Resumo: A propriedade é um instituto de direito real que surge quase que de forma conjunta com o próprio direito, servindo de base não apenas para as relações de compra e venda, mas também para justificar a existência do próprio Estado. Assim, o presente artigo tem por objetivo estudar, através de pesquisas legais e doutrinárias, o direito real da propriedade, seus poderes, restrições e limitações, bem como o princípio da função social, para depois analisa-los conjuntamente. O estudo busca discutir a função social como limitadora ao direito real de propriedade. Na metodologia, foi utilizado o método indutivo na fase de investigação; na fase de tratamento de dados o método cartesiano e no relatório da pesquisa foi empregada a base indutiva. No campo metodológico, por sua vez, aplicou-se o método indutivo e da revisão bibliográfica e da utilização das técnicas de pesquisa. No que tangem as considerações finais, verificou-se que a propriedade não é apenas limitada pela função social, mas a função social é parte integrante do conceito de propriedade, uma vez que não se pode afirmar que existe realmente propriedade sem que exista uma função social a ela atrelada. [i]
Palavras chave: Direito Real de Propriedade; Função Social; Limitações.
Resumen: La propiedad es un instituto de derecho real que surge casi de forma conjunta con el propio derecho, sirviendo de base no sólo para las relaciones de compra y venta, sino también para justificar la existencia del propio Estado. Así, el presente artículo tiene por objetivo estudiar, a través de investigaciones legales y doctrinarias, el derecho real de la propiedad, sus poderes, restricciones y limitaciones, así como el principio de la función social, para luego analizarlos conjuntamente. El estudio busca discutir la función social como limitadora al derecho real de propiedad. En la metodología, se utilizó el método inductivo en la fase de investigación; en la fase de tratamiento de datos el método cartesiano y en el informe de la investigación se empleó la base inductiva. En el campo metodológico, a su vez, se aplicó el método inductivo y de la revisión bibliográfica y de la utilización de las técnicas de investigación. En cuanto a las consideraciones finales, se constató que la propiedad no sólo está limitada por la función social, pero la función social es parte integrante del concepto de propiedad, ya que no se puede afirmar que existe realmente propiedad sin que exista una función social a ella enganchada.
Palabras clave: Derecho Real de Propiedad; Función Social; Limitaciones.
INTRODUÇÃO
Muito se discute, no âmbito jurídico, sobre o impacto que sofre o direito real de propriedade com o princípio da função social, o qual, numa primeira análise, demonstra limitar o instituto. O artigo 5º, inciso XXII, da CRFB disciplinou o direito real de propriedade, tratando-o, ao mesmo tempo, como um direito e como uma garantia fundamental.
Em contraponto, o inciso XXIII do mencionado dispositivo, afirma que a propriedade atenderá a sua função social, fazendo nascer uma limitação àquele direito, atrelado e condicionando-os. Quer dizer, o direito à propriedade, em âmbito urbano e rural, deve cumprir sua função social, atender aos anseios sociais, e está sujeitar-se às limitações e restrições impostas pela Lei, em prol de do bem comum e do interesse social.
Tudo está regulamentado na Lei, a qual traz diversos dispositivos legais que regulam a utilização da propriedade em consonância com sua função social, e que possibilitam a intervenção do Estado neste domínio privado, em atendimento ao instituto do bem comum, caso o proprietário descumpra a regra.
Frente a este cenário, o objeto o objeto desta pesquisa é estudar a função social como limitadora ao direito real de propriedade. Este artigo parte do seguinte problema: A função social é uma limitadora ao direito de propriedade?
Para responder ao problema, buscar-se-á compreender, no primeiro capítulo, o instituto do direito de propriedade. Já no segundo capítulo, estudar-se-á a função social da propriedade, conceito e previsões legais. E, por último no terceiro capítulo, investigar-se-á a função social como limitadora ao direito de propriedade.
No que pese a metodologia, o método de investigação é o dedutivo, aplicando na fase de Tratamento dos Dados o método cartesiano, já no tocante as técnicas, serão utilizadas as técnicas do Referente[ii], da Categoria[iii], do Conceito Operacional[iv] e da Pesquisa Bibliográfica[v].
1. O DIREITO DE PROPRIEDADE
Muitas são as teorias que buscam conceituar e fundamentar o direito de propriedade. Ao que se sabe, desde que existe a sociedade, existe a propriedade. Este instituto, assim como a ideia de religião e de família, formou-se com a própria ideia de sociedade e aprimorou-se com o passar dos anos, com a evolução da população e modificação dos interesses comuns.[vi]
A origem da propriedade nos remete obrigatoriamente a um processo histórico do homem e seu estado de natureza. A necessidade de sobrevivência fez com que os indivíduos se agrupassem, levando a crer que a primeira propriedade construída tenha sido a comunal, e não a privada, considerando-se o vínculo da terra com os grupos familiares e religiosos, bem como os costumes e tradições da época.[vii]
Com o passar dos anos essa propriedade comunal teria sofrido um processo de individualização, justificado pelos anseios pessoais e pelo advento das especializações de produção de subsistência, prática de atividades agrícolas, domínio de terras por conquistadores, entre outros fatores. Na Idade Moderna, fatores como o Mercantilismo, o Iluminismo e a Revolução Industrial tornaram a propriedade um alvo mais almejado, servindo de capital para gerar mais capital, até se tornar o que é hoje[viii].
A propriedade é um direito fundamental que, ao lado dos valores da vida, liberdade, igualdade e segurança, compõe a norma do artigo 5° da Constituição Federal. Segundo Silva, o direito de propriedade fora concebido como uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível. Com a evolução do conceito, passou-se a entendê-lo como uma relação entre um indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito passivo universal integrado por todas as pessoas, o que tem o dever de respeitá-lo. Assim, o direito de propriedade se revela como um modo de imputação jurídica de uma coisa a um sujeito.[ix]
O Código Civil Brasileiro não conceitua a propriedade em si, mas sim o que seus proprietários podem fazer com ela, conforme Art. 1228: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Sendo assim, o direito de propriedade mostra-se como um instituto complexo, dotado de possibilidades, obrigações e limitações.
O direito de usar conceitua-se em si mesmo, podendo o proprietário usar a propriedade para si ou terceiros. O direito de gozar engloba os frutos que venham a vir dessa propriedade, assim como a utilização dos produtos da coisa. O direito de dispor, o mais forte de todos, confere ao proprietário a possibilidade de abusar, se desfazer ou até destruir o bem. O direito de reaver nada mais é do que o direito do proprietário de ter de volta sua propriedade que lhe foi tomada por alguém que a possuiu injustamente ou a deteve sem título.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que propriedade é um direito constitucional que não está acima nem abaixo dos outros, porém, está sujeito a adaptações corriqueiras em prol do interesse público não sendo, portanto intocável.[x] Sílvio de Salvo Venosa ensina que o direito de propriedade configura o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa, pois, o titular de tal direito pode de forma ampla utilizar a coisa, inclusive, este direito engloba ainda a conduta estática de manter a coisa em seu poder, mesmo que não haja utilização dinâmica.[xi]
Logo, constata-se que a propriedade é o direito real por excelência, por abranger a coisa em todos os seus aspectos, sujeitando-a totalmente ao seu titular. É a plenitude do direito sobre a coisa, composta pela unicidade de poderes interligados[xii], discutido este ponto, já é possível estabelecer a sua relação com a função social, elemento que recai entre outros sobre a propriedade.
2. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A função social da propriedade, por sua vez, apresenta-se como uma regra a ser atendida, em prol do bem comum. É difícil precisar quais foram os fundamentos basilares de sua origem. De certa forma o seu conceito e sua história confunde-se com os conceitos historicamente adotados pela propriedade. No Brasil o princípio da função social da propriedade foi introduzido a partir da Emenda Constitucional nº 10, de 19 de novembro de 1964 à Constituição de 1946.
A Constituição Federal de 1988[xiii] associou propriedade e função social em vários de seus dispositivos: art. 5º, inc. XXII e XXIII, art. 156, I, § 1º, art. 170, inc. II e III, art. 182, § 2º e § 4º, art. 184, art. 185, art. 186. No que pese a soma destes artigos expõe-se aqui apenas o inciso e XXIII do artigo 5º: “Art. 5° – (…)XXIII – a propriedade atenderá à sua função social”.
O Código Civil Brasileiro[xiv] não apenas ratificou o texto constitucional, como também transformou a propriedade em instituto de finalidade social, conforme se verificado do Art. 1.228 em seu § 1º “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial […]”.
Como se vê, trata-se de um direito fundamental que para deve atender a uma função em prol de toda uma coletividade, ou seja, o uso da propriedade está ligado ao cumprimento de uma função social, ligado à ideia de bem comum. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald defendem que “esta ordem de inserção de princípios não é acidental, e sim intencional. Inexiste incompatibilidade entre a propriedade e função social, mas uma obrigatória relação de complementaridade, como princípios da mesma hierarquia”[xv].
Existe uma preocupação especial ao todo. Deixa-se de olhar para o indivíduo detentor do direito de propriedade para se analisar o bem comum. Passa-se do bem individual ao bem comum. A função social se apresenta como uma norma regulamentadora, para que um direito tão amplo e poderoso seja compatível com os anseios da sociedade, atento à coletividade, conforme Leciona Alexandre de Moraes[xvi]:
“A referência constitucional à função social da propriedade como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de domínio deve cumprir.”
A função social da propriedade está vinculada à produtividade do bem, assim como, a noções de justiça social, pois deve ser afastado o uso abusivo e egocêntrico da propriedade em prol do coletivo.
Em síntese, por força da função social, o proprietário deve sempre ter em mente que há um interesse geral e comum a rodear o seu interesse particular, e por isso, deve dar ao bem uma destinação que se alinhe à função social respectiva, sob pena de ser privado de seu direito. Agora, esta função social pode ser considerada como um dos elementos limitadores do direito a propriedade, ou apenas é instituto que existe em paralelo a este.
3 A FUNÇÃO SOCIAL COMO LIMITADORA AO DIREITO REAL DE PROPRIEDADE
Por mais amplo e rico que seja, o direito real à propriedade pode sofrer restrições, limitações e imposições, deveres e ônus, tudo para atender ao princípio da função social[xvii]. Ensina Gabriel Dezen Júnior[xviii]:
“Função social da propriedade é um conceito que dá a está um atributo coletivo, não apenas individual. Significa dizer que a propriedade não é um direito que se exerce apenas pelo dono de alguma coisa, mas também que esse dono exerce em relação a terceiros. Ou seja, a propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade.”
À primeira vista, a função social pode se mostrar como uma regra limitadora ao direito real de propriedade. Contudo, apesar de seus efeitos restritivos e impositivos, o termo “limitadora” é bastante conflitante entre a doutrina. De acordo com Maria Helena Diniz, o fundamento das limitações ao direito de propriedade “Encontra-se no primado do interesse coletivo ou público sobre o individual e na função social da propriedade, visando proteger o interesse público social e o interesse privado, considerado em relação à necessidade social de coexistência pacífica”[xix].
Para a autora a função social deve ser vista como uma norma que visa regular, da melhor forma, o exercício do direito de propriedade, e não como uma norma limitadora em sua origem.
Robert Alexy, por sua vez, defende que a propriedade, mesmo se tratando de um direito fundamental, pode ser restringida para garantia de outros direitos fundamentais. A restrição, contudo, deve ser controlada e proporcional, possibilitando que o exercício do direito à propriedade seja garantido na maior medida possível, de modo que não afete o mínimo existencial e efetivo do mesmo.[xx]
Maria Helena Diniz[xxi] ainda informa que Restrições à propriedade em virtude do interesse social, que podem ser de caráter constitucional, administrativo, militar, eleitoral e quanto ao direito de propriedade rural, pressupõe a ideia de subordinação do direito de propriedade privado aos interesses públicos e às conveniências sociais. São restrições imprescindíveis ao bem-estar coletivo e à própria segurança da ordem econômica e jurídica do país.
O uso da propriedade, em atenção à Lei, deve ser socialmente adequado, para que além da satisfação de interesses particulares, seja atendido ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade. As restrições, servidões e desapropriação são espécies de limitações. As restrições limitam o caráter absoluto da propriedade, as servidões (e outras formas de utilização da propriedade alheia) limitam o caráter exclusivo, e a desapropriação, o caráter perpétuo. São exemplos de restrições constitucionais a desapropriação e a privação.
Na desapropriação é promovida a justa utilização dos bens, prevalecendo o interesse público em relação aos interesses individuais. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXIV, prevê a possibilidade de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.
Assim, dispõe o Código Civil: “Art. 1228 § 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente”. Ainda há a possibilidade da desapropriação para fins de reforma agrária:
“Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
O descumprimento da função social da propriedade também pode levar à desapropriação, como forma de sanção, tanto no âmbito rural como no urbano, conforme previsto na Constituição Federal:
“Art. 182. § 4º – “É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
Segundo José de Oliveira Ascenção, as limitações seriam “normas através das quais se assegura na prática a coincidência da atuação do titular com o interesse social” e que ocorreriam em momento diferido, afetando o exercício do direito, nunca a sua essência. André Osório Godinho compartilha deste entendimento e acrescenta que a função social não representa um ônus para o proprietário, ou uma limitação, pois, na realidade, a mesma visa simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o fim a que se destina.[xxii]
Pode-se dizer então que a função social de fato cria limitações, mas representa algo muito maior do que uma simples regra limitadora, pois vai além do direito de propriedade e adentra em sua própria estrutura. Cria regras ao instituto não com um olhar particular, mas visando atender aos anseios sociais e coletivos, mostrando-se como uma norma necessária ao bom exercício do direito, o qual deve ser exercido de forma a melhor atender à sua função social considerando o bem comum.
A propriedade não deve ser vista como um direito limitado por sua função social, mas como um instituto dotado, em sua essência, pela função social. Neste cenário, e por conta de todos os fundamentos abarcados nesta pesquisa, pode-se dizer que, a função social deve ser tida como princípio básico e basilar que incide e compõe o próprio direito de propriedade, devendo ser somada às suas outras faculdades, quais sejam, usar, gozar, dispor e reivindicar.
Considerá-la pura e simplesmente uma regra limitadora seria deixar de considerar todo o contexto e função a que está atrelada, a função social é muito mais um elemento conectivo na manifestação da propriedade que propriamente um limitador deste.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desenvolvida a pesquisa, constatou-se que a função social de fato tem efeito limitador, o qual está regulamentado em diversos dispositivos legais e devem ser respeitados. Porém, apesar de tais regras, a função social não pode ser vista tão somente como um princípio limitador ao direito real de propriedade.
Por força de sua existência, a propriedade deve ser exercida pelo titular do direito em atendimento ao interesse comum, ou seja, deve ser respeitada a sua função social. A propriedade deixa de ser vista como um direito particular e passa a ser tratada com um olhar comum e coletivo. Ao contrário, a função social deve ser tratada como parte integrante do instituto e somada aos demais elementos de usar, gozar, dispor e reaver, pois visa simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o fim a que se destina.
O uso da propriedade deve ser socialmente adequado, para que além da satisfação de interesses particulares, seja atendido ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade, harmonizando-se proporcionalmente o direito individual e o direito coletivo.
Assim, não é o caso da propriedade limitar o direito real, mas sim do direito real ser baseado, ainda que indiretamente, pela função social que a propriedade possui. Desta feita a propriedade individual existe porque a sociedade, ainda que indiretamente, também se beneficia dela, sendo imperioso sua existência.
Acadêmico de Direito na Universidade do Vale do Itajaí
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