Resumo:Este artigo trata do iuspostulandi, das questões em derredor da obrigatoriedade ou facultatividade do advogado assistindo uma das partes, no processo. A realidade prática. A violação a direitos fundamentais. A lavratura de termo de compromisso e hipótese de lege refenda.
Palavras-chaves: iuspostulandi – advogado – presença obrigatória.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do advogado. Facultativo ou obrigatório. 3. A realidade prática. 4. Da vulneração a direitos fundamentais. 5. Inconstitucionalidades e termo de responsabilidade. 6. Conclusões. Referências.
1. Introdução
O ato de postular, perante o Poder Judiciário, conhecido como iuspostulandi, ou direito de postular, tem seu nascedouro, em momento histórico[1] no qual o cidadão, ou o sujeito de direito, vai ao Rei, ao Imperador, ou ao Juiz pedir algo, que entende ser credor ou beneficiário. Assim, a postulação surge como resultado da inquietação e do anseio, do interessado, para que seja feita justiça em determinada causa ou situação.
Entretanto, a postulação perante o Poder estatal, por vezes, carecia de uma defesa técnica, adequada. Não por outra razão, aparece o advogado, profissional habilitado a traduzir, perante o detentor do poder de julgar, o interesse da parte.
Do latim advocatu (ad – ao lado, junto, e vocatus – chamado), significa aquele que é chamado para ajudar e auxiliar. Enfim, exercer o direito de postular.
2. Do advogado. Facultativo ou obrigatório.
Este profissional especializado que, no atual Estado Democrático de Direito brasileiro, possui, na forma do art. 133 da Constituição Federal de 1988, função indispensável à administração da justiça, é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (Lei 8.906/94 – Estatuto da advocacia e da OAB)[2].
Máxime, em decorrência da técnica processual, a atuação do advogado é indispensável para que se cumpra requisito de validade do processo, uma vez que a ausência de capacidade postulatória implica invalidade, por inobservância de requisito legal, estatuído, no art. 1º, inciso I, da Lei 8.906/94. Assim, “a falta de capacidade postulatória do autor implica extinção do processo, se não for sanada; a do réu, o prosseguimento do processo a sua revelia; a do terceiro, a sua exclusão da causa”[3].
A atividade advocatícia é de tamanha importância que, além de ser requisito de validade do processo, reflete o exercício da cidadania perante os órgãos jurisdicionais. Citação interessante pode-se retirar da obra o Advogado e a Administração Pública:
“Quando a advocacia é exercida com independência, como sempre deve ser, o advogado assume feição de garantidor do Estado de Direito, eis que por força de sua atuação é que são efetivamente respeitados os direitos do indivíduo contra os arbítrios e abusos praticados pelos detentores do poder. Em Estado democrático o exercício da advocacia é livre, e assim deve ser preservado, como penhor das liberdades individuais e obstáculo ao abuso de poder. Não raro, aqueles que possuem vocação para o autoritarismo e não para o convívio democrático manifestam-se com ódio aos advogados”[4].
No mesmo sentir, a doutrina de José Afonso da Silva, enfocando o múnus público que é o exercício da advocacia: “O advogado é o profissional habilitado para o iuspostulandi. (…) A advocacia não é apenas uma profissão, é também, um múnus e uma árdua fatiga posta a serviço da justiça”[5].
E mais, explicita o art. 2º, §1º,da Lei 8.906/96, que a atividade do advogado, conquanto privada, é serviço público: “Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. § 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”.
Entretanto, esta atividade, fundamental para o exercício da cidadania, eventualmente, é colocada como um entrave ao exercício de direitos, principalmente, defendendo-se que a advocacia é uma atividade custosa financeiramente, e, portanto, óbice para a parte interessada postular perante o Poder Judiciário.
Assim, sob a alegativa de facilitar o acesso à justiça, ou imprimir maior celeridade aos processos[6], o legislador faculta às partes o direito de postular, pedir ou defender-se, sem a presença de um advogado. Seria um retorno às origens, quando as pessoas iam às Cortes, sem a assistência de um advogado, postular, ou defender-se.
Atualmente, é o que ocorre nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais (previsão do art.9º da Lei 9.099/95), nas causas, de até 20(vinte) salários mínimos, outrossim, na Justiça do trabalho (redação do art.791 da CLT), na qual é possível ao cidadão, empregado ou empregador, praticar atos processuais sem a rubrica de um defensor.
O curioso é que, igualmente, para as Empresas é facultado o jus postulandi, tanto na Justiça do Trabalho, quanto nos Juizados Especiais Cíveis, mas, muito raramente, estas se apresentam desacompanhadas de defensor técnico.
Ainda, no Juizado Especial, mas na espera penal, naqueles delitos de sua competência, ou seja, de menor potencial ofensivo, com penas não superiores a dois anos e/ou multa, o art. 68 da Lei 9.099/95 exige, absolutamente, para o acusado a presença de um advogado.
Ressalve-se, contudo, a peculiaridade do habeas corpus, em que é tutelada a liberdade, podendo, nele, o juiz agir, inclusive, de ofício, motivo pelo qual há de ser mantida intacta a faculdade da postulação pelo interessado.
3. A realidade prática.
A realidade, muitas e muitas vezes, tem demonstrado que a ausência do multicitado profissional somente retarda o processo, causa confusão e aflição ao cidadão, que inicia um litígio com seus conhecimentos rudimentares e românticos. De fato, na militância judiciária não há espaço para romantismos,trata-se de luta, com alta técnica e especialização. E, quem não tiver acompanhado de um bom profissional, corre sério risco de perecer, ou não ganhar tudo o que, efetivamente, faz jus, ainda que possua razão, integral, na causa.
O saudoso J.J. Calmon de Passos diz que direito é linguagem[7]. E, desta linguagem, os profissionais da área jurídica são melhor vocacionados.
De outro turno, um dos grandes problemas do acesso à justiça e da concretização deste direito ou garantia fundamental é a questão educacional (ensinos desenvolvidos por Wilson Alves de Souza, em excelente trabalho de pós-doutorado: Acesso à justiça[8]). Assim, uma população, como a brasileira que, no geral, tem sérias dificuldades de escrever corretamente, não é preparada para exercer, a contento, o direito de postular.
No caso dos Juizados Estaduais, o E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, por exemplo, fornece atendentes ou servidores para formular a petição inicial, que contém, em apertada síntese, a autoridade para a qual se dirige, as partes, a narração dos fatos, os pedidos e o valor da causa. Após este ato inicial, o cidadão fica sem assistência recebendo, pura e tão somente, informação sobre o processo, através de servidores, os quais, via de regra, devido ao excesso de atividades, orientam, parcamente, o demandante.
Sublinhe-se que ainda que os juízes demonstrem atenção especial para aquelas partes que decidem litigar sem um advogado, o magistrado está vinculado à imparcialidade e, mesmo que adote uma postura ativa, não poderá assistir à parte no direito de postular.
O fato é que cidadãos estão sendo lesados, e o acesso à justiça, em senso contrário do que se propagava, está sendo vilipendiado. Conclui-se, portanto, que a falta de conhecimento tem levado ao retardamento e, não raro, à perda da efetivação de direitos materiais.
Outro sério problema que tem ocorrido em facultar o iuspostulandiao cidadão é a instituição do processo eletrônico. Consagrado pela Lei 11.419/2006, que exige o credenciamento prévio do interessado junto ao Poder Judiciário (Art. 2º, Caput, e §1º), acrescentando, ainda, a necessidade de assinatura eletrônica, bem como certificação digital. Adite-se ser imprescindível, ademais, um computador preparado para receber as petições eletrônicas e o devido manejo do sistema (atualmente, existem vários Projudi, PJE, E-Proc, E-Saj).
Os Tribunais estão adequando seus sistemas de processos eletrônicos para receber as petições formuladas pela parte, isoladamente[9]. Entretanto, a exigência de certificação digital e a própria operacionalidade do sistema, provavelmente, tornará impossível o direito de postular, pelo cidadão, sem a assistência de um defensor.
E, ainda que o cidadão resolva ir ao Poder Judiciário, sem um advogado, certamente, precisará de auxílio técnico de um serventuário ou de um conhecedor da área jurídica. Isto porque, com as citadas ferramentas eletrônicas e a própria necessidade que se impõe de precisão técnica às petições, termina-se por inviabilizar o devido exercício doiuspostulandipelo cidadão.
4. Da vulneração a direitos fundamentais. Inconstitucionalidades e termo de responsabilidade.
A ausência de profissional habilitado para a defesa dos direitos em juízo tem causado mais violações do que preservação de direitos. Nesse sentido, defende-se que a faculdade dada ao cidadão de ir ao Poder Judiciário, sem a assistência de um defensor habilitado, viola o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, ao invés de preservá-lo, agride o livre acesso à justiça, pois, acesso à justiça significa ter acesso a um ordenamento jurídico justo[10]. Ademais, viola a própria cláusula do devido processo legal e do consectário princípio da ampla defesa.
O cidadão, que vai ao judiciário, sem a assistência de um defensor, geralmente, o faz porque tomou conhecimento desta possibilidade e, no afã de resolver o “problema”, sem o necessário conhecimento e manejo técnico das leis, notadamente, as processuais, postula, imediatamente, sem ter sido, corretamente, advertido dos riscos.
Via de regra, não há uma atitude, deliberadamente, consciente da dispensa da presença de um advogado, pelos interessados em propor uma demanda judicial. O que ocorre é a necessidade, imposta pelas circunstâncias, de se ajuizar uma ação diante de eventual contenda.
Ademais, eliminar a presença do advogado com fundamento no valor da causa torna-se uma incoerência, pois, conquanto o baixo valor atribuído a causa, esta pode ser de inestimável importância para o requerente.
Em sentido semelhante, Alexandre Freitas Câmara, aponta a literal violação ao art. 133 da Constituição Federal de 1988:
“Sempre sustentei – e assim continuo a entender – que a dispensa do advogado nas causas cujo valor não ultrapasse vinte salários mínimos é inconstitucional. A meu juízo, essa dispensa de advogado afronta o disposto no já citado art. 133 da Lei Maior. Afinal de contas, se o advogado é, como diz a Constituição da República, indispensável à administração da Justiça, não pode a sua presença ser facultativa. A lei 9.099/1995 consegue a proeza de dispensar o indispensável”[11].
É por isso que se defende a inconstitucionalidade, pela agressão aos diversos direitos fundamentais, supramencionados, do permissivo da postulação, sem a presença de um defensor, seja ele público ou privado.
É certo que, eventualmente, a exigência cerrada de um advogado pode caracterizar-se como um entrave ao acesso à justiça, notadamente, nas hipóteses em que o requerente é pessoa adequadamente educada, com formação de nível superior, experiência profissional, etc.
Nesses casos raros, a presença de um advogado poderia, sim, ser um entrave. Mas, são exceções, as quais a lei poderia prever e, assim, facultar ao interessado a lavratura de termo de responsabilidade, autônomo, no qual a parte responsabilizar-se-ia pela postulação, em juízo, sem a presença de um advogado. Dessa forma, o alerta para os perigos e percalços de uma demanda sem a devida assistência técnica ficaria, devidamente, ressalvado.
Não tem sido, entretanto, a posição do Supremo Tribunal Federal, na forma do estabelecido na ADI 1.539, que entende não ser absoluta a necessidade da presença técnica do profissional advogado, no sistema dos juizados especiais e na justiça do trabalho:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ACESSO À JUSTIÇA. JUIZADO ESPECIAL. PRESENÇA DO ADVOGADO. IMPRESCINDIBILIDADE RELATIVA.PRECEDENTES. LEI 9099/95. OBSERVÂNCIA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE DA NORMA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. FACULDADE DA PARTE. CAUSA DE PEQUENO VALOR. DISPENSA DO ADVOGADO. POSSIBILIDADE. 1. Juizado Especial. Lei 9099/95, artigo 9º. Faculdade conferida à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência. Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes. 2. Lei 9099/95. Fixação da competência dos juízos especiais civis tendo como parâmetro o valor dado à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o acesso do cidadão ao judiciário de forma simples, rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves burocráticos. Ação julgada improcedente.” (ADI 1539, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2003, DJ 05-12-2003 PP-00017 EMENT VOL-02135-03 PP-00398)
Malgrado a posição do STF, compreende-se que a jurisprudência deve avançar, para proteção de direitos fundamentais, notadamente, o da ampla defesa, do devido processo legal, a preservação do ordenamento jurídico justo, valores constitucionais, com força deôntica que, dificilmente, serão preservados sem a presença de um advogado.
6. Conclusões.
À guisa de conclusão pode-se dizer:
A atividade advocatícia, cuja história vem sendo construída durante séculos, nos quais se percebeu a essencialidade de um defensor para a adequada postulação em juízo.
A Constituição Federal de 1988 traz dicção expressa, elevando o advogado a função indispensável e essencial à justiça.
Em algumas situações, as leis ordinárias têm facultado à parte a constituição de um advogado. Preditas leis vieram sob o fundamento de ampliar o acesso à justiça, prometendo maior celeridade e facilidade no alcance da justiça material.
Não é isso que se tem percebido na prática.
A ausência de um defensor, público ou privado, em verdade, tem se mostrado violadora de direitos fundamentais. As partes têm buscado o Poder Judiciário, sem a devida instrução educacional e, não raramente, promovem a postulação inadequada.
De lege ferenda, defende-sea previsão de assinatura de termo de responsabilidade, em todas as situações em que a lei faculta à parte comparecer e postular em juízo, sem a presença de um advogado.
Ressalve-se, da posição defendida, nesse artigo, a peculiaridade do habeas corpus, que tutela a liberdade do indivíduo, podendo, nele, o juiz agir, inclusive, de ofício, devendo ser mantida intacta a faculdade da postulação pelo interessado.
A advertência é imprescindível, sob pena de violação a direitos fundamentais, estatuídos, na constituição, que não podem conviver com o direito de postular, indevidamente, exercido.
Mestre em direito público pela Universidade Federal Bahia. Pós-graduado em Processo pelo CCJB Centro de Cultura Jurídica da Bahia. Advogado
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