Resumo: Este trabalho apresenta reflexão a cerca da formação continuada do professor do ensino superior, em especial daquele direcionado ao ensino jurídico. Com base em aportes teóricos oferecidos pela disciplina Educação Ambiental e Formação de Professores: políticas e práticas, do Curso de Doutorado em Educação Ambiental, da FURG, e leituras específicas sobre ensino jurídico, foi realizada pesquisa bibliográfica, com os seguintes objetivos: estabelecer as relações existentes entre a formação pedagógica do docente e o ensino jurídico oferecido, para a formação do egresso, assim como a possível vinculação dessa formação à Educação Ambiental. Para tanto, foi construído o texto onde são abordados: a gênese da educação formal no Brasil, enfocando suas características de acriticidade e memorização; o ensino jurídico e os reflexos da realidade coimbrã; a importância da formação continuada do docente para a concretização do novo paradigma de estudante/professor que a realidade social exige, enfocando a importância do projeto pedagógico na construção desta utopia. Também é abordada a possibilidade de a Educação Ambiental, consideradas suas características de desenvolvimento no ensino superior, ser propiciadora da concretização da educação pretendida: transformadora, libertadora, fomentadora da responsabilidade que o ser humano deve ter consigo, com o outro e com o planeta. Finalmente, é discutido o sentimento de pertencimento e a possibilidade de ele interferir na maneira como os professores encaram o ambiente educacional em que desenvolvem sua tarefa, e a própria atividade de docência.
Palavras-chave: educação; ensino jurídico; formação continuada; projeto pedagógico;educação ambiental; pertencimento.
Abstract: In this article I reflect on the continuing education of teachers in higher education at university, particularly that directed to Legal Education. Based on theoretical discipline offered by the Environmental Education and Teacher Education: policies and practices of the Doctoral Course in Environmental Education, at FURG, and specific readings regarding to Legal Education was built the text, where are presented : the genesis of formal education in Brazil, emphasizing its characteristics of uncritical focus and memorization, the Legal Education and reflections of reality from Coimbra (Portugal), the importance of continued training of teachers for the implementation of the new paradigm of student / teacher social reality requires focusing on the importance of the education program in construction of this utopia. Also covered is the possibility of Environmental Education, considered its characteristics of development in higher education, be conducive to achieving desired education: transforming, liberating and responsible to itself, with others and the planet. Finally, we discussed the feeling of belonging and the possibility of it interfering with the way teachers perceive the learning environment in which they develop their work and to teaching itself.
Keywords: education, legal education, continuing education, educational project, environmental education, belonging.
1. INTRODUÇÃO
A prática docente, ao longo dos tempos, tem sofrido a influência de teorias da educação que buscam direcionar essa atividade segundo ideologias predominantes que, refletindo a realidade social, ou nela se refletindo, almejam, em última análise, a intervenção segundo seus princípios.
Embora as alterações que se fazem sentir na trajetória histórica da educação, destacando-se como uma das mais significativas a mudança do foco de importância de quem ensina para quem aprende, um aspecto permaneceu fortemente arraigado à atividade docente: a predominância da memorização aliada à ausência de criticidade e de dialogicidade.
No ensino jurídico essas características mantiveram seu total domínio até bem pouco tempo.Porém, os comandos legais demonstram a alteração de paradigmas quanto à concepção de educação de qualidade, como direito de todos e obrigação do Estado. Mudança que a própria realidade do planeta esta exigindo.
Neste contexto, refletir sobre a formação docente na área jurídica é imperativo, considerando que da atuação do professor no seu fazer educativo dependerá, em grande parte, o perfil da sociedade. Também é fundamental estender essa reflexão à construção dos projetos pedagógicos, espaço onde são gestadas as utopias dos cursos, e à possibilidade de a Educação Ambiental tornar-se o elemento favorecedor da concretização dessas utopias.
A presente trajetória reflexiva teve como norteadores os seguintes objetivos: estabelecer as relações existentes entre a formação pedagógica do docente e o ensino jurídico oferecido para a formação do egresso; e a possível vinculação dessa formação à Educação Ambiental.
Para tanto, foi utilizada como metodologia de trabalho a pesquisa bibliográfica, cujo referencial teórico tomou como base autores estudados na disciplina Educação Ambiental e Formação de Professores: Políticas e Práticas, do Curso de Doutorado em Educação Ambiental, da FURG, e autores específicos do ensino jurídico.
2. A GÊNESE DA ATIVIDADE EM EDUCAÇÃO
Uma breve retrospectiva dos primórdios da educação no Brasil apresenta os jesuítas como principais educadores em quase todo o período colonial. Educação cujo ideal era a formação do homem universal, consubstanciada na Ratio Studiorum, que se preocupava com o ensino humanista de cultura geral e enciclopédico. Isso, para que o homem, criação divina, atingisse a perfeição e assim fizesse por merecer a dádiva da vida sobrenatural.
Para alcançar essa formação ideal a ação pedagógica jesuítica foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento, em detrimento do pensamento crítico. A própria religiosidade, o cunho divino da origem humana, a crença dos dogmas da Igreja assim o exigiam.
Por isso a prática pedagógica aplicada pelos jesuítas não buscava uma perspectiva transformadora na educação, apresentando como enfoque o intelecto e a visão imediatista do homem. Assim, era privilegiada a memória e o desenvolvimento do raciocínio, sem atingir, no entanto, o pensamento crítico. As aulas expositivas, a repetição (visando decorar e expor), a prescrição do método de estudo, da matéria e até do horário de estudo constituíam-se nas regras metodológicas básicas.
Também o ensino jurídico, iniciado em 1827 com a instalação dos primeiros Cursos de Direito em Olinda e São Paulo, ressentia-se da ausência de criticidade na abordagem dos institutos jurídico.
Isto, como reflexo da realidade coimbrã em que, segundo Medina (2000), predominava o descaso com a metodologia didática, a monotonia das aulas, o verbalismo, a exposição repetitiva. Realidade que nos descortina o panorama da formação dos nossos juristas até o advento da implantação dos cursos jurídicos em nosso país, e, conseqüentemente, da formação daqueles que se constituíram os primeiros docentes destes cursos.
Dos jesuítas até os dias atuais muitas foram as mudanças ocorridas na esfera da prática pedagógica, mas em toda essa trajetória o formalismo, a memorização e o velho método expositivo estiveram sempre a frente do ensino.
Cunha (2005), ao tratar sobre a idéia de trabalho e profissão docente, enfatiza que mesmo no século XX ainda persistia a compreensão da tarefa docente como sendo uma atividade superior, acima dos interesses materiais, quase uma missão. Justifica essa construção imaginária pela origem histórica do magistério ligada à catequese e à vocação, entendida como um chamamento divino. E alerta que, embora as alterações quanto à visão de professor como aquele cuja ação era legitimada por um dom intrínseco, as mudanças iniciais não foram tão profundas como se pretende. Na verdade:
“A força do paradigma positivista e a construção da ciência moderna re-configuraram o trabalho do professor numa direção aparentemente diferente. Na prática, porém, muito semelhante à anterior, apenas substituindo o dogma religioso pela lógica da ciência da natureza. Como a neutralidade é um valor para esta compreensão do mundo, os professores reproduziram esta referência, tornando-se paladinos do conhecimento que imaginavam desinteressado, capazes de muitos sacrifícios para ver iluminar os caminhos da liberdade, da democracia e de quase todas as bandeiras de ideologia liberal”. (Cunha, 2005, p.100)
O permanente estado de crise (social, econômica, ética, política) que a atual realidade apresenta passou a exigir que a Universidade assuma seu papel de mobilizadora da reflexão crítica desta situação, e, por conseguinte, que se imprima à docência nova configuração condizente com as necessidades que emergem desta realidade.
Assim, o modelo de organização e as formas de conduzir o ensino, calcados na centralização das decisões e na prática pedagógica fundamentada na memorização e no imediatismo, ficam aquém da necessária visão criativa e inserção crítica na sociedade, que, segundo Cabral Neto (2000, p.17) “implica em ultrapassar a visão restrita de educação que se vincula prioritariamente às demandas do mercado”, atendendo suas necessidades, porém sem tornar-se refém do mesmo.
Nessa esteira, Lôbo (2000) ao manifestar-se sobre o perfil de profissional que os cursos jurídicos têm por meta, alerta que devem prover os estudantes de ferramentas conceituais que lhes permitam a autonomia e criticidade necessárias ao desenvolvimento do perfil de profissional do Direito qualificado, ético e competente, capaz de manejar o material jurídico em constante mudança. E, indicando os pontos nevrálgicos da realidade social a que se destina o seu fazer, conclui:
“[…]um dos grandes desafios da educação jurídica é a capacitação do profissional para atuar na sociedade do século XXI, legatária das magnas questões não resolvidas no século que se vai: os direitos humanos, a democratização, a qualidade de vida e a justiça social.” (Lobo, 2000, p. 162)
Diante do exposto, a tarefa de definir, organizar, estabelecer rumos e estratégias que permitam viabilizar rupturas com a situação vigente na busca da construção de utopias (no sentido freiriano do inédito possível), concentra-se no Projeto Pedagógico, entendido como “um novo instrumento de gestão acadêmica, articulado com o sistema educacional e com as demandas da sociedade”. (Silva, 2000, p.30)
3. A FORMAÇÃO DOCENTE CONTINUADA
A concretização das mudanças educacionais necessárias ao atendimento da emergente realidade social, exige um professor preparado para atuar em conformidade com as propostas criadas.
Apenas a motivação para a mudança que se pretende não basta; é fundamental a preparação que dê o substrato necessário à prática pretendida, sem a qual a concretização do projetado inviabiliza-se por simples incapacidade daqueles diretamente responsáveis pela sua realização. O que se quer dizer é que nem sempre a postura de conservadorismo do professor frente à tarefa de ensino está intimamente ligada à convicção de que essa é a melhor pedagogia. A falta de momentos propiciadores de debates entre os pares a respeito da natureza de seu trabalho, a ausência de socialização de experiências pedagógicas, a precariedade de atualização, não apenas na sua área de conhecimento, mas sobretudo das questões sociais, favorecem o isolacionismo e a conseqüente fragmentação do saber, respaldadas numa falseada visão democrática de não interferência. E muitas vezes o que precisa ser feito simplesmente deixa de ser por puro desconhecimento de como fazê-lo, ou pelo conflito a que se expõem por se encontrarem em diferentes processos de questionamento quanto à concepção de valores, visão da realidade, utopias.
Assim, a preparação do professor para engajar-se nesse processo de construção da reflexão crítica que se deseja fomentar, a partir do projeto pedagógico, é exigência fundamental.
Demo (1994), ao falar sobre plano pedagógico, salienta o papel do professor na sua concretização. Partindo do pressuposto de que educação não se restringe ao aspecto da formação política, mas abrange plenamente a competência em termos de manejar e produzir conhecimento, invoca a importância da capacidade dos professores de montar didáticas participativas e construtivas, que desafiem os estudantes a serem sujeitos do processo e não meramente objetos. E salienta que este fazer implica em dois horizontes de competência:
“a) de um lado, capacidade de elaboração própria, de pesquisa, de teorização das práticas, de produção crítica e criativa;
b) de outro, habilidade de orientar os alunos a serem críticos e criativos avaliando-os pelo critério do saber pensar e (re)criar conhecimento, não pela atitude receptiva e copiadora.” (Demo, 1994, p.224)
O professor, portanto, precisa estar preparado e preparar o estudante para que as aulas não sejam apenas repasse de conhecimento alheio, mas, sim, que assumam a função de instrumentalização na busca da capacidade de construir o próprio conhecimento.
Também Santiago (s.d) aponta a importância da preparação docente. Ao discorrer sobre a necessidade de gestar um novo Projeto Pedagógico pautado na demanda que a sociedade está exigindo, – cidadãos e profissionais com capacidade crítica e criativa -, salienta a defasagem das práticas pedagógicas tradicionais pautadas na memorização e na reprodução de informações, ou no treinamento para “saber fazer”. Insistindo na necessidade de reorganização da escola alicerçada em nova concepção de conhecimento que dê suporte às mudanças necessárias, ela alerta:
“Essa expectativa em relação à escola exige dos educadores uma vigilância permanente em relação a sua qualificação e atualização na chamada “formação continuada”, já que uma prática pedagógica consciente e conscientizadora requer profissionalização (formação adequada e atualização) para que se criem as possibilidades de: compreensão das políticas mais amplas com ingerências nas singularidades locais; estabelecimento de relações; domínio da estrutura básica dos conteúdos escolares que permita ao professor selecionar e abordar adequadamente os conhecimentos mais significativos; organização e condução de projetos pedagógicos contextualizados e consequentes”. (Santiago, s.d., pp161-162)
A referida formação continuada, além de fundamental ao desenvolvimento de uma pedagogia crítica e criativa, apresenta outra importante relação: a que deve ocorrer com a segurança no desempenho da atividade de ensino.
Freire (2007), discorrendo sobre os saberes necessários à prática educativa, alerta que ensinar exige competência profissional. E, relacionando-a diretamente com a segurança com que a autoridade docente se move, ressalta a importância da permanente formação docente, quando diz:
“O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. […] a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.” (Freire, 2007,p.92)
A constante atualização do professor, portanto, é elemento imprescindível à construção do Projeto Pedagógico, entendido como compromisso coletivo, seja para a definição das diretrizes utópicas coerentes com o momento histórico, seja para a concretização das ações previstas.
No que tange ao ensino jurídico, a atualização reflete-se numa postura de permanente revisão e reconstrução do conhecimento, a partir de visão do Direito como “sistema complexo, contraditório e condicionado (e não determinado) histórica e culturalmente.”(Mädche e Phitam, 2000, p.65)
Trata-se de visão integral que entende a complexidade do fenômeno jurídico, dotado de inseparáveis dimensões normativa, fática e ética, sem absolutização de qualquer desses enfoques (dogmático, sociológico ou filosófico), pois conduziria a um errôneo reducionismo unidimensional. Ou seja, a visão dialética, tridimensional de que fala Miguel Reale (1994, p.121): “O Direito é sempre fato, valor e norma, para quem quer que o estude, havendo variação no ângulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, de ordem metodológica, segundo o alvo que se tenha em vista atingir.”
Dessa forma, a atualização não se contenta com o conhecimento das disposições legais específicas da área do Direito em que o professor atua, posto que esta é o mínimo que se poderia esperar, e nem com o estudo das tendências jurisprudenciais dominantes. Mas vai além: exige um olhar atento às transformações sociais, às novas demandas da sociedade, um olhar que busque além do estabelecido, para poder influir nesta ordem, gerando as mudanças necessárias.
A pesquisa acadêmica, aliada ao trabalho de extensão, é fundamental para essa sintonia com a realidade. O problema que se enfrenta é que a concepção dominante sobre pesquisa no Direito restringe-se à interpretação de dados obtidos através de compilação legislativa, doutrinária ou jurisprudencial e, com isso, perde-se a oportunidade de forjar um novo Direito.
Mädche e Pithan (2000), ao se manifestarem sobre a pesquisa acadêmica no Direito, salientam a confusão que geralmente se estabelece quando interpretam-se os dados por métodos de investigação dogmática como metodologia científica, e alertam:
“Ocorre que, ao fazer tal confusão, reproduz-se conhecimentos antigos, embasados no argumento de autoridade e não se procura reconstruir a ciência jurídica – tradicionalmente conservadora e em descompasso com os avanços sociais. Desse modo, verifica-se que a teoria produzida (ou reproduzida) no Direito, ao invés de se valer dos problemas práticos na busca de transformações sociais, teima em reproduzir o entendimento descontextualizado de institutos jurídicos hoje anacrônicos.”
E, continuando, exemplificam:
“Se a problemática elaborada pelo investigador do Direito se resumir em uma questão formal jurídica (por exemplo, saber se a cobrança de determinado imposto é ou não constitucional, sem atentar para os desdobramentos sociais e valorativos da questão), se estará amputando o objeto de conhecimento e a conseqüência será uma visão unidimensional e fragmentada do fenômeno jurídico”. (Mädche e Pithan, 2000, p.62).
Por fim, concluem que tanto o aspecto teórico quanto o prático do fenômeno jurídico são valorizados pelo enfoque dialético da pesquisa, por considerar que a teoria se qualifica ao explicar a prática.
Nessa esteira, Demo (1992) diz que a definição mais apropriada de pesquisa é a que a considera como um dialogar com a realidade, porque a apanha como um princípio científico e educativo. E deixa clara a capacidade de intervenção no estabelecido, ao afirmar que “quem sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania.” (Demo. 1992, p.42)
A atualização essencial ao preparo do professor de Direito para atuar como sujeito, e não objeto, do processo de construção coletiva do Projeto Pedagógico de seu curso necessita, também, estar voltada para a prática pedagógica adotada.
Se adotada uma concepção de Direito que reduz seu objeto de estudo às fontes formais, o modelo juspositivista de ensino, centrado na aula exclusivamente expositiva, que se presta muito bem à continuidade do isolacionismo, do formalismo, sem dúvida, atende satisfatoriamente às suas necessidades. Mas também transforma as Faculdades de Direito em “faculdades de leis” onde o conhecimento confundido com informação, e a equivocada sinonímia entre Lei e Direito geram uma ilusória segurança, fácil e rapidamente desmontada pela realidade após o curso.(Junqueira, 1999)
Aliado às práticas autoritárias, desprovidas de possibilidade de reflexão e manifestação criativa, o vício do ensino basicamente textual inviabiliza a presença da concretude da sociedade na reflexão e prática jurídicas. Nesse tipo de ensino a visão de mundo é mediada pelos textos legais; assim, a norma jurídica, que representa meio de controle social de condutas, originário de poder constituído (legítimo ou não) torna-se, ela própria, fim em si mesma. Essa prática tem reflexos na formação do profissional favorecendo, fundamentalmente, o surgimento de um técnico, com a prática divorciada da reflexão das necessidades da sociedade em que se insere. E, com isso, conforme o que segue, há separação entre o exercício da cidadania e o da profissão, o que significa dividir o próprio ser humano que exerce a profissão:
“Com essa prática ensinada o advogado corre o risco de se tornar insensível para as demandas sociais antigas e novas. O mundo é o da norma e não o das necessidades sociais e o dos exercícios dos poderes. Com isso as transformações sociais passam ao largo das cabeças dos estudantes de Direito e dos operadores jurídicos que concluíram os cursos de bacharelado. Os cursos são insossos em termos sociais. Enquanto conjunto de atividades pedagógicas as grandes demandas da atualidade não são consideradas. Parece que eles estão fechados no interior de quatro paredes e enclausurados no mundo dos textos superficialmente lidos. Os cursos não têm linhas de pensamento claras, mesmo que plurais, não se manifestam perante os grandes problemas da atualidade, não propõem soluções novas, não querem ser sujeitos da história brasileira e não apresentam respostas jurídicas eficazes aos conflitos e problemas novos que vão aparecendo. Correm o risco de se tornarem depositários das noções do ontem”. (Comissão de Ciência e Ensino Jurídico da OAB, 1996, p.23)
Por outro lado, se concebida uma concepção dialética do Direito, como ciência dotada de três dimensões complementares e indissociáveis – a normativa, a fática e a axiológica – , há que se adotar pedagogia coerente com essa visão. Uma pedagogia que liberte, que estimule a autonomia intelectual, tornando o estudante sujeito do processo de ensino e não objeto, tomando como ponto de partida e chegada a realidade em que pretende intervir.
A coerência com o acima exposto conduz a uma concepção metodológica de ensino que favoreça a derrubada da visão dicotômica teoria/prática na forma como se concebe o conhecimento.
Mädche e Pithan (2000) analisam a possibilidade de a metodologia do ensino dialética, estruturada a partir da concepção de homem como ser ativo e de relações, poder contribuir para essa necessária superação. Em função da teoria dialética do conhecimento entender o homem como ser de relações, a metodologia dialética de ensino encara o estudante como o construtor de seu próprio conhecimento, a partir de suas relações com os outros e com o mundo. Portanto, trabalhar com a metodologia dialética implica partir da prática, teorizar sobre ela e voltar à prática para transformá-la. A realidade é início, meio e fim do processo de ensino.
Assim,
“Partir da realidade significa reconhecer que a realidade é, por natureza, contraditória. E é a partir das contradições encontradas na realidade que se buscará sua superação, ou seja, na construção do conhecimento com objetivo de alterar a realidade prática”.( Mädche e Phitam, 2000, p. 66)
Desse modo, a concepção dialética do ensino permite e exige do estudante postura atuante, crítica e criativa. Ele deixa de ser o simples repositório do saber do professor para se tornar sujeito na construção de seu próprio conhecimento. Funde-se a dicotomia objeto/sujeito do conhecimento, fundindo-se a dicotomia teoria/prática. E o professor passa a atuar como mediador entre o aprendiz e o conhecimento, na tarefa de criar condições para ocorrência de aprendizagem significativa.
Esse novo paradigma de aprendizagem, nos cursos jurídicos, implica grande transformação de mentalidade, tanto do professor como do estudante. Exige a derrubada de modelos históricos de professor e estudante, respectivamente entendidos como a fonte da sapiência e o repositório do saber. Exige a substituição das figuras do professor-informador e aluno-ouvinte, pelo professor-mediador e estudante-pesquisador. A mudança necessária não é tarefa das mais fáceis, pois a manutenção deste estado de coisas atende a interesses, às vezes presentes, de ambas as partes: o da primeira em manter a comodidade que representa a simples transmissão de informações, e o da segunda, a facilidade em apenas repetir as informações.
Além disso, essas novas figuras tornam imprescindível o estabelecimento de vínculo entre professor e estudante que favoreça a confiança, a amizade, o respeito, a segurança, que redundam em estímulo ao surgimento da criticidade e da criatividade.
Melo Filho(2000) ao analisar a questão pedagógica e a qualidade no ensino jurídico conclui que “os maiores estorvos e as mais renitentes barreiras para mudanças qualitativas no ensino do Direito assentam-se numa “fossilizada” e esteriotipada postura juspedagógica”, e que a “reengenharia didático – jurídica não é uma questão simples, pois, os professores de Direito são, em sua maioria, indiferentes e refratários às alterações nos métodos de ensino […]” E, citando Paulo Freire, diz que as palavras do educador retratam lapidarmente os vícios, as distorções, o “estrabismo” juspedagógico, quando afirma:
“Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque, recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora, porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço e de recriação e de procura. Exige reinvenção”. (Freire apud Melo Filho, 2000, p.42)
Atualizar-se pedagogicamente, portanto, pressupõe, em primeiro lugar, reflexão sobre a prática pedagógica adotada e a existência ou não de coerência entre a concepção de Direito, que acredita e defende, e a metodologia de ensino com que medeia o processo cognitivo dos estudantes.
Nalini (1994), ao apresentar proposta de elevação de qualidade do ensino jurídico, também ressalta a importância da formação do professor, e manifesta que se mostra incontornável enfrentar a ausência de pedagogia própria e de metodologia específica para o ensino jurídico. Por isso os docentes dos cursos de Direito precisam adotar atitude reflexiva em torno da metodologia de ensino que melhor atenda às características próprias do ensino jurídico na concretização da educação jurídica voltada para o enfrentamento e a mudança.
Continuando a tratar dessa questão, estabelece estreita relação entre o fazer-pedagógico e a conscientização moral do professor quanto ao reflexo que esta sua ação terá na sociedade. E alerta:
“[…] mais do que formação pós-graduada e pedagógica, tem-se de investir na conscientização moral do professor. Ele deve estar permanentemente a se auto-indagar se está realmente contribuindo para construir a posteridade, ou se já se resignou à situação de desalento que impregna sua atuação”. (Nalini, 1994, 251)
Essa visão da formação do professor intimamente ligada a profunda consciência de seu papel educativo remete à questão da ética no desempenho de sua atuação docente. A auto-crítica, a reflexão, a constante revisão de suas concepções são elementos fundamentais para o desempenho sério e comprometido com a qualidade, revelando preocupação ética. “Os professores devem se questionar se estão investindo em si próprios o suficiente em termos de acrescentamento. E se estão colocando o seu talento direcionado à formação de quem os substituirá, na escola e na profissão.”(Nalini, 1994, p.252) Isso é trabalhar a sua formação com preocupação ética.
A formação do professor, portanto, constitui-se num processo de construção ao longo de sua trajetória profissional que implica contínua reflexão e reestruturação de sua identidade como educador. Tarefa bastante complexa quando se trata do docente universitário, pois, como salienta Lucarelli(2000, p.61) “o lugar da especialidade científica, artística ou humanística na consideração da capacitação do docente universitário ofuscou historicamente a dimensão pedagógica de seu desempenho – e portanto de sua formação”
Assim, ainda segundo a autora citada, o docente universitário estabelece uma estreita identificação com o título que lhe foi conferido pela sua graduação, reconhecendo a si mesmo pela profissão de origem. Essa característica, aliada à escassa ênfase geralmente dada nas instituições sobre a necessidade da formação no aspecto do ensino e do pedagógico em conjunto conduzem a entendimento não muito claro sobre sua prática profissional no contexto da instituição: a prática de ensinar? A prática especializada para a qual foi habilitado em seu campo específico?
A complexidade da questão envolve a construção de identidade, abarcando a discussão das representações e das atitudes em torno do que seja ensinar. O que, pelo exposto, indica a concepção de ensino defendida por Zabalza(2004, p.123) quando diz:
“[…] ensinar não é só mostrar, explicar, argumentar, etc. os conteúdos. Quando falamos sobre ensino, aludimos também ao processo de aprendizagem: ensinar é administrar o processo completo de ensino-aprendizagem que se desenvolve em um contexto determinado, sobre certos conteúdos específicos, junto a um grupo de alunos com características particulares”.
Assim, é fundamental o favorecimento de situações de discussão em busca do esclarecimento e do consenso necessários para que o poder e o prestígio que hoje provêm da docência universitária como domínio de campo específico do saber, passe a originar-se do saber pedagógico.
Investir na formação continuada do professor exige, em primeiro lugar, a derrubada da idéia ainda prevalente de que “se aprende a ensinar ensinando”. Idéia que pode justificar a resistência de professores universitários em discutir a sua formação, “a qual é dada como certa (para isso existem os sistemas de seleção e ingresso, ou é incumbência do professor universitário, ninguém melhor do que ele sabe de que tipo de formação necessita; por isso, buscará meios de ler ou de se inteirar dos fatos por conta própria)”. (Zabalza, 2004, p.146)
Resistência que possivelmente apresenta estreita relação com o sentimento de autonomia de que se reveste o professor universitário, e da relação estabelecida entre sua identidade como professor e sua atividade profissional específica, gerando a idéia de que ninguém poderá ensinar algo que ele já não saiba, idéia que segundo Zabalza (2004) se constitui num empecilho aos possíveis candidatos a formadores. Assim, deixado a sua própria iniciativa, o professor, por motivos que podem variar do desinteresse à dificuldade, muitas vezes termina por buscar de forma assistemática, ou postergar indefinidamente a continuidade de sua formação. Com isso criam-se possibilidades de queda na qualidade do ensino ministrado, e prejuízos à instituição, ao estudante e à própria sociedade.
Faz-se necessário, portanto, discutir a quem deve caber a responsabilidade de gerenciar a formação continuada do professor.
Zabalza (2004) ao manifestar-se sobre este tema considera que a principal responsabilidade compete à instituição, representada por suas instâncias superiores, a quem cabe definir prioridades e linhas básicas da política de formação, assim como viabilizar os recursos necessários a sua implementação. Porém, muitas vezes estas políticas de formação não atendem às reais necessidades dos professores, o que termina por tornar ineficaz o esforço empreendido. Isso, justifica posicionamento que remete aos professores, e às unidades a que pertencem, a responsabilidade pelo sistema de formação. No entanto, tal situação poderá levar a fragmentação e dispersão de esforços, dificultando o estabelecimento de linhas coerentes de ação que caracterizem um sistema coeso.
Diante desses posicionamentos, que apresentam prós e contras para sua adoção isolada, o autor ressalta a necessidade de ser buscada solução construída a partir da integração desses dois pólos.
“É preciso algumas metas de política de formação que devem ser projetadas pela própria instituição e que devem envolvê-la por completo, garantindo, com isso, o compromisso institucional e a disponibilidade de recursos para a sua implementação. Uma dessas metas será atribuir um papel especial ao diagnóstico das necessidades formativas e ao planejamento das estratégias mais adequadas para as faculdades e para os departamentos da universidade”. (Zabalza, 2004, p.161)
Comungando com as idéias do autor, entendo que os esforços de cada um serão sempre valiosos quando se trata da formação individual. Porém, como nossa ação em conjunto transcende o que cada um de nós representa no todo, considero imprescindível que essa tarefa reflita a política institucionalmente adotada, pois seus resultados extrapolam os limites da instituição se fazendo sentir na sociedade em que essa instituição pretende intervir através dos profissionais que forma.
No que se refere a este tema, um ponto parece inquestionável: a importância, e necessidade, da formação continuada do professor tanto no seu aspecto técnico como no pedagógico.
4. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO SUPERIOR
O comportamento humano lastreado na arrogância, na prepotência e na ganância, com que o ambiente vinha sendo tratado impediu que o óbvio fosse visto: a limitação dos recursos naturais e a inter-relação existente entre esses e o ser humano. E dificultou, principalmente, que fosse percebida a relação de nexo causal entre a qualidade da atuação humana no ambiente e a qualidade da vida humana.
Nessa esteira, Reigota (1994, p.9), ao analisar as causas da crise ambiental, enfatiza:
“[…] o problema ambiental não está na quantidade de pessoas que existe no planeta e que necessita consumir cada vez mais os recursos naturais para se alimentar, vestir e morar. É necessário entender que o problema está no excessivo consumo desses recursos por uma pequena parcela da humanidade e no desperdício e produção de artigos inúteis e nefastos à qualidade de vida.”
Esse comportamento de dominação e exploração originou a sociedade consumista de recursos, capitais e bens que hoje se vivencia, valorizadora da acumulação material, da competição exacerbada, do individualismo egoísta.
Resultante de uma postura do ser humano como o centro e senhor dominador de todas as partes que compõem a natureza, desapercebendo-se das relações de interdependência existentes entre os elementos do meio ambiente, o consumismo exacerbado decorre e provoca a crise de valores e de paradigmas que põe em cheque este modelo de civilização.
No contexto acima referido, a educação assume relevante destaque, considerando-se seu papel formador de atitudes, de valores, de conhecimentos.
A Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, reconheceu a importância da Educação Ambiental como elemento crítico para o combate à crise ambiental, e recomendou o treinamento de professores e o desenvolvimento de métodos e recursos instrucionais apropriados.
Em consonância com a Recomendação 96 da Conferência de Estocolmo, realizou-se em Belgrado, Ioguslávia, em 1975, o Encontro de Belgrado, que formulou princípios e orientações para o programa de educação ambiental mundial. Seu ponto de maior relevância é a indicação da necessidade de nova ética global, fundamental para o enfrentamento da crise posta, e a relação com o processo educativo para que se possa alcançá-la. A Carta de Belgrado é contundente quando diz:
“[…] Nós necessitamos de uma nova ética global – uma ética que promova atitudes e comportamentos para os indivíduos e sociedades, que sejam consonantes com o lugar da humanidade dentro da biosfera; que reconheça e responda com sensibilidade às complexas e dinâmicas relações entre a humanidade e a natureza, e entre os povos. […] A reforma dos processos e sistemas educacionais é central para a constatação dessa nova ética de desenvolvimento e ordem econômica mundial. Governantes e planejadores podem ordenar mudanças, e novas abordagens de desenvolvimento podem melhorar as condições do mundo, mas tudo isso se constituirá em soluções de curto prazo se a juventude não receber um novo tipo de educação. Isto vai requerer um novo e produtivo relacionamento entre estudantes e professores, entre a escola e a comunidade, entre o sistema educacional e a sociedade. […] É dentro deste contexto que devem ser lançadas as fundações para um programa mundial de Educação Ambiental que possa tornar possível um desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades, valores e atitudes, visando a melhoria da qualidade ambiental e, efetivamente, a elevação da qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.” (Dias, 1998,p.60)
Também a Conferência de Tbilisi, realizada pela UNESCO, em 1977, na ex-URSS, deixa claro que “a educação deve desempenhar uma função capital com vistas a criar a consciência e a melhor compreensão dos problemas que afetam o meio ambiente”. E ressalta a importância do espírito geral de participação, de solidariedade e equidade na busca da nova ética baseada no respeito à natureza, ao ser humano, à sua dignidade, ao futuro, à imprescindível qualidade de vida acessível a todos. Nesse contexto a Educação Ambiental deve:
“[…] preparar o indivíduo mediante a compreensão dos principais problemas do mundo contemporâneo, proporcionando-lhe conhecimentos técnicos e qualidades necessárias para desempenhar uma função produtiva, com vistas a melhorar a vida e proteger o meio ambiente, prestando a devida atenção aos valores éticos.” (Dias, 1998, p.62)
Dias (1998) enfatiza o estabelecimento de relação entre o enfoque global adotado pela Educação Ambiental, sustentado por base interdisciplinar, e o reconhecimento da existência de interdependência entre as dimensões natural e artificial do meio, “demonstrando a continuidade dos vínculos dos atos do presente com as conseqüências do futuro, bem como a interdependência entre as comunidades nacionais e a solidariedade necessária entre os povos.” (Dias, 1998, p. 62-63)
A questão da Educação Ambiental como eminentemente interdisciplinar, transformadora de valores e atitudes, criadora de nova ética, com vistas à obtenção de qualidade de vida e equilíbrio local e global do meio, tem-se feito presente ao longo da trajetória das discussões sobre o tema. A consolidação dessas diretrizes são reafirmadas no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades e Responsabilidade Global, produzido ao final da Jornada Internacional de Educação Ambiental, ocorrida em 1992, durante a Rio 92, como se pode perceber no trecho retirado da introdução do documento:
“Consideramos que a Educação Ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservem entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário”. (Guimarães, 1995, p.28)
A Recomendação nº 13, da Conferência de Tbilisi, ao ressaltar a função formadora e disseminadora de conhecimento da Universidade, elucida sobre a abordagem da Educação Ambiental no ensino superior, e enfatiza a prática, a teoria e a interdisciplinaridade.
Assim expressa a recomendação:
“Recomendação nº 13
Considerando que as universidades – na sua qualidade de centro de pesquisa, de ensino e de pessoal qualificado no país – devem dar, cada vez mais, ênfase à pesquisa sobre educação formal e não-formal.
Considerando que a educação ambiental nas escolas superiores diferirá cada vez mais da educação tradicional, e se transmitirão aos estudantes os conhecimentos básicos essenciais para que suas futuras atividades profissionais redundem em benefícios para o meio ambiente, a conferência recomenda:
a) que se examine o potencial atual das universidades para o desenvolvimento de pesquisa;
b) que se estimule a aplicação de um tratamento interdisciplinar ao problema fundamental da correlação entre o homem e a natureza, em qualquer que seja a disciplina;
c) que se elaborem diversos meios auxiliares e manuais sobre os fundamentos teóricos da proteção ambiental.” (Dias, 1993, pp72-73)
Silveira (1998), ao abordar a interdisciplinaridade na educação ambiental, ressalta que ela se refere a situação problemática que, a partir do diálogo entre as dimensões históricas, científicas, políticas, tecnológicas, culturais sociais, econômicas, metodológicas e do senso comum, relativas ao tema enfocado, possa ter sua complexidade, globalidade e singularidade melhor compreendidas e construídas. Isto é, “a trajetória inter se faz através de alianças entre saberes comprometidos com um objetivo comum.” (Silveira, 1998, p.233)
Esse diálogo pressupõe a associação da atitude reflexiva com a ação; da teoria com a prática realizando, assim, a práxis.
A importância dessa interação e ressaltada por Guimarães (1995, p.32) quando, remetendo a Paulo Freire, explicita que “apenas a ação gera um ativismo sem profundidade, enquanto apenas a reflexão gera uma imobilidade que não cumprirá com a possibilidade transformadora da educação”.
O indicativo, portanto, é “partir de uma problemática concreta buscando parcerias para criar novos conhecimentos e novas realidades conseqüentes para a superação dessa problemática” e assim se constituir numa “vertente de solidariedade com as gerações futuras” (Silveira, 1998, p.252) O que remete à postura dialética de ensino, anteriormente apresentada, defendida por Mädche e Pithan (2000).
A Educação Ambiental assim entendida como um saber dialeticamente construído não pode ser considerado área profissional específica de nenhuma especialidade do conhecimento.
Nesse sentido, Pedrini (1998, p.15) esclarece a dimensão da importância da Educação Ambiental ao considerá-la como “uma das possibilidades de reconstrução multifacetada, não cartesiana do saber humano”, e caracterizá-la como dimensão da educação que propugna pela transformação de pessoas e grupos sociais.
Silveira (1998, p.244) ao analisar a ocorrência da dimensão ambiental nas ciências sociais, cita Moraes, para dizer que a necessidade prioritária é a formação de “massa crítica” no interior das estruturas já existentes, e considera que o próprio diálogo estabelecido para a formação dessa “massa crítica” poderá atrair a incorporação da Educação Ambiental nos cursos das ciências humanas. Para isso, considera-se fundamental possibilitar situações de pesquisa, de troca de informações, de debate, de sensibilização para as questões socio-ambientais, sempre partindo de situações problemáticas identificadas na realidade, local ou não.
Ao apontar algumas perspectivas para a Educação Ambiental na educação superior a autora torna evidente essa necessidade. Das propostas apresentadas destacam-se as seguintes:
“- Desenvolvimento de estudos e atividades para definir atribuições sócio-ambientais específicas dos diferentes profissionais nas diversas áreas do conhecimento.
– Estabelecimento de consórcios/convênios multilaterais nos níveis nacional e internacional, com universidades, institutos de pesquisa, setor produtivo, ONGs, organizações governamentais, etc. para prever e superar impactos sócio ambientais, e promover programas de Educação Ambiental, presencial e a distância para as populações envolvidas.
– Realização de pesquisas interdisciplinares, a partir de problemas sócio-ambientais concretos visando criar novos conhecimentos e novas realidades na comunidade.
– Incorporação da temática sócio-ambiental nas ementas de todas as disciplinas dos cursos pós-graduação e de graduação de todas as áreas do conhecimento e a criação de áreas temáticas sócio-ambientais em seus currículos.” (Silveira, 1998, p. 250-251)
A realização dessas proposições exige prática pedagógica criativa e democrática, cuja base se assente no diálogo, visando à formação de profissionais-cidadãos capazes de entender e atuar nas questões sócio-ambientais com dialogicidade.
Necessita, portanto, docentes preparados para o desempenho eficiente dessa proposta. Preparação que envolve a formação continuada no seu tríplice aspecto: técnico, pedagógico e ético. Ou seja, docentes cujo conhecimento específico na área esteja constantemente atualizado; com prática pedagógica diversificada e inovadora de modo a atender as especificidades de sua área e dos discentes com quem atua; e, consciente dos reflexos individuais e sociais de sua atuação docente, busque o incremento de sua formação como forma de responder eticamente à responsabilidade que seu trabalho pressupõe.
E o projeto pedagógico, entendido como processo baseado em idéias e ações, que por sua vez refletem interesses e o envolvimento com a realidade social, devendo espelhar o consenso da comunidade a que serve (educacional e social), torna-se o instrumento por excelência para a promoção da Educação Ambiental, enquanto processo participativo através do qual o indivíduo e a coletividade adquirem conhecimentos, valores, posturas, construindo nova visão das relações do ser humano com o meio.
5. PERTENCIMENTO E A ATIVIDADE DOCENTE
Segundo Lestinge (2004) a importância do conceito de pertencimento pode ser explicada na frágil relação do ser humano com o seu entorno, caracterizada por desenraizamento que, supostamente, conduz a não responsabilidade. Além disso, a autora enfatiza a existência de grave crise de percepção representada por “um estado de desconexão com a realidade espaço-temporal, associada à dificuldade de articulação política e social na busca de soluções responsáveis (preventivas, mitigadoras e compensatórias) para os desastres sócio-ambientais” (Lestingue, 2004, p.40).
Embora esta afirmativa esteja mais diretamente relacionada à situação vivida pelo meio em uma macro acepção, é possível projeta-la no que poderíamos conceituar como micro concepção de meio representada pelo ambiente no qual o profissional da educação desenvolve suas atividades.
Para isso, considerando que o conceito de pertencimento pode, para fins didáticos, ser bi-partido em sentimento por um espaço territorial (ligado a uma realidade política, étnica, social e econômica) e sentimento de inserção, de integração do sujeito a um todo maior, numa dimensão não apenas concreta, mas também abstrata e subjetiva, é fundamental verificar até que ponto o professor percebe-se vinculado, não apenas legalmente, mas afetiva e emocionalmente ao lugar e ao grupo humano que constituem seu ambiente profissional.
A ausência ou enfraquecimento desse sentido de pertencimento pode ser o elemento desencadeador da passividade, da falta de cooperação com as propostas institucionais, da ausência de sentimento de responsabilidade para com sua tarefa educativa e para com o ambiente físico em que a desenvolve, ou seja, um sentimento de distanciamento através do qual, consciente ou inconscientemente, pode ser justificada sua ausência de comprometimento e conseqüente irresponsabilidade para com o fazer educativo, e, em última análise, para com sua formação.
Giesta (2000) ao discutir ambigüidades dos profissionais e mantenedores das escolas públicas, observando a situação desagradável a que são submetidos os estudantes, considera a possibilidade de indagações que abarquem os motivos pelos quais escolas historicamente reconhecidas pela sua qualidade estão relegadas ao abandono; e também quanto à justiça de se permitir que os estudantes estejam expostos a essa situação.
Além disso, a autora ressalta que em investigações realizadas no cotidiano escolar dessas instituições não é evidenciada, nem nos estudantes, nem nos professores, identificação com a escola. Mas observa, também, que em algumas escolas públicas o ambiente apresenta-se muito melhor do que em outras, e relaciona esta situação à interação que se estabelece entre as pessoas e o meio, o que permite que o meio expresse a sensibilidade de seus integrantes.
A realização participativa do projeto pedagógico parece estar intimamente ligada, além da questão de poder, também a um sentimento de comunhão com o meio educacional em que está inserido, em seus aspectos físico e humano. Ou seja, o sentimento de fazer parte daquele meio. O que remete ao sentimento de pertencimento ou pertença, como possibilidade de justificar o engajamento , ou não, na definição e concretização das utopias contidas nos projetos pedagógicos. Concretização cujo cerne se encontra na formação docente, em seu tríplice aspecto: técnico, pedagógico e ético.
As observações acima conduzem à possibilidade de conclusão sobre a importância que a existência do sentimento de pertencimento ao ambiente de trabalho pode ter para a atuação daqueles diretamente envolvidos no processo educativo.
E, considerando a importância que essa ocorrência pode trazer ao engajamento do docente na construção do projeto pedagógico, na sua formação continuada e conseqüentemente na intervenção que se fará sentir na sociedade, parece imprescindível aprofundar investigação sobre o sentimento de pertencimento, dos professores, com relação ao ambiente em que realizam sua atividade docente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo educativo em geral, e o ensino jurídico em especial, têm em sua gênese a marca da acriticidade e discursividade, sendo a memorização o elemento que melhor a retrata. Características que o atual estágio de desenvolvimento da sociedade e a situação de degradação do Planeta não mais comportam.
A necessidade de novo perfil de professor e de estudante emerge como reclamo da sociedade, é estabelecido pelas disposições legais, e se pretende concretizado pelo fazer educativo, constantemente aperfeiçoado pela formação continuada.
Para tanto, o papel do projeto pedagógico é fundamental. Como catalizador dos interesses coletivamente defendidos, em suas dimensões política e pedagógica mostra-se instrumento imprescindível na definição da proposta de trabalho na qual, entre outros, poderão ser traçados princípios e estratégias para a formação continuada do docente. Formação que tem papel fundamental na caracterização do processo de ensino-aprendizagem que o momento exige: calcado na construção do conhecimento a partir de diálogo com a realidade, ou seja, num processo dialético, entendido como movimento que parte do real e se eleva até a mente, mostrando a provisoriedade das coisas e das pessoas e conduzindo o sujeito a novas descobertas. Ou seja, favorecendo a construção do sujeito interdisciplinar (Barbosa, 1999)
Nessa construção é importantíssima a introdução de razão aberta defendida por Morin (2005) para sugerir a viabilidade de um conhecimento ilimitado e não fechado sobre si mesmo, sinalizando a importância de ser considerado o retorno do indivíduo a sua subjetividade, interioridade, tanto para a sua vida como para construir seu conhecimento.
Em resumo, a nova realidade social exige autonomia intelectual, capacidade para enfrentar o novo, habilidade para lidar consigo e com o outro. E a Educação Ambiental mostra-se propiciadora da construção deste sujeito pretendido, uma vez entendida como saber dialeticamente construído, transformadora de valores e atitudes, propiciadora de nova ética visando a obtenção da qualidade de vida e equilíbrio local e global. Para tanto, utilizando os elementos de interdisciplinaridade, da reflexão crítica e da dialética como indica a Recomendação nº 13, da Conferência de Tbilisi, ao se referir aos elementos caracterizadores da abordagem de Educação Ambiental no ensino superior.
Permeando esse processo, e favorecendo sua concretização, está o sentimento de pertencimento. Pertencimento ao macro e ao micro meio. Sentimento que merece investigação mais profunda, considerando as conseqüências que a sua presença, ou ausência, pode gerar.
Por fim, destaco, como sintetizadores do que foi tratado, dois pensamentos clássicos em educação citados por Loureiro(2004): “A educação é um ato político” (Paulo Freire) uma vez que constrói por meio das relações sociais e pedagógicas a base instrumental, a consciência política, a capacidade crítica, para intervir na História buscando a utopia social que se deseja; e “A educação é amor” (Rubem Alves) considerando que resulta de um compromisso social e do respeito consigo, com o outro e com a vida, movida que é pela paixão de viver e pelo sentimento de pertencimento ao planeta.
E, acredito, caberá à Educação Ambiental concretizar essas duas máximas, aglutinadora que é daquilo que elas preconizam.
Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Doutoranda em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Professora de Direito Civil – Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande-FURG
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