humana, do livre desenvolvimento da personalidade, da inviolabilidade do segredo de correspondência, das telecomunicações e do domicílio. São, por assim dizer, meios processuais de imposição da tutela do direito material, buscando a prevenção da danosidade social garantida pela preservação dos bens jurídicos individuais constitucionais. Diferentemente das exclusionary rules, não busca a prevenção pela repressão; mas sim a análise do caso concreto em termos comparativos com as situação de direito e garantia individual que se procurou proteger, em evidente análise de valoração. É o que na verdade os alemães chamam de Princípio da Proporcionalidade Constitucional, ou Verhältnismaßigkeitsgrundsatz. Significa dizer que em análise comparativa de âmbito constitucional – violação/proteção de direito, há que se aferir qual tem maior peso para então se viabilizar a conclusão a respeito da proibição ou não da apresentação e apreciação da prova em Juízo.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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