Resumo – Nos últimos anos, a América Latina passou por alterações significativas no âmbito político, em razão do surgimento de uma onda esquerdista em vários países da região. Ela tem sido palco para o conflito político entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e George W. Bush, dos Estados Unidos. Esta pesquisa, então, objetivou estudar esse conflito, com base na análise individual dessas duas administrações, apresentando o governo Bolivariano de Chávez bem como a estratégia do governo norte-americano para a América Latina na Era Bush, e verificando que, apesar do conflito, os dois países possuem boas relações comerciais em razão do petróleo venezuelano. Utilizando-se o marco teórico do Globalismo foi possível compreender-se que os dois mandatários possuem interesses convergentes na América Latina, e ao mesmo tempo, utilizando-se da Teoria Crítica, observou-se que Chávez busca alterar a posição da Venezuela no cenário internacional ao passo que não aceita a dominação estadunidense. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória e bibliográfica, fazendo-se uso do método indutivo e histórico que possibilitou o entendimento sobre o conflito apresentado e através da qual se chegou às considerações finais. Como resultado, concluiu-se que o discurso anti-norteamericano não influenciou outros governos da América Latina a tornarem-se contrários aos Estados Unidos. Na verdade, a enfraquecida presença norte-americana na região se deve muito mais às próprias ações desenvolvidas por Washington durante o governo Bush do que propriamente da retórica chavista.
Palavras-chave: Relações Internacionais ▬ América Latina ▬ Hugo Chávez e Governo Bolivariano ▬ George W. Bush e Política Externa.
Abstract – In recent years, Latin America has undergone significant changes in the political, due to the emergence of a leftist wave in several countries of the region. She has been the stage for political conflict between President Hugo Chávez of Venezuela, and George W. Bush, the United States. This research therefore aimed to study this conflict, based on individual analysis of these two administrations, presenting the Bolivarian government of Chávez and the strategy of the U.S. government to Latin America in the Bush Era, and noting that despite the conflict, the two countries have good trade relations because of Venezuelan oil. Using the theoretical framework of the whole was possible to understand that the two agents have convergent interests in Latin America, and at the same time, using the Critical Theory, it was observed that Chávez seeks to change the position of Venezuela in the international arena while not accepting the U.S. domination. The methodology used was the exploratory research and literature, making use of the method is inductive and history that enabled the understanding of the conflict presented and through which it reached the final considerations. As a result, it was concluded that the anti-American speech did not influence other governments of Latin America to become contrary to the United States. Indeed, the weak North American presence in the region is much more to their own actions undertaken by Washington during the Bush administration’s own rhetoric than chavista.
Keywords: International Relations Latin America ▬ Hugo Chávez and Bolivarian Government ▬ George W. Bush and Foreign Policy.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho monográfico, pretendeu-se estudar o cenário conflituoso existente no eixo Norte-Sul das Américas principalmente entre os governos de Hugo Chávez da Venezuela e George W. Bush dos Estados Unidos. Além disso, buscou-se, também, analisar o governo bolivariano de Chávez e suas pretensões para os países da América Latina bem como verificar se a estratégia norte-americana para a América Latina pode representar uma ameaça à Venezuela e demais países da região, considerando-se a política do governo Bush e, de alguma forma, demonstrar que o discurso antinorte-americano de Hugo Chávez esbarra na questão econômica/comercial, para se compreender o objeto de estudo aqui proposto.
Verificou-se que a América Latina é uma região de instabilidade política, visto que alguns dos países que a compõem possuem a característica de colocar em seus governos, mandatários que buscam o rompimento das relações de subordinação a outros países e o fortalecimento nacional perante o cenário internacional. Em alguns deles, como por exemplo, Bolívia e Venezuela, os atuais mandatários adotam uma política nacionalista e antiimperialista, mediante a qual proclamam que não aceitam a intervenção de outros Estados, em especial, dos Estados Unidos, em seus assuntos internos, o que é muito significativo para a política latino-americana, mas nem por isso o ponto-chave da questão política regional. Vale ressaltar que os países latino-americanos almejam instaurar regimes democráticos, com participação popular e que protejam os interesses nacionais.
O surgimento da onda esquerdista na América Latina no século XX é um fenômeno que pode atrapalhar as pretensões dos Estados Unidos para a região, uma vez que os governos não alinhados a Washington oferecem resistência às ações desenvolvidas por este. Nesta perspectiva, o governo norte-americano empreende uma política externa intervencionista nos assuntos domésticos dos países que lhes são convenientes. Essa política pode desenvolver-se através de apoio político, econômico ou militar à oposição que planeja derrubar o governo nacional, desde que os assuntos de seu interesse sejam assegurados pela nova gestão. Ao longo das décadas, promoveu diversas intervenções, tendo participado de algumas tentativas de golpes de Estado na América do Sul.
Os Estados Unidos são a maior potência mundial, e em função disso, praticam uma política imperialista para defender, principalmente, seus interesses econômicos. Pelo fato de a América Latina apresentar uma grande reserva energética, procura aumentar sua influência e seu poder na região, pois ele não dispõe desses recursos em quantidade suficiente para atender suas necessidades. O governo norte-americano visa elevar sua presença na América Latina por meio do reforço de sua presença política, aumento do domínio militar e implantação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Entretanto, a questão da ALCA vai além de uma simples integração econômica e comercial. Com a criação desse bloco, os Estados Unidos ampliariam o seu domínio na América Latina, uma vez que é um projeto que visa consolidar o imperialismo deste país no continente americano (CARVALHO; CARVALHO, 2003, p. 65).
É possível identificar duas tendências opostas e causadoras dos conflitos políticos e sociais. De um lado, encontra-se o imperialismo estadunidense. Em contraposição, a tendência revolucionária do povo latino-americano. Isso representa uma ameaça para aos preceitos da paz, da democracia e da soberania dos povos, uma vez que para alcançar seus objetivos, os EUA são capazes de apoiar qualquer situação que favoreça sua posição no hemisfério (CARVALHO; CARVALHO, 2003).
Um exemplo claro sobre a política intervencionista norte-americana praticada na administração de George W. Bush está relacionado com o golpe sofrido por Hugo Chávez na Venezuela em 2002. O governo venezuelano, eleito democraticamente em 1998, sofria oposição de determinados setores da sociedade, tais como: empresários, opositores ao governo, meios de comunicação, em especial a emissora de televisão RCTV, entre outros. Para arquitetar o golpe, os oposicionistas tiveram o apoio do serviço de inteligência (CIA) e a ajuda financeira dos EUA. A partir desse acontecimento, passa a ser constante os ataques do presidente Chávez ao governo Bush, através de uma retórica que conclama outros países latino-americanos a serem contrários aos EUA.
Questionou-se, então, se havia sentido no discurso antinorte-americano de Hugo Chávez na atualidade e se a sua retórica escondia alguma ação cujo desencadeamento viesse a prejudicar a América Latina ou a lhe trazer algum benefício. Afinal, que motivo de fato enseja um discurso assim?
Nesse contexto, o governo Chávez tem sido alvo, ao que parece, de investidas norte-americanas especialmente na administração Bush, em razão das posições conflitantes que ambos demonstram no campo das relações internacionais e que podem atrapalhar a estratégia norte-americana para a América Latina.
No início do governo Bush, não se percebia uma atenção para os problemas da América Latina, já que a partir dos atentados 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington, os Estados Unidos, feridos em seu orgulho, desviam o foco de sua política externa para o combate ao terrorismo. Porém, esse combate não se deu de forma pacífica, ocorrendo por meios militares e com a utilização da força, como nos casos da invasão do Afeganistão e do Iraque. Com o surgimento de governos esquerdistas populistas na América do Sul, o governo norte-americano percebeu que a figura dos Estados Unidos na região estava ameaçada, e passou a ter um maior cuidado com relação aos problemas da América Latina para que seu poder de influência não acabasse. Nesse momento, observou-se a figura de Hugo Chávez na política internacional, com um pensamento influenciado pela ideologia bolivariana que fortalece o discurso antinorte-americano desse presidente.
Chávez foi eleito para um mandato de cinco anos e, ao assumir a presidência da Venezuela em 1999, promoveu transformações na ordem interna do país. Instituiu a República Bolivariana da Venezuela e adotou um discurso antiimperialista e avesso a intervenções em outros países, nos assuntos domésticos, especialmente partindo dos EUA, aproximando-se do bolivarianismo, cuja ideologia é baseada nos preceitos do ex-líder venezuelano Simón Bolívar, constituída de três elementos principais: anti-imperialismo, integração dos países latino-americanos e independência (luta anti-colonial).
O conflito entre Chávez e Bush tornou-se um fator de desestabilização política nas Américas, pois é constante o ataque verbal entre esses mandatários. Entretanto, apesar de tudo isso, os dois países são bons parceiros comerciais, em virtude do petróleo venezuelano que é de muita utilidade para os norte-americanos.
Por um lado, a Venezuela é auto-suficiente em petróleo e suas reservas posicionam-na como um dos maiores produtores mundial. Em razão dessa alta produção, o país necessita de compradores para o excedente produzido, já que não consegue absolvê-lo. Por outro lado, os Estados Unidos são os maiores consumidores de petróleo do mundo, fato que os fazem comprar grandes quantidades desse recurso do seu rival político.
As Relações Internacionais encontram-se permeadas por jogos de interesses, em que os países estão interessados em melhorar sua atuação, seja individualmente ou juntando-se a outros em blocos para obter força político-econômica e não ficarem dependentes de uma única potência.
No passado, a Venezuela era economicamente dependente dos Estados Unidos, porém, com a entrada de Chávez no poder, essa situação foi modificada através da procura de novos parceiros para diversificar suas relações comerciais. Em 2006, aderiu ao Mercosul[1], demonstrando seu interesse pelo processo de integração surgido na América do Sul.
Considerando o tema e a análise da problemática proposta, trabalhou-se a questão de pesquisa: ▬ O discurso antinorte-americano de Hugo Chávez pode ter influenciado outros governos latino-americanos contra os interesses dos Estados Unidos no governo Bush? Caso positivo, como se pode avaliar essa influência? Caso negativo, mesmo assim houve algum prejuízo para a América Latina?, com a qual foi possível produzir a presente monografia que poderá ajudar outros muitos colegas a trabalharem essa temática, aprofundando-a com novos enfoques.
Diante do exposto, foi relevante a realização desta análise por tratar-se de um tema que atinge a América Latina e que pode trazer conseqüências para os países nela localizados bem como importante para se entender qual a estratégia do governo Bush quando se confrontou com o discurso chavista, na perspectiva aqui apresentada.
BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA: A POLÍTICA INTERNACIONAL ATUAL
A política internacional se caracteriza por ser um sistema anárquico de Estados, ou seja, não existe nenhum poder superior ao qual os Estados estejam subordinados. Por esta razão, possui natureza conflituosa e serve de palco para o surgimento dos conflitos internacionais.
Nesse cenário mundial, existe uma separação entre a política interna e a política internacional dos países no tocante a diferenças legais, políticas e sociais, aplicação da força e sentimento de comunidade. Esses três elementos são aplicados de forma diferente nos dois tipos de políticas. O direito internacional não é obedecido pelos Estados por conta da inexistência de uma imposição legal que os obriguem a fazê-lo. Com relação ao segundo elemento, nenhum país detém o monopólio sobre a utilização da força, porém os Estados mais fortes podem recorrer a esse meio quando um problema ameaça a segurança internacional. Por último, o sentimento de comunidade se diferencia da política interna, pois a população de cada país é dotada de sentimentos diferentes e em muitos casos não partilham dos mesmos objetivos (NYE, 2002).
É importante mencionar que os conceitos de soberania e não-intervenção são fundamentais para o estabelecimento da ordem no sistema anárquico internacional. No primeiro caso, a questão da soberania não envolve só o território, mas também a capacidade de um governante manter a ordem interna. Porém, observa-se que os Estados não conseguem controlar todos os assuntos que acontecem no âmbito nacional, em razão da interdependência econômica internacional e da influência de atores externos.
Por definição, “intervenção refere-se a ações externas que influenciam os assuntos internos de outro Estado soberano.” (NYE, 2002, p. 184). A partir desse conceito, surge o princípio da não-intervenção. A não-intervenção na política nacional de outros Estados soberanos é uma regra básica do direito internacional e se manifesta de várias formas. Contudo, por não existir um poder superior que obrigue os Estados a respeitar este princípio, as potências fazem uso do intervencionismo como forma de assegurar seus interesses.
Segundo NYE (2002), para a intervenção, existe um espectro de influências que variam entre a coerção fraca e forte (discursos à ajuda econômica à conselheiros militares à apoio à oposição à bloqueio à ação militar limitada à invasão militar). Esses meios podem ser perfeitamente aplicados ao contexto americano.
No caso da América Latina, verifica-se que os Estados Unidos adotam o apoio à oposição como meio de coerção. Em vários momentos históricos, o governo norte-americano participou ativamente de golpes de Estados ocorridos nos países da América do Sul, fornecendo ajuda econômica à oposição para destituir o mandatário do país. Nessa ótica, apoiou o golpe de Estado na Venezuela em 2002 que destituiu o presidente Hugo Chávez do poder por 48 horas.
Assim, a política internacional serve como base para explicar a política nas Américas, visto que a anarquia do sistema internacional reflete nas ações dos Estados. Essa anarquia abre espaço para o surgimento de Estados poderosos que querem dominar os mais fracos, ao passo que surgem governos que não aceitam essa dominação, e é essa postura oposta que desencadeia um confronto político entre os países.
O GLOBALISMO E SEUS TENTÁCULOS NAS AMÉRICAS: RELAÇÕES NORTE-SUL
O cenário internacional na atualidade está marcado pelo fenômeno da globalização. Ao longo dos anos, estudiosos tentaram definir essa expressão, porém nenhuma a explica em sua totalidade. É certo que a globalização não deve ser entendida só pelo âmbito econômico, mas envolve aspectos políticos, culturais, sociais, entre outros e por essa razão que se torna tão complexa uma conceituação única (SARFATI, 2005).
A globalização provocou mudanças significativas no mundo. As distâncias se encurtaram, as fronteiras desapareceram, as relações econômicas e comerciais intensificaram-se, a comunicação entre os povos aprofundou-se, enfim tudo está conectado e é resultado desse processo. Os países estão interligados, ou seja, qualquer fato que ocorra em qualquer lugar do mundo produz efeito imediato em países que, muitas vezes, não têm relação com o problema. Tudo se abala mais ou menos radicalmente e seus resultados variam de acordo com cada Estado.
Nesse sentido, a globalização configura um novo ciclo de expansão do capitalismo, não só como modo de produção, mas também como um processo civilizatório de alcance global. As tensões decorrentes da globalização não se limitam às sociedades nacionais, refletindo nos modos de vida e pensamento dos indivíduos e coletividades. Ianni (1999, p. 27) afirma que:
“A globalização não tem nada a ver com homogeneização. Esse é um universo de diversidades, desigualdades, tensões e antagonismos, simultaneamente às articulações, associações e integrações regionais, transnacionais e globais. (…) No âmbito da globalização, compreendendo nações e nacionalidades, movimentos sociais e fundamentalismos, redes e alianças, soberanias e hegemonias, fronteiras e espaços, ecossistemas e ambientalismos, blocos e geopolíticas, nesse contexto multiplicam-se as condições de integração e fragmentação”.
Nessa realidade, os conceitos de soberania e Estado-Nação se enfraquecem, uma vez que o regionalismo é uma forte tendência seguida pelos Estados. Para tal, os Estados integram-se e cedem parte de sua soberania a uma organização superior a eles no intuito de fortalecer sua posição política no cenário mundial.
Além disso, a globalização favorece a formação de uma sociedade global que, apesar de se apresentar abrangente, contraditória e complexa, não é formada alheia ao que acontece em âmbito nacional de cada país (IANNI, 1999).
O globalismo surge a partir da globalização. Significa um novo ciclo histórico, no qual todos se envolvem em nível mundial. É resultado de profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que interagem com a globalização do mundo. Segundo Ianni (1999, p. 184), “resulta de um jogo complexo de forças atuando em diferentes níveis da realidade, em âmbito local, nacional, regional e mundial”.
Em sua base, está o capitalismo, fortalecido com o fim da Guerra Fria e em constante expansão. Ele se tornou um modo de produção global e está presente em quase todas as nações, independente do regime político e dos aspectos culturais.
Do ponto de vista do globalismo, as organizações multilaterais e corporações transnacionais atuam ao lado dos Estados, contribuindo para polarizar as relações e influenciar o cenário internacional.
Entendeu-se, por oportuno, mencionar o globalismo no sentido de que ele possui natureza contraditória e movimenta relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, de integração e fragmentação em escala mundial.
Ao contrário do que se pensa, no âmbito do globalismo, há espaço para o imperialismo, o nacionalismo e o regionalismo. São situações que ocorrem em conjunto com essa nova realidade. Ianni faz uma reflexão interessante sobre a relação entre essas forças, a saber:
“Desde que se fala em globalismo, logo se põe em causa o imperialismo. Um e outro se contrapõem, complementam, dinamizam ou atritam, conforme a dinâmica das relações, processos e estruturas que constituem o capitalismo como modo de produção mundial. Não se trata de imaginar que um nega ou anula o outro, mas de reconhecer que ambos se determinam reciprocamente” (1999, p. 194).
Dessa forma, os Estados Unidos da América encontram espaço para colocar em prática sua política imperialista, pois o globalismo admite que essa postura seja adotada e não acarrete conseqüências negativas para si.
De acordo com Sarfati (2005), o globalismo assenta-se em quatro premissas que retratam sua imagem de relações internacionais: (i) corresponde à ênfase na estrutura internacional, em que para avaliar o comportamento dos Estados, é necessário investigar tanto os fatores internos, quanto os condicionantes do sistema internacional; (ii) visão histórica das relações internacionais, ou seja, para entender a realidade, os elementos históricos são importantes para compreender os condicionantes estruturais; (iii) foco nos mecanismos de dominação, no qual o comportamento dos Estados é entendido; (iv) atribui importância fundamental à economia, de modo que os fatores econômicos colaboram para justificar o comportamento dos Estados na política internacional.
Diante do exposto, a teoria do globalismo é adequada para explicar a relação conflituosa entre Chávez e Bush assim como as prováveis causas que levam o presidente venezuelano a conclamar um discurso contrário aos EUA.
Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos despontaram como a grande potência mundial, capaz de influenciar o cenário internacional. O modo de produção capitalista tornou-se base para o desenvolvimento econômico e reformas neoliberais foram realizadas pelos países com o objetivo de adaptar-se à nova realidade.
O choque político entre Bush e Chávez se dá no tocante às suas intenções na América Latina. De um lado, o governo Bush pretende manter sua influência na região. Em oposição, Chávez busca aumentar sua influência política em nível regional, pois não admite a posição hegemônica dos EUA nem sua interferência nos países latino-americanos.
É fato que a globalização disseminou o estilo de vida norte-americano e que vários governos não aceitam a hegemonia norte-americana no mundo. Contudo, é válido enfatizar que as críticas do presidente venezuelano à administração Bush apresenta um ponto intrínseco, pois não seria a vontade de Chávez estar no lugar de Bush?
Outro ponto fundamental para a compreensão das relações Norte-Sul nas Américas refere-se à economia. E, nesse sentido, segundo esta pesquisa, o capitalismo norte-americano representa, nesse contexto, uma ameaça às pretensões de Chávez. Na Venezuela, encontra-se a maior reserva de petróleo da América Latina e, por esse motivo, Chávez se sente no direito de ter uma economia forte, porquanto o seu país é dono de um recurso energético cobiçado por muitos outros, inclusive pelos EUA. Todavia ele está cometendo um erro ao depender exclusivamente da exportação de petróleo, já que os preços internacionais estão em queda e suas pretensões de crescimento econômico podem ser frustradas.
A POLÍTICA DE CHÁVEZ SOB A ÓTICA DA TEORIA CRÍTICA
A Teoria Crítica foi criada a partir de um projeto emancipatório da Escola de Frankfurt, ligado às idéias de Kant e Marx. Esse projeto apresenta um conteúdo relativo à eliminação das mais variadas formas de dominação na humanidade, independente a que estivessem ligadas.
A partir da década de 30 do século XX, essa corrente de pensamento adquiriu a denominação de neomarxista ou pós-marxista, pois fazia uma nova abordagem sobre pontos negativos da obra de Marx, arquitetando, mediante a análise das estruturas sociais, determinar a base para a construção de uma nova sociedade livre de todos os tipos de dominação inclusive com a superação do Estado. Nela, se observa uma ênfase no conhecimento e na sociedade. O conhecimento é mencionado a partir de uma perspectiva pós-positivista e seu elemento crítico baseado na filosofia de Kant (SARFATI, 2005).
Convém fazer menção a dois autores importantes para a explicação da Teoria Crítica, são eles: Robert Cox e Linklater.
Para Robert Cox, “toda teoria é sempre para alguém e para algum propósito.” (apud SARFATI, 2005, p. 252). Com essa máxima, assegura que as teorias são feitas e passam a ter maior funcionalidade em um determinando período de tempo e local. Esse autor subverte a visão de que a ordem social e estruturas políticas prevalecentes não podem ser alteradas. Logo, fica claro que podem ser criadas alternativas para superar a ordem dominante num contexto histórico. Tal percepção o permite exprimir a idéia de que o movimento contra-hegemônico poderia partir da aliança entre os países do Terceiro Mundo para modificar o sistema internacional. Desse modo, a Teoria Crítica explica a política de Chávez, já que ele visa sobrepujar o imperialismo dos Estados Unidos nas Américas.
Linklater coloca que a Teoria Crítica supera o Marxismo a partir do momento em que amplia a questão da exclusão social para além da exclusão de classes, observando a questão da dominação sob vários ângulos na sociedade. Também mostrar que é possível criar novas formas de organização política através da análise dos arranjos sociais, acabando com qualquer tipo de exclusão, e emancipar os excluídos das injustiças sociais. Entretanto, o ponto principal desta teoria é a negação da imutabilidade social (apud SARFATI, 2005).
Diferentemente das teorias tradicionais, a imutabilidade social é descartada pela Teoria Crítica. Ela defende que as relações políticas e sociais podem ser alteradas desde que essa seja a vontade das sociedades, retirando a idéia da naturalidade dos fenômenos na vida política e social.
Ainda de acordo com Linklater, o objetivo dessa teoria é promover o aumento da capacidade humana de autodeterminação, em que a emancipação social livraria os indivíduos de qualquer tipo de dominação e barreiras socialmente impostas e permitiria o livre arbítrio.
Segundo SARFATI (2005, p. 253), “o procedimento de pesquisa desta teoria pode ser resumido em dois movimentos: a) desconstrução dos discursos teóricos e práticas sociais; b) apresentação de alternativas emancipatórias da ordem dominante”.
É válido, pois, citar que a Teoria Crítica propõe o uso de uma ética discursiva que propicia um diálogo aberto e não-excludente entre as comunidades e por meio dela, a política internacional poderia ser reeditada, vez que oferece uma possibilidade democrática para um processo de decisão entre os países (SARFATI, 2005).
Seguindo esse raciocínio, entendeu-se que a Teoria Crítica poderia ser utilizada para explicar a postura de Chávez e Bush, considerando que seus discursos se contrapõem um ao outro. No discurso antiimperialista de Chávez, observa-se o ponto da imutabilidade social, haja vista que este mandatário não aceitar a dominação norte-americana em seu território e busca uma alteração de sua posição no cenário regional e até mesmo internacional, com a pretensão de influenciá-lo de alguma forma.
Em contrapartida, o discurso de Bush revela uma postura imperialista e intervencionista nos assuntos internos dos países em que os Estados Unidos possuem interesses. Para esta potência, não é interessante uma modificação estrutural nas relações de dominação, pois os países excluídos são mais vulneráveis à influência norte-americana.
Nessa perspectiva, observou-se, nesta pesquisa, que esses dois discursos se contrapõem um ao outro e foi justamente esse conflito que resultou no objeto de estudo deste trabalho, uma dialogicidade contraditória que chamou a atenção e permitiu que se fizesse uma incursão bibliográfica para se chegar a algum resultado, com base na questão de pesquisa levantada e nos objetivos propostos.
Foi possível, assim, fazer-se um trabalho exploratório que tem a sua importância pelo fato de trabalhar com o ânimo de um ator, no caso Chávez, contra o poderio de um Estado que se tornou poderoso aos olhos do mundo desde o final das duas Grandes Guerras.
A METODOLOGIA UTILIZADA
Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se a pesquisa exploratória, por meio da qual foram obtidas as informações relacionadas ao problema em questão. Esse tipo de pesquisa é realizado com o objetivo de apresentar uma visão geral, de tipo aproximativo, sobre o fato que se pretende estudar. Caracteriza-se por apresentar uma flexibilidade no planejamento e envolve o levantamento de dados bibliográficos (GIL, 2006).
Assim, a pesquisa exploratória ajuda na compreensão do tema proposto, pois foi através dela, que se buscou o material necessário para analisar, no caso presente, o governo de Chávez e a política externa norte-americana na era Bush e suas pretensões para a América Latina.
O MÉTODO CIENTÍFICO E OS DADOS DA PESQUISA
O êxito de uma pesquisa depende também da utilização do método científico correto. A escolha do método certo contribui para o pesquisador alcançar seu objetivo, ou seja, o método proporciona os meios para o desenvolvimento da pesquisa.
Assim, neste trabalho, o método escolhido foi o indutivo. Esse método parte do particular para uma generalização. O resultado deve ser obtido a partir da observação de exemplos reais que contribuirão para confirmar o assunto levantado. Lakatos (2007) conceitua como: “é o processo no qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas”.
Passos do Método Indutivo
Para chegar à generalização sobre o objeto de estudo na indução, é preciso que o pesquisador considere três elementos. Primeiro, observe os fatos ou fenômenos cujas causas queira analisar com a finalidade de descobrir suas causas. Em seguida, compare as informações obtidas para verificar se estão relacionadas e, por fim, desenvolva uma generalização dessa relação (LAKATOS, 2007).
Diante do exposto, observou-se que o método indutivo seria o adequado para o desenvolvimento deste trabalho, pois as generalizações obtidas servirão para responder à questão de pesquisa proposta.
O MÉTODO HISTÓRICO
Além da indução, o método histórico também teve utilidade para este projeto. Segundo Andrade (2007, p. 133), “consiste em investigar os acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade hoje”. Dessa forma, foi de grande valia, pois ele proporcionou o entendimento do conflito político entre Chávez e Bush tomando como base acontecimentos passados que contribuíram para criar essa situação.
O levantamento de dados
Cabe dizer-se que o primeiro passo de qualquer pesquisa é o levantamento de dados. Esse processo pode ser realizado por meio da pesquisa documental (ou fontes primarias) ou da pesquisa bibliográfica (ou fontes secundárias). No presente trabalho, buscaram-se as fontes secundárias.
Os dados secundários referem-se à literatura disponível sobre o tema proposto contido em livros, artigos científicos, periódicos, revistas, sites da Internet, entre outros. Esse material serviu como fonte para o desenvolvimento desta pesquisa e posteriormente da monografia.
Após a coleta e organização dos dados, o passo seguinte foi estudar sobre o assunto relacionado ao tema no intuito de compreender, nesse caso, o governo de Chávez e o seu discurso anti-imperialista, bem como o governo Bush e sua política externa.
ANÁLISE E APLICAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA NA ELABORAÇÃO DA MONOGRAFIA
Em seguida, procurou-se fazer uma análise sobre o tema e responder à questão de pesquisa proposta neste trabalho. Os dados obtidos serviram de suporte, justificando a escolha do tema e da questão de pesquisa.
Por fim, procedeu-se à redação da monografia, na qual foram aprofundados alguns pontos relevantes para o entendimento da política nas Américas no período de governo desses dois mandatários.
O GOVERNO BOLIVARIANO DE CHÁVEZ E SUA POLÍTICA EXTERNA: A ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA E O NEOPOPULISMO CHAVISTA
Com o intuito de proporcionar um melhor entendimento sobre a chegada de Hugo Chávez ao poder e as características visíveis do seu governo, faz-se necessária uma breve análise sobre o cenário político da América Latina no final da década de 90 do século XX.
Nesse período, ocorreu o surgimento de governos com orientação esquerdista em diversos países da região, fato que se explica a partir de dois elementos: o fim da bipolaridade do período da Guerra Fria e a eclosão de problemas sócio-econômicos em governos democráticos (MENDOZA, 2008).
O fim da Guerra Fria propiciou a consolidação dos Estados Unidos como potência única no cenário internacional e a emergência do modelo econômico capitalista. Essas variáveis contribuíram para que este país não sentisse mais a ameaça geopolítica que governos de esquerda poderiam representar e dedicasse maior atenção na adoção de uma política externa diferenciada para o hemisfério, conforme será explorado no capítulo 3.
O segundo elemento está relacionado com questões de ordem nacional enfrentadas por muitos países latino-americanos, tais como: desigualdade social, pobreza, corrupção e desemprego.
Nesse sentido, a população desses países estava insatisfeita com governos de centro-direita que não conseguiam resolver esses problemas e buscou em governos esquerdistas a possibilidade de mudança que estes prometiam. Esse aspecto está diretamente ligado à democracia, pois foi através dela que os mandatários com essa orientação chegaram ao poder (MENDOZA, 2008).
Recorrendo-se ao conceito de “esquerda”, seria importante tomar-se, aqui, a explicação do desembargador Orlando Adão Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sobre o que se poderia entender por Direita e Esquerda, inspirando-se em Bobbio:
“Para Bobbio, que defende a legitimidade do par direita e esquerda, um dos critérios que os diferencia é a atitude diante da igualdade: “de um lado, estão aqueles que consideram que os homens são mais iguais que desiguais, de outro, aqueles que consideram que são mais desiguais que iguais”. Ele argumenta que a esquerda acredita que a maior parte das desigualdades é social e, portanto, pode ser eliminada; por outro lado, a direita acha que a maior parte delas é natural e, sendo assim, não pode ser eliminada”.[2]
A idéia de Bobbio (2001) é a de que quem é esquerdista entende o indivíduo de esquerda como sendo aquele cujas concepções de liberdade e igualdade divergem do que pensam os direitistas. O homem de esquerda quer a equidade universal, opondo-se ao homem de direita, para quem cada pessoa responde pela sua condição social, livrando, assim, a cara do sistema que não teria compromisso com os seres humanos.
O foco aqui pretendido é a esquerda populista, na qual seus representantes sul-americanos são os presidentes Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Hugo Chávez (Venezuela). A tabela abaixo apresenta alguns dos principais pontos que a caracterizam e auxiliam na explicação sobre o governo de Chávez:
Quadro 1 – Características da Esquerda Populista Latino-Americana.
Pontos Temáticos | Descrição |
Estado | Transição de um modelo democrata-liberal para um modelo mais centralizado. |
Economia | Intervenção e regulação do mercado pelo Estado, nacionalização dos recursos naturais, centralização progressiva da economia. |
Liderança | Carismática, linguagem emocional e retórica com forte simbolismo e através dos meios de comunicação, relação direta do líder com as massas. |
Entorno | Antiamericanismo, criação de blocos regionais com países afins, boas relações com Cuba. |
Ideologia | Nacionalismo, tendências marxistas. |
Democracia | Crítico da democracia liberal, promotor de uma democracia direta, plebiscitária, intervenção dos outros Poderes do Estado, permanência de partidos de oposição, restrição das liberdades dos cidadãos. |
O populismo[3] teve suas primeiras manifestações na América Latina entre 1940 e 1960. Ele não deve ser considerado um tipo de regime ou ideologia política, e sim como um estilo político, no qual a retórica de apelo popular é um recurso sistemático e se legitima através do modo carismático de seus líderes. Para se eleger e governar o país, o líder populista procura estabelecer um vínculo emocional com o povo. Por se tratar de um estilo, o populismo pode ser posto a serviço de objetivos antidemocráticos, uma vez que seu preenchimento varia de acordo com cada líder.
Nos últimos anos, essa expressão tem sido fortemente evocada em decorrência da ascensão ao poder de líderes populistas na América Latina, a exemplo de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e do próprio Hugo Chávez (Venezuela), conforme visto anteriormente. Não obstante, na nova realidade globalizada em que eles aparecem, o populismo clássico sofre alterações e cede espaço para uma nova denominação, o “neopopulismo”.
Existe um dilema sobre o populismo, pois ele pode ser visto sob duas óticas: uma positiva e outra negativa. Por um lado, o populista é uma pessoa que tem canal aberto com a população e, aparentemente, busca meios de melhorar as condições de vida dessas pessoas perante as elites dominantes. Por outro lado, o populismo é percebido como instrumento de manipulação, já que o líder se beneficia do trabalho feito pela população para manter-se no poder. Porém, verifica-se que existe um equilíbrio entre essas duas visões, e é a partir dele que podemos entender o governo venezuelano (BERTONHA, 2006).
Além disso, a questão da democracia é incerta. No atual modelo de populismo, a democracia representativa é substituída pela democracia direta e plebiscitária, buscando o apoio dos militares e da população, e defende uma alteração da Constituição de seu Estado (MENDOZA, 2008).
Hugo Chávez é o líder neopopulista que representa a maior radicalização desse processo no continente americano. Sua administração está marcada pelas características presentes no populismo.
Desde sua eleição, Chávez procura atender os desejos e necessidades da população nacional e aplica os recursos provenientes do petróleo nas áreas de saúde, educação, subsídios nos preços dos alimentos e remédios para a classe pobre, entre outros. Desse modo, consegue satisfazer as massas populares e atingir seu objetivo de continuar no poder.
Ele tem fomentado uma transição no sistema democrático venezuelano. Apesar de alterar o antigo modelo democrata-liberal para um modelo mais centralizado, não chegou ao nível de implantação de uma ditadura “bolivariana”. Ao assumir o cargo, procurou modificar a Constituição da Venezuela e promover uma democracia direta e plebiscitária. Na verdade, esse aspecto do populismo parece ser mais uma jogada de Chávez para manter-se na presidência. A Venezuela é um país composto por 37% da população de pobres e 16% de miseráveis (TOYOMURA, 2007). Suas ações no âmbito interno são voltadas justamente às classes médias e pobres, potenciais eleitores que o apoiarão em qualquer hipótese.
Além disso, o nacionalismo e antiamericanismo são facilmente identificados nesse mandatário em função da ideologia bolivariana a que seu pensamento está submetido.
Por fim, há de se levar em conta que Chávez é um líder carismático. Tem uma relação próxima com as massas populares e faz uso dos meios de comunicação para divulgar suas ações e sua retórica. Um exemplo disso é o programa “Aló Presidente”, exibido aos domingos. Quando acha oportuno, também entra na programação da televisão ou do rádio ao vivo para proferir algum discurso, meios de tornar-se “presente” na vida das pessoas.
HUGO CHÁVEZ E SEU PERFIL: AS MARCAS DA CASERNA
Hugo Rafael Chávez Frías nasceu em 28 de julho de 1954 na cidade de Sabaneta, Venezuela. De origem humilde, é o segundo de seis filhos de Elena Frías de Chávez e Hugo de los Reyes Chávez, ambos professores de carreira. Ainda pequeno, seu pai o levou para ser criado por sua avó paterna, Rosa Inés. Cursou o ensino secundário em Barinas e, desde a sua juventude, Chávez se mostra um apreciador dos esportes, em particular do basebol.
Aos 17 anos, ingressou na Academia Militar da Venezuela e, em 1975, graduou-se em Ciências e Artes Militares, ramo de Engenharia. Deu continuidade à carreira militar e atingiu a posição de tenente-coronel do Exército.
O pensamento de Chávez é conseqüência de duas influências marcantes em sua vida. Enquanto estava na academia de oficiais, o então cadete Chávez foi aluno e discípulo do general Jacinto Pérez Arcay, responsável pela revalorização de Simón Bolivar e ex-participante da insurreição contra o ditador Marcos Pérez Jimenez (1952-1958). A outra corresponde à descoberta histórica sobre seu bisavô, Pedro Rafael Perez Delgado, o “Maisanta”, guerrilheiro venezuelano que atuou no século XIX. Durante suas pesquisas para melhor conhecê-lo, ganhou um amuleto que pertenceu à “Maisanta” e a partir daí passou a carregá-lo consigo (VALENTE; SANTORO, 2006).
O nacionalismo militar com o qual Chávez teve contato durante sua época de aluno foi determinante em sua formação política. Desde cedo, acompanhou o governo de militares nacionalistas na América Latina e participava de movimentos de esquerda revolucionária. Ele nunca conseguiu manter boas relações com os partidos esquerdistas venezuelanos e, as poucas que teve, ficaram marcadas por tentativas de aproximação e posterior afastamento.
Como resultado de sua inquietação com a situação da Venezuela, no fim da década de 70 do século passado, iniciou um movimento recrutando jovens militares dissidentes, oriundos de famílias de baixa renda, que desejavam reformas modernizantes no país. Primeiramente, criou o Exército de Libertação do Povo da Venezuela, que em 1982, evoluiu para Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR-2000).
Em 1992, após ter liderado uma fracassada tentativa de golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez, ficou preso por dois anos. Ainda na prisão, se tornou um forte crítico do governo e, ao ser libertado, decidiu abandonar a carreira militar para se dedicar à política.
No tocante a sua vida pessoal, Chávez casou-se duas vezes: sua primeira esposa foi Nancy Colmenares, com quem teve três filhos, Rosa Virginia, María Gabriela e Hugo Rafael. Enquanto comprometido, manteve uma relação amorosa durante cerca de dez anos com a historiadora Herma Marksman. Em 2003, separou-se de sua segunda esposa, Marisabel Rodrígues, com quem teve uma filha, Rosinés.
A CHEGADA DE CHÁVEZ AO PODER E O BOLIVARIANISMO
Hugo Chávez ascendeu ao poder em meio à insatisfação popular com os governos do Pacto de Punto Fijo. Esse pacto foi formulado após a queda da ditadura de Pérez Jiménez em 1958 e caracteriza um período de alternância do poder entre os partidos Acción Democrática (AD) e Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), que perdurou por quarenta anos (1958-1998) na Venezuela. Durante sua vigência, a prática política entre esses dois partidos perpetuou uma estrutura social desigual, agravada pela crise do petróleo a partir dos anos 80 do século XX (VILLA, 2005).
No início da década de 90, a Venezuela passava por um momento de instabilidade econômica, em decorrência dos baixos preços internacionais do petróleo. O governo de Carlos Andrés Pérez (1974-1979 e 1989-1993) adotou uma postura neoliberal, e, influenciado pelo Consenso de Washington[4], criou uma agenda de abertura e liberalização da economia com o objetivo de reviver os tempos áureos da década anterior (BARROS, 2006).
Em fevereiro de 1992, após aprovar a Lei das Privatizações, o presidente sofreu uma tentativa de golpe de Estado, provocado por um grupo de militares de baixa patente e liderado por Hugo Chávez. Porém, essa ação fracassou e os participantes foram julgados pelo crime de rebelião e enviados à prisão de Yare. Apesar disso, Carlos Andrés Pérez não concluiu seu mandato, pois sofreu um impeachment por corrupção. O presidente seguinte Rafael Caldera (1969-1974 e 1994-1999) legitimou a ação de Chávez e concedeu anistia a ele e a seus companheiros, que só ficaram presos por dois anos.
A partir desse evento, Chávez passou de um militar desconhecido para uma personalidade política atuante no cenário venezuelano, embora não filiado aos partidos tradicionais. Tornou-se um crítico do bipartidarismo decorrente do Punto Fijo e sempre demonstrou uma postura anti-neoliberal. Em 1997, anunciou sua pretensão de concorrer à presidência nas eleições de 1998 e, para tal, fundou o partido Movimento V República (MVR).
Chávez se candidatou à presidência em 1998, com uma proposta de governo sem muita consistência, mas que prometia acabar com a criminalidade, a corrupção e a pobreza. Foi eleito democraticamente presidente da Venezuela com 56,2% dos votos sobre seu oponente, o candidato Henrique Salas, para um mandato inicialmente de cinco anos. Sua eleição ficou marcada por acabar com quatro décadas de domínio dos partidos tradicionais na política venezuelana. Assumiu a presidência no dia 02 de fevereiro de 1999 e pronunciou em seu discurso de posse:
“(…) é um povo que recuperou sua própria ação, por suas próprias dores, por seus próprios amores, recuperou a consciência de si mesmo e aí está clamando, nos arredores do Capitólio e por onde quer que vá. Isso não tem outro nome a não ser REVOLUÇÃO. Terminado o século XX e começando o século XXI aqui está em curso uma verdadeira revolução, e eu tenho a certeza de que nós vamos dar orientação pacífica, que vamos dar orientação democrática a esta revolução desencadeada em todas as partes”.[5]
Sua primeira ação como presidente foi dissolver o Congresso e convocar uma Assembléia Nacional Constituinte para aprovar um novo texto constitucional, que entre suas mudanças: aumentava os poderes do Executivo, acabava com o Congresso e resumia o papel Legislativo à Assembléia Nacional, permitia uma maior intervenção do Estado na economia, principalmente no setor petrolífero, e mudava o nome oficial do país para República Bolivariana da Venezuela, demonstrando sua tendência ideológica quanto à aceitação e implementação do bolivarianismo no Estado venezuelano.[6] A nova Constituição foi aprovada com 71% dos votos em 15 de dezembro de 1999 e traz em seu texto 350 artigos, dos quais merecem destaque:
– Artigo 1º – A República Bolivariana da Venezuela é irrevogavelmente livre e independente e fundamenta seu patrimônio moral e seus valores de liberdade, igualdade, justiça e paz internacional na doutrina de Simón Bolivar, o Libertador. São direitos irrenunciáveis da Nação a independência, a liberdade, a soberania, a imunidade, a integridade territorial e a autodeterminação nacional.
– Artigo 2º – A Venezuela se constitui num Estado democrático e social de Direito e Justiça, que defende como valores superiores de seu ordenamento jurídico e de sua atuação, a vida, a liberdade, a justiça, a igualdade, a solidariedade, a democracia, a responsabilidade social e, em geral, a preeminência dos direitos humanos, a ética e o pluralismo político.
– Artigo 230º – O período presidencial é de seis anos. O presidente da República pode ser reeleito, de imediato e por apenas uma vez, para um período adicional.
– Artigo 302º – O Estado se reserva, mediante a Lei Orgânica respectiva, y por razões de interesse nacional, a atividade petrolífera e de outras indústrias, exploração, bens e serviços de interesse nacional e de caráter estratégico. O Estado promoverá a manufatura nacional de matérias-primas oriundas da exploração dos recursos naturais não-renováveis, com o objetivo de assimilar, criar e inventar tecnologias, gerar empregos e crescimento econômico, e criar riqueza e bem-estar para o povo.[7]
Chávez promoveu uma revolução no âmbito interno venezuelano. Seu governo mudou radicalmente os rumos políticos, haja vista que segurou o processo de liberalização econômica dos governos anteriores e adotou uma perspectiva nacionalista com viés socialista no intuito de melhorar a distribuição de renda da população.
O bolivarianismo também é claramente percebido nas ações desenvolvidas por esse ator no contexto internacional. Os elementos dessa ideologia favorecem a interpretação sobre a retórica chavista na promoção de sua “Revolução Bolivariana” nos países da América Latina e têm repercussão direta na política externa desenvolvida no governo Chávez.
O discurso inflamado contra o presidente norte-americano, George W. Bush, não é apenas resultado da hostilidade aos EUA presente na ideologia bolivariana e, como se observará no capítulo 3, justifica-se por acontecimentos que, conjugados, favoreceram o confronto político entre esses mandatários.
O GOLPE FRUSTRADO DE 2002 NA VENEZUELA
Em 2002, o presidente Hugo Chávez sofreu uma tentativa de golpe de Estado. O governo enfrentava forte oposição de vários segmentos da sociedade, entre eles: políticos opositores ao governo, meios de comunicação e empresários, especialmente do setor petrolífero. O golpe foi elaborado por esses setores e contou com o apoio da emissora de televisão RCTV, que forjou imagens e informações sobre os acontecimentos que estavam ocorrendo naquele momento. Também contou com a participação da CIA e a ajuda financeira dos Estados Unidos.
A principal causa que colaborou para o golpe ser arquitetado está relacionada ao petróleo. Em 2001, Chávez aprovou as Leyes Habilitantes, um pacote de 49 leis, dentre as quais a Lei de Hidrocarbonetos. Por meio desta última, fixou a participação do Estado no setor petrolífero em 51% e previa um aumento nos repasses de royalties das novas licenças concedidas para empresas exploradoras de petróleo. Essa atitude foi contestada pelo setor empresarial, que acusava o governo de querer dividir o país e de atentar contra a propriedade privada (BARROS, 2006).
Cabe colocar que existia um clima de insatisfação por parte da população ao governo, pois as promessas de campanha relativas ao combate à criminalidade, corrupção e pobreza não estavam sendo seguidas. Em adição a esse argumento, Chávez demonstrava uma postura autoritária e de tendência esquerdista, contribuindo para que os golpistas convencessem as pessoas de reivindicarem essas mudanças.
Em 10 de abril de 2002, a população venezuelana resolveu aderir a uma greve geral. No dia seguinte, houve uma marcha popular à sede do governo, encabeçada pela Fedecámaras (associação empresarial), Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV) e contou com a participação de funcionários da Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA). Os manifestantes reivindicavam a demissão de Chávez. A greve teve duração de dois dias e resultou num conflito violento entre a população e a Guarda Nacional, deixando mortos e feridos.
Em 12 de abril, o chefe das Forças Armadas, general Lucas Rincón, anunciou que o presidente tinha se demitido, porém essa informação foi manipulada com o apoio da RCTV. Na verdade, Chávez foi deposto pelas facções dos militares contrários ao seu governo e preso na ilha de La Orchila, onde permaneceu por dois dias. O governo provisório foi assumido por Pedro Carmona, presidente da Fedecámaras, e teve duração de apenas 24 horas, o que lhe rendeu ficar popularmente conhecido como “Pedro, el breve”.
Já no dia 13 de abril, militares simpatizantes organizaram um contragolpe, tomaram o Palácio de Miraflores e forçaram Pedro Carmona a renunciar. O vice-presidente de Chávez, Diosdado Cabello, assumiu a presidência temporária até que Hugo Chávez fosse reconduzido ao poder.
Embora tenha ficado somente 48 horas fora do poder, no golpe de Estado mais rápido da história política, reassumiu o governo da Venezuela em 14 de abril de 2002 aclamado pela população.
A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO CHÁVEZ
A ascensão de Hugo Chávez ao poder provocou uma verdadeira revolução na Venezuela, tanto no âmbito interno quanto no externo. Nos anos 80 e 90 do século XX, o país ocupava um papel irrelevante no contexto regional, mas essa situação é alterada com as mudanças políticas feitas por esse mandatário. Desde que tomou posse em 1998, a Venezuela passou a ter expressividade no cenário regional e internacional e se tornou freqüente observar Chávez envolvido em alguma polêmica, o que o projetava de alguma maneira.
Na política externa desenvolvida por esse governo, verificou-se, nesta pesquisa, que dois temas são prioridades: a integração político-social entre os países latino-americanos e a concentração dos interesses nos setores econômicos e energéticos (FERREIRA, 2007).
O pensamento desse ator é um dos pontos-chave que permite o entendimento sobre os motivos que o levam a tomar determinadas atitudes, visto que conjuga a “doutrina bolivariana” com uma proposta de “socialismo do século XXI”. Assim sendo, seus principais inimigos são os EUA e o liberalismo. O bolivarianismo é uma terminologia recorrente de Chávez para defender um movimento político antinorte-americano na América Latina, a “Revolução Bolivariana”, almejando uma independência dos países da região frente a qualquer tipo de dominação por parte dessa potência.
O maior exemplo de concretização do projeto de integração em nível latino-americano e tentativa de liderança regional sugerida pela política externa venezuelana é a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA).
Em 2001, Hugo Chávez propôs a criação da ALBA, bloco econômico que tem como objetivo a integração entre vários países da América Latina e Caribe, apresentando-se como uma alternativa em relação à ALCA, defendida pelos EUA.
Esse bloco está fundamentado na ideologia de Simón Bolivar e visa estabelecer um modelo socialista contrário ao modelo de livre mercado da ALCA. Nele, a proposta é combater a pobreza, a desigualdade social e qualquer forma de exclusão, equiparando a realidade de cada Estado-membro.
Nesse sentido, é pertinente fazer uma comparação entre a ALBA e a ALCA. No caso da ALCA, os maiores beneficiados com sua implantação serão os EUA, pois sob o ponto de vista comercial, com uma área de livre comércio, os produtos dos países hemisféricos não conseguirão competir com os norte-americanos. Em contraposição, a ALBA visa não só a uma integração econômico-comercial, e sim a uma integração social para amenizar as dificuldades socioeconômicas enfrentadas na ordem nacional dos Estados-membros e melhorar as condições de vida da população de cada um deles.
O primeiro passo desse projeto ocorreu em 2004, quando os governos de Cuba e da Venezuela firmaram 49 acordos bilaterais de cooperação nas áreas de saúde, educação, transporte, desenvolvimento tecnológico, meio-ambiente, entre outros.
Nos dias 28 e 29 de abril de 2006, houve uma reunião em Havana, Cuba, na qual estavam presentes os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Fidel Castro (Cuba) e Evo Morales (Bolívia) para iniciar as discussões sobre a implantação do bloco. O encontro também resultou na adoção de Tratados de Livre Comércio entre os Povos (TCP) dos três países.
Atualmente, a ALBA é composta por Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Dominica e Honduras. Porém, esse grupo pode aumentar em breve, visto que existe interesse por parte do Equador, São Vicente e Granadinas para ingressar no bloco.
O principal instrumento da política externa chavista é o petróleo, sempre associado a um forte discurso ideológico. É com a exportação dessa commodity que o governo venezuelano consegue financiar suas ações internacionais. A importância do petróleo para a economia venezuelana será brevemente colocada no tópico seguinte desse mesmo capítulo.
No início da administração Chávez, o primeiro objetivo dessa política foi o de rearticular a OPEP[8]. Para tal, suas primeiras viagens internacionais foram com destino ao Irã, Líbia e Iraque. Essas visitas transformaram a Venezuela em um dos países líderes do cartel e de forte expressão no cenário mundial (BARROS, 2006). Contudo, sua política externa não ficou resumida apenas à OPEP:
“O petróleo sempre foi o principal instrumento de política exterior da Venezuela, porém ele nunca foi tão usado como durante o governo de Hugo Chávez. A atuação da Venezuela, sob este governo, foi muito além da rearticulação da OPEP, o país firmou acordos de cooperação energética com países com os quais mantinha pouca relação como Argélia, Nigéria, China e Rússia; tem trocado petróleo por serviços médicos com Cuba e, cada vez mais, vendido petróleo, geralmente atrelado a outros acordos políticos, a condições muito favoráveis para diversos países caribenhos e latino-americanos” (BARROS, 2006).
Além disso, esse ator faz uso das divisas provenientes do petróleo para ampliar e consolidar sua presença em nível internacional de várias maneiras. Para firmar-se como líder regional anti-estadunidense, tem gasto bilhões de dólares do faturamento da PDVSA no patrocínio de diversos projetos, tais como: os “Círculos Bolivarianos”[9], desfiles de escolas de samba no Brasil[10] e cirurgias oculares para mexicanos pobres. Também tem subsidiado a venda de combustível de aquecimento para famílias de baixa renda nos EUA. Em 2005, o governo Chávez comprou US$2,5 bilhões em títulos da dívida argentina, o que fortaleceu a aliança com o governo de Néstor Kichner (2003-2007) e beneficiou os dois países.
Declarações do ministro das Finanças, Nelson Merentes, acrescentam que a Venezuela vende petróleo a preços reduzidos para 13 países caribenhos e comprou uma quantia significativa dos postos de gasolina do Uruguai (FORERO, 2006).
É constante verificar suas intromissões nos assuntos de política interna de vários países latino-americanos, especialmente nos quais os governantes são populistas, como nos casos da Bolívia e do Equador. Também interferiu nos processos eleitorais do Peru e do Paraguai.
A relação de Chávez com a Colômbia é diferenciada, uma vez que, em 2008, foi acusado de manter relações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)[11]. Como resultado, o presidente Álvaro Uribe, alinhado à Washington, tornou-se um crítico do governo venezuelano, sendo o grande inimigo de Chávez na América do Sul.
A VENEZUELA E SUA MAIOR RIQUEZA: O PETRÓLEO
No passado, a Venezuela era um país que vivia essencialmente da agricultura de subsistência e da monocultura agrícola para exportação, especialmente o café e o cacau. A partir da descoberta do petróleo em 1922, o projeto de desenvolvimento adotado por esse país consistia na seguinte dinâmica: exportar petróleo e importar o resto, principalmente dos EUA. Assim, a economia venezuelana tornou-se rentista, na qual a riqueza é captada majoritariamente do exterior mediante a venda do excedente a outros países.
Em seu território, encontram-se dois tipos de petróleo: convencional (light e heavy crude) e não-convencional (extra-heavy crude). Isso dá à Venezuela a possibilidade de exploração e venda dessas duas categorias de produto, visto que suas reservas de petróleo convencional são as maiores do hemisfério ocidental e as de petróleo não-convencional são as maiores do mundo (FERNANDES, 2004). Em 2007, as reservas de petróleo desse país estavam estimadas em 80 bilhões de barris, o que o posicionou em 6º lugar no ranking dos países com as maiores reservas do mundo.
Desde a década de 70 do século XX, o petróleo representa mais de 80% das exportações venezuelanas, fato que demonstra uma profunda dependência econômica desse recurso energético. Em 1976, a indústria petrolífera foi nacionalizada e criada a PDVSA (BARROS, 2006). Essa empresa reunia as 14 principais companhias transnacionais que atuavam na Venezuela, entre elas: Shell, Exxon, Móbil e Gulf. Ao logo dos anos, percebeu-se que essa estatal se distanciava do Estado, pela ausência de competência para determinar os regulamentos concernentes à exploração de petróleo.
Durante o período de vigência do Punto Fijo (1958-1998), a população venezuelana foi a maior prejudicada, pois as benesses do petróleo se mantiveram concentradas no grupo oligárquico petrolífero. Com a queda dos preços internacionais na década de 80, a Venezuela passou por uma crise econômica, política e social, e apenas os setores próximos à PDVSA se beneficiaram com a renda petrolífera, o que aprofundou a desigualdade social no país.
No início da década de 90 do século passado, o governo de Carlos Andrés Pérez influenciado por idéias neoliberais, estabeleceu a política de Apertura Petrolera para tentar reverter a situação de crise enfrentada pela Venezuela. Essa política permitiu a abertura da indústria petrolífera à entrada de capitais transnacionais nas atividades primárias e colocou o país em rota de coalizão com os outros sócios da OPEP (BARROS, 2006). Dessa forma, ocorreu a desvinculação entre a estatal petrolífera PDVSA e o Estado.
A ascensão de Hugo Chávez ao poder em 1999 marcou o fim do período da economia rentista venezuelana, que passou a ser uma economia produtiva. Para isso, procurou criar as bases para a retomada do controle sobre o petróleo.
Nos dias atuais, a PDVSA é uma das maiores empresas do ramo em nível mundial e maior empregadora da Venezuela, sendo também fonte de receitas para o governo. Essa empresa estatal detém o direito de exploração e produção de 51% do petróleo venezuelano e, pelo artigo 303º da Constituição aprovada em 1999, não pode ser privatizada:
– Artigo 303º – Por razões de soberania econômica, política e de estratégia nacional, o Estado conservará a totalidade das ações de Petróleos de Venezuela S.A., ou do ente criado para o manejo da indústria petrolífera, excetuando as das filiais, associações estratégicas, empresas e qualquer outra que se constituiu ou se constitua como conseqüência do desenvolvimento dos negócios da Petróleos de Venezuela S.A (CONSTITUCIÓN, 1999).[12]
Conforme observado, a economia desse país está totalmente atrelada à venda de petróleo. Segundo o Departamento de Energia dos EUA (EIA), em 2006, a Venezuela foi o 7º maior exportador mundial, atrás apenas da Arábia Saudita, Rússia, Emirados Árabes, Noruega, Irã e Kuwait. O Banco Central da Venezuela (BCV) admite que mais de 80% do orçamento nacional está atrelado ao preço desse recurso energético (FERREIRA, 2007).
A ESTRATÉGIA NORTE-AMERICANA PARA A AMÉRICA LATINA NA PERSPECTIVA DO GOVERNO BUSH: PANORAMA DA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO XX
Para facilitar a compreensão da agenda de política externa norte-americana praticada na atualidade, e posteriormente no governo Bush, é válido voltar ao início da década de 90, período pós Guerra-Fria.
Os países da América Latina realizaram a transição para regimes democráticos e adotaram políticas econômicas neoliberais para se tornarem economias de mercado. Conforme foi explicitado anteriormente, com o fim da Guerra Fria, ocorreu o surgimento de governos esquerdistas em alguns países latino-americanos em decorrência da insatisfação com os governos de centro-direita. Todavia, na época, esses governos não ameaçavam a posição estadunidense na região, já que a União Soviética e seu socialismo haviam sido derrotados e, em seu lugar, os EUA emergiram como única potência mundial juntamente com seu modelo capitalista. Por esse motivo, este país passou a não se preocupar com assuntos ligados à geopolítica e segurança e buscou redefinir suas relações com a América Latina.
Para colocar em prática essa intenção, os EUA promoveram várias reuniões e cúpulas com os países latino-americanos durante a década de 90, das quais duas merecem destaque: a Iniciativa para as Américas e a Cúpula das Américas.
Em 1990, o então presidente, George Bush, criou a Iniciativa para as Américas. Este projeto contemplava várias medidas para estimular as reformas democráticas e liberais nos países latino-americanos e apresenta os primeiros indícios dos planos norte-americanos para a criação de um bloco continental, através do livre-comércio. Com isso, demonstra o interesse em fortalecer as relações com os países da região (NASSER, 2002).
Em dezembro de 1994, durante o mandato de Bill Clinton, realizou-se em Miami, a Cúpula das Américas, que deu novo impulso à região e ao processo de integração proposto pelo governo anterior. A agenda norte-americana que antes priorizava assuntos relativos à geopolítica, passou a abordar aspectos econômicos, políticos e sociais (LIMA, 2008).
O resultado da mudança de postura norte-americana foi a ampliação da agenda tradicional, que passa a contar com temas que ameaçavam sua posição na região, tais como: corrupção, narcotráfico, guerrilhas, instabilidade política, migração, degradação ambiental, epidemias, regimes autoritários e populistas (LIMA, 2008).
Essa cúpula é tida como “um marco para a história das relações interamericanas”, pois conseguiu juntar “todos os líderes políticos de governos democráticos” (NASSER, 2002). Foi nessa reunião que começaram as discussões para a implantação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), projeto elaborado pelos EUA para a criação de um bloco econômico hemisférico, com o intuito de acabar com barreiras alfandegárias entre os países e facilitar o comércio de bens e serviços. Naquele ano, 34 países assinaram um pacto para implantar esse bloco, exceto Cuba, único país do continente que não participa em razão de divergências ideológicas e do bloqueio econômico imposto por Washington.
Contudo, ao decorrer dos anos, alguns acontecimentos fizeram com que o continente perdesse a atratividade e os EUA desviassem sua atenção para outros problemas. Nesse mesmo governo, Clinton não conseguiu a aprovação para o “fast-track”, com o qual teria a autoridade para negociar acordos comerciais com os países da América Latina sem que precisassem passar pelo Congresso para serem sancionados. Essa ferramenta facilitaria a aprovação dos acordos, já que o Congresso só poderia aprová-los ou rejeitá-los como um todo, reduzindo o risco de sofrer algum tipo de objeção por parte de parlamentares opositores ao governo.
Outra questão que contribuiu para reduzir a empolgação de Washington está ligada a aspectos econômicos. As reformas neoliberais propostas em vários países latino-americanos não tiveram o resultado esperado. Ao contrário, os governos que tentaram alcançar o desenvolvimento através dessas reformas fracassaram e a população insatisfeita buscou em candidatos de esquerda a solução para os problemas nacionais, gerando uma crise nos governos democráticos.
BUSH, UM PERFIL POUCO APRECIÁVEL
George Walker Bush nasceu em 06 de julho de 1946 na cidade de New Haven, Connecticut. Seus pais, porém, se mudaram e ele cresceu em Midland, Houston, no Texas. É graduado em História pela Universidade de Yale e serviu como piloto de caça F-102 na Guarda Aérea Nacional do Texas. Após alguns anos, estudou na Harvard Business School e decidiu ingressar no mundo dos negócios e seguir os passos do pai, o ex-presidente George Bush (1989-93), optando pela indústria petrolífera.
Iniciou sua carreira política em 1978 pelo Partido Republicano, concorrendo ao cargo de deputado pelo Texas, porém sem sucesso. Casou-se com Laura Welch, ex-professora e bibliotecária, e tem duas filhas gêmeas, Barbara e Jenna. Em 1986, foi pressionado por sua esposa para abandonar o vício do álcool e as festas constantes em sua vida.
No ano seguinte, seu pai, convidou-o para trabalhar em Washington na campanha eleitoral ao qual era candidato e George W. Bush aceitou prontamente. Ainda em 1987, Bush negociou a compra do time de beisebol Texas Rangers, no qual foi seu diretor executivo até 1994. Como resultado de sua atuação no mundo esportivo, ele conseguiu o sucesso que desejava, projetando-se como figura conhecida no Texas. Nesse mesmo ano, elegeu-se Governador, após derrotar a candidata do Partido Democrata, Ann Richards.
A partir daí, foi um passo para alcançar o posto mais alto do poder político. Concorreu à presidência em 2000 e, em decorrência do prestígio alcançado, tornou-se o 43º presidente dos EUA. Contudo, o processo eleitoral foi conturbado, pois surgiu uma polêmica acerca da contagem de votos na Flórida, Estado governado por seu irmão, Jeb Bush.
Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 contra o World Trade Center e o Pentágono, símbolos do poderio financeiro e militar norte-americano respectivamente, George W. Bush passou a adotar um discurso de combate ao terrorismo e incorporou esse tema em sua retórica e na lista de prioridades de seu governo. Para realizar esse combate, aumentou o Orçamento da Defesa sem considerar as críticas que seriam desencadeadas sobre sua gestão econômica.[13]
No começo de sua “guerra ao terror”, convenceu a população estadunidense de que ele conseguiria combater este mal no mundo e justifica suas ações baseado no argumento de segurança nacional. Desse modo, conseguiu manter-se na Casa Branca por mais um mandato.
Desde sua reeleição, o presidente foi alvo de duras críticas por parte de vários países em todo o mundo, inclusive de ex-aliados, e sua popularidade no âmbito nacional caiu ao longo dos anos.
O GOVERNO BUSH E SUA POLÍTICA EXTERNA
Em 2000, George W. Bush foi eleito presidente dos Estados Unidos para um mandato de quatro anos, sendo reeleito em 2004. Ao assumir o cargo, em 2001, apresentou em seu programa de governo, os enfoques para a política externa do país. A América Latina foi considerada como prioridade nessa política, visto que a região é fonte de matéria-prima e alimentos, apresenta potencial econômico e comercial e tem grandes reservas de recursos energéticos.
Inicialmente, os assuntos abordados na agenda proposta pela administração Bush eram: o controle ao tráfico de drogas, a política de imigração e o apoio à consolidação das instituições democráticas (LIMA, 2008). Além desses temas, a implantação da ALCA também tinha fundamental importância na política externa desse governo. Seu discurso de candidato à presidência já traduzia esses temas:
“A primeira meta no nosso hemisfério é a democracia. Nossa segunda meta é o livre-comércio em toda a América, o que vai ser um passo rumo ao livre comércio em todo o mundo (…) Minha administração irá fomentar a democracia e reduzir barreiras ao comércio. Mas nós temos uma terceira meta. Nós devemos defender a segurança e a estabilidade do nosso hemisfério contra as grandes ameaças do crime organizado, narcotraficantes e grupos terroristas” (BUSH apud NASSER, 2002). [14]
A ALCA estava prevista para entrar em vigor em 2005, porém, as negociações não evoluíram de forma satisfatória em razão das discussões geradas em torno dos reais benefícios que o bloco traria para seus Estados-membros. Além disso, a questão do acesso ao mercado norte-americano ainda é delicada, pois os EUA continuam com sua política protecionista e os países latino-americanos reivindicam o fim das barreiras agrícolas. Argumenta-se que este bloco aumentaria o domínio estadunidense no continente, consolidando seu imperialismo nas Américas. Os países passariam da condição de dependência para a de subordinação, sendo simplesmente “novas colônias” dos EUA, fato que contraria a tendência do povo latino-americano de manutenção da liberdade e da soberania (CARVALHO; CARVALHO, 2003).
Não obstante a ALCA continuar apenas no papel, o governo Bush tem negociando acordos bilaterais com alguns países da região, como por exemplo, o Acordo de Livre Comércio firmado com o Chile em 2003. O ALC EUA-Chile é o primeiro acordo dessa natureza entre os Estados Unidos e um país sul-americano.
Com os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington houve uma re-orientação na política externa norte-americana, e a prioridade passou a ser questões de segurança e o combate ao terrorismo. O foco é desviado para o Oriente Médio e a América Latina fica em segundo plano. Entretanto, essa mudança não significa que o hemisfério tenha sido completamente abandonado, o que aconteceu foi uma maior atenção para os assuntos que EUA consideravam primordiais naquele momento, como a “guerra ao terror” (LIMA, 2008).
Retomando os temas abordados na agenda norte-americana do governo Bush, se faz necessário detalhar os fatos que contribuíram para despertar o interesse em colocá-los como ameaças.
A política de imigração é um tema de política doméstica que tem repercussão externa. A imigração ilegal é um problema com que os EUA convivem e precisa ser solucionada, pois diariamente milhares de pessoas entram no território norte-americano em busca de melhores condições de vida. Este é um assunto que interessa particularmente ao México e aos países da América Central e Caribe (FERREIRA; PEREIRA; SHIMABUKURO, 2006).
Outro tema que aflige o governo norte-americano é o conflito na Colômbia decorrente do tráfico de drogas. O maior inimigo do governo colombiano são as FARC, grupo guerrilheiro que utiliza métodos terroristas (seqüestros, assassinatos, extorsão) para obter benefícios e domina o narcotráfico. Nesse sentido, Bush tem prestado ajuda financeira e militar ao presidente Álvaro Uribe para combater esse inimigo.
A principal ameaça para a presença estadunidense é o surgimento de governos esquerdistas populistas na América Latina. Atualmente, a inquietação gira em torno do governo de Hugo Chávez na Venezuela. Após o golpe de Estado sofrido em 2002, Chávez intensificou seu discurso antinorte-americano, deixando clara sua hostilidade aos EUA. A retórica chavista e seu conflito com o governo Bush serão abordados no próximo tópico deste capítulo.
Embora a preocupação dos EUA nos últimos anos tenha sido o combate ao terrorismo no Oriente Médio, existem dois tópicos que podem aflorar o interesse desse país em colocar a América Latina como prioridade em sua agenda, são eles: a corrupção e o terrorismo na região.
A corrupção política atinge os países de maneira geral, mas nos em desenvolvimento e subdesenvolvidos esse processo ocorre com maior intensidade. Segundo Ferreira; Pereira e Shimabukuro (2006), a Transparency International (TI), realiza, a cada ano, um estudo sobre o nível de corrupção no mundo e classifica os países no Índice de Percepção da Corrupção. Esse índice varia numa escala de 0 a 10, no qual o valor 0 representa o maior grau e o valor 10 o menor grau de corrupção percebida. Em 2006, foram classificados 163 países e os latino-americanos encontram-se, em sua maioria, com grau inferior a 4.0, como por exemplo, Colômbia (3.9), Brasil (3.3), Argentina (2.9) e Venezuela (2.3).[15] Ao longo dos anos, os EUA perceberam que essa corrupção é uma ameaça para a estabilidade política dos países e destinou em 2004, US$15 milhões para programas de combate a essa prática na América Latina.
O segundo tópico que preocupa o governo norte-americano é o terrorismo6 na América Latina. Não existe um conceito universal para definir essa prática, pois depende de variáveis subjetivas inerentes ao ser-humano e sofre alterações de acordo com diversos fatores. Destarte, o terrorismo é percebido sob óticas diferentes pelos indivíduos de cada sociedade e seu objetivo pode resultar como uma finalidade política.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, tem sido fortemente evocado e combatido por Washington na denominada “Guerra ao Terror”. Nela, quem não estivesse com os EUA seria considerado inimigo. Aos países cabiam duas saídas: aceitar a prerrogativa norte-americana ou ser considerado um apoiador do terrorismo e arcar com as conseqüências.
Na percepção estadunidense, os narcotraficantes e grupos guerrilheiros andinos (Exército de Libertação Nacional (ELN) e FARC – Colômbia e Sendero Luminoso – Peru) estão inseridos nesse contexto. Também acusam Cuba e Venezuela de não colaborarem no combate ao terrorismo, como mostra o relatório “Country Reports on Terrorism” do Departamento de Estado dos EUA, publicado em 28 de abril de 2006:
“Terrorism in the Western Hemisphere was primarily perpetrated by Foreign Terrorist Organizations based in Colombia and by the remnants of radical leftist Andean groups. With the exception of the United States and Canada, where some prosecutions of suspected terrorists were underway, there were no known operational cells of Islamic terrorists in the hemisphere, although pockets of ideological supporters and facilitators in South America and the Caribbean lent financial, logistical, and moral support to terrorist groups in the Middle East” (U.S.D.S., 2006).[16]
Esse documento ainda traz, em seu texto, uma explicação de como os EUA entendem o terrorismo, apresenta suas preocupações com a América Latina, especialmente em relação à Colômbia e Venezuela e analisa a cooperação dos países hemisféricos para seu combate.
O CONFLITO POLÍTICO ENTRE BUSH E CHÁVEZ
O conflito político existente entre Bush e Chávez na atualidade não é recente. Ele remete a questões que ocorrem desde o início da administração Bush em 2001. Esses dois mandatários possuem pensamentos formados por ideologias diferentes, porém, ao mesmo tempo, suas pretensões para a América Latina são semelhantes. Por esse motivo, durante seus mandatos, desempenharam constantes ataques entre si, cabendo aqui uma análise mais detalhada para entender o que favoreceu essa situação.
O primeiro acontecimento que pode ser mencionado é a discordância em torno da “Carta Democrática” da OEA[17]. Esse documento foi uma proposta dos EUA e colocava a democracia representativa como forma de governo a ser adotada pelos países latino-americanos. Passa a ser contestada por Hugo Chávez, uma vez que ele acredita na implantação de regimes democráticos sem haver a necessidade do modelo representativo. Todavia, seu argumento não foi suficiente para impedir a adoção da Carta. Em 11 de setembro de 2001, chanceleres de todos os países do continente credenciados na OEA se reuniram em Lima, no Peru, para assiná-la. Por coincidência, no mesmo dia em que ocorreram os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, estava representando seu país nessa reunião.
Outro ponto decisivo para deflagrar o conflito está diretamente relacionado ao golpe de Estado sofrido por Hugo Chávez em 2002. Há fortes indícios de ajuda financeira norte-americana aos setores de oposição ao governo venezuelano ao longo dos anos para derrubar Chávez do poder. Além disso, este presidente acusa o serviço de inteligência americano (CIA) de envolvimento com os golpistas.
Apesar de Washington não assumir oficialmente tal atitude, a declaração do porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, sobre o golpe ocorrido em 12 de abril, revela que os EUA já estariam pensando no futuro trabalho com o governo de transição. Desde o início, esse porta-voz insiste na prerrogativa de “demissão” de Chávez, causada por erros próprios e pelo caráter intrinsecamente ditatorial. Assim, evidencia que o país tinha interesse no golpe contra Chávez para abrir caminhos na Venezuela, como que retirando qualquer dúvida sobre a não-participação dos EUA nesse episódio:
“(…) We know that the action encouraged by the Chavez government provoked this crisis. According to the best information available, the Chavez government suppressed peaceful demonstrations. (…) The results of these events are now that President Chavez has resigned the presidency. Before resigning, he dismissed the vice president and the cabinet, and a transitional civilian government has been installed. (…) The United States will continue to monitor events”[18]
As relações entre os EUA e a Venezuela se deterioram ainda mais com as acusações de terrorismo contra Chávez. Como visto, a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, a questão do combate ao terrorismo se tornou tema crucial na política externa norte-americana. Mais uma vez, seus mandatários apresentam posições conflitantes acerca dessa ameaça.
Após esse episódio, os EUA colocaram em prática todo seu poderio e bombardearam o Afeganistão e deslocaram tropas militares para esse país à procura de Osama Bin Laden. Essa ação foi contestada por Chávez e, em pronunciamento à imprensa venezuelana, declara que o combate ao terrorismo não poderia se desenvolver com mais violência. Isso gerou irritação em Washington e determinou como seria seu relacionamento com a Venezuela no tocante a essa questão (FERREIRA, 2007).
Em 2006, a Venezuela foi acusada de não cooperar com as campanhas contra o terrorismo e, o presidente Hugo Chávez, de criticar os esforços antiterrorismo de Washington. Esse mandatário possui aproximação e boas relações com Cuba e Irã e, por esse motivo, o governo norte-americano o acusa de terrorista, pois apóia líderes considerados “inimigos”, como se pode observar no “Country Report of Terrorism”:
“Venezuelan cooperation in the international campaign against terrorism remained negligible. President Hugo Chavez persisted in public criticism of U.S. counterterrorism efforts, publicly championed Iraqi terrorists, deepened Venezuelan collaboration with such state sponsors of terrorism as Cuba and Iran, and was unwilling to deny safe haven to members of Colombian terrorist groups, as called for in UN resolutions” (U.S.D.S., 2006).[19]
Ainda nesse relatório, Chávez é acusado de manter relações com as FARC e o ELN da Colômbia, permitindo que esses grupos atravessem com freqüência o território venezuelano e o utilizem como local de descanso e reabastecimento.
Em 2004, continuando a “Revolução Bolivariana” proposta em seu governo, Chávez anunciou o Plano Estratégico de Modernização das Forças Armadas Nacionais. Nele, estavam previstas várias compras e atualizações com o objetivo de modernizar e ampliar o poder de defesa e de ataque de seu país. Isso assustou os países vizinhos e, em especial, os Estados Unidos, pois a Venezuela não tem um histórico de destinar muito de sua receita às questões militares.
Em 2006, o presidente venezuelano fez uma encomenda para atualizar as armas usadas pelos militares nacionais. Ela foi feita à Rússia, de cujo governo comprou 100.000 metralhadoras AK-103 para substituir os antigos Kalashnikov (AK-47) (FERREIRA, 2007). Esse fato gerou uma preocupação no que tange ao terrorismo e, para evitar problemas, o Departamento de Estado dos EUA proibiu a venda de material bélico para a Venezuela. Valendo-se da “Lei de Controle de Exportação de Armamentos dos EUA”, também tentou impedir a venda de armas do Brasil e da Espanha que tivesse algum componente norte-americano. Essa proibição não foi prejudicial para seus objetivos, visto que a venda de armas para a Venezuela não era muito significativa, e Chávez passou a fazer encomendas a Rússia, China e Irã (FUCILLE, 2007).
No ano seguinte, Bush iniciou uma série de visitas a países da América Latina no intuito de recuperar o espaço perdido e fortalecer a presença norte-americana na região. Essa viagem durou seis dias e ao todo foram visitados cinco países: Brasil, Uruguai, Guatemala, Colômbia e México (G1 MUNDO, 2007). Ocorreram manifestações em todos os países percorridos, o que parece indicar que existe no hemisfério um movimento anti-norteamericano e antiliberal, do qual Chávez parece julgar-se seu expoente.
Ao mesmo tempo, Hugo Chávez, inimigo número um de Bush, promoveu uma campanha “antibush” no continente. Visitou a Argentina, a Bolívia, a Nicarágua, o Haiti e a Jamaica e procurou não só aumentar as relações político-econômicas, mas também demonstrar interesse pelos problemas sociais enfrentados internamente por esses países. Os ataques verbais são constantes, e em diversos momentos de sua visita, chamou Bush de “cadáver político”. Um exemplo disso foi durante sua passagem pela capital argentina, em que falou para 40 mil pessoas no estádio de futebol do Ferro Carril Oeste: “O presidente dos Estados Unidos é hoje um cadáver político, que sequer tem a virtude de cheirar a enxofre. Em breve se converterá em pó e desaparecerá.” (FOLHA ONLINE, 2007).
Embora não tenha alcançado expressamente o objetivo de influir sobre outros países, demonstrou ao menos que se coloca frontalmente contra o governo do presidente norte-americano.
RELAÇÃO COMERCIAL ENTRE EUA E VENEZUELA
Tradicionalmente, os Estados Unidos sempre foram os maiores parceiros comerciais da Venezuela. O ponto de convergência d essa parceria é o petróleo. A Venezuela produz uma quantidade muito superior ao que o país pode absorver, e precisa de compradores para esse excedente. Em 2006, de acordo com o Departamento Energia dos EUA (EIA), a produção foi de 2,803 milhões de barris por dia, dos quais apenas 20% é consumido pelo país. Em contraposição, os Estados Unidos, não possuem reservas de petróleo suficiente para atender seu mercado interno, então necessitam comprar esse recurso energético de vários países, até mesmo de seu rival político. Nessa situação, observa-se uma postura de mão-dupla por parte do governo Chávez: uma para a área econômica e outra para o âmbito político-diplomático (FERREIRA, 2007).
Como foi abordado no tópico anterior, as relações políticas entre os dois países se deterioraram a partir da ascensão de Chávez ao poder em virtude do pensamento ideológico particular desse mandatário e de George W. Bush. Todavia, o conflito existente entre eles não interfere nas relações econômicas, ao contrário, o comércio entre os dois países está cada vez mais fortalecido e diversificado.
Por uma parte, as importações norte-americanas de petróleo da Venezuela representam 10% do volume total importado, o que a posiciona como quarto maior fornecedor dessa commodity para os EUA, atrás apenas da Arábia Saudita, Canadá e México. Por dia, mais de um milhão de barris de petróleo bruto e de derivados são destinados aos EUA.
Por outra parte, nos últimos anos, com o crescimento econômico venezuelano decorrente dos altos preços globais de petróleo, o país precisa importar bens manufaturados e produtos primários, uma vez que suas indústrias não conseguem atender à demanda nacional. Nesse sentido, os EUA são os maiores fornecedores de manufaturas e de alimentos para a Venezuela, o que representou 31% do total importado por esse último em 2006 (MORSBACH, 2007).
Dados divulgados pela embaixada dos Estados Unidos revelam que o intercâmbio comercial bilateral entre EUA e Venezuela fechou o ano de 2004 em US$18 bilhões, 2005 em US$40 bilhões e 2006 em torno de US$50 bilhões de dólares, valores expressivos para dois países que possuem relações políticas tão deterioradas. A manutenção dos negócios é indispensável principalmente para a Venezuela, pelo fato de os EUA serem seus principais clientes.
No intuito de reduzir a dependência da venda do petróleo aos EUA no médio/longo prazo, Chávez está buscando diversificar os parceiros comerciais. Para tal, tenta uma aproximação com a China, em função da forte demanda desse país por matérias-primas e energia, sem muitos avanços. Apesar desse esforço, na atualidade, não existe nenhum país que possa substituir o lugar norte-americano no comércio com a Venezuela. É importante destacar que a procura por novos clientes se torna mais difícil em decorrência das características próprias do tipo de petróleo exportado por esse país. No caso dos EUA, existe uma estrutura montada através da estatal venezuelana, PDVSA, que facilita o processo de refino. Nesse caso, o petróleo bruto pesado é enviado para as refinarias controladas pela PDVSA e, em seguida, é distribuído em território estadunidense por meio de uma subsidiária dessa empresa, a Citgo (MIGLIACCI, 2008).
Por diversas vezes, Chávez ameaçou suspender o fornecimento de petróleo aos EUA, como forma de intimidação ao governo de Bush. Em 2008, esse mandatário enfrentou problemas judiciais com a maior empresa petrolífera norte-americana, a Exxon Mobil. Essa empresa acusou Chávez de obrigá-la a encerrar suas atividades em território venezuelano após ter-se negado associação com a PDVSA em um projeto para criação de uma empresa mista, em que a PDVSA seria a sócia majoritária. Na ação judicial, a Exxon Mobil exigiu indenização pelo ocorrido e conseguiu o congelamento de US$12 bilhões de bens da PDVSA, o que provocou irritação em Chávez. Ainda que Bush não tenha procurado se envolver com esse assunto, Chávez atacou, “Se vocês nos congelarem, se realmente conseguirem nos congelar, se nos fizerem mal, nós vamos feri-los. Sabem como? Não vamos mandar petróleo para os Estados Unidos, sr. Bush, sr. Perigo” (HUDSON, 2008).
As ameaças nunca foram cumpridas em função das conseqüências negativas que acarretariam para a Venezuela. Caso alguma delas se concretizasse, prejudicaria diretamente os negócios da PDVSA, pois a queda do volume de petróleo para refino seria substancial e configuraria uma perda nos lucros da Citgo. Além disso, a economia venezuelana entraria em colapso, já que a exportação desse recurso energético representa mais de 80% do volume total e, dentre esse percentual, metade é vendida para os EUA.
Diante do exposto, a evidência é de que o conflito político não conseguiu abalar as relações comerciais entre os dois países pois, mesmo com Chávez procurando aumentar o número de parceiros, o fornecimento de petróleo continuou sendo o mesmo para os EUA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta monografia, fez-se uma abordagem sobre dois governos peculiares no contexto político das Américas no início do século XXI, o de Hugo Chávez na Venezuela e o de George W. Bush nos Estados Unidos.
Inicialmente, fez-se uma análise sobre a política internacional na atualidade, em que se comprovou que o comportamento dos Estados nada mais é do que o resultado de um sistema anárquico, a partir do qual os Estados não estão submetidos a nenhum poder superior. Desse modo, a soberania e o princípio da não-intervenção acabam perdendo força, pois as potências fazem uso do intervencionismo, sempre que julgam necessário, para assegurar seus interesses particulares. No caso da América Latina, a história mostra que isso foi bastante utilizado pelos EUA. Esse país tem colocado seu imperialismo a toda prova após o fim da Guerra Fria em 1989, quando emergiu como única potência no cenário mundial.
A partir dessa compreensão, as teorias de Relações Internacionais que melhor se adéquam a essa realidade são o Globalismo e a Teoria Crítica. Levando-se em conta a primeira, a conclusão obtida foi que o conflito existente entre Chávez e Bush nada mais é do que uma convergência de interesse no continente. Ambos querem aumentar seu poder de influência na região e esse motivo é o gerador de tanta discórdia. Quanto à segunda, foi possível compreender a postura antagônica desses dois atores, considerando-se o ponto da imutabilidade social. Por um lado, Chávez apresenta um discurso antiimperialista, no qual não admite nenhum tipo de intervenção ou dominação dos EUA em seu país e pretende alterar a posição da Venezuela no cenário internacional. Por outro lado, os EUA adotam uma política intervencionista nos assuntos de outros países e visam perpetuar as relações de dominação com os países latino-americanos.
Para se chegar ao conflito político existente entre Chávez e Bush, foi necessário fazer-se uma análise mais detalhada, individualmente, sobre o governo de cada um em seu país e suas respectivas agendas de política externa. Essa política é diretamente afetada pela maneira como se organizam os Estados e por seus governantes.
Hugo Chávez não é um político tradicional, ao contrário, é uma figura emblemática que tem desempenhado um papel relevante no cenário regional e internacional em função do petróleo venezuelano. Possui uma personalidade forte e, líder carismático que é, por muitas vezes, toma atitudes que desagradam a poucos e agradam a muitos ou vice-versa. Seu pensamento representa claramente a ideologia bolivariana, através da qual suas ações podem ser justificadas.
A revolução promovida no âmbito interno não foi suficiente para acabar com os problemas e melhorar as condições de vida da população venezuelana. Na verdade, suas promessas não foram totalmente cumpridas e o país continuou na mesma situação. A receita obtida com a exportação de petróleo é utilizada para patrocinar suas ações internacionais, e acaba sobrando pouco para ser investido na infra-estrutura nacional, o que tem gerado críticas ao seu governo.
A atual política externa venezuelana, levada a cabo por Chávez, nada mais é do que o resultado do processo revolucionário que consiste em promover a tão sonhada “Revolução Bolivariana” e implantação do “socialismo do século XXI”. Assim, busca meios de aprofundar as relações interamericanas, sendo freqüente observar-se esse mandatário envolvido em alguma discussão nos noticiários, forma, ao que parece, de se colocar como uma liderança regional.
Chávez critica a política intervencionista norte-americana, porém ele mesmo tem se intrometido nos assuntos domésticos de vários países latino-americanos. Isso é uma contradição, pois como pode interferir nos assuntos de outros países se ele mesmo não aceita intervenções de qualquer natureza na Venezuela? Esse aspecto é característica marcante do ator político Hugo Chávez na sua relação com outros Estados, como se não percebesse o que faz.
No outro extremo, temos o ator George W. Bush, presidente da maior potência mundial, os EUA. No início da década de 90 do século XX, a política externa desse país dava prioridade aos problemas da América Latina, contudo, ao decorrer dos anos, a empolgação foi reduzida. Ao assumir o poder em 2001, Bush declarou que as questões hemisféricas retomariam a posição inicial na agenda de política externa, mas os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 provocaram uma reorientação dessa política. Seu governo ficou marcado pela “guerra ao terror” e a América Latina ficou em segundo plano.
O conflito político existente entre Chávez e Bush é fruto de uma radicalização ideológica que, ao mesmo tempo, converge quanto às pretensões individuais para a América Latina, haja vista que Chávez quer ampliar sua presença e Bush quer manter a presença norte-americana na região. Essa postura antagônica foi verificada ao longo dos oito anos da administração Bush e nunca houve possibilidade de sua modificação.
A grande ironia de toda essa situação conflituosa são, justamente, as boas relações comerciais que EUA e Venezuela mantêm. Isso releva que as relações são pautadas por interesses econômicos, independentemente de existir um conflito em determinado âmbito. No caso analisado, o petróleo vem tendo papel decisivo na construção de uma dependência econômica histórica entre os dois países, pois a Venezuela não encontra outros parceiros comerciais – e os EUA sabem disso –, ficando o governo americano a fazer vistas grossas a discursos falaciosos do presidente Chávez, preferindo as boas relações comerciais entre os dois países, o que é lucro inclusive para alardear o estilo democrático dos EUA: não importam muito as divergências no plano político se elas podem ser superadas no plano econômico.
A debilitada presença norte-americana se deveu muito mais às próprias ações desenvolvidas por Washington do que propriamente da retórica chavista. A partir do momento em que o foco dos EUA está desviado para o combate ao terrorismo, abre espaço para constantes críticas à política externa desenvolvida na administração Bush.
O surgimento da onda esquerdista na América Latina pode ter facilitado o acesso de Chávez a vários países da região, pois os mandatários com essa orientação acabam compartilhando dos mesmos princípios, mas isso não é determinante para consolidar uma possível liderança regional desse ator. Os aliados da Venezuela não são países de expressividade regional, o que não ameaça o papel dos EUA na América Latina. Na verdade, Chávez é uma voz que se levanta como uma ameaça que não consegue concretizar-se, porque o seu discurso não corresponde exatamente a uma prática no contexto em que ele atua e mesmo porque precisa manter, no campo econômico, sua parceria com os EUA, do qual depende para o escoamento de seu produto principal, o petróleo.
Bacharel em Direito (UFPE), Mestre em Ciência Política (UFPE) e professor da Faculdade Integrada do Recife – FIR e Faculdade Damas onde leciona Ciência Política, Teoria do Estado e Direito Constitucional atualmente
Bacharela em Relações Internacionais(FIR).
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