Resumo: O presente trabalho tem por objeto a análise da aplicação das alterações trazidas pela Lei 11.232/2005, principalmente com a implementação da fase do cumprimento de sentença, e seus reflexos na execução da prestação alimentícia fixada em sentença, tendo em vista o silêncio do legislador quanto ao tema.
Sumário: 1. Introdução; 2. O novo cumprimento de sentença; 3. Da execução de alimentos após a lei 11.232/2005; 4. Considerações finais; 5. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O processo de execução no Direito Processual Civil Brasileiro, recentemente, passou por uma série de reformas, as quais objetivam agilizar e simplificar a satisfação dos créditos, dando efetividade à garantia constitucional, prevista no art. 5 º, LXXVIII, da Constituição da República, de celeridade e efetiva prestação jurisdicional.
Uma das principais alterações, que é o objeto do presente estudo, decorreu da promulgação da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, em vigor desde junho de 2006, que teve como ponto principal tornar sincrético o processo de execução de título judicial, conseqüentemente, tornando-o mais útil e eficiente ao jurisdicionado.
Desse modo, em se tratando a decisão que fixa definitivamente os alimentos de título executivo judicial, surge a dúvida acerca da aplicação ou não da fase de cumprimento de sentença às hipóteses de execução da prestação alimentícia, tendo em vista o silêncio do legislador sobre essa questão, sendo tal controvérsia o objeto do presente estudo.
2 O NOVO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Antes do implemento da Lei 11.232/2005, a execução por quantia certa encontrava-se prevista no Capítulo IV, Título II, do livro I, do Código de Processo Civil, sem existir qualquer diferenciação entre o processo executivo de título judicial e de título extrajudicial.
Assim, a referida lei criou o procedimento do Cumprimento de Sentença, regulado pelos artigos 475-I ao 475-R, transformando a execução do título judicial como uma verdadeira fase do processo, não havendo mais necessidade de instauração de novo feito para satisfação do direito reconhecido.
Sobre as alterações da Lei 11.232/05, é ensinamento de Claudia Baião Fernandes de Faria:
“As modificações introduzidas não se limitam apenas a romper com o modelo tradicional de processo, passando também a estabelecer mecanismos atípicos de execução dos comandos jurisdicionais, onde não existe um procedimento previamente estabelecido, podendo o Estado-juiz determinar as medidas necessárias para efetivar a tutela executiva. É o que se costuma chamar de atipicidade das medidas executivas, onde o Estado-juiz, em respeito ao princípio da efetividade da jurisdição, pode estabelecer os meios para realização concreta do direito do credor, ausente um modelo executivo pré-concebido.” (FARIA, 2008, p. 52).
Leciona também Athos Gusmão Carneiro:
“A sentença condenatória, pela Lei 11.232, passou a ser também de prevalecente eficácia executiva, ou seja, autoriza o emprego imediato dos meios executivos adequados à efetiva ‘satisfação’ do credor, sem que a parte vencedora necessite ajuizar nenhum outro processo, sucessivo ou autônomo.” (CARNEIRO, 2006, p. 20-21).
Desta forma, iniciado o processo de conhecimento, com a manifestação das partes e dilação probatória, o juiz proferirá sentença. Caso ilíquida, haverá a liquidação no mesmo feito, conforme art. 475-A e seguintes, do CPC, sem a necessidade de nova citação, mas com mera intimação do procurador da parte por meio de publicação na imprensa oficial.
Terminada a liquidação, dá-se início a fase executiva, denominada cumprimento da sentença, aproveitando, do mesmo modo, a citação realizada no processo de conhecimento, sendo o advogado do executado apenas intimado.
O art. 475-J da Lei 11.232/2005 prevê que o devedor, para que não seja obrigado a pagar a multa prevista, deve efetuar o pagamento independente de intimação.
Assim, positivou o referido dispositivo legal que “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue no prazo de 15 (quinze) dias o montante da condenação, será acrescido uma multa no percentual de 10% (dez por cento), e a requerimento do credor e observado o disposto no artigo 614, inciso II, desta lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”
A condenação deve, portanto, ser paga de maneira voluntária e a intimação, se necessária fosse, do devedor para o cumprimento do determinado na sentença, seria contrária à sistemática do Código de Processo Civil e da finalidade da Lei n° 11.232/05, ou seja, os princípios da celeridade e economia processuais.
Portanto não havendo cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor no prazo de 15 dias será acrescida uma multa de 10% (dez por cento), a requerimento do credor e acompanhada da memória de cálculo, expedindo-se mandado de penhora e avaliação.
Somente após decorrido esse prazo, e da atividade ex officio de início da execução pelo juiz, arbitrando a multa, teríamos a presença do credor, que daria prosseguimento ao cumprimento, requerendo a expedição de mandado de penhora e avaliação e apresentando sua conta, na forma da parte final do mesmo diploma legal.
Resta, portanto, induvidosa a maior eficácia e celeridade do novo modelo sincretista adotado pela Lei nº 11.232/2005.
3 DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS APÓS A LEI 11.232/2005
Os alimentos são dotados de carga máxima de direito fundamental, sendo o imediato pagamento medida imprescindível para garantir a sobrevivência do alimentando e para a preservação do preceito fundamental de dignidade da pessoa humana. Diante da inadimplência do devedor, impõe-se ao Judiciário responder com meios céleres e eficazes de prestação jurisdicional, de modo a assegurar a imediata satisfação do direito do credor.
A execução dos alimentos está prevista tanto no Código de Processo Civil (arts. 732 a 735) como na Lei de Alimentos (Lei 5.478/68, arts. 16 a 19).
Existem dois meios para a execução da prestação alimentícia, adotando o primeiro (art. 732, do CPC) o mesmo procedimento utilizado para a execução de quantia certa por devedor solvente (arts. 646 e seguintes). Já o segundo meio, previsto no art. 733, do CPC, trata da execução sob pena de prisão.
Assim, por se tratar a decisão que fixa os alimentos de forma definitiva de sentença, poder-se-ia entender que aplicável o cumprimento de sentença, previsto nos arts. 475-J e seguintes.
No entanto, quedou-se silente o legislador quanto à manutenção dos procedimentos dos arts. 732 e 733, do CPC, o que motiva a polêmica sobre tal assunto.
Parte da doutrina entende pela não aplicação da Lei nº 11.232/05 à execução de alimentos, sob o argumento de que o art. 732 do CPC não foi objeto de qualquer alteração. Por conseguinte, não seria a intenção do legislador modificar a execução dos alimentos, mantendo a realização desta por meio de processo autônomo. Com efeito, o art. 732 do CPC reporta-se ao Capítulo IV do Título II do Livro II, ou seja, aos arts. 646-724 do CPC, e não ao Livro I do Código.
Neste sentido, leciona Araken de Assis:
“A reforma da execução do título judicial, promovida pela Lei 11.232/2005, não alterou, curiosamente, a disciplina da execução de alimentos, objeto do Capítulo V do Título II do Livro II (Do processo de execução). Por conseguinte, não se realizará consoante o modelo do art. 475-J e seguintes. Continua em vigor a remissão dos arts. 732 e 735 ao Capítulo IV do Título II do Livro II do CP, em que pese tais disposições mencionarem, explicitamente, a execução de ‘sentença’.” (ASSIS, 2007. p. 903).
Corrobora também o presente entendimento o seguinte ensinamento de Humberto Theodoro Junior:
“Como a Lei 11.232/2005 não alterou o art. 732 do CPC, continua prevalecendo na ação de alimentos o primitivo sistema dual, em que o acertamento e execução forçada reclamam o manejo de duas ações separadas e autônomas: uma para condenar o devedor a prestar alimentos e outra para forçá-lo a cumprir a condenação. (…)
O procedimento executivo é, pois, o dos títulos extrajudiciais (Livro II) e não o de cumprimento de sentença instruído pelos atuais arts. 475-J a 475-Q.” (THEODORO JUNIOR, 2006. p. 368).
De outro vértice, tem-se que a presente questão deve ser analisada, considerando a previsão constitucional de garantia à efetiva duração do processo, bem como visando garantir a maior eficácia do provimento jurisdicional.
Maria Berenice Dias soluciona o problema da seguinte forma:
“Os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil introduzido no sistema jurídico. O crédito alimentar está sob a égide da Lei 11.232/0 5, podendo ser buscado o cumprimento da sentença nos mesmos autos da ação em que os alimentos foram fixados (CPC, art. 475-J). Houve mero descuido do legislador ao não retificar a parte final dos arts. 732 e 735 do CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: “Do Processo de Conhecimento”. A falta de modificação do texto legal não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida. A omissão, mero cochilo ou puro esquecimento não pode levar a nefastos resultados.” (DIAS, 2006)
No mesmo sentido, é o entendimento de Ernane Fidélis dos Santos:
“A execução de prestação alimentícia pode ser feita de maneiras diversas, inclusive na forma comum, seguindo, agora, o art. 475-J, mas com a possibilidade de se aplicar a antiga regra do art. 732, parágrafo único, com permissão de levantamento mensal das importâncias depositadas, haja ou não impugnação, não sendo de se permitir qualquer efeito suspensivo.” (SANTOS, 2006, p. 94)
O professor Alexandre Câmara também defende a aplicação da Lei nº 11.232/05 à execução dos alimentos, argumentando ser necessária uma releitura do CPC, no que tange à referida execução, à luz da estrutura sincretizada para cumprimento de sentença.
“(…) É interessante notar, porém, que o legislador da Lei n. 11.232/05 ”esqueceu-se” de tratar da execução de alimentos, o que pode levar à impressão de que esta continua submetida ao regime antigo, tratando-se tal módulo processual executivo como um processo autônomo em relação ao módulo processual de conhecimento. Assim, porém, não nos parece. Não seria razoável supor que se tivesse feito uma reforma do Código de Processo Civil destinada a acelerar o andamento da execução de títulos judiciais e que tal reforma não seria capaz de afetar aquela execução do credor que mais precisa de celeridade: a execução de alimentos. Afinal, como se disse em célebre frase de um saudoso intelectual brasileiro, Hebert de Souza (o Betinho), ‘quem tem fome tem pressa’. Assim sendo, nos parece inegável que a Lei n. 11.232/05 deve ser interpretada no sentido de que é capaz de alcançar os dispositivos que tratam da execução de prestação alimentícia.” (CÂMARA, 2007, p. 367)
Tal questão ainda não se encontra, portanto, pacificada na doutrina, o que também ocorre no entendimento pretoriano, como se observa nos seguintes julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“PROCESSO CIVIL. ALIMENTOS. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO DE CONHECIMENTO E QUE ARBITROU A PENSÃO ALIMENTÍCIA. INCIDÊNCIA DO RITO CRIADO PELA LEI Nº 11.232/2005. POSSIBILIDADE. – Fixados os alimentos em processo de conhecimento, o descumprimento do encargo pode motivar a adoção das regras procedimentais relativas ao cumprimento da sentença que foram instituídas pela Lei nº 11.232/2005”. (TJMG – Agravo de Instrumento nº 1.0024.02.672678-6/001 – Rel. Des. Alberto Vilas Boas, 1ª Câmara Cível, DJ 23/06/2009)[1]
“EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS – AÇÃO AUTÔNOMA – RITO DO ARTIGO 732 DO CPC – INCABÍVEL A INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC – POSSIBILIDADE SOMENTE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA ‘ONLINE’ – POSSIBILIDADE – CELERIDADE PROCESSUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. – Na hipótese do artigo 732 do CPC, que não sofreu qualquer alteração com a edição da Lei 11.232/05, a ação deve processar-se nos moldes do disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do CPC, onde se acha disciplinada a “”execução por quantia certa contra devedor solvente”” (artigos 646 a 724). – Se a penhora ‘on line’ afigura-se a via mais eficaz na busca pela satisfação do crédito exeqüendo, não pode a credora ser tolhida do direito de valer-se desse meio, mormente quando encontra inúmeras dificuldades para a citação e intimação do devedor, restando infrutífera a tentativa de satisfação do crédito. – Recurso parcialmente provido.” (TJMG – Agravo de Instrumento nº 1.0024.07.573390-7/001 – Rel. Des. Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível, DJ 27/10/2009).
Por derradeiro, vale ainda ressaltar que, caso adotada, a nova sistemática não traz prejuízos para o devedor, vez que dispõe de prazo para se defender, por meio de impugnação, prevista no art. 475-J, § 1º do Código de Processo Civil.
Ademais, a opção pela execução expropriatória, com a incidência da multa ao invés da possibilidade de prisão civil, é menos gravosa ao devedor, observando ao disposto no art. 620, do CPC, já que estará respondendo pela dívida com o seu patrimônio, sem o sofrimento da coerção pessoal.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tais considerações, observa-se que o legislador no art. 475-J, e subseqüentes, ao falar em condenação de obrigação de quantia certa, cria mecanismos processuais para evitar a formação de uma execução autônoma, privilegiando a efetivação da decisão prolatada, na forma de complementá-la, na mesma relação processual, por atos subseqüentes que nitidamente imprimem maior agilidade e eficácia junto à decisão proferida.
Assim, tem-se que a lei nº 11.232/05 teve por objetivo propiciar uma melhor atuação da lei ao caso concreto em vista da excessiva inefetividade que apresentava a formatação processual destinada à execução por quantia certa contra devedor solvente, nos termos da garantia constitucional ao processo célere e efetivo.
No entanto, a supramencionada lei restou omissa no tocante à extensão das alterações ao procedimento de execução da prestação alimentícia, motivo por que restou controversa a questão acerca de sua aplicabilidade ou não.
Diante dos rumos adotados pelas reformas processuais e tendo em vista a garantia constitucional à celeridade processual e efetiva duração do processo, revela-se mais correto o entendimento que deve a execução de alimentos, após o advento da Lei 11.232/2005, adotar o meio mais eficaz, podendo tanto ser por meio de cumprimento de sentença ou pelos meios previstos nos arts. 732 e 733, do CPC.
Diante do exposto, conclui-se que pela natureza da dívida, inviável que a omissão legislativa em atualizar os dispositivos reguladores da execução de alimentos impeça o uso da forma simplificada e célere implementada pela lei nº. 11.232/2005
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