Tema muito polêmico ainda presente no Direito do Trabalho é o decorrente da modificação ocorrida na Constituição da República, ao exigir o “comum acordo” entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, consoante norma prevista no art. 114, § 2º.
Em que pese já haver transcorrido certo tempo desde a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, até hoje não há pacificação quanto ao procedimento, apesar da definição na norma constitucional da necessidade de propositura desta ação por concordância recíproca entre as partes. Isto acontece por uma série de razões que passarão a ser expostas a seguir. Contudo, cabe esclarecer desde já que na verdade a finalidade maior desta norma foi a de extinguir o poder normativo da Justiça do Trabalho[1], consoante doutrina de Georgenor de Sousa Franco Filho, para o tema em questão:
“(…) O que temos, a rigor, é, (…), uma lamentável restrição ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Sabemos, e isso não é segredo para ninguém de bom senso, que muita gente quer acabar com esse poder excepcional do Judiciário Trabalhista. Poder atípico, é verdade, mas que, por fatores diversos, que vão desde o enfraquecimento do sindicalismo brasileiro até a demora na elaboração de leis que disciplinem as relações de trabalho, ainda é indispensável para a tranqüilidade social (…)[2]”.
1.1. O Dissídio Coletivo de Trabalho antes da Emenda Constitucional nº 45
Antes da Emenda Constitucional nº 45, a redação do artigo 114, §§ 1º e 2º da Constituição da República continha os seguintes termos:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (…)
“§ 1º: Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º: Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
Como se observa, a prévia tentativa de autocomposição entre os interlocutores coletivos sempre foi fomentada pela ordem jurídica, uma vez que no âmbito das relações de trabalho, o Estado induz as partes a uma regulação autônoma, com o escopo de um diálogo sazonal para estabelecer condições específicas de trabalho e manter a paz social. Uma vez não alcançada a convenção coletiva de trabalho ou o acordo coletivo de trabalho (art. 611, caput e § 1º, da CLT)[3], as partes deverão buscar uma alternativa para a solução do conflito.
Culturalmente a solução dos conflitos sociais, quando as partes não conseguem diretamente estabelecer o comportamento consentâneo, é a provocação do Poder Judiciário, o que passa a partir de então apenas para os conflitos coletivos de natureza econômica, a ser limitado na prática ou até mesmo impossibilitado, com o mútuo acordo previsto na nova norma constitucional.
A parte final do então § 2º do artigo 114 da Constituição previa o claramente o chamado poder normativo da Justiça do Trabalho, possibilitando a fixação de normas e condições de trabalho por meio da Sentença Normativa[4], que deve respeitar as disposições mínimas contidas na legislação trabalhista e nas normas coletivas em vigor.[5]
O entendimento é que não houve a extinção do Poder normativo. Contudo, está inexoravelmente prejudicado, uma vez que dificilmente haverá a “incomum” concordância do “comum acordo” entre as partes para a proposição de uma demanda judicial, haja vista a própria natureza do conflito. Ademais, como não foi possível a autocomposicao na discussão da matéria, impossível parece, por uma questão de razoabilidade, que aconteça a autocomposição para o procedimento que irá justamente decidir o conflito que está relacionado à matéria[6].
1.2. O Dissídio Coletivo Econômico após a Emenda Constitucional nº 45
A Emenda Constitucional nº 45, também chamada de Reforma do Poder Judiciário, alterou diversos aspectos da competência da Justiça do Trabalho. O constituinte derivado, ao mesmo tempo em que pretendeu pacificar algumas questões trabalhistas como o dano moral, o direito de greve, entre outras, trouxe também pontos controversos. O § 1º do artigo 114 da Constituição foi mantido, porém, o § 2º do mesmo dispositivo foi alterado substancialmente, passando a dispor que:
“Art. 114 (…)
I (…)
§ 1º (…)
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. (grifos)
Verifica-se que a nova redação do artigo 114, § 2º da Constituição da República, é expressa ao tratar apenas do dissídio coletivo de natureza econômica, no qual são fixadas condições de laborais, por meio do poder normativo da Justiça do Trabalho. No entanto, apesar de não haver previsão em contrário na Constituição, entende-se que o dissídio coletivo de natureza jurídica[7] e que tem por objetivo a interpretação de norma preexistente, foi mantido, permanecendo na competência material da Justiça do Trabalho[8].
Ademais, no referido § 2º do art. 114 da Constituição, no lugar da antiga redação que continha a expressão “podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições”, passou a constar “podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito”. Depreende-se que o poder normativo da Justiça do Trabalho foi mantido, criando ainda preceitos jurídicos anteriormente inexistentes[9].
Nesta ordem, uma pequena alteração na parte que delimita a amplitude do poder normativo da Justiça do Trabalho, pois a antiga redação “respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho” foi substituída por “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. Não há nenhuma novidade quanto à observância de disposições legais mínimas de proteção ao trabalho. A norma atual, porém, deixou mais explícito que as disposições convencionadas anteriormente,ou seja, normas decorrentes de negociação coletiva anterior, devem ser observadas pela Justiça do Trabalho no julgamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Vale mencionar também, que a sentença normativa anterior não constitui limite mínimo para o Poder normativo da justiça laboral[10].
A grande inovação, no entanto, diz respeito à exigência de uma nova situação para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica: o “comum acordo” entre as partes envolvidas. As teses defendidas pela doutrina e pela jurisprudência referentes a essa inovação divergem nos fundamentos e nas conclusões, levando a diferentes posicionamentos sobre o tema.
Ponto incontroverso é que o poder normativo da Justiça do Trabalho vem sofrendo não é de hoje severos ataques por parte da doutrina especializada e dos setores políticos mais conservadores. Os argumentos para sua extinção são os mais variados; vão desde a sua pretensa natureza não jurisdicional, passando por sua origem intervencionista decorrente do período varguista, até a sua questionável necessidade, uma vez que, pretensamente, as entidades sindicais profissionais já possuem autonomia suficiente para negociar e manter uma agenda política de pactos normativos, sem a “ajuda” do Poder Judiciário. É o que também será discutido a seguir.
1.3. Divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da exigência do “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica
1.3.1. Argumentos e julgados a favor da constitucionalidade do “comum acordo”
O principal fundamento utilizado para justificar a inovação é o fomento à autocomposição no ambiente coletivo do trabalho, mas especificamente o fomento à sua solução por meio do procedimento negocial coletivo.
Um dos entendimentos pela constitucionalidade da nova exigência trazida pela EC 45, é que se faz necessário que ambas as entidades sindicais subscrevam a petição inicial do dissídio.
Consoante lição de José Luciano de Castilho, o sentido da expressão “de comum acordo não pode significar, necessariamente, petição conjunta”. A concordância não precisaria ser prévia, podendo ser confirmada de forma expressa ou tácita na resposta do ex-adverso. Assim, uma vez ajuizado um dissídio coletivo sem a anuência da parte contrária, deveria o juiz mandar citar o suscitado, e apenas na hipótese de recusa formal ao dissídio coletivo, a inicial seria indeferida. [11]
Já de acordo com o entendimento de Vidigal, a interpretação literal da lei demonstra que o termo “é facultado” evidencia que o ajuizamento de dissídio coletivo de comum acordo só pode ser entendido como uma faculdade dos envolvidos. “Dessa forma, se um dos conflitantes não consentir com o ajuizamento do dissídio, não há como negar esta garantia ao outro, que não pode estar sujeito ao seu próprio adversário”. Assim, a faculdade conferida pelo dispositivo não excluiria o ajuizamento singular do dissídio. [12]
Para Garcia, “a exigência de comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica não significa a exclusão de sua apreciação pelo Poder Judiciário, mas mera condição da ação específica, para viabilizar a análise do mérito”.[13] Destarte, por outro lado há fundamento que, tratando-se apenas de restrições ao acesso à jurisdição estatal, tal exigência não poderia ser entendida como violação à garantia constitucional de acesso ao órgão jurisdicional[14].
Também há entendimentos que a exigência de consenso entre as partes corresponde a um pressuposto do dissídio coletivo, que apenas dificulta, mas não impede o exercício do direito de ação coletiva. Neste sentido, “o princípio da inafastabilidade da jurisdição não consagra um direito irrestrito e incondicionado, pois pode a lei prever requisitos, condições e pressupostos para o acesso à justiça”, como se dá, por exemplo, com o exaurimento da negociação coletiva prévia no dissídio coletivo (CLT, artigo 616, § 4º).[15][16]
Parte da doutrina também rechaça a possibilidade de que o comum acordo violaria o principio da inafastabilidade do poder jurisdicional, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição da República que estabelece: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entendem que “a impossibilidade é direcionada à ‘lei’ e não à Constituição, por meio do poder constituinte originário ou derivado”[17]. Cita-se como outro exemplo, o artigo 217, §1º[18], da carta de 1988, que limita o acesso à Justiça para questões voltadas à disciplina e às competições desportivas.
Por fim, sustenta-se ainda, que dependendo do caso concreto, a concordância da parte contrária para o ajuizamento do dissídio coletivo econômico poderá ser suprida judicialmente, por meio de tutela específica, com base no artigo 461 do Código de Processo Civil[19], que trata das obrigações de fazer, e também com base na proibição de se impor uma condição puramente potestativa, ou seja, que se sujeita ao puro arbítrio de umas das partes.[20]
No mesmo sentido, do Carmo afirma que “em casos de recusa abusiva, injurídica ou de extrema má-fé”, a parte prejudicada poderá requerer o suprimento judicial da recusa da categoria econômica contraposta, o qual “terá a mesma eficácia jurídica do consentimento denegado, possibilitando assim a tramitação normal do dissídio coletivo de natureza econômica, até seu final julgamento.”[21]
No sentido da constitucionalidade da inovação, manifestou-se a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST:
Deverá ser levado em conta também o posicionamento tomado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada em 23 de novembro de 2007, no Enunciado de n. 35, in verbis:
“35. DISSÍDIO COLETIVO. COMUM ACORDO. CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE AO ART. 114, § 2º, DA CRFB. Dadas as características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§ 2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos.”
Em alguns julgados, o TST considerou o comum acordo como sendo uma condição da ação, juntamente com a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual. Assim, diante da ausência do “comum acordo”, reconheceu a carência da ação, o que ensejou a extinção do processo sem resolução do mérito.
Em outras decisões, o TST considerou o “comum acordo” como um pressuposto processual e não como uma condição da ação. No entanto, o efeito prático diante de sua ausência é o mesmo, a extinção do processo sem resolução do mérito.
Verificou-se também que, em grande parte de seus julgados, o TST deixou de lado o excesso de apego ao formalismo ao considerar que a não-oposição da parte contrária equivale ao seu consentimento tácito.
1.3.2 Argumentos a favor da inconstitucionalidade do comum acordo
A validade da expressão “comum acordo” já está sendo discutida por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam no Supremo Tribunal Federal.[22]
Argüi-se que “a imposição de bilateralidade no ajuizamento do dissídio coletivo viola frontalmente o art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República” que prevê o princípio da indeclinabilidade” ou inevitabilidade da jurisdição, segundo o qual a “lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça à direito”. Entende-se que o termo “lei” foi aplicado em sentido amplo, englobando todas as espécies normativas previstas no artigo 59 da CF/88, quais sejam: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Assim, ao contrário da tese defendida por determinada corrente doutrinária e jurisprudencial, o comando também é aplicável ao constituinte derivado. [23]
Assim, segundo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, a autoridade dos órgãos jurisdicionais deriva do poder estatal soberano, e assim sendo, impõe-se independentemente da vontade das partes, caracterizando uma situação de sujeição das mesmas perante o Estado-juiz. [24] Esse princípio assegura, a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos, o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei impedir ou restringir em demasia esse acesso.[25]
Impende destacar ainda, que a Jurisdição é um componente do Estado de Direito que tem como um dos princípios basilares o direito público subjetivo de ação[26], “deriva da passagem da ação física (autodefesa), para a ação jurídica (processo judicial) [27]”, e considerado preceito fundamental que preside o ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, afirma Amauri Mascaro Nascimento que:
“(…) o dissídio coletivo econômico ou é considerado um processo, e se é assim os princípios fundamentais do processo ser-lhe-ão aplicáveis, ou não é tido como um processo, mas uma arbitragem pública feita pelo Tribunal do Trabalho, caso este, e único em que seria compatível com a exigência do consentimento comum para a sua propositura, como o é na arbitragem facultativa (…)” [28]
Ademais, a exigência do “comum acordo” tenderia a violar o direito fundamental de acesso à justiça, e consequentemente, o art. 60, § 4º, inciso IV da Carta Magna, o qual impede alterações constitucionais que visem abolir direitos e garantias fundamentais, “como o livre acesso à solução judicial” [29].
A defesa da inconstitucionalidade da aludida inovação encontra respaldo na teoria das normas constitucionais inconstitucionais. Sobre essa teoria, manifesta-se, ainda Mascaro Nascimento:
“(…) uma norma constitucional pode ser nula, se desrespeitar, em medida insuportável, os postulados fundamentais do ordenamento jurídico o que leva à possibilidade teórica de ocorrerem, num Estado de Direito, normas constitucionais originárias inconstitucionais e, também, normas constitucionais derivadas eivadas do mesmo defeito por descumprirem a missão integradora que deve ser respeitada por toda Constituição (…)”. [30]
Como salientado por José Afonso da Silva, “o poder de reforma constitucional é inquestionavelmente, um poder limitado, uma vez que regrado por normas da própria Constituição, sujeitando-se ao sistema de controle de constitucionalidade”. Nesse trilhar, o órgão do poder de reforma (ou seja, o Congresso Nacional) há de proceder dentro dos limites estatuídos na Carta Magna, sob pena de sua obra sair viciada. [31]
Parte da doutrina, a princípio, quando se deparou com a expressão “de comum acordo” presente no texto constitucional do art. 114, § 2º, cogitou a ocorrência de um erro material, um engano de grafia, um vacilo redacional, e descreveu o referido texto como um “verdadeiro monstro legislativo, um titã sem igual na constatação da precariedade existente no sistema brasileiro de elaboração de leis” [32].
A própria expressão “dissídio” não se coaduna com “comum acordo”, pois onde há conflito de interesses não há avença [33]. Não se pode conceber a idéia de um processo no qual o autor, para mover ação contra o réu, dependa da concordância deste. É razoável considerar que ninguém autorizará outrem a processá-lo. Nesse sentido, manifesta-se Amauri Mascaro Nascimento:
“(…) Teria todo sentido a escolha, pelas partes, da arbitragem por proposta comum. Mas não tem nenhum sentido o processo judicial do dissídio coletivo, como tal, ajuizável somente quando as duas partes desejarem o processo, figura inexistente no direito processual contencioso. Se a natureza jurídica do dissídio coletivo é a de processo, condicioná-lo à autorização do réu, para que o processo pudesse ser movido, seria o mesmo que transferir o direito de ação do autor para o réu, portanto uma hipótese absurda e que contraria o principio constitucional do direito de ação e inafastabilidade da jurisdição, na medida em que é óbvio que ninguém autorizará outrem a processá-lo porque, como contestante no processo, seria total a incompatibilidade entre o seu consentimento para que fosse demandado e a contestação que teria que fazer ao pleito para cuja propositura deu a sua aquiescência. (…)” [34]
“A exigência do mútuo consentimento não apenas criou uma condição para a ação ou um pressuposto processual, mas, indo mais longe, inverteu a titularidade do direito de ação”, pois “o poder de acionar a jurisdição passa das mãos do autor para as do réu, o que equivale à negação do direito de ação” [35] e submissão do seu direito à opção do réu. Sobre o tema, Rudolf Von Ihering brilhantemente externou:
“ (…) conforme já ressaltei várias vezes, a essência do direito está na ação. O que o ar puro representa para a chama, a liberdade representa para o senso de justiça, que sufocará se a ação for impedida ou perturbada (…)” [36].
E não caberia ao Estado, por meio do poder constituinte derivado, justamente impedir ou perturbar o direito de ação constitucionalmente assegurado.
Além de tudo, considerar a obrigatoriedade da aquiescência do suscitado também resultará em uma fragilização das categorias profissionais, que, sob a dependência da vontade da classe empresarial para promoverem a ação, e estando diante da negativa da prestação jurisdicional, deverão optar pelo movimento grevista, única via possível para conquista de suas reivindicações, o que não é do interesse social e econômico do país. No entanto, na hipótese de o sindicato obreiro ser fraco (a grande maioria o é), não haverá negociação coletiva, nem greve e nem dissídio coletivo. Ou seja: crítica será a situação dos trabalhadores.[37]
Desta forma, é pouco crível que o constituinte derivado criaria uma norma que fomentasse a forma mais contundente de conflito entre os sujeitos da relação de trabalho, a greve, quando toda a estrutura da legislação do trabalho pretende que haja a pacificação social por meio do diálogo entre os sujeitos das classes sociais, em uma autocomposição. Ademais, tampouco seria razoável a indução à sucumbência, quando a entidade sindical não possui representatividade e força política suficiente para o embate[38].
Nesse contexto, aguarda-se, todavia a manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de declarar a in(constitucionalidade) da expressão “comum acordo” contida no § 2º do art. 114 da Constituição, o que garantirá a solução homogênea da questão por todos os tribunais trabalhistas, já que o art. 103, § 2º do mesmo diploma prevê que as decisões de mérito proferidas em sede de ADIN “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário…”. Enquanto isso, sugere-se que os tribunais trabalhistas, quando provocados pelo aforamento de dissídio coletivo, declarem de ofício, pela via do controle difuso, a inconstitucionalidade do “comum acordo”. [39]
Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe brilhantemente externaram que “o escopo de pacificar as pessoas mediante a eliminação de conflitos com justiça é, em última análise, a razão mais profunda pela qual o processo existe e se legitima na sociedade.” [40] O Estado, então, não pode se abster de eliminar os estados de insatisfação, pois a litigiosidade contida é um fator de infelicidade pessoal e desagregação social.
No sentido da inconstitucionalidade da inovação, têm-se as seguintes decisões:
“TIPO: DISSÍDIO COLETIVO ECONÔMICO
DATA DE JULGAMENTO: 21/07/2005
RELATOR (A): JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA
REVISOR (A): MARCOS EMANUEL CANHETE
ACÓRDÃO Nº: 2005001595
PROCESSO Nº: 00012/2005-2
ANO: 2001
TURMA: SDC
TRT 2ª REGIÃO
DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/08/2005
Dissídio Coletivo. Ajuizamento de comum acordo. Ajuizamento unilateral. Possibilidade. CF Art. 8º, III x EC. 45/2004, Art. 114, parágrafo 2º. Compreensão. Possível o ajuizamento unilateral do dissídio coletivo porque foi mantido mais que o poder normativo, ou seja, o inciso III do artigo 8º da Constituição, quer dizer, a defesa pelo sindicato de interesses – e não de direitos – coletivos – e não meramente individuais – em questões judiciais. Trocando em miúdos, dissídio coletivo de iniciativa do sindicato para a defesa das reivindicações da coletividade representada. Se o adversário recusa a arbitragem privada e também a jurisdicional, o conflito se mantém e os interesses dos trabalhadores, de melhores condições de salário e de trabalho, com apoio na ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e social, que tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social, são lesados, sem que se permita o acesso ao Poder Judiciário para defendê-las, como assegura a Constituição, no inciso XXXV do artigo 5º.” (grifos)
“PROCESSO: 00318-2005-000-03-00-7 DC
DATA DE PUBLICAÇÃO: 10/06/2005
ÓRGÃO JULGADOR: SECAO ESPEC. DE DISSÍDIOS COLETIVOS (TRT 3ª REGIÃO)
JUIZ RELATOR: DESEMBARGADOR PAULO ROBERTO SIFUENTES COSTA
JUIZ REVISOR: DES. LUIZ OTAVIO LINHARES RENAULT
Em que pese aos importantes argumentos favoráveis ao “comum acordo” para a propositura do Dissídio Coletivo de natureza econômica, este não poderá ser tido como válido. Além dos fundamentos que corroboram na tese da inconstitucionalidade da inovação trazida pelo poder constituinte derivado, cabe acrescentar ainda os que seguem.
Em função do art. 8º, I[41] da Constituição, não caberá ao Poder Público a interferência e a intervenção nas atividades sindicais. A exigência de um “comum acordo” nos procedimentos representativos de uma entidade sindical fere o modelo de liberdade sindical brasileiro, já tão criticado em função da contribuição compulsória e da unicidade. Mais recentemente, com a Lei 11.648/2008, houve mais um ataque a essa liberdade, quando a lei exige autorização do Estado para fundação de Central Sindical, que é inquestionavelmente entidade sindical, além do estabelecimento dos critérios de validade e manutenção dessas entidades de cúpula pelo Ministro do Trabalho[42].
O problema do acesso à Jurisdição não é apenas técnico-jurídico, restringindo-se a um pressuposto processual ou mesmo a uma condição da ação, que são critérios muito restritos, que não atendem à complexidade das relações coletivas de trabalho.
Tal problema é muito mais amplo e envolve relações de ordem sociopolítica. Uma interpretação apenas técnica deste fenômeno jurídico distancia o operador dos fatos, onde os conflitos entre trabalhadores e empregadores são uma constante mediada pelo Estado, seja na intervenção por lei, seja na necessidade de solucionar as controvérsias decorrentes de um insucesso na negociação coletiva[43].
Reitera-se posicionamento outrora apresentado e a seguir transcrito:
“O comum acordo para a propositura do dissídio coletivo econômico é a negação do direito de ação, subvertendo a clássica disciplina processual pela materialização do contratualismo coletivo[44], em que naturalmente existem os conflitos de interesse e os sujeitos sociais não podem ser obrigados a acordar (concordar, contratar) para litigar, em decorrência natural do próprio conflito de interesses para se provocar o Judiciário.
De uma maneira clara, ao se estabelecer o comum acordo para a propositura do dissídio coletivo econômico, se vivifica a finalidade negocial dos sindicatos de maneira forçada, coercitiva e não voluntária, completamente contrária à busca pela autocomposição em um Estado Democrático de Direito (…) [45]”.
No mais, é basilar que um consenso nunca poderá ser imposto, principalmente quando a via negocial restou frustrada.
Por fim, cabe esclarecer que os sindicatos profissionais no Brasil, em regra, nunca tiveram uma autonomia e uma representatividade tal que propiciasse negociar em pé de igualdade com o setor econômico, salvo honrosas exceções e em específicos locais do país, como no ABC paulista. Logo, limitar ou mesmo impedir na prática a definição do conflito pelo Poder Judiciário trabalhista que deverá cumprir a legislação tutelar, caracteriza uma afronta não só à constitucionalidade formal do direito de ação e à liberdade sindical, mas vai além, pois impede que a finalidade do Direito do Trabalho, a melhoria da condição social do trabalhador, seja alcançada.
Advogado. Doutor em Direito pela Universidad de Deusto, Bilbao, Espanha. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Professor da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco – FDR-UFPE (graduação, mestrado e doutorado em Direito), Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (graduação e mestrado em Direito), Faculdade Boa Viagem – FBV (graduação e especialização), Faculdade Integrada de Pernambuco – FACIPE e Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região – ESMATRA VI (especialização)
Procuradora do Estado de Pernambuco. Ex-bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica da UNICAP
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