Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar os direitos inerentes à empregada gestante quando sujeitas a atividades ou locais insalubres, principalmente sob o prisma da não discriminação no mercado de trabalho. O desenvolvimento do mesmo se dá através do método dedutivo, baseando-se na legislação em vigor, na doutrina e na jurisprudência. Diante do contexto do tema abordado, será analisado se a previsão legal existente tem como consequência um fardo não atrativo às empresas empregadoras no que tange à contratação de mulheres. Por fim, como objetivo final, serão identificadas possíveis consequências trazidas pela Reforma Trabalhista no tocante aos direitos da trabalhadora gestante e às obrigações das empregadoras.
Palavras-chave: Gestante. Insalubridade. Proteção.
Abstract: The purpose of this study is to analyze the rights inherent to the pregnant employee when subjected to unhealthy activities or places, mainly under the prism of non-discrimination in the labor market. The development is through the deductive method, based on current legislation, doctrine and jurisprudence. Considering the context of the theme, it will be analyzed whether the existing legal prediction has a non-attractive burden on employers as regards the hiring of women. Finally, as a final objective, will be identified the possible consequences of the Labor Reform regarding the rights of pregnant workers and the obligations of employers.
Keywords: Pregnant. Insalubrity. Protection.
Sumário: Introdução. 1. A legislação brasileira relativa ao trabalho feminino. 2. Dos direitos da trabalhadora gestante nas relações de trabalho. 3. A proteção da gestante quando sujeita a operações ou locais insalubres. 3.1. Do trabalho considerado insalubre. 3.2. Das modificações introduzidas pela reforma trabalhista no que tange ao trabalho da mulher gestante quando sujeita a operações ou locais insalubres. 4. Considerando o trabalho da mulher gestante em locais insalubres, as alterações introduzidas na CLT pela Lei nº 13.467/2017 ocasionaram de fato uma maior proteção ou acabaram por criar maior discriminação? 5. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho serão abordadas algumas reflexões quanto a proteção ao trabalho da mulher, principalmente no tocante às mulheres gestantes e que se submetem a funções onde ficam diariamente expostas a locais ou agentes insalubres.
Para tanto, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, partindo-se primeiramente dos estudos sobre a legislação aplicável e posteriormente analisando a abordagem dada ao tema pelos juristas e demais estudiosos do direito.
Assim, a intenção do presente estudo é demonstrar, através de uma análise da legislação e doutrina existentes, se a previsão legislativa trabalhista no que tange ao trabalho da mulher gestante quando no exercício de atividades ou locais insalubres, gera uma proteção ou uma discriminação. Na sequência, como desenvolvimento do tema, será analisado se o atual panorama trazido pela recente Reforma Trabalhista através da Lei nº 13.467/2017, modificou o cenário quanto ao assunto.
Assim, percorrendo um caminho dentro das características do trabalho insalubre e das previsões legislativas atinentes à proteção da mulher gestante e lactante, se demonstrará que, na tentativa de melhorar a condição de trabalho, através de uma suposta modernização das leis trabalhistas, o legislador acabou por discriminar ainda mais a mulher, dentro de um cenário de tanta luta por igualdade de gênero.
1. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA RELATIVA AO TRABALHO FEMININO
Ao adentrar no estudo das legislações que trataram do trabalho feminino, importante destacar também a posição imposta a mulher dentro da sociedade através dos primeiros regramentos surgidos no Brasil.
Considerada como a primeira lei brasileira que trata do direito das mulheres, a chamada Lei Geral, de 15 de outubro de 1827, permitiu que meninas frequentassem as instituições de ensino elementar, que antes era proibido para o sexo feminino. Embora essa lei seja considerada como um avanço à época, em verdade ainda trazia grande discriminação, vez que muito embora permitisse à mulher que passasse a frequentar as instituições de ensino, não lhes era permitido aprender todas as matérias ensinadas aos meninos, especialmente àquelas consideradas mais racionais como a geometria, por exemplo. Por outro lado, lhes era imposto aprender matéria denominada como “artes do lar”. Já em abril de 1879, foi aprovada pelo então Imperador D. Pedro II, lei que passaria a autorizar a presença feminina também nos cursos superiores, o que foi considerado como um grande avanço.
Na sequência cronológica, insta destacar o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, que tinha como previsão o domínio patriarcal. O artigo 56 do mencionado Decreto iniciava o Capítulo VII que tratava dos efeitos do casamento, onde se visualizava claramente esse domínio, sendo o marido o representante da família e dos bens do casal. O §3º[1] do mencionado artigo 56 previa expressamente como um dos efeitos do casamento, o direito de o marido determinar se autorizava ou não sua mulher a exercer alguma profissão. Embora existisse a previsão de domínio, era proibido que o marido impusesse castigo corpóreo à mulher e aos filhos.
Em 1916, com o advento do Código Civil, os legisladores da época mantiveram a figura do homem como chefe da sociedade conjugal, novamente prevendo, dentre outras coisas, que a mulher só poderia exercer alguma profissão, desde que alcançasse autorização do marido[2]. Isso demonstra que mesmo após 26 anos do Decreto 181, a mulher ainda era tratada como ser inferior.
Com a Revolução Industrial o trabalho da mulher teve significativa mudança, como bem observou Jorge Luiz Souto Maior: “(…) a Revolução Industrial foi, como para toda a história humana, um marco para o trabalho feminino. Até então as atividades desempenhadas pelas mulheres eram consideradas de menor relevo (apesar de essenciais para a comunidade). Porém com os novos fatores introduzidos pela industrialização, a força de trabalho de ambos os sexos foi afetada. A mulher, antes considerada mais fraca para o trabalho braçal, poderia contar com instrumentos que fariam a produção depender menos de força física”. [3]
Em 1917, pela primeira vez teria surgido, através do projeto de Código do Trabalho, ideias de se legislar acerca do trabalho da mulher. No entanto, em razão das amplas críticas e debates à época, a discussão se estendeu por 13 anos.
Assim, antes do ano de 1930, no período conhecido como Velha República, se falava no Brasil apenas em alguns projetos que abordavam acerca da proteção do trabalho da mulher, no entanto, os mencionados projetos jamais chegaram a ser aprovados.
No ano de 1932, em 17 de maio, foi expedido o Decreto nº 21.417-A, sendo este a primeira lei que teria tratado da situação da mulher trabalhadora no Brasil. O Decreto vinha para regular as condições do trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais, supreendentemente prevendo, logo em seu primeiro artigo, que “Art. 1º Sem distinção do sexo, a todo trabalho de igual valor correspondente salário igual”. Vale dizer que infelizmente essa proteção é desrespeitada até os dias atuais. Outra importante previsão no mesmo diploma legislativo veio através da proibição do trabalho da mulher nos serviços perigosos e insalubres[4]. No entanto, cabe ressaltar que, embora o Decreto 21.417-A trouxesse previsão de igualdade de salários e proibição do trabalho da mulher em locais perigosos e insalubres, àquele diploma legal deixou de prever acerca do auxílio maternidade, que veio a ser assegurado apenas após dois anos, com a expedição de outro diploma legislativo, o Decreto nº 24.273, de 22 de maio de 1934.
Assim, através do diploma legislativo de 1934, criou-se o que se denominou Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, contendo logo em seu artigo 1º, a previsão expressa do auxílio maternidade como direito das mulheres.
Neste mesmo ano, a Constituição Federal de 1934 reafirma a proibição quanto a discriminação salarial do trabalho da mulher, bem como no tocante ao trabalho da mulher em atividades insalubres[5].
Se opondo à política de proteção do Estado Novo, o Decreto Lei nº 2.548 de 31 de agosto de 1940 permitia a redução do salário mínimo da mulher. No entanto, com o advento da Consolidação das Leis Trabalhistas no ano de 1943, a discriminação prevista no Decreto citado foi abolida, sendo restabelecida a legislação protetora. Visando esse caráter protetivo, a CLT tratou de criar um capítulo próprio mirando na proteção do trabalho da mulher. Neste capítulo foram previstas diversas garantias às mulheres, visando a inserção destas no mercado de trabalho, bem como protegendo-as de discriminações e prevendo condições especiais de trabalho através das características próprias do sexo feminino, principalmente no tocante à maternidade.
Cabe ressaltar que no ano de 1962, através da Lei nº 4.121/62 que criou o Estatuto da Mulher Casada, houve a modificação do Código Civil de 1916, alterando a condição de relativamente capaz para condição de civilmente capaz, passando-se a permitir a mulher casada o livre exercício de profissão, sem necessidade de autorização marital. Assim, o artigo 6º do Código Civil de 1916[6], que antes previa que as mulheres casadas eram relativamente incapazes enquanto subsistisse a sociedade conjugal, deixou de existir.
Já no ano de 1988, com significativa alteração quanto a consolidação dos direitos dos cidadãos e dos trabalhadores, foi promulgada a nova Constituição Federal, consagrando em seu artigo 5º, a igualdade entre homens e mulheres e em seu artigo 6º e 7º, a proteção à maternidade como sendo um direito social; e ainda, no artigo 10, inciso II, letra b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, trouxe previsto o direito à estabilidade provisória da mulher grávida, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Insta mencionar que em 2014, através da Lei Complementar nº 146, de 25 de junho de 2014, se passou a prever que no caso de morte da trabalhadora gestante, a estabilidade seria estendida a quem detivesse a guarda do seu filho.
Certo é que a partir da Constituição Federal de 1988 e dos novos direitos e garantias previstos, se fez necessária uma adequação da legislação infraconstitucional às novas necessidades do mercado de trabalho.
Por fim, nos deparamos com a Reforma Trabalhista trazida pela Lei 13.467/2017, que trouxe importantes alterações no que tange aos direitos da mulher, especialmente atinentes ao trabalho da mulher gestante, conforme será analisado no desenvolvimento do presente estudo.
2. DOS DIREITOS DA TRABALHADORA GESTANTE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
O capítulo III da CLT trata da proteção do trabalho da mulher, sendo destinada a seção V especialmente para a proteção da maternidade.
Serão elencados neste tópico, alguns dos principais direitos previstos pela CLT, indo de encontro às previsões quanto ao trabalho da gestante em locais insalubres, tema principal objeto do presente estudo.
Assim, importante notar que o artigo que abre a seção, artigo 391, já inicia anunciando a proibição de qualquer conduta de cunho discriminatório em relação ao trabalho da mulher, no que tange especialmente às empregadas gestantes e aqueles que contraírem matrimônio. Vejamos: “Art. 391 – Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez. Parágrafo único – Não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez”.
Trata-se de um dos direitos primordiais da mulher, que assegura que aquelas empregadas que decidirem engravidar, não tenham seus contratos de trabalho sumariamente encerrados em decorrência desta decisão.
Ainda dentro dos principais direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, o caput do artigo 391-A prevê que, a confirmação da gravidez no curso do contrato de trabalho, assegura a mulher gestante a garantia de estabilidade provisória, ainda que a gravidez tenha ocorrido durante o curso do aviso prévio, seja ele trabalhado ou indenizado[7].
Outra importante previsão e que visa não apenas a saúde da gestante, mas também a do nascituro, é encontrada no caput do artigo 392 da CLT[8], que garante a mulher o direito fundamental do afastamento de cento e vinte dias, garantindo-lhe nesse período o emprego e salário correspondente. Tal direito também restou resguardado no caso de adoção ou guarda judicial. Neste ponto insta ressaltar o grande avanço trazido com a reforma trabalhista de 2017, que retirou os prazos diferenciados para licença conforme a idade da criança, antes previstos nos parágrafos 1º a 3º do artigo 392-A da CLT[9], passando a garantir-lhes os mesmos 120 dias de afastamento, independentemente da idade da criança adotada.
Além disso, quando restar demonstrado que a atividade laborativa é prejudicial à gestação, poderá a gestante requerer a ruptura contratual sem aviso prévio, conforme previsão do artigo 394 da CLT[10].
Já o artigo 396 previa, antes da Reforma trabalhista, o direito de a mulher usufruir, durante a jornada de trabalho, dois descansos de meia hora cada um, para amamentar o próprio filho, até que a criança completasse seis meses de idade, visando assim proteger primordialmente as necessidades da lactante. Aqui podemos considerar mais um avanço trazido pela reforma de 2017, que não apenas manteve esse direito, mas o estendeu às mulheres que efetuarem adoção. Assim, a CLT retirou a expressão “Para amamentar o próprio filho”, e inseriu a expressão “Para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção”, grande avanço tanto para o incentivo à adoção quanto para a criação de laços mais fortes entre adotante e adotado[11].
Por fim, e adentrando ao tema principal objeto deste estudo, cabe a análise da previsão do artigo 394-A da CLT, que trata especificamente do trabalho da mulher gestante quando sujeita a operações ou locais insalubres, estudo que será feito nos tópicos a seguir.
3. A PROTEÇÃO DA GESTANTE QUANDO SUJEITA A OPERAÇÕES OU LOCAIS INSALUBRES
Conforme a previsão legislativa anterior a reforma, à empregada gestante ou lactante era assegurado o direito ao afastamento de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, pelo tempo que durasse a condição impeditiva (gestação ou lactação). A proteção havia sido alcançada em 2016, através da alteração da CLT pela Lei nº 13.287/2016, que incluiu o artigo 394-A ao texto da Consolidação.
Cabe ressaltar que o texto original do projeto de lei que inseriu a mencionada proteção, continha um parágrafo único que garantia à empregada gestante ou lactante o pagamento integral do salário que vinha percebendo, incluindo o adicional de insalubridade, mesmo durante o afastamento temporário previsto no caput do artigo. No entanto, essa proteção foi vetada pelo Congresso Nacional, que justificou o ato alegando que o dispositivo poderia ter efeito contrário ao pretendido, sendo prejudicial ao invés de benéfico a trabalhadora. Nas razões de veto, aduziu-se que, “Ainda que meritório, o dispositivo apresenta ambiguidade que poderia ter efeito contrário ao pretendido, prejudicial à trabalhadora, na medida em que o tempo da lactação pode se estender além do período de estabilidade no emprego após o parto, e o custo adicional para o empregador poderia levá-lo à decisão de desligar a trabalhadora após a estabilidade, resultando em interpretação que redunde em eventual supressão de direitos”.
Mesmo com o veto do parágrafo único, a previsão normativa inserida em 2016 visava proteger não apenas a saúde da mulher, mas principalmente a proteção à saúde e a vida do bebê. Isso porque, conforme já defendido por diversos estudos realizados por médicos especialistas no assunto, é inegável que, conforme os tipos de substância absorvidas pela mulher, haja certo comprometimento dos processos de desenvolvimento do feto e amamentação.
Assim, o artigo 394-A da CLT, tinha a seguinte redação: “Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”.
Mas aqui surge a seguinte indagação: esse panorama foi modificado com a reforma trabalhista? É o que será analisado após breves considerações do que se entende por trabalho insalubre.
3.1. DO TRABALHO CONSIDERADO INSALUBRE
Para tratar das questões específicas relativas às atividades insalubres e perigosas, a Consolidação das Leis do Trabalho destinou uma seção só para o assunto, inserida dentro do capítulo que trata da segurança e da medicina do trabalho. Trata-se da seção XIII do Capítulo V da CLT.
O artigo 189, que inaugura a mencionada seção, define o que são consideradas atividades insalubres e perigosas, vejamos: “Art. 189. Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”.
Da previsão normativa acima é possível verificar que se considera trabalho insalubre aquele em que o trabalhador fica exposto a agentes nocivos à saúde, desde que essa exposição se dê acima dos limites de tolerância previstos por norma regulamentadora. Para a análise desses limites, é verificado não apenas a natureza do agente nocivo, ou seja, o que torna o ambiente insalubre, mas também a intensidade deste agente e o tempo de exposição a que os empregados estiverem expostos.
A CLT previu em seu artigo 192[12], a existência de três graus de exposição a insalubridade, podendo ser máximo, médio e mínimo. Assim para aqueles empregados que estiverem expostos a insalubridade, assegurou-se o direito ao recebimento de um adicional conforme os graus de exposição mencionados. Assim, aqueles que estiverem expostos aos graus máximo, médio e mínimo, terão direito a um adicional pago sob o percentual de 40%, 20% e 10% do salário mínimo, respectivamente.
Nota-se, contudo, que embora a CLT conceitue o trabalho insalubre e fixe os percentuais de adicional devidos, deixa de expor quais os limites que entende toleráveis para a exposição e quais seriam os agentes considerados hostis à saúde. Assim, tais limitações e condições foram listadas na Norma Regulamentadora 15, do Ministério do Trabalho, aprovada pela Portaria 3.214, de 08 de junho de 1978.
A mencionada norma possui diversos anexos, sendo que, conforme o subitem 15.1 da NR-15, são consideradas como atividades e operações insalubres aquelas que se desenvolvem:
a) acima dos limites de tolerância previstos nos anexos 1, 2, 3, 5, 11 e 12;
b) nas atividades mencionadas nos anexos 6, 13 e 14;
c) comprovadas por meio de laudo de inspeção do local de trabalho, constantes dos anexos 7, 8, 9 e 10.
Diante desta previsão é possível se afirmar existirem três critérios utilizados para a caracterização da insalubridade, quais sejam: critério quantitativo, qualitativo e avaliação qualitativa de riscos inerentes às atividades.
Assim, diante do previsto no artigo 189 da CLT, bem como levando-se em consideração os anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15, e que definem os limites de tolerância para agentes nocivos, verifica-se que, conforme os estudos descritos na obra “Insalubridade e Periculosidade, Aspectos Técnicos e Práticos”, escrita pelo engenheiro e advogado Tuffi Messias Saliba em conjunto com a engenheira Márcia Angelim Chaves Corrêa, através de uma avaliação quantitativa: “(…) o perito terá de medir a intensidade ou a concentração do agente e compará-lo com os respectivos limites de tolerância; a insalubridade será caracterizada somente quando o limite for ultrapassado. Para tanto, o perito deve utilizar todas as técnicas e os métodos estabelecidos pelas normas de Higiene Ocupacional juntamente com aquelas definidas nos mencionados anexos”. (CORRÊA; SALIBA; 2015)
Já os anexos 7, 9, 10 e 13, da mesma norma regulamentadora, não fixa limites de tolerância para os agentes que causam prejuízos à saúde dos empregados. Nesse caso, deverá ser realizada uma avaliação qualitativa, que, segundo Saliba (2015, pág. 14): “(…) será comprovada pela inspeção realizada por perito no local de trabalho; (…) na caracterização da insalubridade pela avaliação qualitativa, o perito deverá analisar detalhadamente o posto de trabalho, a função e a atividade do trabalhador, utilizando os critérios da Higiene Ocupacional”. (CORRÊA; SALIBA; 2015)
Por fim, conforme os anexos 7, 8, 9 e 10, há aquelas atividades que não possuem meios de eliminação ou neutralização da insalubridade, sendo atividades onde as condições insalubres são inerentes a elas. Assim, nestes casos a caracterização da insalubridade se dará por meio de avaliação qualitativa de riscos inerentes à atividade, através da realização de inspeção do local de trabalho.
Uma vez caracterizada a insalubridade, prevê o artigo 191 da CLT[13] que devem ser adotadas providências para a eliminação ou neutralização desta, através de medidas conservadoras do meio ambiente do trabalho, bem como através do uso, pelos trabalhadores, de equipamentos de proteção individual – EPI’s, que abrandem a intensidade do agente agressivo.
Insta ressaltar que para que o trabalhador faça jus ao adicional, ele deverá ter contato com o agente nocivo de forma permanente ou intermitente. Assim, estabeleceu-se que não se faz necessário que o contato se dê durante toda a jornada de trabalho, mas que reste caracterizado que a exposição se dá de forma habitual. Portanto, o adicional não será devido apenas se o contato se der de forma eventual, ou seja, naqueles casos em que não se faz necessário o contato do trabalhador com qualquer agente nocivo, mas este acaba ocorrendo por um fortuito, por exemplo.
Vale dizer que se a empregadora eliminar ou neutralizar os efeitos da insalubridade, o pagamento do adicional não mais será devido. No entanto, não basta apenas fornecer os EPI’s para eximir a empregadora do pagamento do mencionado adicional. Conforme preceitua a Súmula 289 do TST, “O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado”.
Assim, baseado no entendimento da Súmula nº 80 do egrégio Tribunal Superior do Trabalho[14], a eliminação da insalubridade se dará mediante o fornecimento de aparelhos protetores como, por exemplo, máscaras, protetor auditivo, luvas de proteção, etc., equipamentos estes que devem ser aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo. Nesse sentido, a norma regulamentadora 06 do Ministério do Trabalho e Emprego, foi quem estabeleceu e definiu os tipos de equipamentos de proteção individual a que as empresas estão obrigadas a fornecer a seus empregados, sempre que as condições de trabalho exigirem, visando, assim, resguardar-se a saúde e a integridade física dos trabalhadores.
Como responsável por determinar as condições de insalubridade em um determinado ambiente, temos o Laudo Técnico de Condições do Ambiente de Trabalho, mas comumente conhecido como LTCAT e que é regulamentado pela Previdência Social. Este documento não visa trazer medidas que minimizem ou eliminem os riscos presentes no ambiente, mas sim comprovar que o trabalhador esteve exposto a determinados riscos durante o período de permanência na empresa. Trata-se de um documento que pode ser elaborado apenas por um médico do trabalho ou por engenheiro da segurança no trabalho[15], conforme previsto pela Lei 8.213/1991 e pela Norma Regulamentadora nº 09 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Em contrapartida, visando eliminar ou amenizar os riscos ambientais, foram criados programas de prevenção e controle, como, entre outros, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, Programa de Conservação Auditiva – PCA e o Programa de Proteção Respiratória – PPR.
3.2. DAS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA NO QUE TANGE AO TRABALHO DA MULHER GESTANTE QUANDO SUJEITA A OPERAÇÕES OU LOCAIS INSALUBRES
Conforme acima mencionado, a lei anterior a reforma assegurava a empregada gestante ou lactante o direito ao afastamento de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, pelo tempo que durasse a condição impeditiva.
Ocorre que, através das alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017, em vigor desde 11/11/2017, esse panorama sofreu importante alteração.
A redação original da Lei nº 13.467/2017, anterior à Medida Provisória 808/2017, alterava a CLT passando a prever a possibilidade de gestantes e lactantes trabalharem em locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade. No entanto, após pressão política em razão da importância do tema, a Lei foi alterada, flexibilizando-se a norma anteriormente inserida a fim de que o trabalho somente fosse permitido em locais onde a insalubridade registrada fosse em grau médio e mínimo e desde que a mulher voluntariamente apresentasse atestado médico autorizado o labor.
Assim, o artigo 394-A da CLT, passou a contar com a seguinte redação: “Art. 394-A. A empregada gestante será afastada, enquanto durar a gestação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres e exercerá suas atividades em local salubre, excluído, nesse caso, o pagamento de adicional de insalubridade. §1o (VETADO). §2º. O exercício de atividades e operações insalubres em grau médio ou mínimo, pela gestante, somente será permitido quando ela, voluntariamente, apresentar atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que autorize a sua permanência no exercício de suas atividades. §3º. A empregada lactante será afastada de atividades e operações consideradas insalubres em qualquer grau quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que recomende o afastamento durante a lactação”.
Verifica-se que o texto vigente prevê que as gestantes sejam automaticamente afastadas de atividades insalubres, no entanto, no caso de apresentação de laudo médico, as libera para o trabalho, desde que a exposição a insalubridade ocorra em graus médio e mínimo.
A justificativa do legislador para a permissão do trabalho em ambientes insalubres foi diminuir a discriminação em algumas profissões, como aquelas exercidas em hospitais, por exemplo, onde a maioria das atividades são consideradas insalubres, o que supostamente estaria provocando um desestímulo à contratação de mulheres em setores como a enfermagem, por exemplo.
Assim, com o argumento de que aquelas empresas que possuem insalubridade em seu ambiente de trabalho estariam deixando de contratar mulheres pelo risco de terem que arcar com as consequências inerentes à gestação, bem como, visando provocar uma diminuição na desigualdade de gênero dentro do mercado de trabalho, é que o texto atualmente vigente foi aprovado. Com a alteração mencionada, pode-se dizer que a intenção do legislador alcançará de fato as intenções desejadas?
4. CONSIDERANDO O TRABALHO DA MULHER GESTANTE EM LOCAIS INSALUBRES, AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NA CLT PELA LEI 13.467/2017 OCASIONARAM DE FATO UMA MAIOR PROTEÇÃO OU ACABARAM POR CRIAR MAIOR DISCRIMINAÇÃO?
Conforme acima exposto, a partir das regras em vigor, as mulheres gestantes e lactantes poderão continuar trabalhando em todas as atividades, ainda que expostas a insalubridade em graus médio e mínimo, se houver parecer médico que as autoriza.
Diante disso, vem a seguinte indagação – esta previsão acabou de fato colaborando para a tão sonhada redução da discrepância existente entre homens e mulheres no mercado de trabalho? Ou acabou por construir uma discriminação ainda maior?
Obviamente que muitas medidas ainda terão que ser tomadas ao longo da história para que de fato se elimine a discriminação de gênero existente nas relações de trabalho, no entanto, o que se percebe é que a alteração trazida pela Reforma não criou um avanço e sim um retrocesso. Se explica.
Ao prever que a mulher gestante e lactante pode trabalhar em local exposto a agentes insalubres, o legislador determinou a apresentação de laudo médico de confiança da mulher. Pois bem. A primeira pergunta que poderia surgir é se esse médico precisa ter alguma qualificação específica sobre segurança no trabalho. Isso porque, ao atestar a permissão para o trabalho nesses locais, o médico estaria dando uma garantia de proteção tanto para a mulher quanto para o feto ou o bebê durante a amamentação. Um médico que não tenha conhecimento específico acerca do tema seria capaz de fornecer tal atestado? Acredita-se que não. Isso gera como consequência que grávidas e lactantes possam adoecer mais frequentemente, justamente em razão dessa exposição e, a partir disso, necessitarem de um afastamento ainda maior de seus postos de trabalho. Se deparando com esse tipo de situação, a tendência é que as empresas venham a diminuir a contratação de mulheres, e não aumentar, ocasionando um efeito inverso ao desejado pelo legislador.
Insta ressaltar que não apenas a saúde da mulher estará em risco, mas também dos nascituros e recém-nascidos que podem ser afetados por agentes contaminantes de adoecimento. Qual a consequência disso? Mulheres abandonando seus empregos para cuidarem dos filhos doentes ou até mesmo necessitando de longos afastamentos em razão de doenças como a depressão, por exemplo, ocasionadas pelo estado de saúde dos filhos.
São inegáveis ocorrências que certamente resultarão em reflexos inclusive junto à previdência social, que muito provavelmente passará a receber das gestantes que laboram em locais insalubres, pedidos de prorrogação do afastamento, pedidos estes que provavelmente serão negados.
Isso nos leva a um segundo questionamento: se o ambiente de trabalho insalubre se torna ainda mais nocivo para mulheres gestantes e lactantes, um simples atestado médico, sem a realização de qualquer perícia in loco por um médico especialista ou até mesmo vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, não estaria a ferir o direito constitucional a um meio ambiente de trabalho saudável? Se essa pergunta tiver uma resposta afirmativa, os empregadores poderão se deparar com mais um problema: uma responsabilidade civil e até mesmo penal, ante a comprovação de prejuízo ocasionado à saúde da gestante ou da criança. Tal consequência com certeza não torna a contratação de mulheres um atrativo.
Portanto, o que se percebe é que com a alteração legislativa, se a mulher vier a sofrer alguma consequência em razão justamente dessa exposição, a empresa empregadora poderá vir a ser alvo de uma demanda trabalhista em razão disso. Assim, fazendo com que o dever de comprovação da permissão de trabalho em ambientes com exposição a agentes nocivos seja da mulher e não do empregador, isso também acaba por gerar um risco maior de responsabilização, pois as empregadoras estariam adstritas ao laudo de um médico, que muito provavelmente não terá conhecimento especifico em medicina do trabalho, muito menos será conhecedor da realidade vivenciada dentro da empresa.
E tudo isso sem contar com outro fator: como ficam aqueles casos onde a empresa não possui outra atividade que não seja nociva à saúde? Isso, pois a empregada gestante tem o direito de não apresentar o atestado médico e requerer seu remanejamento para uma atividade onde não fique exposta a insalubridade. Nesses casos a empresa não terá outra alternativa a não ser afastar a funcionária do ambiente da empresa, mas ainda assim continuar a pagar o seu salário. Ou seja, como a demissão não é uma opção em razão da estabilidade da gestante, a empregadora estará sujeita a um ônus sem qualquer contraprestação, que seria a mão de obra da funcionária.
Vale dizer que em países europeus como Portugal, por exemplo, existem leis mais condizentes com as condições biológicas da mulher, que visam, sobretudo, a proteção à vida. O art. 62 da Lei Portuguesa nº 07, de 12 de fevereiro de 2009, denominado Código do Trabalho, possui a seguinte redação: “Lei 7, de 12/02/2009. Artigo 62º. Protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante. 1 – A trabalhadora grávida, puérpera ou lactante tem direito a especiais condições de segurança e saúde nos locais de trabalho, de modo a evitar a exposição a riscos para a sua segurança e saúde, nos termos dos números seguintes. 2 – Sem prejuízo de outras obrigações previstas em legislação especial, em actividade susceptível de apresentar um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho, o empregador deve proceder à avaliação da natureza, grau e duração da exposição de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, de modo a determinar qualquer risco para a sua segurança e saúde e as repercussões sobre a gravidez ou a amamentação, bem como as medidas a tomar. 3 – Nos casos referidos no número anterior, o empregador deve tomar a medida necessária para evitar a exposição da trabalhadora a esses riscos, nomeadamente: a) Proceder à adaptação das condições de trabalho; b) Se a adaptação referida na alínea anterior for impossível, excessivamente demorada ou demasiado onerosa, atribuir à trabalhadora outras tarefas compatíveis com o seu estado e categoria profissional; c) Se as medidas referidas nas alíneas anteriores não forem viáveis, dispensar a trabalhadora de prestar trabalho durante o período necessário. 4 – Sem prejuízo dos direitos de informação e consulta previstos em legislação especial, a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante tem direito a ser informada, por escrito, dos resultados da avaliação referida no n.º 2 e das medidas de protecção adoptadas. 5 – É vedado o exercício por trabalhadora grávida, puérpera ou lactante de actividades cuja avaliação tenha revelado riscos de exposição a agentes ou condições de trabalho que ponham em perigo a sua segurança ou saúde ou o desenvolvimento do nascituro. 6 – As actividades susceptíveis de apresentarem um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho referidos no n.º 2, bem como os agentes e condições de trabalho referidos no número anterior, são determinados em legislação específica. 7 – A trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, ou os seus representantes, têm direito de requerer ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral uma acção de fiscalização, a realizar com prioridade e urgência, se o empregador não cumprir as obrigações decorrentes deste artigo. 8 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 3 ou 5 e constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 4”.
Analisando os itens 2 e 4 do artigo acima transcrito, verifica-se que o legislador português atribuiu ao empregador a obrigatoriedade de uma investigação no ambiente de trabalho da gestante ou lactante, para examinar eventual risco a que esta possa estar sujeita, sendo seu direito o acesso ao resultado final dessa averiguação, medida esta que, se acrescida às alterações efetuadas pelo legislador brasileiro através da Lei reformista, teriam minimizado o impacto negativo provocado por esta.
É importante ressaltar que a legislação que garante os direitos dos trabalhadores foi conquistada de acordo com as suas necessidades, de forma que eventual reforma deveria vir com o no intuito de melhorar a condição do trabalho, não o inverso.
Surpreendentemente, partes do relatório da Comissão Especial criada para proferir parecer ao projeto de Lei nº 6.787 de 2016, transformado na Lei que alterou a CLT, ao defender os termos da proposta, proferiu argumentos que parecem contrários ao que a reforma acabou por ocasionar no que tange ao tema atinente às mulheres gestantes e lactantes, vejamos: “(…) É com essa visão particular que vislumbramos a presente modernização: a necessidade de trazer as leis trabalhistas para o mundo real, sem esquecer dos seus direitos básicos e das suas conquistas históricas que, por sua importância, estão inseridos no artigo 7º da Constituição da República. (…). O Brasil não pode mais esperar. Nós, parlamentares, legítimos representantes do povo, precisamos responder aos anseios e necessidades de todos aqueles que esperam soluções concretas aos problemas atuais. Não podemos nos esconder atrás de cortinas de fumaça, não podemos nos valer de discursos panfletários e fugir da realidade concreta que se apresenta à nossa frente. Temos o dever de, dentro dos limites que nos impõe a nossa Constituição, propor medidas legislativas que permitam às pessoas alcançar os seus desejos. (…). Muito se especulou de que este Projeto de Lei e esta Comissão teriam como objetivo principal retirar direitos dos trabalhadores. Eu afirmo com convicção de que este não é e nunca foi o nosso objetivo e, mesmo que fosse, não poderíamos, em hipótese alguma, contrariar o que está colocado no artigo 7º da Constituição Federal”.
Nesse aspecto, cabe ressaltar as primeiras impressões do Projeto de Lei 6787, na visão da juíza trabalhista Valdete Souto Severo, que atua na defesa dos direitos trabalhistas, é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e da Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social (RENAPEDTS) e ainda é Coordenadora e Diretora da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul (FEMARGS). Em artigo publicado na internet[16], a magistrada teceu as seguintes considerações: “Não é razoável crer que em 2017, depois de pelo menos dois séculos de árduas conquistas de parcos direitos sociais, garantidos por uma Constituição que afirma a necessidade de melhoria das condições sociais dos trabalhadores e, por consequência lógica, a proibição de retrocesso social, alguém ainda creia sinceramente que dar liberdade é retirar direitos, entregando os trabalhadores à livre negociação com seus tomadores de trabalho, majorando jornada, fixando prescrição intercorrente, retirando direitos. Só pode ser deboche. Não há outro modo de compreender os motivos expostos pelo relator e as propostas que faz em seu substitutivo ao PL 6787. Mas sigamos a análise das propostas de mudança que, segundo Rogério, irão ‘abandonar as amarras do passado e trazer o Brasil para o tempo em que estamos e que vivemos, sem esquecer do país que queremos construir e deixar para nossos filhos e netos’. Certamente, um país de miseráveis, de trabalhadores zumbis, de pessoas sem tempo e dinheiro para consumir, ler, conviver com seus familiares”.
Em seu texto, a magistrada fez menção as palavras proferidas pelo Deputado Rogério Marinho, relator da Comissão Especial criada para proferir parecer ao Projeto de Lei no 6.787, de 2016 e que acabou por criar um substitutivo ao referido projeto.
Em continuação às suas impressões acerca da Reforma, a magistrada pondera que a “proposta corrompe completamente não apenas a CLT, mas também a diretriz constitucional acerca da proteção ao trabalho humano. Subverte a proteção edificada ao longo de dois séculos, não apenas em razão da luta e da organização dos trabalhadores, mas em face das necessidades do próprio capital”.
Ainda, pela pertinência do tema, vale transcrever o trecho em que a magistrada trata especificamente acerca do trabalho da mulher gestante em locais ou atividades insalubres: “A proposta de redação para um Art. 394-A autoriza que a gestante trabalhe em ambiente insalubre. Outro retrocesso injustificável. Para o relator, a regra que protege o trabalho da mulher lhe é prejudicial, porque provoca ‘situações de discriminação ao trabalho da mulher em locais insalubres, tanto no momento da contratação quanto na manutenção do emprego’. Sequer há sutileza na linha de argumentação. A discriminação, segundo o relator, decorre da proibição de realização de trabalho em ambiente insalubre, especialmente ‘em setores como o hospitalar, em que todas as atividades são consideradas insalubres, o que já tem provocado reflexos nos setores de enfermagem, por exemplo, com o desestímulo à contratação de mulheres’. Em vez de criar norma objetivando eliminar a situação insalubre de trabalho, propõe a possibilidade de exposição da gestante e do nascituro à situação de dano efetivo à saúde. É ainda mais perverso o argumento de que “afastar a empregada gestante ou lactante de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, há, de imediato, uma redução salarial, pois ela deixa de receber o respectivo adicional, refletindo, inclusive, no benefício da licença-maternidade a que faz jus”. Ora, se a preocupação é com a remuneração decente, seria o caso de majorar os pisos salariais, criar um adicional de salário para a trabalhadora gestante. Em hipótese alguma a intangibilidade de salário deve ser defendida para o efeito de exposição do trabalhador ou da trabalhadora a condições de prejuízo efetivo à saúde, como é o caso dessa proposta legislativa. A reprodução de ambientes adoecedores de trabalho, a partir da lógica econômica de que custa bem menos pagar um adicional de salário (mesmo sujeitando o empregado a dois ou mais agentes nocivos) do que tornar o ambiente seguro, reduz a qualidade de vida e, por consequência, o convívio social saudável dos trabalhadores. O Direito do Trabalho, fundamentado na proteção, conseguiu consolidar-se numa lógica em que tudo (pessoas e coisas) é reduzido à condição de mercadoria de troca, porque é necessário à manutenção da própria lógica do capital. Sem trabalhadores saudáveis não há produção, sem consumidores não há circulação de mercadorias. Daí porque normas como a do art. 193 da CLT ou do artigo 7°, XXIII, da Constituição, foram editadas. Para proteger o trabalhador, a fim de que ele possa continuar em sua condição de trabalhador, e para que o custo dessa exploração não se torne insuportável para o próprio sistema. Esse é também o sentido da norma de proteção do art. 394. Se a preocupação fosse garantir trabalho decente, com remuneração decente e acesso em condições não-discriminatórias de trabalho à gestante, a proposta teria de ser no sentido de tornar inviável a sujeição dos seres humanos, especialmente daqueles que estão gastando novos seres em seus ventres, a dano efetivo. A Constituição determina a permanente redução dos riscos e dos danos à saúde de quem trabalha. Deveríamos, portanto, estar lutando pela eliminação desses agentes, e não aumento das possibilidades de exposição ao mal que causam. Estamos bem longe disso, não apenas em razão da proposta perversa de criação de um art. 394-A, para expor a gestante a situação insalubre, como também em face do projeto de lei (PL 176/2011) que também tramita no Congresso Nacional e pretende a regulamentação do uso do amianto em ambientes de trabalho, apesar de se tratar de agente já banido em vários países, pelo terrível mal que causa à vida humana. Utilizar o argumento da vedação à discriminação para sujeitar mulheres grávidas a situação insalubre de trabalho é subverter a ordem constitucional e desrespeitar a inteligência dos destinatários da norma proposta.” (grifei).
Assim, estudando a abrangência deste tema e com enfoque em uma mudança voltada a incentivar a contratação de mulheres, pode-se arriscar afirmar que tais alterações provocarão nada menos que um efeito totalmente inverso ao desejado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando o contexto pelo qual se justificou a alteração da norma atinente ao trabalho da mulher gestante em local insalubre, não é possível se afirmar, conforme pretendeu o legislador reformista, que a alteração trazida é um avanço aos direitos das mulheres. Em verdade, sob o pretexto de se buscar por igualdade, optou o legislador por um retrocesso jurídico, vez que a mudança da lei quanto ao trabalho insalubre vai na contramão do direito à vida e a saúde da gestante/lactante e do nascituro/recém-nascido, sobrepondo-se o direito ao trabalho em relação a proteção da vida.
O que se verifica, portanto, é que o objetivo principal defendido pelo legislador, ou seja, a minimização da desigualdade de gênero, não foi alcançada com as alterações introduzidas na CLT e ainda sacrificou direitos essenciais consagrados na Constituição Federal.
Ao analisar o art. 7º da Constituição Federal de 1988, verifica-se que este dispõe acerca das garantias dos trabalhadores, direitos com proteção especial e que foram inseridos na Carta Magna com o objetivo de melhorar a condição social dos trabalhadores. Com as novas previsões legislativas, observa-se que a reforma sacrificou essa premissa protetiva, piorando a situação das trabalhadoras mulheres gestantes e lactantes.
É fato que a discriminação historicamente perpetrada em relação à mulher continua a demandar constantes políticas públicas e legislação protecionista visando coibir a distinção entre os gêneros, no entanto, deve o legislador, antes de promover mudanças com impactos tão grandes, fazer uma ponderação entre os direitos que serão afetados com as modificações a serem efetuadas, evitando, assim, resultados indesejados ou prejudiciais ao invés de benéficos.
Portanto, conforme a análise efetuada, o que se nota é que a norma que deveria colaborar na eliminação da distinção entre o trabalho do homem e da mulher, acabou colocando-as em provável situação de maior discriminação. Além disso, é inegável que a alteração trazida pela Lei nº 13.467/17 esbarra fortemente no direito à vida e a saúde da gestante e lactante e também do nascituro e recém-nascido, levantando outra questão de grande repercussão – a proteção ao trabalho pode se sobrepor à proteção à vida? Obviamente não!
Advogada proprietária do Escritório Collaneri Advogados em Jaraguá do Sul-SC Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho; Pós-Graduanda em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes e membro do Núcleo de Pesquisa da Faculdade Legale
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