Resumo: O presente artigo é resulta de uma pesquisa que abordou a Resolução 22.610/07 do TSE, que trata sobre a regulamentação da perda do cargo político em virtude da infidelidade partidária. Assim, o trabalho disserta sobre como se deu a edição da norma, sua legitimidade e as implicações imediatas. Além de tais observações, foram anotadas questões controvertidas e que deram ensejam à divergências no estudo doutrinário. Desta forma, espera-se que o trabalho possa servir de introdução e de crítica aos institutos abordados na pesquisa.
Palavras-chave: Fidelidade Partidária. Resolução 22.610.
Abstract: This article is the result of a survey that addressed the Resolution 22.610/07 of the TSE, which deals with the regulation of loss of political office because of party loyalty. Thus, the work he discusses how was the edition of the standard, its legitimacy and immediate implications. Beyond such observations were noted and controversial issues that have ensejam the differences in doctrinal study. Thus, it is hoped that work can serve as an introduction and critique of research institutes addressed.
Keywords: Partisan Loyalty. Resolution 22610.
Sumário: 1. Introdução; 2. A filiação partidária como condição de elegibilidade e a coerência ideológica do detentor do mandato eletivo com os propósitos institucionais; 3. A prática eleitoral brasileira: a tradição da migração político-partidária. Os reclames da normatização do tema e a inércia do Poder Legislativo; 4. A competência normativa da Justiça Eleitoral e o ativismo judicial do Tribunal Superior Eleitoral e a regulamentação do tema da fidelidade partidária através de Resolução; 5. Da controversa constitucionalidade das resoluções eleitorais: usurpação da competência do Poder Constituinte Reformador e do Poder Legislativo Complementar; 6. A crise no sistema representativo: a ocorrência de divergências entre o agente político e as instâncias de cúpula partidária. A configuração da hipótese de justa causa para a saída da legenda partidária e a migração político-partidária; Conclusão; Referência.
Não há dúvidas de que o Direito Eleitoral brasileiro atravessa momento de pujança intelectual e de intensa modificação, talvez o mais profícuo desde o advento da Constituição de 1988. Questões complexas tais como o regime jurídico das coligações eleitorais, a inelegibilidade por rejeição da prestação de contas de campanha, a (in)constitucionalidade da do terceiro mandato ao Chefe do Poder Executivo e o aumento do número de vereadores são incluídas na pauta dia de discussão dos juristas. Nesse talante, toma vulto e relevo o instituto da chamada fidelidade partidária, a quem volvemos atenção e vertemos considerações e objeções através do presente escólio. Na pretensiosa intenção de enriquecer o debate e trazer alegações até então negligenciadas, traz-se a lume o estado das discussões jurídicas, obtemperadas com o viés provocativo que deve orientar a pesquisa científica. Ei-lo.
Estabeleceu o Poder Constituinte Originário de 1988 como fundamentos do Estado Democrático Brasileiro a cidadania, o pluralismo político e a soberania popular[1]. Assim, o Direito contemporâneo brasileiro vê repousar a legitimidade[2] de suas decisões no grau de participação e consenso popular, tendo como parâmetro de validade das normas jurídicas a participação direta dos cidadãos[3].
Entrementes, quando a Constituição de 1988 esquadrinhou a estrutura formal de acessibilidade aos cargos políticos, estabeleceram-se no Artigo 14, §3º, algumas das chamadas condições de elegibilidade[4], dentre elas a da filiação partidária[5]. Diante de tal requisito, se diz que há no Brasil o monopólio absoluto das candidaturas por parte das agremiações político-partidárias, não sendo admitidas as chamadas candidaturas avulsas[6]. Assim, se o cidadão almeja ocupar um cargo eletivo, deverá se filiar a um partido político, mediante o atendimento das regras específicas estabelecidas em sede constitucional e legal[7][8]. Dotou-se assim o partido político do papel de veículo indispensável na condução de um cidadão comum à ocupação de cargo eletivo, pois somente através de tais instituições é possível ascender a cargos eletivos.
É bem certo que qualquer estudo a ser promovido acerca dos partidos políticos há de levar em consideração os influxos da reabertura democrática brasileira pós-ditadura, donde os partidos políticos receberam destaque na estrutura política brasileira; ao desempenhar verdadeiro múnus publicum, tais agremiações recebem verbas públicas do fundo partidário, possuem benesses de transmissão gratuita em veículos midiáticos, bem como são as vias obrigatórias para a ocupação de cargos públicos eletivos. Tal dispositivo constitucional faz com que a doutrina classifique o regime político brasileiro como uma democracia partidária[9], com o fortalecimento das referidas instituições no jogo político, bem como a inadmissibilidade da existência de um único partido ou mesmo bipartidário.
“O mandato eletivo, como exercício da representação indireta dos eleitores na administração lato sensu da coisa pública, deve ser outorgado a nacionais vinculados às agremiações políticas, as quais são associações de cidadãos, no gozo de seus direitos políticos, unidos por uma ideologia e por uma disposição legítima de alcançarem o poder. (…) Todo partido político tem um programa, idéias-forças que unem os seus associados em torno de objetivos políticos e às quais são eles vinculados sob pena de ferirem a fidelidade partidária”. (sem destaques no original)COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral. 7ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris,pg. 94.
Por serem tais agremiações vias obrigatórias de acesso a cargos eletivos, exige-se dos partidos políticos o estabelecimento de ideologias e programas políticos sólidos, arrimados em claras convicções e objetivos bem definidos, o que oferece aos cidadãos a opção por uma ou outra diretriz de governança e administração, o que se aufere mediante o pleno conhecimento dos programas e orientações políticas dos partidos.
Com isso, se dá segurança jurídica não somente àqueles eleitores de determinada legenda ou coligação, como também se exige dos candidatos filiados ao partido uma postura de coerência e fidelidade aos objetivos institucionais da agremiação[10].
Assim, a teleologia da norma constitucional aponta para a necessária previsibilidade que o eleitor deve ter dos comportamentos, votos e condutas que seus representantes haverão de ter, ao dever consonância e compatibilidade com os propósitos e finalidades institucionais e estatutárias. Se o estatuto de um determinado partido político é sectário de uma ala de viés liberal, obviamente suas deliberações e tomadas de decisões hão de ter por referencial a cartilha de propósitos liberais. Lado outro, se o estatuto do partido político é tributário da defesa de um estado intervencionista e atuante no domínio econômico, o que se espera dos filiados e dos candidatos eleitor por aquele determinado partido é que eles também sejam fiéis aos objetivos fixados nos respectivos estatutos e programas políticos.
Não se defenda aqui de um modelo unidimensional de comportamento advindo das agremiações partidárias, aonde um eventual atrelamento à ideologia partidária viesse a impedir avanços e inovações nas concepções partidárias. Por óbvio que as transformações sociais, as experiências advindas de outros cantos do globo podem indicar uma eventual releitura dos portfólios e programas partidários, com o redirecionamento de objetivos e ajustes de posturas políticas. Todavia, a desarrazoada fluidez e a elevada promiscuidade percebida em alianças políticas questionáveis põe em xeque a necessária previsibilidade que deve balizar os eleitores quando da escolha de seus representantes.
Não obstante o esforço do Poder Constituinte em dotar de força e prestígio os partidos políticos, é da realidade do jogo eleitoral brasileiro que ocorra a intensa mudança dos quadros político-partidários tão logo sejam findos os certames eleitorais, com a evasão de candidatos eleitos de suas legendas de origem, buscando novas agremiações partidárias que lhe proporcionem novas possibilidades e estratégias políticas. As sociologias jurídica e política apontam um sem-número de variadas razões para tais trocas partidárias, tais como o acesso a recursos do Poder Executivo, a busca por uma legenda menos concorrida para as próximas eleições, a maior visibilidade oferecida em outra legenda, dentre outras:
“Os dados permitem dizer que as mudanças de partido serão tanto mais governistas quanto mais o governo disponibilizar recursos para os seus aliados. A migração no sentido dos partidos que compõem a base do governo será tanto mais atraente para o deputado preocupado em maximizar suas chances na carreira – ou diminuir seu grau de incerteza – quanto mais esses partidos de fato tiveram acesso às arenas decisórias, compartilhando responsabilidades governativas e usufruindo os recursos daí advindos”[11].
Tal cenário de promiscuidade política foi tradicionalmente um alvo de severas críticas, por criar situação de instabilidade e insegurança na composição dos quadros políticos dos mandatos eletivos, pois a estrutura orgânica dos parlamentos desenhada pelo voto popular das urnas acabava por ser subvertida no quotidiano da práxis política. Com o intenso intercâmbio entre cadeiras e partidos políticos, a propalada fidelidade partidária estabelecida em sede constitucional acabava por figurar como norma desprovida de efeitos jurídicos mínimos, secundarizando o papel dos partidos políticos ao oferecê-lo o papel de mero coadjuvante na arena decisória.
Ora, várias vezes o que se dizia era que o sistema proporcional de representatividade do Artigo 45 da Constituição faz com que um candidato nunca obtenha um cargo eletivo senão pelo alcance do quociente eleitoral[12], o que torna o candidato seriamente dependente do partido político e de suas finalidades institucionais. Por mais votos que um candidato possa ter, se eventualmente o seu partido político ou a sua coligação não alcançarem o quociente eleitoral, ele não ascenderá ao cargo eletivo. Sob o prisma desse argumento, o que se diz é que além de ser condição de elegibilidade, somente a filiação partidária torna possível ao pleiteante do cargo eletivo alcançar êxito em sua empreitada, o que exige maior respeito e lealdade aos seus quadros. A despeito de haver o registro de escassos exemplos de candidatos que tenham obtido o quociente eleitoral com a sua própria votação, não é o que ocorre cotidianamente. Vejamos:
“(…) embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem que a eleição proporcional se realiza em razão da votação atribuída à legenda. Ademais, como se sabe, com raras exceções, a maioria dos eleitos nem sequer logra obter o quociente eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação”[13].
Não obstante, outro argumento aposto era de que a frenética mudança das composições partidárias muitas vezes era impulsionada por interesses fisiologistas e/ou eleitoreiros dos detentores de mandatos eletivos, o que várias vezes impulsionou a formulação da pergunta: o mandato popular obtido através do sufrágio popular seria de titularidade do partido político ou do candidato eleito? Poderia o candidato, a seu livre alvedrio, simplesmente abandonar aquela legenda que lhe possibilitou a ocupação de um mandato eletivo? Ou estaria ele jungido a permanecer fiel ao seu partido? Embora a doutrina tenha divergido a respeito do tema, o amadurecimento do tema sempre esbarrou no empecilho de ausência de regulamentação legal.
Em que pese a perniciosidade do aludido fenômeno político de trocas de partidos durante o mandato eletivo – quanto mais sob a égide da Constituição de 1988, que almejava amadurecer o regime democrático de direito – em nenhum momento houve a promulgação de texto legislativo que viesse coibir tais práticas migratórias, o que acabou por dar ensejo a variados conchavos espúrios e arranjos orquestrados entre partidos políticos e candidatos eleitos. Vozes insurgentes bradavam pela necessidade de normatização do tema, com vistas a inibir tantas idiossincrasias, mantendo a escolha popular exercida no voto direto. Ocorre que, ante a omissão do Poder Legislativo, o Poder Judiciário se arvorou a regulamentar o tema através de decisões e regulamentações do Tribunal Superior Eleitoral.
Ante a histórica resistência/ negligência do Poder Legislativo em disciplinar a troca de partidos políticos, o Tribunal Superior Eleitoral, provocado pela Consulta nº 1.398 realizada pelo Partido da Frente Liberal (atualmente a legenda designa-se Democratas), achou por exercitar o seu poder regulamentar[14], expedindo as Resoluções nos. 22.610/07 e 22.733/08.
Vale ressaltar a novidade trazida por tal posicionamento, pois a expedição das resoluções em comento por parte do TSE afrontou o histórico entendimento do Supremo Tribunal Federal de inadmitir causas de perda de mandato que não estivessem claramente expressas (a redundância é proposital) no texto constitucional. Nesse talante, mesmo se houvesse situações de insubordinação e infidelidade partidária pelo candidato eleito, não haveria maiores repercussões, senão a sanção aplicada interna corporis. No magistério de Tavares:
“Os atos de infidelidade ou indisciplina podem redundar até na exclusão do ‘infrator’ (…) as conseqüências só podem ser de âmbito interno (…) no caso de infidelidade ou indisciplina partidária de candidato já eleito, nunca se considerou, com a Constituição de 1988, que o parlamentar perderia o respectivo mandato. Aliás, para tanto, a hipótese deveria constar do rol indicado no art.15 da Constituição do Brasil, que trata da perda de direitos políticos e, mais especificamente, deveria estar relacionada no art.55, que elenca as hipóteses nas quais o parlamentar poderá perder o seu mandato. Nesse sentido foram os precedentes decididos pelo STF (MS 2.927 e MS 23.405)”[15]. (sem destaques no original).
Contudo, embora fosse da tradição do Poder Judiciário não decretar a perda do mandato em situações não expressas na Constituição, o que passou a constar das resoluções em referência é que haverá a perda do cargo eletivo daquele candidato que se desfilia da agremiação partidária pela qual obteve a sua eleição, desde que inexista a justa causa que legitime tal conduta. Resta claro que o Poder Judiciário buscou fortalecer o papel dos partidos políticos no processo eleitoral, bem como objetivou inibir a prática deletéria de desfiliações imotivadas, ou justificadas por motivos espúrios ou escusos. Questiona-se, contudo o elemento pragmático que impulsionou aquele colendo sodalício, pois o respeito à reserva de matéria constitucional é postulado básico em qualquer país que se queira democrático. A despeito do nobre propósito de regulamentar o caso que padecia de crônica anomia, é de se destacar a patente falta de legitimidade do Poder Judiciário em expedir atos normativos que seriam ínsitos tão-somente ao tratamento pelo Poder Constituinte.
Tendo sido destacada a censura que se faz necessária ao afobado posicionamento do Poder Judiciário na expedição das aludidas Resoluções, verter-se-á a atenção ao que nos parece ainda mais polêmico: a quem se confere a titularidade do mandato eletivo e a respectiva legitimidade ativa para se requerer a perda do mandato eletivo? Será do primeiro colocado na coligação estabelecida para as eleições ou será do vinculado ao partido cuja legenda angariou a cadeira no parlamento?
Em termos vulgares, o que o TSE fixou foi o seguinte entendimento: o cargo eletivo é de titularidade do partido político, e não do candidato eleito (e nem tampouco da coligação estabelecida nas eleições), haja vista a necessidade de filiação partidária para a candidatura eletiva e o atendimento do quociente eleitoral para se alcançar um cargo eletivo[16].
Como o impacto político e as conseqüências daí oriundas poderiam abalar de maneira insustentável os mandatos até então estabelecidos pelos parlamentos pelo Brasil afora, o TSE achou por bem não fazer incidir de maneira imediata a sua decisão. Assim, promovendo a modulação temporal dos efeitos da decisão, em eminente juízo político, o TSE deliberou que o início do lapso temporal apto a caracterizar a nova filiação como infidelidade partidária fora o dia 27 de março de 2007, quando se tratar de hipótese de vereadores, deputados estaduais, distritais e federais. Em se cuidando da desfiliação partidária de prefeitos, vices, senadores, suplentes, governadores, vices e o presidente e o vice-presidente, o início do prazo é o dia 16 de outubro de 2007. Reputou-se com isso privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, para que não fossem surpreendidos os agentes políticos que por ventura já tivessem abandonado a respectiva legenda.
5. Da controversa constitucionalidade das resoluções eleitorais: usurpação da competência do Poder Constituinte Reformador e do Poder Legislativo Complementar.
Gênese de inúmeros debates e calorosas discussões, tais Resoluções ainda suscitam vigorosos argumentos e posicionamentos divergentes acerca do tema. De uma banda, situa-se a corrente majoritária, que saúda efusivamente a normatização do tema por meio das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, ante a inércia do legislador pátrio em estabelecer normas e critérios acerca do tema. Dentre os argumentos mais portentosos há a idéia de que o candidato deve obediência e subordinação à ideologia política do partido a qual ele se mantinha filiado, assim como o candidato não pode subverter a lógica e as escolhas populares que provieram das urnas. O aspecto moralizante e disciplinador das citadas resoluções foi a tônica dos festejos e aplausos da doutrina majoritária. Nesse sentido:
“A medida é, inegavelmente, moralizadora, porque contém um inquestionável componente de aperfeiçoamento ético da atividade político-partidária, procurando coibir as trocas de partido inspiradas, como quase sempre ocorre, em motivação preponderantemente pessoal e distanciada dos compromissos assumidos com o eleitor. O ‘troca-troca’ de partidos é prática antiga, mas nem por isso menos condenável; geralmente é servido com uma fatia de corrupção e está ligado à política do ‘toma-lá-dá-cá’”[17].
“Deveras, a excessiva leniência e flexibilização existentes no caótico quadro partidário brasileiro atingiu grau intolerável, apagando o mínimo de coerência e autenticidade que se espera da vida política de uma nação. Nesse sentido, merece encômios a iniciativa do TSE”[18].
Todavia, uma sensata tomada de posicionamento a respeito de tais documentos normativos ainda padece de maior maturação e reclama discussão mais acurada a respeito do tema. De imediato, inúmeras objeções podem ser formuladas em relação à legitimidade de tais deliberações. Tais óbices perpassam do eventual desrespeito ao princípio da legalidade, bem como o ilegítimo ativismo judicial por parte daquele colendo sodalício, que criou uma hipótese de perda de mandato eletivo em situação não prevista em dispositivo constitucional. Ademais, se o propósito das resoluções foi elucidar e aclarar polêmicas do direito constitucional/eleitoral, por certo não houve o resultado pretendido, haja vista terem surgido novos questionamentos que em cenário pretérito jamais se pensaria a respeito.
Questiona-se acerca do ativismo judicial do Tribunal Superior Eleitoral, que estabeleceu em sede de resolução um caso de perda de mandato eletivo em situação não descrita no rol taxativo constitucional de hipóteses de perda de mandato[19]. Em nenhum momento se olvida que a Justiça Eleitoral detenha o poder de regulamentar o direito eleitoral, em seara específica de atuação, mas não se poderia com isso usurpar a competência atribuída ao Poder Constituinte Derivado de Reforma, pois se cuida de matéria classicamente entendida como reservada ao Constituinte. Por ser o princípio da supremacia das normas constitucionais um postulado normativo inarredável no paradigma democrático, não se poderá ter o Poder Judiciário como um leviatã apto a criar normas jurídicas de caráter normativo-orgânico[20], de perfil tipicamente constitucional, sob pena de ferir de morte a tripartição de poderes e o sistema de freios e contrapesos. Assim, a crítica de Cerqueira e Cerqueira é elucidativa:
“O TSE não pode ser legislador positivo, pois fere a CF/88, só podendo assim “legislar” se se tratar de matéria infraconstitucional reservada a lei ordinária – art.105 da Lei 9.505 (…) jamais podendo legislar sobre LC (processo civil ou processo eleitoral) ou matéria constitucional, em face do art.22, I da CF/88. (…)
As resoluções do TSE, quando atuam como legislador positivo, CRIAM um direito, mas com esta “CRIAÇÃO” o TSE só pode legislar se for relacionada à matéria infraconstitucional de lei ordinária, e não matéria constitucional e/ou de lei complementar”[21].
Ademais, quando a Resolução TSE nº 22.610/07 apregoa em seu artigo 1º que é dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE’s) a competência para conhecer do pedido de perda de mandato eletivo dos mandatos estaduais e municipais, e do TSE a competência para julgar casos de mandatos federais, houve o patente desrespeito ao artigo 121 da Constituição, que exige a promulgação de lei complementar para cuidar de organização e competência dos tribunais e juizes eleitorais.
Em que pese vasta parcela da doutrina congratule o ativismo judicial dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal, é insofismável que não pode o Poder Judiciário exacerbar de suas atribuições e competências estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário, sob pena de afronta da tripartição e da independência e harmonia dos poderes. Tal postulado normativo é norma constitucional cara ao Poder Constituinte Originário, que inclusive elevou à categoria de cláusula pétrea a tripartição de poderes[22], não admitindo nem mesmo a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir a aludida separação de poderes[23].
6. A crise no sistema representativo: a ocorrência de divergências entre o agente político e as instâncias de cúpula partidária. A configuração da hipótese de justa causa para a saída da legenda partidária e a migração político-partidária.
Na regulamentação do tema da fidelidade partidária pelo Tribunal Superior Eleitoral se abriu a cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de dissonância entre as opiniões, os votos e o projeto político de um determinado agente político em relação ao seu partido e/ou bloco partidário. Nesse sentido, eventualmente poderá existir um entrevero entre as opções políticas do detentor do mandato eletivo em relação aos órgãos de cúpula e as diretrizes das instâncias deliberativas do partido político, o que em muitos casos trará a lume o surgimento de rusgas e arestas entre o agente político e os dirigentes da legenda à qual ele está vinculado.
Reputamos tal possibilidade de divergência algo salutar – e inclusive recomendável – no paradigma do estado pluralista que se quer implementar. Não é raro acontecer que, em algumas situações a cúpula partidária acabe por frustrar os primevos objetivos e programas partidários, em nome de acordos e conchavos de questionáveis propósitos, muitas vezes motivadas por inspirações fisiologistas e patrimonialistas. Não obstante, embora tenham sido os principais responsáveis por uma eventual afronta aos propósitos e
Partindo da inarredável premissa de que a soberania popular o fundamento do exercício do poder político, o que se espera do detentor do mandato eletivo é que ele consiga manter a coerência e o efetivo compromisso com suas bases eleitorais e sua respectiva plataforma de campanha.
Muito mais do que se manter atrelado e adstrito às deliberações dos órgãos máximos e instâncias diretivas dos partidos políticos, deve o agente político (como ator da expressão de soberania do estado) muitas vezes se manter firme em suas convicções e até mesmo não se curvar genuflexo à uma postura questionável e/ou digna de censura por parte de seus eleitores. Obviamente que tal postura de emancipação e maturidade do agente político pode lhe custar um alto desgaste dentro do cenário de sua legenda política, o que muitas vezes torna insuportável o convívio diário de seus correligionários, o que autorizaria o pedido de migração partidária por incompatibilidade em relação a alianças e projetos políticos.
Entretanto, não é esse o posicionamento da jurisprudência a respeito do tema. Exemplar é o entendimento sumulado do Egrégio Tribunal Regional de Minas Gerais, que, instado a decidir a respeito do tema, reputou não haver a necessária justa causa quando presente a dissidência entre os detentores do mandato eletivo e a cúpula dirigente e as lideranças dos partidos políticos. A saber:
“Súmula 02 do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais: A discordância da orientação do partido ou a atitude deste contrária ao interesse do ocupante do mandato eletivo não constitui justa causa para a desfiliação partidária.”
Patente o retrocesso havido no posicionamento da jurisprudência pátria. Ao dotar os órgãos de cúpula do partido político de plenos poderes para estabelecer solipsisticamente quais são as diretrizes e os rumos acerca de suas deliberações, o Poder Judiciário contribui para agravar o abismo existente entre os eleitores e as efetivas instâncias de poder; ao participar somente da escolha dos representantes eleitos, o povo se vê alijado da arena de tomada de decisões quotidianas. Em suma: o círculo deliberativo das instâncias de poder fica circunscrito a um privilegiado grupo de ocupantes de liderança e de diretórios partidários[24].
Sem a pretensão de ter esvaziado a discussão, trouxeram-se à baila alguns aspectos polêmicos e menoscabos pela maioria da doutrina e jurisprudência pátrias a respeito do instituto da fidelidade partidária. No evolver do trabalho, em um primeiro momento se asseverou a respeito da usurpação de competências e da ilegitimidade do Poder Judiciário em regulamentar a matéria através de veículos normativos de caráter tão secundário e de cabimento tão restrito pelo Ordenamento Jurídico. Sem embargos de tal debilidade técnica, procurou-se alertar a respeito das variadas conseqüências nefastas oriundas de tal posicionamento, tais como a verticalização das deliberações políticas, que em última instância escamoteia a participação popular e afronta a soberania do povo como fundamento da República Federativa do Brasil. O debate segue em aberto, e negligenciá-lo é uma forma de sabotar a própria inspiração do projeto do constituinte democrático de 1988.
Mestrando em Direito Público na PUC/MG. Graduado em Direito na PUC/MG. Advogado no escritório Oliveira e Fabrégas Advogados
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