O direito de greve é um direito fundamental insculpido no art. 9º da Constituição Federal e com previsão na Lei nº 7.783/89. É assegurado universalmente ao trabalhador e compete a este exercê-lo nos limites impostos pela lei (de Greve), ocasião em que se terá um movimento lícito e com efeitos no mundo jurídico e laboral.
A Lei de Greve (lei nº 7.783/89) previu como serviços essenciais aqueles constantes no rol do art. 10, porém a Educação (greve no setor da educação) não consta do aludido rol, que tem redação exemplificativa, como bem preceitua a jurisprudência dos Egrégios Tribunais.
Porém, o fato de a greve no setor de educação não constar no rol do art. 10 da Lei da Greve possui uma razão bem particular e própria, qual seja, a de que é impossível manter um percentual de atividade ou produção num trabalho intelectual e personalíssimo como o que envolve o professor (atividade de ensino). Assim o é que o art. 11 da Lei de Greve prevê textualmente que são considerados como serviços inadiáveis à população os que “coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, e nada mais.
Logo, pela ausência de taxatividade ou mesmo ante a impossibilidade de se obrigar o retorno às atividades de docência não configura abuso o exercício do direito de greve pela totalidade dos membros da categoria dos professores.
E mais.
No que tange aos professores a situação é bem peculiar, pois o direito de greve desta categoria move todos os sentimentos humanos e particulares da população, já que a maior parte das pessoas que são alfabetizadas teve em suas vidas uma pessoa querida que o ajudasse e o conduzisse pelo mundo das letras e do conhecimento: o professor. E ainda, esta figura não foi um professor qualquer, mas em regra sempre existiu um professor para chamar de seu.
A profissão mais digna e enaltecedora de todas é a do professor. Porém, o professor tem um inimigo supremo e antigo: o Estado. A dissociação dos salários e condições de trabalho dos professores da rede pública com a rede privada é fato notório e estarrecedor, além de antigo. O professor da rede pública é, por vezes, considerado pelo Estado como um “subtrabalhador” já que desempenha suas atividades por um salário indigno. E o Estado age de tal forma, pois, esta é uma das poucas profissões em que o profissional ali está mais por vocação do que por escolha profissional. Ou se é ou não é professor, não há meio termo.
As colocações lançadas se dão pela constatação de que ser professor numa escola privada é ter um aparato de materiais e apoio pessoal amplo, uma jornada limitada, condições e ambientes de trabalho adequados e ainda, contar com valores salariais diferenciados. É fato que a realidade no setor público é catastrófica se comparada com a perspectiva privada.
Porém, não há como remeter todos os “usuários” do serviço de educação à rede privada, pois, a educação é dever do Estado e direito de todos, como preleciona o art. 205 da Constituição Federal. Vale recordar que o art. 206 da Constituição Federal prevê em seu inciso IV a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” e ainda que o “acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (art. 208, §1º, do texto constitucional).
Com efeito, como qualquer outro trabalhador, o professor da rede pública tem o direito de greve para reivindicar melhores condições de trabalho, um meio ambiente de trabalho adequado e um salário digno para trabalhar em média 40 horas semanais. Vale ressaltar que um professor dificilmente trabalha apenas 40 horas semanais, em regra, o professor trabalha fora da sala de aula tanto quanto trabalha em sala de aula.
A ausência de condições mínimas de trabalho foram algumas das razões que ensejaram com que os professores da rede pública do Distrito Federal deflagrassem o movimento paredista nos últimos dias.[1]
Até este ponto nenhuma novidade ao leitor, porém no caso dos professores do Distrito Federal que estão em estado de greve (já que greve é fato e não situação jurídica), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal proferiu decisão em 20 de abril de 2012 determinando com que 80% (oitenta por cento) dos professores retornassem às atividades de docência.
Ocorre que a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em determinar que a greve dos professores cesse em parte e assim que 80% dos grevistas retorne ao trabalho é pelo menos absurda.
O primeiro ponto a se questionar é: o porquê do número de 80% ou outro? No texto legal não há o referido percentual ou mesmo há jurisprudência nesse sentido. Enfim, se superarmos este problema dogmático, os que estão por vir são efetivamente graves. Vejamos:
É bem provável que a pessoa (Desembargador) que determinou o retorno ao trabalho dos professores não conheça a realidade da sala de aula e os profissionais (docentes). Não se pode determinar que um professor lecione com eficiência, com aplicação de uma pedagogia adequada, com dedicação, já que o inciso VII, do art. 206 da Constituição Federal ao prever que o ensino terá como princípio uma “garantia de padrão de qualidade” não fixou os parâmetros para tal, sendo os critérios relegados ao Poder Executivo, dos três poderes, para que os estabeleça (art. 211 da Constituição Federal). Sobre este ponto vale aprofundarmos.
Pensemos que um professor insatisfeito com seu salário entre numa sala de aula e faça pouco caso dos alunos (equivaleria ao conceito de desídia para os demais trabalhadores), não há como mensurar o índice de produtividade e qualidade deste profissional, exceto pelo aprendizado acumulado no decorrer do ano letivo, ou seja, após mais de 200 dias, e ainda, após prejudicar de forma indireta o aluno que poderá ser aprovado naquele ano letivo, por obter as notas mínimas, mas não teve o conteúdo didático adequadamente “ensinado”. Esta é a diferença de um trabalho que necessita de vocação: ou o professor tem amor à profissão e se preocupa com o aluno, ou o objetivo será alcançado da mesma forma – a aprovação do aluno, mesmo sem que este saiba o mínimo previsto no currículo.
E este é o ponto que o Magistrado não percebeu. Quem leciona o faz por vocação e não por profissionalismo apenas. “Mutatis mutantis”, ser professor é como ser Juiz, ou seja, se vive a profissão continuamente e se ensina sempre, e os melhores profissionais são aqueles “angustiados” por tentar ensinar da melhor forma, até porque ensinar envolve múltiplos conhecimentos e “sensações”.
Cumpre destacar que a decisão do Magistrado (que sem dúvida teve boas intenções) foi catastrófica sob a ótica dos alunos e de seus direitos subjetivos (§1º, art. 208 da CF). Pois, se 80% dos professores retornam à sala de aula, significa que 20% dos alunos estão sem aulas e que não aprenderão ou terão o conteúdo mínimo para serem aprovados, ou seja, a decisão do Magistrado segregou um grupo de alunos e determinou a “morte intelectual” deles em relação aos demais. Logo, aos 20% de alunos excluídos do alcance ao saber caberia a ação de Mandado de Segurança para garantir-lhes o direito liquido e certo de não estarem no rol dos 20% mas sim, nos demais 80%.
Nesse sentido se questiona: por que 20% dos alunos de um grupo “x” devem ficar sem aula? Por que este grupo e não aquele?
A incoerência da decisão não está apenas na equivocada ordem proferida pelo Judiciário, neste caso, que viola o direito fundamental da greve (mesmo aquele previsto na lei de greve utilizada subsidiariamente ao setor público até que venha a lei específica, como decidiu o STF), mas também na violação direta do direito difuso de educação dos alunos em ter aula nesta fase do ano em detrimento a um grupo que não terá estas aulas, ou seja, viola diretamente a isonomia dos alunos do Distrito Federal e também de suas famílias e dos demais membros da sociedade, já que um grupo indeterminado será prejudicado por ficar fora da sala de aula.
Não é dado ao Judiciário interferir na vida de um grupo de pessoas subtraindo deles um direito público subjetivo, que é o DIREITO À EDUCAÇÃO! Pois ter educação formal é ato intrínseco à Dignidade Humana e sua essência social (humana).
E mais. A Greve e a determinação do retorno parcial enseja a acentuação do desnível social existente entre o ensino privado e público, não apenas quanto aos seus profissionais – professores – mas também quanto aos alunos, já que o futuro daqueles que estudam na escola pública será diametralmente oposta àqueles que estudam na rede privada de ensino.
Portanto, considerando o direito fundamental à educação como direito positivo e dever do Estado e aquele mais basilar de todos ao lado apenas do direito à saúde, à vida e à liberdade, não é dado ao Estado-Juiz ponderar e decidir contrário ao mesmo.
Só há uma saída plausível e válida para o imbróglio criado pelo Judiciário; inverter a decisão. Ou seja, seria o caso do Ministério Público do Distrito Federal ingressar com ação contra o Estado (Distrito Federal) para que este forneça as condições mínimas de trabalho e salariais para os professores, ou seja, a ação deveria ser contra o Estado e não contra os professores. E, em paralelo, propõe-se ressuscitar o debate de que o filho do político, do magistrado, do membro do Ministério Público e outros agentes sociais relevantes tenham que, obrigatoriamente, estudar na rede pública de ensino (para só então as coisas começarem a melhorar e mudar de forma significativa).
Fazemos votos de que o Juiz, o Procurador, o Advogado, o Político e os demais membros da sociedade se lembrem de que sem professor não há a sociedade idealizada pelo constituinte originário. O art. 3º da Constituição Federal prevê: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
O professor precisa ser respeitado e valorizado e as verbas e rubricas empregadas pelo Ente Público com a educação correspondem a investimento e não a gasto (mas quando será que os políticos se lembrarão disso?). O futuro de uma nação depende imprescindivelmente de uma educação sólida, consistente e de elevado nível e qualidade, ou alguém discorda?
Advogado e professor de Direito, especialista, mestre e cursando doutorado em Direito
Pedagoga da rede privada de ensino, pós-graduada em educação
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