Resumo: O trabalho visa analisar, detidamente, um dos postulados edificados pelo filósofo de Lubeck, Gustav Radbruch. Fazendo uma releitura de sua interpretação. Mais precisamente analisa o tema “O Direito Supralegal” onde aborda a conhecida “fórmula de Radbruch” frente às decisões dos tribunais Brasileiros. Demonstrando com a presente análise que o referido postulado assim como a sua releitura edificada por Robert Alexy pode e deve ser aplicado nas decisões pátrias, buscando diminuir o abismo existente entre as respostas judiciais/legais e o equilíbrio e repúdio às injustiças.
Palavras chave: Radbruch, Direito Supralegal, Filosofia do Direito
Abstract: The study aims to examine, at length, built by one of the postulates of Lubeck philosopher Gustav Radbruch. Doing a reading of his interpretation. More precisely, it analyzes the theme “The Right supra-legal” which addresses the known “Radbruch formula” against the decisions of the courts Brazilians. Demonstrating with this analysis that this assumption as well as his reading built by Robert Alexy and can be applied in decisions homelands, seeking to decrease the gap between the responses judicial / legal and balance and disgust at the injustice.
Keywords: Radbruch, supra-legal law, philosophy of law
INTRODUÇÃO
O trabalho em tela visa analisar, detidamente, um dos postulados edificados pelo filósofo de Lubeck, Gustav Radbruch. Mais precisamente analisaremos o tema “O Direito Supralegal” onde vamos nos atentar para a conhecida “fórmula de Radbruch” frente às decisões dos tribunais Brasileiros.
Demonstraremos com a presente análise que o referido postulado assim como a sua releitura edificada por Robert Alexy pode e deve ser aplicado nas decisões pátrias, buscando diminuir o abismo existente entre as respostas judiciais/legais e o equilíbrio e repúdio às injustiças.
O professor de direito penal em Heidelberg podenra que o Direito injusto não pode ser considerado Direito e tal assertiva tem um alcance global, não podendo se restringir a decisões de maior proporção ou importância
Tal fórmula serviu de fundamento ao Tribunal Supremo Federal da Alemanha ao resolver as sentenças contra os guardas fronteiriços da República Democrática Alemã. Guardas estes, que respaldados nas leis e mandamentos legais de seu país e cumprindo ordens hierárquicas superiores, disparavam para matar os cidadãos que logravam saltar o emblemático muro de Berlim para fugir da Alemanha oriental.
Poucos juristas brasileiros se rendem à fórmula de Radbruch, no sentido amplo e principalmente na concepção libertadora dada por Alexy anos depois. Essas ações tímidas devem ser potencializadas e multiplicadas, para que o Direito retrógado e colonial de nosso país, passe a abarcar a concepção democrática e equilibrada do jurista alemão, pois o Direito padece de uma maior racionalização de sua decisões.
A FÓRMULA DE RADBRUCH
Para o leitor e jurista neófito cabe aqui lembrarmos no que consiste a indigitada fórmula de Radbruch em um primeiro momento:
“o conflito entre justiça e certeza jurídica pode ser bem resolvido do seguinte modo: o direito positivo, assegurado pela legislação e pelo poder, tem prioridade mesmo quando o seu conteúdo é injusto e não beneficiar as pessoas, a menos que o conflito entre a lei e a justiça chegue a um grau intolerável em que a lei, como uma “lei defeituosa”, deva clamar por justiça”[1]
Em sua complementação o filósofo na tentativa de explicar e concluir a ideologia de sua tese acaba por ultrapassa-la e aprofunda-la:
“é impossível traçar uma linha bem-definida entre casos de ilegalidade positivada e leis que são válidas apesar de seus defeitos. Uma linha de distinção, contudo, pode ser traçada com máxima nitidez: quando não há nem mesmo uma tentativa de fazer justiça, onde equidade, o âmago da justiça, é deliberadamente traído na essência do direito positivo, então a lei não é meramente uma ‘lei defeituosa’, ela perde completamente a real natureza de direito[2]”.
Em um primeiro momento partindo do caso alemão, Radbruch questiona a obediência devida a ordens injustas dadas por superiores hierárquicos. Concluindo que quando o ordenamento se edifica e solidifica com base em leis e normas incompatíveis com o senso de justiça e igualdade tornando-se intolerável sua aceitação, o juiz como representante não da lei, mas sim da justiça, deve se recusar a concretizar a lei rota injusta e parcial.
Nesta senda cabe ressaltar que na primeira passagem o Professor alemão parece ainda acreditar nas leis e na sua aplicabilidade, já no segundo fragmento resta induvidoso que Radbruch refuta mais objetivamente os mandamentos do positivismo sem critica-lo aleatoriamente ou levianamente .
Pelo contrário seu ataque ao positivismo se dá de maneira incisiva e objetiva, e fica latente no segundo momento de sua fórmula, onde ele traz a baila uma imperativa e necessária ponderação deste positivismo, onde se respeita a lei, mas respeita-se de sobremaneira a justiça e o Direito, nasce ai uma singela, mas crucial separação entre o positivismo cego e acrítico do Direito e sua filosofia.
Em uma releitura do Neokantismo, Radbruch lança novas luzes sobre a divisão entre ser e dever ser. Afastando-se das falácias filosóficas transparece que o dever ser por vezes se distanciará prejudicialmente do ser .
Vislumbra-se que a fórmula de Radbruch tem como base a justiça, utilidade e a segurança. Está tríade fica mais clara na segunda passagem aqui explicitada.
Deparamos-nos neste ponto com o germe dos impasses jurisdicionais no Brasil, referentes à fórmula Radbruchiana. Como veremos a seguir o nosso judiciário carece de uma leitura crítica de Radbruch, feita com os olhos de Alexy dentre outros filósofos modernos.
A nossa jurisprudência e parte de nossa doutrina deve acordar e insurgir contra as interpretações equivocadas da fórmula de Radbruch, analisadas e interpretadas pelos juristas nacionais apenas em sua primeira e menos complexa parte.
A contrário sensu a fórmula de Radbruch toma, em nosso país, viés paradoxal e contraditório frente à essência filosófica Radbruchiana, no judiciário pátrio tal fórmula se assemelha a meras teorias de justificação da aplicação das leis e não, como gostaria o filósofo, uma crítica ferrenha e mortal ao positivismo tal qual conhecemos.
Pode-se verificar nos trechos em análise que por vezes deturpam-se as palavras de Radbruch na tentativa espúria de justificar sentenças e utilização das leis.
O que ocorre claramente ao arrepio e assombro das teorias do professor de Heidelberg e de suas releituras pelos novos filósofos representados brilhantemente por Robert Alexy.
Pondera-se que o Direito Pátrio agoniza pela necessidade de um enfrentamento direito do positivismo e das escolas arcaicas arraigadas em nosso judiciário e também em nossa doutrina.
A APLICAÇÃO DA FÓRMULA DE RADBRUCH NO DIREITO BRASILEIRO
Percebemos que a inserção do filósofo em nossas sentenças vem sendo feita de maneira superficial e tem sido utilizada como um recurso validador, no sentido de dar à sentença uma falsa clareza de justiça e a ilusória sensação de alcance do verdadeiro Direito. Fica claro que a fórmula de Radbruch no Brasil, por vezes, visa coibir brechas a interpretações colidentes e evitar questionamentos quanto à verdadeira justiça da decisão aplicada, como exemplo citamos:
“Apelação Civel: AC 38040015059 ES 038040015059
Relator: Des. Samuel Meira Brasil Júnior
DECISAO MONOCRÁTICA
1. RELATÓRIO […]
Em sua peça recursal, (fls. 223-234) a Apelante sustenta a relativização da coisa julgada e a inexistência da sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 038930000371.
Contra-razões às fls. 237-241 pelo desprovimento do recurso.
É o relato abreviado dos fatos. Decido na forma do art. 557 do Código de Processo Civil.
2. FUNDAMENTAÇAO […]
A alegada violação ao direito adquirido não convence, pois o enunciado normativo que o protege, assegura, de igual modo, a prevalência da coisa julgada. Não se pode esquecer que este instituto está ligado a um dos valores funcionais do próprio direito, que é a segurança jurídica. Essa característica, a propósito, encontra-se destacada em diversos precedentes do STJ, dentre os quais cito o seguinte:
PROCESSO CIVIL – FGTS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – AÇAO RESCISÓRIA – INDEFERIMENTO, IN LIMINE, PELA CORTE DE ORIGEM, POR ENTENDER INCIDIR A SÚMULA 343 DO STF – PRETENDIDA INCIDÊNCIA DOS INDEXADORES RECONHECIDOS POSTERIORMENTE PELOS STF E STJ – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
1. Após o trânsito em julgado, a lei beneficia a segurança jurídica em lugar da justiça. O fato de a matéria ser controvertida afasta a possibilidade de violação de “literal disposição de lei” (art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil), ainda que a jurisprudência tenha-se firmado de acordo com a pretensão da parte. (…)
(REsp 720.170/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22.08.2006, DJ 01.09.2006 p. 246).
Portanto, se não há inexistência formal (falta de citação) ou substancial (inadmissibilidade jurídica dos resultados), nem mesmo injustiça em grau insuportável (RADBRUCH), os efeitos da coisa julgada devem prevalecer. Assim sendo, a pretensão recursal da recorrente não procede”
Fica claro no fragmento acima apontado que Radbruch é interpretado apenas parcialmente, e de maneira conveniente para o fim buscado na sentença.
Não obstante lembramos que a doutrina brasileira demonstra alguns tímidos avanços frente à interpretação e aplicação dos princípios e mandamentos jurídicos do professor de Heidelberg demonstrando, ainda que embrionariamente, um gradual progresso na filosofia do Direito em nossos tribunais.
Na busca de decisões mais justas e mais coerentes com a finalidade do Direito, o jurista pátrio vem galgando argumentos na teoria filosófica do Direito, indo além da fórmula de Radbruch propriamente dita e se lançando em outras construções do autor alemão. Como vemos a seguir:
“CONSTITUCIONALIDADE. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI 9.650, DE 1998. PRAZO DE DECADÊNCIA. LEI 8.112, DE 1991, ART. 251. CONVERSÃO DE LICENÇA PRÊMIO EM PECÚNIA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADIn 449-2/DF. EFEITOS.
1. O prazo decadencial de que trata o § 1º do art. 19 da Lei 9.650, de 1998, não se aplica aos casos em que servidor do Banco Central busca anular ato administrativo.
2. É certo que o entendimento predominante é de que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ditada pelo Supremo Tribunal Federal são ex tunc. Todavia, é de se atentar que, quando antes da declaração de inconstitucionalidade da lei, se estabelecem relações, sem qualquer dúvida da sua legitimidade, manda o bom senso e a prudência que seja obedecida a lei. A doutrina da nulidade ex tunc tem de contemplar temperamentos, sob pena de cometer-se injustiça.
3. “La justicia, para poder derivar de ella las normas jurídicas, tiene que complementar-se con otro factor: finalidad o adecuación a un fin” (Gustav Radbruch).
4. Apelação e remessa providas.”
Claro está que o positivismo ainda segue sem ranhuras em nosso judiciário, mas existem tentativas de se buscar decisões judiciais adequadas a um fim impreterivelmente justo e equitativo.
Alguns juristas brasileiros, embora superficialmente, começam a decidir sublinhando os auspícios de Gustav Radbruch, no entanto perigosamente sem o conhecimento verdadeiro da teoria do Direito estampado em Radbruch.
“RECURSO ESPECIAL Nº 882.046 – RS (2006/0179224-5)
RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ
RECORRENTE:MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO: JOSÉ VALDECIR FARIAS (PRESO)
ADVOGADO: ROSÂNGELA DE TOLEDO RODRIGUES – DEFENSORA PÚBLICA
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. REINCIDÊNCIA COMPROVADA. QUANTUM IRRISÓRIO. VIOLAÇAO AO ART. 61, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NAO COMPROVADA.
1. Restando comprovada a reincidência, a dosimetria da pena deve ocorrer de forma a observar os parâmetros legais de retribuição, prevenção e recuperação do delito, respeitando-se o ordenamento jurídico e a sua finalidade, bem como os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo o aumento pela reincidência considerado irrisório ofende-se o disposto no art. 61, inciso I, do Código Penal.
2. A sugerida divergência não foi demonstrada na forma preconizada nos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, 1.º e 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. […]
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
De início, verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua interposição com amparo no dispositivo constitucional, o interesse recursal, a exposição do dispositivo federal supostamente violado, a legitimidade e o devido prequestionamento, estando presentes os requisitos de admissibilidade. […]
Com efeito, as circunstâncias agravantes encontram-se na segunda fase da dosimetria e sempre aumentam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime. A reincidência é uma circunstância agravante genérica, prevista no art. 61, inciso I, do Código Penal, devendo a pena ser aumentada quando restar comprovado que o agente perpetrou novo crime, depois de transitar em julgado decisão condenatória que, no Brasil ou no estrangeiro, o tenha condenado por delito anterior.
O legislador endereçou um comando, e não uma faculdade, ao aplicador da lei, qual seja: no momento da dosimetria da pena, estando comprovada a reincidência, a sanção carcerária deverá ser sempre agravada. […]
Realmente o legislador não definiu o aumento pela reincidência, objetivando favorecer o julgador que, diante do caso concreto, poderia analisar a situação e aplicar a pena de forma justa e adequada, atentando-se para as diretrizes legais, como bem explicitou a Exposição de Motivos do Código Penal, in verbis :
“49. Sob a mesma fundamentação doutrinária do Código vigente, o Projeto busca assegurar a individualização da pena sob critérios mais abrangentes e precisos. Transcende-se, assim, o sentido individualizador do Código vigente, restrito à fixação da quantidade da pena, dentro de limites estabelecidos, para oferecer ao arbitrium iudices variada gama de opções, que em determinadas circunstâncias pode envolver o tipo da sanção a ser aplicada. ”
Cabe ressaltar que a aplicação da lei penal deve respeitar o ordenamento jurídico e a sua finalidade, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Como bem salienta Assis Toledo, “a característica do ordenamento jurídico que primeiro salta aos olhos é a sua finalidade preventiva: antes de punir ou com o punir, quer evitar o crime. Com razão assinala Radbruch: “…importa não esquecer que o direito não pretende somente julgar a conduta humana; pretende também determiná-la em harmonia com seus preceitos e impedir toda a conduta contrária a eles.” […] Prevenção geral e especial são, pois, conceitos que se completam. E, ainda, que isto possa parecer incoerente, não excluem o necessário caráter retributivo da pena criminal no momento de sua aplicação, pois não se pode negar que pena cominada não é igual a pena concretizada, e que esta última é realmente pena da culpabilidade e mais tudo isto: verdadeira expiação, meio de neutralização atividade criminosa potencial ou, ainda, ensejo para recuperação, se possível, do delinqüente, possibilitando o seu retorno à convivência pacífica na comunidade dos homens livres” ( in Princípio Básicos de Direito Penal, 4.ª ed., Saraiva, p. 3).
Como se vê, a reincidência deve ser majorada de forma proporcional e razoável, o que não aconteceu no caso em apreço.
Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO para, reformando o acórdão recorrido, restabelecer o aumento de 6 (seis) meses, nos termos do art. 61, inciso I, do Código Penal, fixado na sentença condenatória. Assim, mantida as demais cominações do acórdão recorrido, a pena deve ser fixada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.
É o voto.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
APORTES FINAIS
Citamos por fim as palavras de Sócrates, aludidas por Radbruch:
“Crês, porventura, que um Estado possa subsistir e deixar de se afundar, se as sentenças proferidas nos seus tribunais não tiverem valor algum e puderem ser invalidadas e tornadas inúteis pelos indivíduos?
A conclusão obvia de tal frase é que não podemos crer que o Estado tal qual conhecemos hoje, subsista sem a segurança jurídica, sem o aporte e eficácia legal.
Mas esta segurança jurídica não pode e nem deve ser buscada ao arrepio da essência do Direito realmente justo e equitativo, as decisões devem se basear em critérios fundamentalmente seguros e racionais. Pois o Direito deve afastar do meio social não só a sensação de incerteza, mas principalmente a sensação de injustiça.
Parecista, Advogado, Palestrante e Professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Antonio Carlos – UNIPAC/MG e Professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG. Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba. É Especialista em Direito Tributário e Direito Penal e Processual Penal pela Universidade de Franca (2007) e pós-graduado em Criminologia pela PUC/BH e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires – UBA.
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