Resumo: Por mais que não haja previsão expressa, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o Direito à felicidade ou a busca dela, são direitos fundamentais. Como encontramo-nos imersos numa sociedade extremamente plural e heterogênea, viemos, aqui, tecer alguns comentários acerca da problemática que envolve conceituar-se felicidade no mundo contemporâneo sob o Regime Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Direito. Felicidade. Estado Democrático.
Abstract: Although there is no express provision, the Federal Supreme Court has already stated that the right to happiness or the search for it are fundamental rights. As we find ourselves immersed in an extremely plural and heterogeneous society, here we come to make some comments about the problematic that involves conceptualizing happiness in the contemporary world under the Democratic State Rule of Law.
Keywords: Law. Happiness. Democratic State.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Estado Democrático de Direito. 3. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
Quando permitido (e possível), afirmamos e defendemos, em nossos textos, sobremaneira, que o Estado Democrático de Direito, consagrado como Regime Político-Jurídico-Social de convivência (coexistência?) no caput do art. 1º da Constituição Federal (CF), pode ser definido como aquele que congrega os anseios dos Estados Liberal e Social, sem, contudo, deixar de contemplar, se legítimas, as reivindicações sociais, políticas, econômicas e culturais oferecidas por este tempo, cujas características de extrema pluralidade e heterogeneidade ganham mais relevo.
A afirmativa pode ser sustentada no fato da pessoa humana ocupar espaço central (normativamente dizendo, ao menos) no ordenamento jurídico posto, após a Segunda Grande Guerra Mundial, de eventos provindos dos movimentos nazista e fascista e do advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual influenciou a composição do conteúdo das mais diversas Constituições e a criação de Tratados sobre direitos humanos por todo o mundo.
Nesse horizonte, fundamentos do nosso Estado como a dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º da CF), a cidadania (inciso I do art. 1º da CF) e o pluralismo político (inciso V do art. 1º da CF), por seu caráter abstrato, têm possibilitado a consecução de diversos direitos e possibilidades inimagináveis noutros momentos históricos.
A título de exemplo, em 2011, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 477.554-Minas Gerais, de Relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar, trabalhou a ideia de que o afeto se constitui em valor jurídico impregnado de natureza constitucional, e consagrou o direito à felicidade, ou a busca dela, como direitos fundamentais, ainda que implícitos. Permitamo-nos a análise de parte da ementa referente a esse julgado:
“[..] O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. – O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. – Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. – A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. – Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina” (BRASIL, 2011, p. 1).
É bem verdade, Aristóteles (2006), há muito, em Ética a Nicômaco, sustentou tratar-se a felicidade do fim último do ser humano. Para o Estagirita, praticamos, ao longo da vida, atos no sentido de satisfazer desejos e paixões diversos, o que resultará, em caso de êxito, na vida bem vivida, logo, em cuja felicidade foi conquistada.
Com essas considerações, se aqui estivesse, Platão sustentaria, provavelmente, que, levando-se em conta tratar-se de verdadeiro mundo o das ideias, e tendo cada ser a sua visão quanto ao mesmo, a felicidade poderá contemplar diversos pontos de vista. Diante desse quadro, qual seria, no entanto, contemporaneamente, um parâmetro de felicidade coletiva? Ou, melhor dizendo, há espaço, neste tempo, para se falar em bem comum?
Não há dúvidas, a globalização, ao oportunizar, dentre outras aberturas, maior contato entre os mais diversos povos devido à troca de informações variadas, apresentou muitos benefícios, porém, referidas indagações merecem reflexão, pois há uma falência estatal no sentido de organizar a vida em sociedade, o que pode ser corroborado pelos grandes escândalos de corrupção, a altíssima carga tributária, bem como a falta de confiança dos indivíduos nas instituições estatais e neles próprios, por apresentarem-se, dia a dia, cada vez mais individualistas, egoístas, e, assim, propensos à manutenção de uma realidade voltada ao autoritarismo e à arbitrariedade camuflados.
Noutras palavras, passamos por uma grande crise moral e ética, o que nos leva a investigar se os mais diversos desejos, emoções e paixões que movem os indivíduos na busca da felicidade podem ser objeto de negociação para que convivamos com mais fraternidade e possamos efetivar nossos direitos.
2. O Estado Democrático de Direito
Do nosso ponto de vista, é preciso delimitar, primeiramente, nesse sentido supracitado, o real significado coletivo da instância Jurídico-Política-Social Estado Democrático de Direito.
Se isso for satisfeito, posteriormente, deveremos investigar a posição do indivíduo imerso nesse ambiente coletivo, no que tange a busca pela satisfação de desejos e paixões, com vistas à consecução de uma vida feliz.
Para que isso ocorra, necessário reportarmo-nos, de imediato, às classificações modernas sobre a figura do Estado, bem como sobre seu papel perante a “vida coletiva” e o viver, pode-se afirmar, individualizado.
A versão primária, o Estado Liberal, sucessor do Estado Absoluto, revela o surgimento do Estado Nação, a ascensão da burguesia e o protagonismo do mercado, que se apresenta como principal expressão política e econômica, com idealizações de progressivas internacionalização e homogeneização da economia e do comércio.
As Constituições, nesta espécie de Estado, foram encaradas como instrumentos eminentemente políticos, que reuniam normas de organização estatal, distribuição de competências e de direitos fundamentais a fim de proteger o indivíduo do Estado (visto como um inimigo quando do Estado Absoluto), enquanto aquelas de direito civil ocupavam o espaço de verdadeira “Lei Maior” entre os civis.
O ideal de liberdade ali instalado é burguês, dando-se ênfase àquela de contratar. Isso propiciou maiores possibilidades de predomínio dos interesses da burguesia (seu conceito de felicidade coletivo e individual?), a qual instala uma ética de vida donde a promessa da riqueza (sua aliança ao conceito de felicidade?) começa a ser incutida nas mentes das mais diversas estirpes sociais.
Por outro lado, com o passar do tempo, a ética liberal-burguesa foi percebida como aquela apta a garantir à burguesia um domínio, pode-se afirmar, predominantemente total dos bens de produção e das riquezas, revelando à classe proletária uma realidade em que o mínimo necessário para a subsistência era de difícil conquista, face à sua exploração.
Com isso, a classe proletária começa a reivindicar a intervenção do Estado no que toca, principalmente, a liberdade de contratar, para impedir ou, ao menos, diminuir, a notada exploração burguesa, bem como o reconhecimento e a efetivação de direitos sociais em geral, com ênfase nos trabalhistas e naqueles dele decorrentes, os quais viriam garantir, minimamente, o aspirado bem-estar social.
Logo, no implantado Estado Social, o Estado foi percebido como “amigo”, no sentido de que devesse fomentar a vida em sociedade, principalmente, no que tange a efetivação dos direitos fundamentais sociais, os quais reivindicam uma ação afirmativa e não somente abstencionista como quando da forma organizacional anterior.
Mas o descrito não bastava! Com referidas conquistas e a aproximação dos mais diversos povos, oportunizada pela globalização, começou-se a reivindicar novas aspirações que descaracterizariam, em certa medida, os ideais de homogeneização do ser, percebidos tanto no Estado Liberal (do ser burguês, ideologicamente, de todo ser, normativamente) como no Estado Social, fazendo nascer, portanto, a necessidade de se apresentar um novo paradigma ideológico, o Estado Democrático de Direito.
Como definimos acima, esse regime de Estado pode ser definido como aquele que congrega os anseios dos Estados Liberal e Social, sem, contudo, deixar de contemplar, se legítimas, as reivindicações sociais, políticas, econômicas e culturais oferecidas por este tempo, cujas características de extrema pluralidade e heterogeneidade ganham mais relevo.
Tais palavras foram expostas porque o Estado Democrático de Direito, tendo em vista sua consagração constitucional, sucedeu os dois regimes anteriores, sem abandonar, entretanto, suas conquistas, quando se pensa nos direitos normativamente reconhecidos e na busca por sua efetivação.
Fortalecendo essas ideias, pense-se, o Estado Liberal é marcado por uma revolução cujo resultado tem como lema direitos fundamentais individuais e políticos, como vida, liberdade, igualdade, propriedade, votar e ser votado (dentro de certos requisitos), entre outros, enquanto as revoluções provindas do Estado Social tiveram como “pano de fundo” a conquista normativa de direitos fundamentais sociais como, dentre outros, trabalho, saúde e educação, além dos direitos econômicos.
Posto isso, o Estado Democrático de Direito, do nosso ponto de vista, até mesmo porque não há, na literatura jurídica especializada, uma definição que abrace todas as possibilidades pelo mesmo oferecidas, possibilita, além da busca pela consecução dos direitos ora descritos, maior liberdade ao indivíduo no sentido de se autodeterminar, de buscar a realização, frise-se, novamente, desde que legítimas, daquilo que lhe traz felicidade.
Em outras palavras, como cerne homogêneo, não dá para negar que todo e qualquer indivíduo deva ter assegurados direitos como vida, segurança, saúde, educação, moradia, lazer, trabalho, remuneração justa, previdência social, cultura, meio ambiente equilibrado, o mínimo economicamente falando, entre outros.
Por outro lado, quais seriam os conceitos de direitos como vida digna, liberdade e igualdade no conviver social contemporâneo de um ser que é, por sua essência, distinto, logo, dotado de caráter heterogêneo?
A nosso ver, superando o primeiro obstáculo, a posição do indivíduo, no Estado Democrático de Direito, no que diz respeito ao ambiente coletivo, concentra-se no tratamento igualitário no sentido de deter os mesmos direitos e obrigações relativamente às questões homogêneas. Ou seja, não se pode negar que todos temos os mesmos interesses em certas medidas, as quais foram sugeridas acima, o que envolve além do gozo de direitos, a efetivação de deveres.
Noutra vertente, este mesmo Regime de Estado deve tratar o indivíduo como sujeito de direitos distintos no que toca seu caráter heterogêneo. Com efeito, estamos diante de um Estado que possibilita o alcance da democracia efetiva, a qual pode ser nomeada como aquela em que se deva respeitar os direitos de uma maioria, mas que também reconhece e proporciona a consecução dos direitos das minorias.
3. Considerações finais
Conforme acórdão do Supremo Tribunal alocado, por nós, no corpo de texto, o Guardião da Constituição deixa clara a ideia de que forças majoritárias (maiorias?) procuram, por vezes, delimitar o sentido da vida de minorias (autoritarismo? Arbitrariedade?), sendo dever da Corte, face à sua função constitucional, estar atenta no sentido de garantir a consecução de um Estado Democrático materializado, no qual a busca da felicidade apresenta-se como sustentáculo e finalidade do viver.
Isso posto, necessário refletir, em que medida convicções morais e crenças são utilizadas ao arrepio da Constituição, como sustentáculo para se impedir a plena efetivação de direitos variados e, logo, o direito à felicidade.
Não é tarefa do Pretório Excelso, somente, impedir e/ou buscar minorar que forças majoritárias (muitas vezes camufladas), condicionem, arbitrariamente, a vida dos demais, mas sim, de todos os grupos e indivíduos, pois não se pode esperar que tudo recaia sobre um os Poderes do nosso Estado.
Em conformidade com o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, todo poder emana do povo. Logo, é preciso que seu titular o exerça no sentido de disseminar a ofensa à alteridade e, assim, aplaudir uma convivência mais feliz, donde a dialética e o respeito se apresentem como sinônimos máximos de convivência social.
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE
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