Resumo:A doutrina e jurisprudência majoritárias possuem entendimento no sentido de que as ações negatórias de paternidade propostas por homens que registram como próprio os filhos de suas parceiras com outros homens e após o término do relacionamento amoroso com elas procuram o Poder Judiciário visando desconstituir a filiação socioafetiva devem ser indeferidas usando como fundamento principal o disposto no art. 1.604 do Código Civil que dispõe que: "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento salvo provando-se erro ou falsidade de registro".
Há novas estruturas familiares surgindo e se desenvolvendo, uma delas é a decorrente da paternidade e filiação socioafetiva. Atualmente existem três modelos reconhecidos de filiação: a presumida, a biológica e a socioafetiva. A filiação presumida é definida segundo o preenchimento de determinados requisitos legais. Este modelo de filiação está previsto de forma expressa pelo art.1.597 do Código Civil. Nele presume-se filho do marido aqueles nascidos na constância do casamento.
A filiação biológica, que se baseia única e exclusivamente no critério sanguíneo ou genético para estabelecer a paternidade. A comprovação dessa espécie de filiação se faz, geralmente, por intermédio de exame de DNA, cujo resultado é anexado aos autos do processo de investigação de paternidade.
O terceiro modelo de filiação é o socioafetivo. Este modelo de filiação foi primeiramente desenvolvido pela doutrina e posteriormente reconhecido pela jurisprudência. A filiação socioafetiva não tem previsão legal expressa, todavia vários dispositivos constitucionais e legais lhe servem de fundamento. A filiação socioafetiva funda-se nas relações de afeto existente entre o pai e o filho socioafetivo.
Quando há a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva na mesma pessoa, há um cenário ideal de paz familiar. Todavia quando essas paternidades se subdividem entre duas pessoas distintas vem à baila uma série de questões que a serem resolvidas pelos operadores do direito.
Assim, há pessoas que tem mais de um pai, seja decorrente de uma relação de padrastia, seja de uma relação homoafetiva em que houve inseminação artificial com material genético de terceiros, etc. Com a evolução da família, tais cenários familiares se tornaram a cada dia mais comum.
Além disso, como se sabe, o desenvolvimento da pessoa está muito além daquela propiciada pelo vínculo genético. A formação de sua personalidade, de seu caráter, sua dignidade, estão diretamente relacionadas ao afeto recebido de seus pais biológicos ou socioafetivo.
A construção do pensamento jurídico sobre a socioafetividade, surge a partir da premissa de que a família não é um elemento da natureza, é sim cultural, portanto, está suscetível a sofrer variações no tempo e no espaço. Daí a máxima que a família está sempre se reinventando.
A possibilidade de se pensar e considerar a socioafetividade, e sua consequente multiparentalidade, é possível porque a família deixou de ser basicamente um núcleo econômico e de reprodução, com hierarquia patriarcal, transformando-se antes de tudo em um terreno de construção do ser humano, de seu caráter, tornando-se humanizada.
A partir da consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana, que ganhou status de princípio jurídico, que é norma jurídica incidente sobre as regras (leis), com mandados de otimização para todo o sistema jurídico, criou-se o cenário adequado para o surgimento e desenvolvimento do princípio da afetividade, associado aos princípios da responsabilidade, solidariedade, paternidade responsável, igualdade entre os filhos. Todos sustentados pelo princípio da dignidade humana. Tais princípios são a base do desenvolvimento da paternidade e da filiação socioafetiva.
Na nova concepção de filiação ganha importância os laços afetivos, sendo estes imprescindíveis para a efetiva convivência as características de afeto, respeito e demais direitos e deveres típicos da relação familiar, seja este filho biológico ou adotivo. Sob o prisma dessas premissas, pretende-se enfrentar questões importantes dessa nova concepção jurídica de parentesco, estabelecendo constatações, a partir de uma releitura doutrinária e jurisprudencial.
É interessante frisar que das novas relações surgidas no seio social, desenvolveu e vem adotando o termo “Parentalidade Socioafetiva” em substituição aos termos “Paternidade e Filiação Socioafetiva”, vez que aquele é mais amplo, e não restringe o campo de incidência deste tipo de relação, já que além da paternidade e da filiação socioafetiva, também existe a maternidade socioafetiva, além dos demais parentes socioafetivos, do pai ou mãe afetivo, que passam a ser também do filho reconhecido como socioafetivo, quais sejam, avós, tios, etc.
Trata-se de tema de inequívoco valor científico, que vislumbra funcionar como fonte de pesquisa, bem assim como um alerta acerca da necessidade de se estabelecer entendimento homogêneo e difundido acerca da possibilidade de se desconstituir a paternidade e filiação socioafetiva em determinados casos, assim como da possibilidade de se optar pela sua manutenção em outros, de forma conjunta com a paternidade biológica incidente na mesma pessoa, optando pela multiparentalidade.
O atual desenvolvimento social e jurídico do Brasil é terreno fértil ao reconhecimento de outras formas de família e seus consequentes parentescos e efeitos. A Constituição Federal estabelece, no art. 226, que a família é a base da nossa sociedade e que goza de especial proteção do Estado, motivo pelo qual não se pode admitir a existência de um rol taxativo entre as suas formas de constituição, tampouco uma hierarquia entre elas, portanto, a família deve ser entendida como uma entidade plural. Do mandamento constitucional supra, surgiu o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, que trouxe a necessidade de se interpretar o Código Civil, e, por conseguinte, a família e seus desdobramentos, à luz da Constituição Federal.
Naqueles casos em que a paternidade biológica e socioafetiva não se materializam na mesma pessoa, e que o magistrado não vislumbrar a necessidade de desconstituir nenhum dos vínculos (biológico e socioafetivo) haverá a possibilidade de se estabelecer a hipótese que a doutrina denomina “multiparentalidade”, que ocorre quando há de forma concomitante a paternidade biológica e socioafetiva (dois pais) sobre um mesmo filho, incidente sobre a mesma pessoa. Todavia, sem que uma exclua a outra.
Águida Barbosa, nesta mesma linha de intelecção, afirma que a pluralidade de formas de constituição de família se dá em razão da existência do pluralismo, que é por ela conceituado como:
“A perspectiva da pluralidade de modos vivendi decorre da negação de uma universalidade inscrita em modelos tidos como universais e singulares. Na linguagem do Direito, o pluralismo significa ter a disposição, alternativas, opções, possibilidades que atentam à diversidade das diferenças. Fica, assim, afastada a ideia de verdade absoluta para contemplar a verdade das relações”[1].
Christiano Cassettari leciona que multiparentalidade ocorre quando um mesmo indivíduo tem dois pais ou duas mães. O modelo atual de parentalidade, desde os primórdios exigia que o indivíduo fosse registrado por um homem e uma mulher, ou seja, sempre duas pessoas, mas de sexos distintos. Iniciou-se a mudança dessa realidade com o reconhecimento pela doutrina e jurisprudência de que casais homossexuais pudessem adotar, caso em que a criança adotada teria por obvio duas mães ou dois pais, conforme o caso[2].
A possibilidade de uma mesma criança ter dois pais ou duas mães veio à lume com o reconhecimento do direito dos casais homossexuais de adotar, em 5 de maio e 2011, nos autos da ADI 4277 e ADPF 132, cuja decisão final que estendeu os efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher aos homossexuais, permitindo com isso que fosse possível a adoção por casais homossexuais. Assim, a criança adotada ao invés de ter registrado apenas uma das duas mães ou dois pais no assento de nascimento, passou a ter dois pais ou duas mães no seu registro de nascimento.
Christiano Cassettari neste ponto esclarece que apesar de a decisão dessas ações ter originado a possibilidade de alguém possuir registrado em seu assento de nascimento, dois pais ou duas mães, isso não constitui multiparentalidade, pois esta pressupõe três ou mais pessoas no registro de nascimento como pais[3].
O reconhecimento da multiparentalidade permite a conversão de um vínculo precário, em que, teoricamente, apenas um dos requerentes poderia ter a paternidade reconhecida com base na consanguinidade, para um vínculo institucionalizado, no qual os pais biológico e afetivo poderão ter suas paternidades simultaneamente reconhecidas.
Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues também entendem ser possível a existência da multiparentalidade, aduzindo que:
“Em face de uma realidade social que se compõem de todos os tipos de famílias possíveis e de um ordenamento jurídico que autoriza desconstituição familiar, não há como negar que a existência de famílias reconstituídas representa a possibilidade de uma múltipla vinculação parental de crianças que convivem nesses novos arranjos familiares, porque assimilam a figura do pai e da mãe a fim como novas figuras parentais, ao lado de seus pais biológicos. Não reconhecer esses vínculos, construídos sobre as bases de uma relação socioafetiva, pode igualmente representar”.
Renata Barbosa Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior corroboram o entendimento supra, e afirmam que: “parece permissível a duplicidade de vínculos materno ou paterno-filiais, principalmente quando um deles for socioafetivo e surgir, ou em complementação ao elo biológico ou jurídico preestabelecido, ou antecipadamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica”[4].
Christiano Cassettari, na defesa do reconhecimento da multiparentalidade, afirma que:
“Se a vida se mostra prima, com diversos caminhos, nesse sentido deve caminhar o Direito, a fim de que possa acompanhar o desenvolvimento da sociedade e aceitar a vida de cada pessoa, respeitando sua família na forma que ela se desenhou. O moderno enfoque da proteção da família desloca-se de sua instituição como um todo para perceber e valorar cada um de seus integrantes. A dignidade da pessoa humana deve ser o princípio e o fim do Direito. O ser humano deve ser sempre o que se mais relevante cabe ao Direito tutelar. O não fazer, o se omitir, também é uma forma cruel de abolir direitos”.
O autor finaliza seu entendimento, aduzindo que a multiparentalidade, hoje é uma realidade em muitas famílias. Portanto, a ciência do Direito deve recebê-la e aceitá-la como evolução social, portanto, deve ser incluída e acatada no ordenamento jurídico como um novo perfil familiar, sempre respeitando a dignidade de cada integrante da família.
Flávio Tartuce critica a jurisprudência contrária à multiparentalidade, afirmando que alguns julgados estão querendo provocar entre o vínculo biológico e socioafetivo, uma “escolha de Sofia”, o que o autor afirma que não pode prosperar. No citado filme é retratada a história de uma mãe polonesa, filha de pais antissemita, presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, que é forçada por um soldado nazista a escolher um de seus dois filhos para ser morto, e se ela recusasse um, ambos seriam mortos[5].
Belmiro Pedro Welter também faz essa crítica, mostrando que as parentalidades biológica e socioafetiva devem coexistir e não uma se sobrepor à outra:
“Visto o direito de família sobre o prisma da tridimensionalidade humana, deve-se atribuir ao filho o direito fundamental às paternidades genética e socioafetiva e, em decorrência, conferir-lhe todos os efeitos jurídicos das duas paternidades. Numa só palavra, não é correto afirmar, como o faz atual doutrina e jurisprudência do mundo ocidental, que 'a paternidade biológica se sobrepõe à socioafetiva', isso porque ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas, exatamente porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica”[6].
As parentalidades socioafetiva e biológica são diferentes, pois ambas têm uma origem distinta de parentesco. Enquanto a socioafetiva tem origem no afeto, a biológica se origina no vínculo sanguíneo. Assim sendo, não se pode esquecer que é plenamente possível a existência de uma parentalidade biológica sem afeto entre pais e filhos, e não é por isso que uma irá prevalecer sobre a outra; pelo contrário, elas devem coexistir em razão de serem distintas.
Apesar de com certa timidez, a multiparentalidade já encontra decisões favoráveis ao seu reconhecimento, conforme demonstra o julgado a seguir colacionado, oriundo do TJRS, Apelação Cível nº 70065388175, da oitava câmara cível, sob a relatoria de AlzirFelippeSchmitz, que deu origem a seguinte ementa:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. Apelo provido.”(BRASIL. TJRS. Apelação Cível 70065388175, Oitava Câmara Cível, Relator: AlzirFelippeSchmitz, julgado em 17/09/201.). (grifos nossos).
A ementa supra sintetiza o decidido na apelação cível interposta por Juan Antônio e Jardel contra a sentença que, nos autos do processo de adoção proposto por ambos, visando que o Jardel fosse adotado por Juan Antônio, sem suprimir a paternidade biológica e registral que já constava no assento de nascimento. Em primeira instância a ação foi julgada parcialmente procedente para determinar a adoção requerida com a supressão do vínculo de Jardel com o seu pai biológico, retirando, assim, o patronímico de família deste do nome do autor.
Inconformados, Juan Antônio e Jardel recorreram. Em suas razões, informaram como se estabeleceu a paternidade socioafetiva exercida por Juan Antônio em face de Jardel, decorrente do casamento dele com a mãe dele quando Jardel tinha apenas quatro anos de idade. Ressaltando o desinteresse na paternidade biológica contida em seu registro de nascimento e, principalmente, do seu patronímico. No ponto, sustentaram que está consolidada a sua personalidade com o sobrenome Junqueira do seu pai biológico, sendo reconhecido no âmbito profissional e social por este sobrenome.
Os apelantes trouxeram doutrina e jurisprudência a fim de conformar a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade. Requerendo o provimento do recurso reconhecendo a multiparentalidade, com a consequente manutenção do pai biológico e o adotante na certidão de nascimento de Jardel e, ainda, acrescentando-se o patronímico do adotante ao seu nome sem prejuízo do sobrenome do pai biológico.
O Relator do processo, o Des. AlzirFelippeSchmitz, demostrou-se favorável ao estabelecimento do multiparentalidade, seguem trechos importantes da decisão:
“A questão a ser resolvida nesta apelação cível é o pedido dos autores – filho e pai-adotante – para que seja reconhecida na certidão de nascimento do filho a multiparentalidade, constando o registro do seu pai biológico e do seu pai-adotante e, como consequência, a adoção do sobrenome do adotante sem prejuízo da manutenção do sobrenome do pai biológico. […] De fato, os autores têm relação de filho e pai consolidada pelos anos de convivência como se filho e pai fossem, atribuindo à relação tal status não só na intimidade como perante a comunidade em que estão inseridos. Além disso, a situação é incontroversa, de sorte que resta apenas analisar a possibilidade de manutenção do pai biológico apesar do reconhecimento da adoção. No que pertine ao pedido de reconhecimento da multiparentalidade, vejo que o falecimento do pai de Jardel quando ele tinha apenas nove meses de idade e o exercício da paternidade de fato pelo também autor Juan desde os seus quatro anos, são fatores que não têm o condão de afastar a memória do pai biológico, tampouco de romper os demais vínculos de Jardel com a família de seu genitor. Portanto, observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos em relação à Jardel, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade.
No mesmo sentido manifestou-se o Ministério Público, de sorte que agrego parte de seus fundamentos às razões de decidir: “A insurgência dos apelantes diz respeito ao nome do adotando, pois este pretende a manutenção do sobrenome do pai biológico — Junqueira —, pedido negado na sentença, sob o argumento de que a adoção acarreta o rompimento dos vínculos com o genitor e seus familiares. Todavia, em que pese o posicionamento da douta magistrada (fls. 53/54), entende-se que o caso em análise exige solução diversa, para permitir a manutenção do sobrenome do pai biológico junto ao nome de Jardel. Pois bem, é certo que, com a adoção ocorre o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, de maneira que os pais biológicos não podem mais ter contato com o adotando, nem exigir notícias ou qualquer tipo de regime de visitas, surgindo, assim, o parentesco civil entre ele e os adotantes e seus familiares. É o que estabelece o art. 41 do ECA: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direito e deveres, inclusive sucessórios, desligando-se de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. Sucede que, não se pode ignorar que as normas relativas à adoção estão, hoje, dispostas no ECA e visam resguardar os princípios fundamentais da proteção integral e melhor interesse da criança/adolescente. Feita essa consideração, tem-se que o exame do presente caso exige razoabilidade e ponderação, porquanto as partes são maiores, capazes e também envolve outros valores, relativos à personalidade do adotando, que dizem respeito ao seu nome e sua identidade. Neste contexto, a lei deve ser interpretada buscando seu real sentido e alcance, observando a prerrogativa fundamental, atinente à dignidade da pessoa humana, não podendo o formalismo limitar os fatos da vida. No presente caso, há uma realidade fática diferenciada, pois, ao longo de 34 anos, Jardel e Juan (recorrentes) conviveram como se pai e filho fossem, mas, nesse período, Jardel também construiu sua própria identidade, na qual o sobrenome do seu pai biológico, já falecido, fazia parte. Ora, ainda que a transmissão do nome da família do adotante seja um efeito decorrente da decretação da adoção, entende-se que a permanência do sobrenome do pai biológico, acrescido do sobrenome do pai adotivo — com o que todas as partes concordam — não acarretará nenhum prejuízo ao adotante, adotado ou terceiros e ainda manterá a intacta a identidade de Jardel. Diante disso, é possível a flexibilização do regramento jurídico, para possibilitar a manutenção do sobrenome do pai biológico no nome de Jardel. Logo, merecer a sentença ser reformada para que, após a adoção, passe a constar no registro o nome JEJM. Do exposto, o Ministério Público opina pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação”.
Diante do exposto, dou provimento ao apelo para que seja incluído no registro de nascimento do autor Jardel o nome do autor Juan como seu pai, sem prejuízo da manutenção do seu pai biológico no mesmo registro, e para que se acrescente o patronímico do adotante ao patronímico do adotado, também sem prejuízo da manutenção do patronímico do pai biológico, nos exatos termos do pedido.”(BRASIL. TJRS. Apelação Cível 70065388175, Voto: Des. AlzirFelippeSchmitz (Relator do processo), Oitava Câmara Cível, Relator: AlzirFelippeSchmitz, Julgado em 17/09/2015). (grifos nossos).
O Revisor do processo, o Des. Ricardo Moreira Lins Pastl, assim como a Des. LiselenaShifino Robles Ribeiro acompanharam o entendimento do relator. O Des. Ricardo Moreira Lins Pastl, destacou ainda que:
“O exame do questionamento por esta Corte, ao cabo, restringe-se à manutenção, ou não, da referência ao pai biológico já falecido no registro civil, uma vez que a adoção de Jardel por Juan já foi deferida e não nos está devolvida. A fundamentar o seu pedido, dizem os autores que Juan passou a namorar Marisa, mãe de Jardel, quando a autora tinha apenas 4 anos de idade, par que, em 12.03.1988, convolou núpcias. O pai biológico de Jardel falecera quando ela tinha apenas nove meses de idade, razão pela qual Juan sempre foi seu pai, e mais ainda após o falecimento de Marisa, em 03.10.2013, com o que desejam formalizar essa relação de parentesco existente faticamente entre eles, mas com a manutenção, entretanto, dos vínculos registrais do pai e da mãe biológicos. Como se observa, a perfilhação socioafetiva entre Juan e Jardel iniciou-se após o óbito do pai biológico. Ambos não coexistiram fisicamente, e o filho não se conforma com o fato de que, ao prestigiar o pai que a vida lhe deu, tenha que perder o pai que a gerou, ceifado de suas relações quando ainda tinha tenra idade. Além disso, esclarece que o sobrenome J. o identifica em suas relações sociais e laborais, salientando que o “nome de guerra” na empresa em que labora é J. E. J.
O tema, assim, a rigor, diz em relativizar-se a determinação do art. 47, § 2º, do ECA (cancelamento do registro original do adotado), por força do art. 1.619 do CCB, e, respeitosamente, sopesadas essas referidas específicas particularidades, não verifico razões a obstar a pretensão da manutenção na seara registral de ambos os vínculos, visto que, na linha do voto proferido pelo eminente colega, Dr. José Pedro de Oliveira Eckert, por ocasião do julgamento da AC 70062692876, “a aplicação dos princípios da “legalidade”, “tipicidade” e “especialidade”, que norteiam os “Registros Públicos”, com legislação originária pré-constitucional (Lei 6.015/73), deve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios Constitucionais vigentes, notadamente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação (artigo 3, IV da CF/88), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, § 6º, CF), “objetivos e princípios fundamentais” esses, decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana” (BRASIL. TJRS. Apelação Cível 70062692876, Oitava Câmara Cível, Relator José Pedro de Oliveira Eckert, 12/02/2015). (grifos nossos).
Outrossim, há julgados contrários ao reconhecimento da filiação biológica e socioafetiva de forma concomitantemente (dois pais), sobre o mesmo indivíduo, em outras palavras, contrários ao reconhecimento da multiparentalidade. O Julgado do TJDFT, a seguir colacionado ilustra esse entendimento:
“DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO SOCIO AFETIVO. ADOÇÃO ADITIVA. PADRASTO E ENTEADO. FAMÍLIA MULTIPARENTAL. INCLUSÃO DO NOME DO ADOTANTE SEM EXCLUSÃO DO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos do artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção rompe o vínculo com a família original, carecendo de amparo legal o pedido de adoção feita pelo padrasto sem a exclusão do pai biológico. Recurso conhecido e improvido.”(BRASIL. TJDFT. Apelação Cível 20140410129269, Relator: Hector Valverde Santanna, Data de Julgamento: 13/05/2015, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 19/05/2015. Pág.: 375). (grifos nossos).
O estabelecimento da paternidade e filiação socioafetiva gerará efeitos jurídicos, dentre os quais destacam-se, a extensão da parentalidade que se formará entre os pais e filhos socioafetivo aos demais parentes do pai; dever de pagar alimentos; e direitos sucessórios. Um dos principais efeitos do estabelecimento da paternidade e filiação socioafetiva é a extensão da parentalidade que se forma entre pais e filhos socioafetivos, pois isso irá alterar a árvore genealógica e dar ao filho novos ascendentes e colaterais. Se o filho socioafetivo já se tornou um pai, o seu rebento irá, também ser ganhar novos ascendentes e colaterais. Assim, teríamos também a figura de irmão socioafetivo, no primeiro caso, e de avô e tio socioafetivos, no segundo.
As relações de parentesco encontram-se normatizadas no Código Civil, a partir do art. 1591, que, inicialmente, divide essas relações em linhas reta e colateral. São parentes em linha reta aqueles que estão na relação ascendentes e descendentes. Já os parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, são as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.
O parentesco segundo o aludido código é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem, essa expressão, fundamenta a existência da parentalidade socioafetiva, e, portanto, aplica-se conforme defende Christiano Cassettari, todas as regras aplicáveis ao parentesco natural ou socioafetivo. Dessa forma, quando uma parentalidade se constitui essas pessoas estarão unidas pelos laços parentais, que dará ao filho não apenas um pai ou mãe, mas também avós, bisavós, trisavós, tataravós, irmãos, tios, primos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos socioafetivos.
Quanto à questão dos alimentos, tem-se que quando um pai reconhece a paternidade socioafetiva, o filho passará a ter vínculo de parentesco com seus outros parentes. Com isso surgirão os conceitos: avós, bisavós, trisavós, tataravós, irmãos, tios, primos, tios-avôs socioafetivos, que irão acarretar todos os direitos decorrentes dessa parentalidade. Por exemplo, se o pai ou mãe socioafetivos não tiver condições de pagar pensão alimentícia ao filho, poderão ser chamados os avós.
Assim, se uma a pessoa morre e só deixa um tio socioafetivo vivo, terá esse tio sucessório, e se deixar apenas um irão socioafetivo vivo, e esse for menor, ele terá direito previdenciário. Isso se faz necessário para que seja atendido o princípio da igualdade e que a declaração de filiação socioafetiva não se torne uma fábrica de pedidos de pensão alimentícia, em que a pessoa busca apenas o bônus, sem querer assumir o ônus[7].
Partindo do pressuposto que a parentalidade socioafetiva se estende a ponto de dar novos ascendentes, descendentes e colaterais entre os evolvidos, isso irá aumentar o espectro de pessoas que possam prestar alimentos, já que o art. 1.694 do Código Civil é genérico ao determinar que os parentes pleitear alimentos uns aos outros[8].
Já existem várias decisões judiciais que reconhecem a obrigatoriedade de se pagar alimentos socioafetivos. Aliás, podemos afirmar que isso já ocorre há tempos, e para exemplificar adiante será transcrita decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que já vem consagrando à longa data o entendimento de ser mantida a obrigação de prestação alimentícia ao filho, conforme ilustra o julgado a seguir:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. INTEMPESTIVIDADE. REQUISITO DO ART. 526 DO CPC. NEGATIVA DA PATERNIDADE.[…] A obrigação alimentar se fundamenta no parentesco, que é comprovado pela certidão de nascimento. O agravante alega não ser o pai biológico do menor. Enquanto não comprovar, não se pode afastar seu dever de sustento. A rigor, mesmo esta prova não será suficiente, pois a paternidade socioafetiva também pode dar ensejo à obrigação.”(TJRS. Agravo de Instrumento 70004965356, de Canoas, Rel. Des. Rui Portanova, julgado em 31-10-2002). (grifos nossos).
É perfeitamente possível, a obrigação alimentar decorrente do vínculo de parentesco socioafetivo, conforme o exposto no Enunciado 341, do CJF: “Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar”. Hernán Troncoso Larronde, neste contexto, aduz que um dos direitos decorrentes da filiação é o de alimentos, e que a filiação é uma fonte de fenômenos jurídicos da mais alta importância, como a nacionalidade, a sucessão hereditária, o direito alimentar, o parentesco[9].
Christiano Cassettari defende que se o valor pago pelo pai biológico for insuficiente para as necessidades do alimentado, os alimentos prestados pelo pai ou mãe socioafetivos, pode ser proposta uma ação de alimentos contra o pai ou mãe socioafetivos para que esses complementem a pensão de que aquele necessita, como ocorre, por exemplo, no caso de os avós terem que complementar a pensão paga pelos seus filhos, se a mesma não satisfazer as necessidades de quem os pleiteia.
Maria Berenice Dias, a seu turno, reconhece a possibilidade da coexistência da parentalidade biológica com a socioafetiva, e afirma, no que tange aos alimentos, afirmando que: “não dispondo o ex-cônjuge ou o ex-companheiro de condições de alcançar alimentos a quem saiu do relacionamento sem condições de prover o próprio sustento, os primeiros convocados são os parentes consanguíneos, e depois os parentes civis: por adoção ou socioafetivos”[10].
A juíza Adriana Mendes Bertoncini, da 1ª Vara de Família da Comarca de São José, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, proferiu decisão condenando o padrasto a pagar a título de alimentos, mensalmente, 10% (dez por cento) dos seus vencimentos, em razão da “existência da relação de afetividade entre eles”. A seguir estão relacionados trechos da citada decisão:
“[…] Cuida-se de Ação de Dissolução/Reconhecimento de Sociedade de Fato proposta por S.de S. contra H.G., em que a parte autora requereu em sede de liminar a fixação de alimentos provisórios a seu favor, bem como para filha B.de M.K., ante paternidade socioafetiva. Com relação aos alimentos pleiteados pela autora, inobstante ser mulher jovem (41 anos) e formada em psicologia. Verifica-se através do comprovante de rendimentos às fls. 13, do contrato de prestação de serviços (fls. 14/15) e da cópia da carteira de trabalho que a autora foi contratada como psicóloga da APAE e percebe aproximadamente R$1.000,00 mensais. Por outro lado, o requerido é engenheiro contratado pela empresa Sul Catarinense, percebendo R$ 5.316,68, conforme cópia da carteira de trabalho às fls. 22 e declaração de imposto de renda às fls. 23/29, além de ser aposentado por tempo de contribuição, percebendo aproximadamente R$2.200,00, com base nos demonstrativos de fls. 34/39.
Portanto, denota-se que a autora recebe mensalmente R$1.000,00 enquanto o requerido tem renda de aproximadamente R$7.500,00, o que por si só já demonstra uma modificação do padrão de vida vivenciado durante a união estável para o atual, após a dissolução de fato. Depreende-se da jurisprudência: […] No caso dos autos, além do que já foi explanado, denota-se que, segundo alegações da autora, a união estável perdurou 10 anos, tendo a autora comprovado inclusive que o requerido arcou com as despesas referente a viagem da autora e sua filha para os Estados Unidos. Assim, entendo que o deferimento do pedido de alimentos à autora é medida que se impõe. No tocante aos alimentos pleiteados em favor de B. de M.K., com base nos laços afetivos existente entre ela e o requerido, necessário trazer a baila algumas considerações doutrinárias sobre os alimentos decorrentes das relações socioafetivas:
[…] No caso em tela, tem-se que muito embora o pai registral de B. de M.K. seja J. de M.K., é o requerido quem convive com a adolescente, que conta com 16 anos, desde que a mesma possuía 6 anos. A relação afetiva restou demonstrada, posto que é o requerido quem representa a adolescente junto à instituição de ensino que a mesma estuda. Ademais, o requerido declarou ser a adolescente sua dependente, conforme teor de fls. 27, além de arcar com o custeio de sua viagem aos Estados Unidos (fls. 48). Não há nos autos notícia acerca de eventual contribuição financeira percebida pela adolescente de seu pai biológico. Contudo, mesmo que a menor receba tal auxílio, nada impede que pelo elo afetivo existente entre ela e o requerido, este continue a contribuir financeiramente para suas necessidades básicas. Portanto, primando pela proteção integral da menor e com base na relação de afetividade existente entre a adolescente e o requerido, defiro os alimentos provisórios pleiteados. Diante do exposto, fixo a verba alimentar provisória em 20% (vinte por cento) dos rendimentos mensais, (10% para cada uma das beneficiárias), percebidos pelo réu em cada empresa empregadora, salvo descontos obrigatórios, incidindo sobre o 13º salário […]”(BRASIL. TJSC. Apelação Cível 064.12.016352-0, 1ª Vara de São José∕SC. Sentença proferida pela Juíza Adriana Mendes Bertoncini, 1ª Vara de Família da Comarca de São José, data da publicação: 11 de setembro de 2012). (grifos nossos).
Se uma pessoa possui mais de dois pais o assento de nascimento, entende-se que a pensão alimentícia deve ser paga por qualquer deles, de acordo com sua possibilidade, sem solidariedade entre eles, em decorrência da regra do art. 265 do Código Civil, que exige para a existência de solidariedade a previsão legal ou vontade das partes, consoante o que ocorre com o avós, portanto o mesmo raciocínio aplica-se aos casos de multiparentalidade, dupla paternidade, considerando que o art. 1.694 do CC determina que os alimentos serão pagos em razão da possibilidade do alimentante.
Pode-se usar o disposto no art. 1.698 do CC que determina que, sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, ou seja, se um dos pais pode suportar sozinho a pensão deverá fazê-lo, pois para o alimentado é ruim fracionar sua necessidade entre várias pessoas, pois isto aumenta o risco de inadimplemento. Portanto, poderá excepcionalmente ser chamada outras pessoas além do devedor principal que serão obrigadas a integrar a lide, quando houver nos autos provas de que o genitor escolhido não tem condições de arcar, sozinho, com o pagamento da pensão, o que justifica a divisão.
Tal entendimento foi expresso no julgamento do REsp 658.139/RS, em 2005, da lavra do Ministro Fernando Gonçalves, em relação a extensão do dever de prestar alimentos do filho, para os avós:
“CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA. LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA.1 – A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que "sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos.2 – O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras.3 – Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo passivo da demanda.4 – Recurso especial conhecido e provido.”(BRASIL. STJ, REsp 658.139/RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Data de Julgamento: 11/10/2005, 4ª Turma). (grifos nossos).
A guarda dos filhos vem disciplinada a partir do art. 1.583 do CC, que, inicialmente, estabelece que a guarda será unilateral ou compartilhada. A primeira é aquela atribuída a um só dos pais, e a segunda a ambos. A lei estabelece que a compartilhada será a regra, e a unilateral, a exceção. Como a lei não distingue a filiação genética da socioafetiva, a doutrina tem entendido, que tanto o pai como a mãe socioafetivos terão direito à guarda do filho, sempre com base no melhor interesse da criança.
O mesmo raciocínio supra pode ser usado quanto ao direito de visita, ou seja as regras atinentes ao direto de visitas previstas em lei também aplica-se aos pais e filhos socioafetivos. Lembrando que o direito de visitas é extensivo, conforme já reconhecido amplamente pela doutrina e jurisprudência aos demais parentes, do pai socioafetivo (avós, tios, primos), que também serão parentes do filho socioafetivo.
Quanto aos direitos sucessórios, Paulo Nader afirma que o avanço que se constata com a desbiolização do parentesco em prol de vínculos socioafetivos não deve situar-se exclusivamente no plano teórico, afirmação de princípios, mas produzir efeitos práticos no ordenamento jurídico com um todo, repercutindo, inclusive, no âmbito das sucessões[11].
Christiano Cassettari, arremata asseverando que serão aplicadas todas as regras sucessórias na parentalidade socioafetiva, devendo os parentes socioafetivos ser equiparados aos biológicos no que concerne a tal direito. Ressaltando a necessidade de ver com cautela o direito sucessório, pleiteado post mortem, quando o autor nunca conviveu com o pai biológico em decorrência de ter sido criado por outro registral, e dele já ter recebido a herança[12].
No concernente aos direitos previdenciários, verifica-se que, havendo parentalidade socioafetiva, haverá, também, a necessidade de se reconhecer direitos previdenciários. Isso porque os filhos socioafetivos, menores de 21 anos ou inválidos, desde que não tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade, terão direito a pensão por morte. Igual direito será conferido aos pais e irmãos socioafetivos, estes últimos não emancipados, menores de 21 anos ou inválidos, em nome do princípio da igualdade, já citado anteriormente.
Por fim, cabe enfatizar que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, também gerará efeitos registrais, notadamente, o direito de modificar o nome e de incluir os novos pais e avós. Assim, depois de estabelecida a parentalidade socioafetiva, devidamente reconhecida, deve, obrigatoriamente, ser averbada no registro civil, com mudança de nome do filho socioafetivo, caso esse seja seu desejo e não opte pela manutenção do pai biológico, caso o tenha, e o acréscimo dos parentes dos parentes pai aos seus assentos de nascimento, casamento e óbito, que ganharam todos publicidade, produzindo, seus regulares efeitos, vez que a certidão expedida pelo cartório irá fazer prova plena do que já ocorreu no processo judicial, sem a necessidade de maiores formalidades e documentos.
Cloves Huber, sobre a importância do registro civil para constar a realidade jurídica vivenciada por cada indivíduo, afirma que:
“O registro civil das pessoas naturais é o suporte legal da família e da sociedade de juridicamente constituída. Isso porque, não existindo o registro, também juridicamente se tornam inexistentes a pessoa, a família e o seu ingresso na sociedade. A legalidade se dá por meio do registro, através do qual se atribuem os direitos e obrigações, e é regulamentada a conduta de cada um, objetivada a paz social[13].
Complementa Reinaldo Velloso dos Santos, explicando a importância de se registrar os atos importantes na vida de uma pessoa: “o registro dos principais na vida de uma pessoa é extremamente relevante para qualquer sociedade, pois propicia segurança quanto às informações constantes desse assentamentos”[14].
O nome tem finalidade de refletir a posição jurídica perante a sociedade, o registro também deve refletir a verdade real[15]. O nome de família deve identificar a família à qual pertence o portador do nome; deve identificar sua origem familiar, e esta não deve ser a biológica, necessariamente, mas a real. Sendo que somente com a publicidade registral é que o nome passa a ter suas características jurídicas de nome, em toda a sua amplitude e com oponibilidade erga omnes”[16].
Sobre os refeitos decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva, o Enunciado de nº 6 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), de 22 de novembro de 2013, assevera que: “Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”.
Nos casos de impossibilidade de desconstituição da paternidade socioafetiva, onde de forma concomitante haver a atribuição da paternidade biológica a outrem, em outras palavras, quando a paternidade biológica e socioafetiva não se materializam na mesma pessoa poderá se estabelecer a hipótese que a doutrina denomina “multiparentalidade”, que ocorre quando há três ou mais pessoas como genitores, com dois ou mais pais do sexo masculino. Todavia, sem que uma paternidade exclua a outra.
Com efeito, conforme já foi abordado ao longo do presente trabalho, em regra, a paternidade e a filiação socioafetiva, uma vez estabelecidas não poderão ser desconstituídas, exceto naqueles em que houve indução a erro, como ocorre naqueles casos em que a genitora da criança engana seu parceiro fazendo-o acreditar seu o pai do filho que está gerando, todavia, tempos depois com a realização do exame de DNA, a verdade biológica vem à tona. Também se ressaltou que em casos excepcionais, nos quais o julgador vislumbrar a possibilidade de reconhecer a paternidade socioafetiva com a manutenção da biológica, haverá a possiblidade de se estabelecer a multiparentalidade, mantendo-se, portanto, o vínculo existente no assento civil, e acrescentando os reconhecidos posteriormente.
Destarte, afirmar de forma peremptória que a paternidade socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, não é o melhor entendimento, e fomentará o surgimento de oportunistas, que visando se aproveitar da evolução doutrinária e jurisprudencial, que fez do Brasil um dos países mais avançados em paternidade e filiação socioafetiva, manipulando-a de forma equivocada, conforme vem ocorrendo no “Caso H. Stern”, que envolve caso verídico de conflito entre a filiação biológica e a socioafetiva, em que dois irmãos buscam ver reconhecido o direito à herança do pai biológico deles, o fundador da rede de joalherias H. Stern, falecido em 2007.
O “Caso H. Stern” expõem o entendimento de duas correntes doutrinarias e jurisprudenciais diametralmente opostas, a primeira no sentido de que restando comprovada a filiação socioafetiva, a biológica não pode ser reconhecida (advogados que representam os outros filhos de Hans Stern), pois a filiação socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, já a segunda, entende que a filiação biológica dever ser reconhecida, e se o caso deve coexistir com a paternidade socioafetiva, optando pelo estabelecimento da multiparentalidade (os advogados dos irmãos “Duarte”).
A partir do Século XX, a passagem da economia agrária à economia industrial, tempos depois, atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transformou sua composição, diminuindo a quantidade de filhos nos países mais desenvolvidos, ela deixa de ser patriarcal, e homem e mulher partem para o mercado de trabalho, provocando efeitos no meio familiar.
Com a evolução cientifica, tecnológica e filosófica da humanidade, passou a viger novos valores, sobretudo aqueles relacionados a promoção e o respeito a pessoa humana. Neste cenário o fenômeno exclusivamente biológico, sede espaço a outras possibilidades de formação de família. A família passa a ser o centro de formação e de realização pessoal de seus membros.
Ao deixar de ser compreendida como núcleo econômico e reprodutivo, a família avançou para uma compreensão socioafetiva, que fez surgir novas representações sociais, novos arranjos familiares, abandonando o casamento como ponto referencial necessário à proteção e ao desenvolvimento da personalidade, relegando ao um segundo plano os valores exclusivamente patrimoniais.
No Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a entrada em vigor do Código Civil de 2002, no compasso da doutrina e da jurisprudência, ampliou o conceito de família com o reconhecimento da união estável como entidade familiar, bem como da família formada apenas por um dos pais com seus filhos. Tendo também reafirmado a igualdade entre os filhos.
Nas disposições trazidas pela Constituição Federal de 1988 acerca do direito de família é possível perceber traços da priorização da afetividade, em perfeita sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana. O afeto foi consolidado como elemento de primeira importância no estabelecimento da filiação, quando com fulcro no princípio da igualdade entre as filiações a Constituição de 1988 vedou o tratamento discriminatório dos filhos.
Com o surgimento das novas estruturas familiares, nasceu e vem desenvolvendo-se, aquela decorrente da paternidade e filiação socioafetiva. Assim, atualmente pode se dizer que existem três modelos reconhecidos de filiação: a presumida, a biológica e a socioafetiva. A filiação presumida é definida segundo o preenchimento de determinados requisitos legais. Este modelo de filiação está previsto de forma expressa pelo art.1.597 do Código Civil. Nele presume-se filho do marido aqueles nascidos na constância do casamento.
A filiação socioafetiva pode-se originar de diversas formas, dentre as quais destacamos àquela que se desenvolve na relação de padrastio, entre padrasto e enteado (a), aquela decorrente da reprodução assistida heteróloga (que usa material doado de terceiro), da adoção à brasileira, e aquela oriunda de erro ou fralde.
A adoção à brasileira é uma espécie de adoção, embora irregular, já que sem o percurso do indispensável processo legal. É levada a efeito pelo ato de registrar como próprio filho de outrem. A “adoção à brasileira” configura crime previsto no art. 242 do Código Penal.
O caso mais corriqueiro de adoção à brasileira é o de homens que envolvidos afetivamente com mulheres solteiras grávidas ou com filhos, registram a criança, filha de outrem como sua, sem um processo judicial de adoção. A adoção é irrevogável, conforme prevê o art. 1.604 do Código Civil, salvo se decorrer de erro ou falsidade do registro, o que inexiste nestes casos, já que decorre da vontade livre e consciente do registrante. O § 1º do art. 39 do ECA estabelece que são plenos e irreversíveis os efeitos da adoção.
Destarte, tendo em vista que mesmo com o vício de legalidade que macula a intitulada “adoção à brasileira”, a maioria da doutrina e jurisprudência a reconhecem como espécie válida e eficaz de adoção, conclui-se que ela também é irrevogável, em observância aos princípios da prioridade e da prevalência absoluta dos interesses da criança e do adolescente.
A doutrina e jurisprudência majoritárias possuem entendimento no sentido de que as ações negatórias de paternidade propostas por homens que registram como próprio, os filhos de suas parceiras com outros homens, e após o término do relacionamento amoroso com elas, procuram o Poder Judiciário visando desconstituir a filiação socioafetiva, devem ser indeferidas, usando como fundamento principal o disposto no art. 1.604 do Código Civil que dispõe que: "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro".
Diferentemente da hipótese em que o indivíduo registrou o filho de sua parceira amorosa, porque foi induzido a erro por ela, que o fez acreditar que o filho de outrem era seu. há vários posicionamentos jurisprudenciais deferindo o pedido de desconstituição de paternidade nestes casos. Existe posicionamento jurisprudencial firme do TJDFT e STJ desconstituindo a paternidade quando proveniente de induzimento a “erro” que culmina no vício de consentimento, decorrente da conduta da mulher, que induz seu parceiro a registrar seu filho com outro homem.
Assim, quando as paternidades biológicas e socioafetiva não se materializam na mesma pessoa poderá se estabelecer a hipótese que a doutrina denomina de “multiparentalidade”, que ocorre quando há de forma concomitante a paternidade biológica e socioafetiva (dois pais), incidente sobre a mesma pessoa (mesmo filho). Todavia, sem que uma exclua a outra.
Com efeito, não é o melhor entendimento afirmar de forma peremptória que a paternidade socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, pois tal máxima dará margens para injustiças e para que oportunistas se aproveitem da evolução doutrinária e jurisprudencial, que fez do Brasil um dos países mais avançados em paternidade e filiação socioafetiva, usando-a de forma equivocada. O exemplo disso, conforme já se destacou anteriormente no presente trabalho monográfico, no “Caso H. Stern”, no qual há um conflito entre a parentalidade biológica e afetiva, em tal caso dois irmãos, Nelson Rezende Duarte, de 54 anos, e Milton Rezende Duarte, de 52 anos, buscam ver reconhecido o direito à herança do fundador da rede de joalherias H. Stern, Hans Stern, falecido em 2007.
O “Caso H. Stern” expõem o entendimento de duas correntes doutrinarias e jurisprudenciais diametralmente opostas, a primeira no sentido de que restando comprovada a filiação socioafetiva, a biológica não pode ser reconhecida (advogados que representam os outros filhos de Hans Stern), pois a filiação socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, já a segunda, entende que a filiação biológica dever ser reconhecida, e se o caso deve coexistir com a paternidade socioafetiva, optando pelo estabelecimento da multiparentalidade (os advogados dos irmãos “Duarte”).
Sob à luz da principiologia constitucional aplicável ao direito de família e filiação tem-se que em casos como o H. Stern, mesmo estando presente a filiação socioafetiva entre a criança registrada como filha e o pai registral, entende-se ser possível a coexistência da filiação socioafetiva com a biológica, com a “opção pela multiparentalidade”, acrescentando e não suprimindo um pai no assento de nascimento.
As duplas paternidades, denominadas como multiparentalidade, são viáveis e uma consequência da parentalidade socioafetiva, e que vários doutrinadores e julgados reconhecem essa possibilidade. A multiparentalidade pode ter origem na inseminação artificial feita por casais homossexuais, seja por dois homens, duas mulheres ou por material obtido por doação ou de algum dos cônjuges ou companheiros, ou, também, quando um dos genitores falece e pessoa é criada por outra pessoa, e, ainda, na relação de padrastio e madrastio.
Ao longo da pesquisa restou demonstrada a necessidade e urgência, de que seja editada uma lei que discipline as várias questões que podem surgir do reconhecimento da filiação socioafetiva e os casos, em que, eventualmente, a paternidade socioafetiva possa coexistir de forma harmônica com a biológica, estabelecendo-se a intitulada “multiparentalidade’, a fim de oferecer às pessoas envolvidas em relações socioafetivas segurança jurídica, com a prévia ciência dos direitos e deveres que poderão decorrer dessa relação.
Repise-se que o STF reconheceu a repercussão geral “da prevalência ou não da paternidade socioafetiva sobre a biológica”, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo 692186/2012, interposto contra decisão do STJ, que inadmitiu a remessa do recurso extraordinário para o STF. No recurso interposto perante o STF, os herdeiros do pai biológico alegaram que a decisão do STJ, ao preferir a realidade biológica, em detrimento da realidade socioafetiva, sem priorizar as relações de família que têm por base o afeto, afrontaria o artigo 226, caput, da Constituição Federal, segundo o qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Ao analisar o referido recurso, finalmente o STF estabelecera um precedente jurisprudencial que certamente será observado pelos demais julgadores pátrios, finalizando inúmeros entendimentos divergentes sobre do tema, que ora priorizam a filiação biológica, ora a socioafetiva, e excepcionalmente pela manutenção de ambas as paternidades, estabelecendo a “Multiparentalidade”.
Analista Processual – Direito do MPDFT; Pós Graduação em Direito Público e Privado Faculdade de Araraquara – SP
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