A ilicitude na obtenção da prova e sua aferição



1. Introdução



A vigente Lei Maior estabelece uma série de direitos e garantias individuais que sofrem, contudo, limitações, porque os direitos fundamentais não são mais concebidos como direitos individuais absolutos, mas direitos do homem inserido na sociedade1.



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Nesse contexto, o direito à prova, concebido como “o direito das partes de deduzir todas as provas relevantes à sua disposição”2, não é irrestrito, encontrando limites legais e éticos, que visam, acima de tudo, proteger o indivíduo em sua intimidade3.



No plano infra-constitucional, constituem limites legais, no Código de Processo penal, dentre outros, o impedimento para depor de pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo (art. 207); a recusa de depor consentida aos parentes e afins do acusado (art. 206); as restrições à prova, estabelecidas na lei civil, quando se trate de estado das pessoas (art. 155).



Já, as limitações constitucionais ao direito à prova estão relacionadas, pelo menos, com as seguintes garantias, asseguradas no artigo 5º da vigente Lei Maior: direito à intimidade (inciso X), inviolabilidade do domicílio (inciso XI), inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações (inciso XII) e inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (inciso LVI).



Deve, ainda, ser lembrado o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que integra o sistema constitucional brasileiro, e que consagra o respeito da  vida privada e familiar, do domicílio e da correspondência, dispondo, ainda, que “ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”, assegurando a todas as pessoas o direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ofensas (arts. 9 e 11).



No que concerne aos limites éticos, repousam eles na legitimidade moral da formação da prova, que respeite a privacidade, ou intimidade, enfim, a plena liberdade do homem em sua vida intima, daí porque o processo deve se desenvolver dentro de uma escrupulosa regra moral, que orienta a atividade do juiz e das partes, em prol do valor essencial da dignidade da pessoa humana4.



Temos, pois, como assentado, que os meios de obtenção e produção da prova devem ser idôneos. E, para que a prova seja considerada idônea ao fim a que se destina, é imprescindível que seja obtida, ou produzida, de forma lícita.



A finalidade do processo penal não é a de aplicar a pena ao réu de qualquer modo, mas de assegurar a liberdade jurídica do indivíduo, impondo a pena somente ao culpado, após regular processo. E seu fundamento é a busca da verdade material5, que deve ser obtida de acordo com moral inatacável.



Assim entendido, o procedimento probatório constitui, não um formalismo inútil, mas uma exigência ética a ser respeitada, um instrumento de garantia para o indivíduo.



É necessário enfatizar, desde logo, que a disciplina da prova rege-se pela estrita legalidade, o que não significa a opção pelo chamado “sistema da prova legal”, em que as regras, pré-estabelecidas, apresentavam-se como regras para a melhor pesquisa da verdade. A legalidade da prova deve ser vista como defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos do acusado.



2. Conceito de prova ilícita



Ensina Ada Pellegrini Grinover, com base em pensamento de Nuvolone, que a prova ilícita enquadra-se na categoria da prova vedada, entendida esta como a prova contrária, em sentido absoluto ou relativo, a uma específica norma legal, ou a um princípio de direito positivo6.



De acordo com o mestre italiano, a prova é vedada, em sentido absoluto, quando o direito proíbe, sempre, sua produção7. E o é em sentido relativo, quando o ordenamento jurídico, embora admitindo o meio de prova, condiciona sua legitimidade à observância de determinadas formas8.



Ensina, ainda, que a proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo. Tem, ao contrário, natureza substancial quando, embora servindo, de forma imediata,  também a interesses processuais, é vista, de maneira fundamental, em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo.



A distinção é relevante, na seguinte medida: a violação do impedimento configura, em ambos os casos, uma ilegalidade; mas enquanto no primeiro caso haverá um ato ilegítimo, no segundo caso haverá um ato ilícito.



Partindo dessas premissas, conclui Nuvolone que a prova é ilegal sempre que caracterizar violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. A prova ilegal é o gênero, de que são espécies as provas ilegítimas e ilícitas9.



A par dessa distinção, segundo a natureza da norma violada, outra há quanto ao momento da transgressão: enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo, a prova ilícita pressupõe uma violação no momento da colheita da prova, anterior ou concomitantemente ao processo, mas sempre externamente a este10.



Determinadas provas ilícitas podem, ao mesmo tempo, ser ilegítimas, se a lei processual também impedir sua produção em juízo11. Neste caso, de acordo com ensinamento de Ada Pellegrini Grinover, será necessário verificar se o impedimento processual de utilização é suficiente para esvaziá-la, como acontece quando sua produção em juízo é cominada de nulidade; ou se deverá continuar a ter em mente sua qualificação de “ilícita” .



Por prova ilícita, em sentido estrito, entende a eminente processualista “a prova colhida com infringência às normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e especialmente dos direitos de personalidade e mais especificamente do direito à intimidade”12.



3. A produção das provas ilícitas no processo penal: correntes doutrinárias



Historicamente, sempre houve dissenso doutrinário e jurisprudencial a respeito da admissibilidade da prova coligida de maneira ilícita, a qual a lei não considere, também, do ponto de vista processual, ilegítima.



A pergunta que se faz, em síntese, é a seguinte: Seria possível afastar de um processo prova relevante e eficaz, que pode levar à descoberta da verdade no processo penal, pelo fato de ser ela colhida com infringência à norma material? Ou, ao contrário, essa prova deveria ser produzida e valorada, apenas punindo-se, pelo ilícito penal, civil ou administrativo cometido, quem a tivesse obtido de forma ilícita?



É essa a dúvida existente, sob o aspecto doutrinário, nos mais distintos ordenamentos jurídicos, que reflete o dilema de preferir-se que o crime assim apurado permaneça impune, ou de que a prova ilegalmente colhida seja produzida em juízo.



Os autores respondem a esta questão das mais diversas maneiras.



3.1. Pela admissibilidade processual das provas ilícitas



Parte da doutrina sustentou e ainda sustenta, embora hoje em menor extensão, que a prova ilícita somente pode ser afastada do processo se o próprio ordenamento processual assim o determinar.



Destarte, a prova ilícita apenas encontrará sanção processual quando, a um só tempo, for também ilegítima. Fora daí sua admissibilidade é examinada tão-somente pelas normais processuais, não se perquirindo, nessa seara, acerca da ilicitude da qual se originou, e que ensejará a punição de seu autor no plano do direito material violado.



Para os que assim se posicionam, o problema jurídico da admissibilidade da prova não diz respeito à maneira pela qual ela foi obtida: o importante é verificar se sua introdução no processo é consentida, em abstrato, sendo irrelevante a consideração do uso dos meios utilizados para colhê-la, em concreto13.



Filia-se a essa corrente, entre nós, Fernando de Almeida Pedroso14, sustentando que, se o fim precípuo do processo é a descoberta da verdade real, crível é que, se a prova ilegalmente obtida ostentar essa verdade, seja ela aceita, havendo de ser instaurada, entretanto, contra aqueles que a obtiveram de forma ilícita, a devida persecução penal, diante da infração de disposições penais e pela violação dos direitos do réu.



3.2. Pela inadmissibilidade processual das provas ilícitas



Sustenta outra parte da doutrina, com o que estamos inteiramente de acordo, que a prova ilícita deve ser rejeitada, mesmo quando inexista norma processual que a considere inadmissível.



No Brasil, aduz Ada Pellegrini Grinover que, nesses casos, ocorre a chamada “atipicidade constitucional”15, ou seja, a desconformidade do modelo, do tipo imposto pela Constituição. E, porque as normas constitucionais relevantes para o processo têm dimensão de garantia, que interessam à ordem pública e à boa condução do processo, a contrariedade a essas normas acarreta sempre a ineficácia do ato processual, seja por nulidade absoluta, seja pela própria inexistência, porque a Lei Maior tem como inadmissível a prova obtida por meios ilícitos.



Assim é que, no ordenamento americano, as chamadas regras de exclusão (Exclusionary Rule), das quais se deduz a inadmissibilidade da evidência obtida ilegalmente, impedem a utilização em juízo de tais provas, não por força da ilicitude de sua obtenção, mas, sim, porque reputadas inconstitucionais com relação à IV Emenda16, embora colhidas extrajudicialmente. Certo é, contudo, como veremos a seguir, que a jurisprudência norte-americana não tem sido unânime em torno da aplicação dessas regras, inclinando-se pela “razoabilidade” (Reasonableness).



3.3. Teoria da proporcionalidade



A teoria, hoje dominante, da não admissão das provas colhidas com infringência às garantias constitucionais, tem sido atenuada por outra tendência, que adota o chamado critério da proporcionalidade (na Alemanha) ou da razoabilidade (nos Estados Unidos da América), pelo qual, em certos casos, pode-se admitir a prova obtida de forma ilícita, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido.



Anota Nelson Nery Júnior17  que, de acordo com a teoria da proporcionalidade, “na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado”.



Segundo os partidários dessa corrente, a prova colhida com infração aos direitos fundamentais do homem é inconstitucional e, em conseqüência, ineficaz como prova. Mas, a proibição é abrandada para admitir a prova viciada, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, se sua obtenção e admissão puder ser considerada como a única forma, possível e razoável, para proteger outros valores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso.



Trata-se, portanto, de um questão de proporcionalidade entre a infringência à norma e os valores que a produção da prova pode proteger, por intermédio do processo. E, tratando-se de restrição de direitos, liberdades e garantias, deve levar em consideração, ainda, dois elementos: a exigibilidade e a adequação.



Os tribunais alemães têm admitido esta tese, aplicando o critério de proporcionalidade, sobre o qual se baseia a exceção aos princípios de exclusão da prova ilícita, o mesmo acontecendo nos Estados Unidos da América, onde a doutrina da razoabilidade tem tido aplicação, com base na IV Emenda, que provê a garantia pessoal contra buscas e apreensões desarrazoadas, ou sem “probable cause”18 .



Aliás, foi com base em precedente jurisprudencial da Suprema Corte Americana, que assegurou à defesa a possibilidade de invalidar prova obtida mediante uso ilegal de “grampo”, porque “não impor um limite no seu inteiro uso indireto (full indirect use) seria admitir métodos incompatíveis com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal”, que se criou a chamada “doutrina da tolerância”, com o que, em certos casos, admite-se a prova obtida ilicitamente, mesmo quando não confirmada por “fonte independente”. Trata-se, em síntese, de responder à seguinte indagação: “Presente a ilicitude primária do meio de obtenção, a prova só poderia ser obtida por aquele meio, ou, ao invés, poderia ser confirmada por meio suficientemente distinto a ponto de se livrar o erro primário?”19



Os partidários da teoria da proporcionalidade admitem sua aplicação, frise-se, em situações extraordinárias, que levariam a resultados desproporcionais, inusitados e repugnantes, se a prova ilicitamente colhida não pudesse ser admitida. Mas, a nosso ver, mencionada teoria deve ser vista com sérias reservas, porque grande é a margem de subjetividade na apreciação dos valores conflitantes.



No Brasil, o critério da proporcionalidade é adotado, com restrições, pela jurisprudência, sobretudo no processo civil, e, de forma especial, nas questões de direito de família.



Em matéria penal, o Superior Tribunal de Justiça aplicou-o, em pelo menos dois julgamentos20, sob o fundamento que a  vedação da prova ilícita é relativa. Mas o rejeitou, em outro decisum, sem não antes ter invocado a relatividade do inciso XII (última parte) do art. 5º da Constituição da República21.



O Supremo Tribunal Federal, de igual modo, empregou a doutrina da proporcionalidade, embora com a ressalva de que, no caso concreto analisado, a prova tida como ilícita não constituía o único elemento probatório22.



3.4. Teoria da proporcionalidade e prova ilícita “pro reo”



A aplicação do chamado “princípio da proporcionalidade”, apenas e tão-só em favor do imputado, constitui assunto polêmico na doutrina.



Entende, a propósito, Ada Pellegrini Grinover23  que, no caso da admissibilidade da prova ilícita que beneficie a defesa, a Constituição não afasta radicalmente nenhuma tendência.



Celso Ribeiro Bastos24, por sua vez, assevera que o comando contido no inciso LVI do art. 5º da Constituição da República “deve ceder naquelas hipóteses em que a sua observância intransigente levaria à uma lesão de um direito fundamental ainda mais valorado”. Afirma que, neste caso, “a prova a ser feita valer deve ser indispensável na defesa de um direito constitucional mais encarecido e valorizado pela Lei Maior do que aquele cuja violação se deu”. E, mais, “é necessário que a produção desta prova se faça na defesa do réu e não a favor do Estado, entendido este como autor da ação penal”. Porém, “a prova deve ser acolhida quando aquele que a exibe não teve nenhuma participação, quer direta ou indireta, no evento inconstitucional que a ensejou”. Conclui que “estas regras abrem as portas para uma interpretação ponderada e equilibrada do Texto Constitucional, permitindo que se dê eficácia ao propósito de banir as provas ilícitas sem contudo extremar este princípio a ponto de se permitir a eficácia de outros direitos constitucionais também fartamente protegidos, como o de ampla defesa”.



Na mesma esteira é o pensamento de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho25, para quem deve preponderar o interesse jurídico mais valioso, sendo mais importante o direito à liberdade e à ampla defesa do que o direito à privacidade. A partir dessa premissa conclui que o imputado, em processo penal, pode produzir prova considerada ilícita, salientando, ainda, que, ao assim agir, estará ele acobertado por causas de exclusão de criminalidade, como o estado de necessidade ou a legítima defesa.



De forma diferente manifesta-se Rogério Lauria Tucci, assegurando que “as provas obtidas por meios ilícitos, porque conseguidas ou produzidas por outros meios que não os estabelecidos em lei, por maior que seja a importância do direito individual a ser preservado, não têm como ser levadas em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação”26.



A jurisprudência também não é pacífica, havendo decisões que acolhem o critério da proporcionalidade pro reo27, e outras que não o admitem28.



Posicionamo-nos entre aqueles que somente permitem a aplicação da doutrina da proporcionalidade quando a prova, aparentemente ilícita, for colhida pelo próprio acusado, porque, nesse caso, a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa.



4. Provas ilícitas por derivação



O problema da prova ilícita por derivação diz respeito àquela prova obtida de forma lícita, mas a que a ela se chegou por intermédio da informação extraída de prova ilicitamente colhida.



Exemplo clássico é o da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido. Ou o caso da interceptação telefônica clandestina, por intermédio da qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato, que acaba por incriminar o suspeito, ou imputado.



Suponha-se que, sem mandado judicial, a autoridade policial intercepte e grave conversas telefônicas em que haja prova de autoria de crime por parte dos participantes do diálogo e citação de nomes de terceiros que tenham conhecimento da autoria do mesmo crime. A gravação, não há dúvida, constituiria prova ilícita e seria inadmitida no processo. Mas as pessoas mencionadas poderiam, sob o amparo da lei, ser chamadas a depor? Ao que nos parece, não, pois o bem jurídico tutelado – a intimidade – seria igualmente atingido. Ademais, o Código de Processo Penal, no art. 573, § 1º, ao tratar da extensão da nulidade dos atos processuais, comina de nulidade os atos processuais dependentes do ato nulo.



Aqueles que preconizam a inadmissibilidade processual da prova ilícita estendem-na à prova ilícita por derivação, pois a elas se transfere a mácula da obtenção. É a conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada, criada pela Suprema Corte Americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.



Entendemos que, como a prova viciada compromete os direitos fundamentais (integridade física, privacidade, etc.), a ilicitude há de contaminar tudo o que dela derivar, que, via de conseqüência, não poderá ser admitido no processo.



Certo é, contudo, que a teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, tem encontrado limitações na doutrina, nacional e estrangeira, e pelo própria Corte Suprema norte-americana: têm elas sido excepcionadas da vedação probatória quando a conexão com a prova ilícita é tênue, de maneira a não se colocarem como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam, de qualquer modo, ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em “independent source” e, no segundo, na “inevitable discovery”29. Vale dizer, se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, ou se esta derivar de fonte própria, não fica contaminada e pode ser produzida em juízo.



É necessário reconhecer, porém, que a nossa vigente Constituição da República, conquanto tenha vedado, expressamente, a admissão da prova ilícita, não se posicionou na discussão sobre a admissão das provas ilícitas por derivação, relegando o problema à doutrina e à jurisprudência.



5. O tratamento dado às provas ilícitas pelo direito brasileiro



A doutrina brasileira dividiu-se, no decorrer do tempo, quanto à admissibilidade processual das provas ilícitas, prevalecendo, porém, o entendimento de que a produção, em juízo, de prova obtida de forma ilícita é inadmissível, porque ela deixa de ser legal ou moralmente legítima, nos termos do disposto no art. 332 do Código de Processo Civil.



Antes da Constituição da República de 1988, as Mesas de Processo Penal, atividade ligada ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pronunciaram-se sobre o assunto, assentando que as provas ilícitas, que infringem normas e princípios constitucionais, são processualmente inadmissíveis; e que as provas colhidas de maneira ilícita, que beneficiem a defesa, podem ser utilizadas no processo penal30.



O Supremo Tribunal Federal, nesse mesmo período, manifestou-se pela inadmissibilidade da prova ilícita, repudiando as interceptações telefônicas clandestinas, quer em matéria civil, quer em matéria penal.



O chamado “leading case” nessa matéria foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal na década de 197031, tendo prevalecido o voto do relator, Ministro Xavier de Albuquerque, no sentido de que a prova colhida por meio que não seja legal nem moralmente ilegítimo infringe a Constituição e as normas materiais e processuais, não devendo, portanto, ingressar nos autos.



Aquela Corte pronunciou-se também em caso criminal32, decidindo que se a origem da prova produzida pela acusação não é revelada nem ao julgador, nem à defesa, é ela inadmissível no processo.



A Constituição da República de 1988 veda, de forma expressa, o ingresso, no processo, das “provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI), considerando, portanto, a prova materialmente ilícita também processualmente ilegítima. E estabeleceu, desde logo, sanção processual para a ilicitude material: a inadmissibilidade.



Há, porém, uma exceção que vem determinada na própria Constituição (art. 5º, inciso XII): “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.



É de se notar que, após o advento da Lei Maior, consolidou-se, na jurisprudência, a proibição do ingresso, no processo, da prova ilicitamente obtida. Já, a questão da prova ilícita por derivação, longe está de se pacificar.



Embora o Supremo Tribunal Federal venha mantendo o entendimento majoritário, pela inadmissibilidade da prova ilícita por derivação33, percebe-se a tendência de mitigação da tese dos frutos da árvore envenenada, sob o argumento de que a prova ilícita, não sendo a única mencionada na denúncia, não compromete a validade das demais provas que, por ela não contaminadas e dela não decorrentes, integrem o conjunto probatório34.



A propósito, o Superior Tribunal de Justiça tem afirmado ser possível a condenação, quando baseada em conjunto probatório variado e por si só suficiente para sustentar a denúncia, ainda que exista, nos autos, prova ilícita derivada35.



5.1. Conseqüências processuais da admissão da prova ilícita



A Constituição da República em vigor considera, de maneira taxativa, serem inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. Mas não estabelece qual a conseqüência que deriva da circunstância de, apesar da proibição, a prova ter sido admitida, vindo a ingressar no processo.



Certo é que as provas ilícitas, porque inadmissíveis, não podem ser tidas como prova. Conforme bem lembrado por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho36, “trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria da inexistência jurídica. Elas simplesmente não existem como provas; não têm aptidão para surgirem como provas, daí sua total ineficácia”.



A prova ilícita é inidônea, imprestável, destituída de qualquer eficácia jurídica, daí porque deve ser desentranhada do processo. E, caso não o tenha sido deverá ser desconsiderada no momento da decisão, e a causa julgada como se a prova não existisse37.



É de ser destacado, neste passo, que o Código de Processo Penal Militar, no artigo 375, determina o desentranhamento da correspondência particular, interceptada ou obtida por meios criminosos.



Anota, com inteira propriedade, Antonio Magalhães Gomes Filho38, que a noção de inadmissibilidade está ligada à questão da validade e eficácia dos atos processuais. Atua de forma antecipada, impedindo o ingresso, no processo, do ato irregular. Razão pela qual deve abranger, não só o ingresso jurídico da prova no processo, mas também sua introdução material nos autos, evitando-se, com isso, influências indesejáveis sobre o convencimento do julgador. Já, a nulidade visa a retirar os efeitos de um ato irregularmente praticado.



A sentença passada em julgado, que tiver se baseado em provas ilícitas, será nula e poderá ser desconstituída pela via da revisão criminal, caso em que o juízo rescisório poderá, examinando o mérito, absolver o imputado. Mas, tratando-se de habeas corpus, a decisão de primeiro grau deverá ser anulada, com a indicação das provas viciadas, além da determinação de seu desentranhamento.



Não se pode olvidar, porém, que os Tribunais Superiores têm sustentado que a prova vedada não gerará a nulidade do processo, se a condenação não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita39. Assim, a referência, na sentença, sobre a existência de outras provas, aptas à condenação, seria suficiente para afastar a nulidade40.



Tal entendimento, levado às últimas conseqüências, tolheria, a nosso ver, inteiramente, a eficácia da garantia constitucional. É preciso ter muita cautela quando prova ilícita integrar o conjunto probatório.



6. Interceptações e gravações



Referem Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho41  que “entende-se por interceptação a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Se o meio utilizado for o “grampeamento” do telefone, tem-se a interceptação telefônica; se se tratar de captação de conversa por um gravador, colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental. Se um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, fala-se apenas em gravação clandestina”42.



Salientam que a interceptação (telefônica ou ambiental) exige sempre a intervenção de um terceiro, ocorrendo a escuta/ou gravação enquanto a conversa se desenvolve, não desfigurando a natureza da interceptação o fato de um dos interlocutores saber que ela está ocorrendo.



Mas, para distinguir a hipótese de interceptação sem o conhecimento dos interlocutores, daquela feita com a anuência de um deles, reservam a denominação de interceptação stricto sensu à primeira, e, à segunda, escuta.



Os demais casos, que ocorrem quando um dos interlocutores grava sub-repticiamente sua própria conversa, seja telefônica ou entre presentes, não configuram interceptações, mas gravações clandestinas.



A Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamentou  o inciso XII do art. 5º da Constituição da República, abarcou tanto a interceptação telefônica em sentido estrito quanto a escuta telefônica.



Aliás, nesse sentido se posicionam, dentre outros, Ada Pellegrini Grinover43  e Luiz Flávio Gomes, asseverando este último que “a interceptação telefônica, devidamente autorizada, nos termos da Lei 9.296/96, constitui prova lícita e admissível; se não autorizada, configura crime, nos termos do art. 10 da mesma lei, e, ademais, é prova ilícita, sendo inadmissível, salvo em benefício da defesa. Essa disciplina jurídica é a mesma no que concerne à escuta telefônica: prova lícita se realizada conforme a lei nova, prova ilícita se concretizada sem autorização judicial, além de configurar, nesse caso, crime”44 .



Estão fora do regime jurídico instituído pela Lei 9.296/96, via de conseqüência, as interceptações entre presentes, também chamada interceptação ambiental, e as gravações clandestinas.



6.1. Interceptação telefônica no Brasil



O sistema constitucional brasileiro, à época da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, prescrevia a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, de maneira aparentemente absoluta (art. 153, §9º), salvo na hipótese de estado de sítio e de estado ou medidas de emergência (arts. 165, §2º, 158, §1º e 155).



A Constituição da República em vigor estabelece, no artigo 5º, inciso XII, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, “salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.



Frise-se que a exceção da inviolabilidade diz respeito, apenas, a comunicações telefônicas, para finalidade de investigação criminal e instrução processual penal. Com relação às demais formas indicadas pela Lei Maior, a inviolabilidade do sigilo se torna absoluta.



Primeira conseqüência do dispositivo constitucional é que a interceptação telefônica só poderá ser autorizada por ordem judicial, vinda de juízo criminal45.



Segunda decorrência é a de que, para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, deverão estar presentes os requisitos previstos na Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamentou a exceção prevista na Constituição46.



O período que antecedeu a regulamentação foi de grande turbulência jurisprudencial, prevalecendo, no Supremo Tribunal Federal, o posicionamento, por estreita maioria, de que enquanto não sobreviesse lei regulamentadora da matéria, não poderia o juiz valer-se do Código de Telecomunicações para autorizar a interceptação telefônica, sendo, pois, ilícita a prova assim obtida47 .



Após o advento da Lei 9.296/96, o Supremo Tribunal Federal reapreciou o tema, tendo mantido o entendimento de que o art. 5º, XII, da Constituição da República não é auto-aplicável, daí porque a prova produzida em período anterior à regulamentação do aludido dispositivo é ilícita48.



6.2. Interceptação entre presentes



As gravações sub-reptícias de conversas entre presentes, efetuadas por terceiro, com o desconhecimento de todos os interlocutores ou de um deles, embora sejam interceptações em sentido técnico, não se enquadram, como visto, na disciplina do art. 5º, XII, da Constituição da República, que cuida somente da quebra do sigilo das telecomunicações telefônicas. Mas, tratando-se de conversas confidenciais, as interceptações entre presentes infringem o direito à intimidade, também assegurado pela Constituição, no inciso X do mesmo artigo.



A Lei 9.296/96 perdeu a oportunidade de tratar das gravações sub-reptícias de conversas entre presentes, efetuadas por terceiro, com o desconhecimento de todos os interlocutores ou de um deles. Limitou-se a regulamentar as interceptações telefônicas, que, uma vez autorizadas, são lícitas e, seu resultado, admissível no processo.



Na ausência de tratamento específico, afirmam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho49  que, via de regra, a prova obtida mediante interceptação ambiental será ilícita, por infringir o art. 5º, X, da Constituição da República, pelo menos enquanto não houver lei que discipline a matéria. Esta, no entanto, deverá resguardar devidamente as declarações espontâneas do suspeito ou acusado, sub-repticiamente gravadas, em face da prevalência da garantia constitucional do direito ao silêncio. No mesmo sentido manifesta-se Luiz Flávio Gomes50.



6.3. Gravações clandestinas



A gravação clandestina de conversa feita por um dos interlocutores, quer de comunicação telefônica, quer de comunicação entre presentes, assim como a interceptação entre presentes, não se enquadra na garantia do art. 5º, XII, da Lei Maior. É a lição dos doutrinadores51.



A jurisprudência e a doutrina se dividem quanto à licitude da captação clandestina de conversas próprias. A gravação em si, quando realizada por um dos interlocutores, que queira documentar a conversa tida com terceiro, não configura ilícito, ainda que o interlocutor desconheça sua ocorrência. Mas a divulgação da conversa pode caracterizar outra afronta à intimidade, qual seja, a violação de segredo.



Assim, o ato de gravar clandestinamente uma comunicação ou conversa própria não é crime, embora configure violação à intimidade alheia. Mas, a divulgação da conversa confidencial, como prova penal incriminadora, será ilícita (art. 153 do Código Penal). Contudo, se a prova for usada em defesa dos direitos violados ou ameaçados de quem gravou e divulgou a conversa, estará descaracterizada a ilicitude, pela ocorrência da justa causa52.



Dentro desse contexto, não tem sido considerada ilícita a gravação sub-reptícia de conversa própria para comprovar a prática de extorsão, equiparando-se, nesse caso, a situação à de quem age em estado de legítima defesa, que exclui a antijuridicidade53. A prova só será admissível para comprovar a inocência do extorquido, não deixando, porém, de configurar prova ilícita quanto ao sujeito ativo da tentativa de extorsão.



O mesmo se aplica à conversa entre presentes, gravada clandestinamente por pessoa diversa dos interlocutores: desde que seja confidencial, a divulgação poderá configurar violação de segredo.



A jurisprudência registra casos em que, distinguindo a interceptação telefônica da gravação de conversa própria com terceiro, admitiu esta última no processo54.



O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de analisar a matéria em dois casos tão famosos quanto polêmicos.



No primeiro, conhecido como Caso Magri, recebeu a denúncia lastreada em gravação clandestina feita por funcionário do INSS, de conversa mantida com o então Ministro Rogério Magri, no gabinete deste. Argumentou o Ministro Carlos Veloso, relator, que não ocorreu, no caso, violação do sigilo das comunicações, nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos, porque não há ilicitude em alguém gravar conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. Asseriu, ainda, que a alegação poderia encontrar ressonância no campo ético, mas não no âmbito do direito. Certo é, porém, que restaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, para quem a gravação obtida clandestinamente não tem qualquer valia, porque obtida de forma ardilosa e incorreta, mediante a prática condenável de escamotear um gravador para obter informações55.



No segundo, chamado Caso Collor56, acatou preliminar suscitada pela defesa de Paulo César Farias e entendeu, por maioria de votos, “ser inadmissível como prova, os laudos de degravação de conversa telefônica… obtidos por meios ilícitos… por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório e utilizada com violação à privacidade alheia…”.



Não se pode olvidar que a obtenção clandestina de conversa, sem conotação secreta ou privada, em que não haja violação do dever constitucional do sigilo, não configura prova ilícita, conforme já decidido pelo Excelso Pretório57.



Possível, ainda, a utilização, como prova, de gravação de diálogo transcorrido em local público, porque não está em causa a proibição do art. 5º, XII, da Constituição da República58.



O Superior Tribunal de Justiça perfilha, ao que parece, o entendimento que admite a prova decorrente de gravação magnética, tendo decidido que “da mácula de prova ilícita escapa a gravação telefônica feita por um dos interlocutores”59, para admitir que a prova dela resultante não é ilícita, se a ela se juntarem outros elementos probatórios.



É de ser lembrado, finalmente, que a gravação sub-reptícia do interrogatório do indiciado ou acusado, feita de maneira clandestina, contraria não só o direito à intimidade, como as regras de advertência quanto ao direito ao silêncio, garantido constitucionalmente, daí porque não pode, sob qualquer hipótese, ser aceito.



Na doutrina, Luiz Flávio Gomes60  assevera que as gravações clandestinas não valem como prova, em princípio. Configuram prova ilícita na sua colheita, na sua obtenção, porque violam a intimidade. Logo, sendo provas ilícitas, são inadmissíveis no processo. Como provas incriminatórias não podem ser admitidas jamais, mas podem ser utilizadas em benefício do acusado, para provar sua inocência, em razão do critério da proporcionalidade.



Pela ilegalidade da prova produzida por meio de gravação clandestina de conversas, por violar a intimidade e a vida privada, manifestam-se, ainda, Ada Pellegrini Grinover61, Tourinho Filho62, Frederico Marques63  e Mirabete64, dentre outros.



Ressalva, contudo, Eduardo Luiz Santos Cabette65, com o que estamos inteiramente de acordo, que, em relação ao agente público, cuja fala foi gravada enquanto se achava no exercício de suas funções, não é possível fazer valer a garantia constitucional que se refere à sua vida privada, pois sua atuação pública deve ter o máximo de transparência possível. E o indivíduo que grava a atuação ilícita do agente público em suas funções está defendendo não só direito próprio, como também o interesse público.



Acreditamos que a gravação através de fita magnética da própria conversa particular com terceiro só pode ser admitida como prova se for para defender direitos do interlocutor que efetua a gravação. É que há quebra de privacidade, além de ser meio moralmente reprovável a gravação com o desconhecimento do interlocutor. Uma coisa é a pessoa externar seu pensamento sem saber da gravação; outra, bem distinta, é fazê-lo com conhecimento.



Em síntese: a gravação clandestina de conversa feita por um dos interlocutores, quer de comunicação telefônica, quer entre presentes, não é atingida pela vedação constitucional (art. 5, XII). Mas, dependendo da sua natureza, pode constituir violação à intimidade (art. 5º, X), e a conseqüência será, em regra, a ilicitude.



Conforme brilhantemente ressaltado por Luiz Antonio Soares Hentz66, “o perfeito equilíbrio entre o direito e o dever do cidadão se adquirirá somente com o respeito às bases sobre que repousa o Estado brasileiro. Banidas do processo penal provas ilícitas como a gravação clandestina, ganha-se a confiança nas instituições – indispensável confiança para um País que ainda engatinha no caminho da democracia, sob cujo regime o povo tem o direito de ver respeitada a sua Constituição”.



 



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Notas:
1. Anota Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, São Paulo, Max Limonad, 1996, p. 41, que a concepção contemporânea dos direitos humanos os vê como uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na qual os valores da igualdade e liberdade se conjugam e se completam.  
2. Cf. Michele Taruffo, Il diritto alla prova nel processo civile, p. 90, invocado por Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 228/229.  
3.  A problemática da intimidade, conforme bem lembrado por Ada Pellegrini Grinover, em Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo, Saraiva, 1976, p. 121, faz parte do tema de fundo do processo penal, “porque nele se defrontam a exigência de tutela da pessoa humana e a exigência de tutela da comunidade, e, ainda, porque é no processo penal que o Estado de direito se preocupa em colocar limites aos poderes de investigação, pública e privada, como proteção ao indivíduo”. Complementa a autora, na obra Novas tendências do direito processual, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 60: “E se, de um lado, o direito à intimidade é parte integrante dos direitos de personalidade, envolvendo a liberdade do homem, é igualmente certo que todas as liberdades têm feitio e finalidades éticos, não podendo ser utilizadas para proteger abusos ou acobertar violações”.  
4. O Código de Processo Civil considera inadmissíveis os meios de prova moralmente ilegítimos (art. 332), dispondo o Código de Processo Penal Militar, no artigo 295, serem inadmissíveis meios de prova que atentem contra a moral e a segurança individual ou coletiva. O Código de Processo Penal é silente, nesse sentido, aplicando-se, portanto, de forma subsidiária, as regras processuais civis (art. 3º, Cód. Proc. Penal).  
5.  Compreendida não como a verdade absoluta, mas a verdade processualmente possível, capaz de conduzir à certeza moral do julgador. V., por todos, Rogério Lauria Tucci et alii, Princípio e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 142 e ss.  
6.  Nuvolone, Le prove vietate nel processo penale nei paesi di diritto latino, Riv. Dir. Proc., 1966, p. 448 e s, invocado por Ada Pellegrini Grinover, Liberdades públicas…cit., p. 126/127. V., ainda, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades no processo penal, 6. ed., São Paulo, RT,  1997, p. 131.  
7.  Como, por exemplo, a admissão de cartas particulares interceptadas ou obtidas por meios criminosos, art. 233 do Cód. Proc. Penal brasileiro.  
8.  É o que sucede, dentre outras hipóteses, com o interrogatório do acusado menor de idade, que necessita de curador.  
9.  Assim, quando a proibição for assentada em lei processual, a prova será ilegítima, ou ilegitimamente produzida. Se calcada em lei material, será ilícita.  
10.  Cf. Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências…cit., p. 61. Mencionada doutrinadora, na obra As nulidades…cit., p. 133, traça uma distinção entre os momentos em que se desdobram as atividades processuais concernentes à prova: a) propostas (indicadas ou requeridas); b) admitidas (quando o juiz se manifesta sobre sua admissibilidade; c) produzidas (introduzidas no processo); e d) apreciadas (valoradas pelo juiz).  
11.  É o que ocorre, por exemplo, com as cartas particulares interceptadas ou obtidas criminosamente (art. 233 do Cód. Proc. Penal e art. 375 do Cód. Proc. Penal Militar), A conseqüência será a sua inadmissibilidade como prova.  
12.  Cf. As nulidades…cit., p. 131.  
13.  Para aqueles que assim pensam, quem agiu contra o direito deve ser punido, mas a prova é validamente introduzida no processo, toda vez que a lei processual não o impeça. Se no direito processual não  houver uma norma que imponha a exclusão de provas obtidas através de um ato ilícito, não há como rechaçá-las, uma vez que a qualificação de admissibilidade e relevância da produção probatória é formulada com base em critérios autônomos do processo, para além de qualquer referência aos paradigmas do direito substancial, inclusive do direito constitucional. As provas colhidas, por exemplo, por meio de uma apreensão arbitrária, devem ser admitidas, punindo-se, apenas, penal ou disciplinarmente, o autor do ilícito.  
14.  Cf. Prova penal, Rio de Janeiro, AIDE, 1994, p. 163, e Processo penal: O direito de defesa: Repercussão, amplitude e limites, Rio de Janeiro, Forense, 1986.  
15.  Cf. A eficácia dos atos processuais…cit., p. 35.  
16.  Diz a IV Emenda da Constituição norte-americana, em tradução livre: ”O direito das pessoas de estarem seguras em suas pessoas, papéis e efeitos contra exorbitantes buscas e apreensões, não poderá ser violado, e não se expedirão mandado, a não ser com base em ‘probable cause’, fundamentados em juramento ou afirmação, e particularmente descrevendo o lugar a ser procurado e as pessoas ou coisas a serem detidas”.  
17.  Proibição da prova ilícita: novas tendências do direito, Justiça penal: crítica e sugestões: provas ilícitas e reforma pontual, coord. Jaques de Camargo Penteado, v. 4, São Paulo, 1997, p. 16.  
18.  Cf. Luiz Francisco Torquato Avolio, Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, São Paulo, RT, 1995, p. 59.  
19.  Cf. mencionado pelo Min. Carlos Veloso, em acórdão inserto na Revista Brasileira de Ciências Criminais  20/377-385, 4º trim. 97.  
20.  HC 3.982, RSTJ 82/322 e ss., jun. 1996 e HC 4.138, RF 336/394, out./dez. 1996. Em ambos os recursos, foi relator o Ministro Adhemar Maciel.  
21.  MS 5.352-GO, j. 27.5.96, relator designado Min. Adhemar Maciel, RSTJ  90/359 e ss., fev. 1997. Tratava-se de marido traído que gravara conversa telefônica entre  a esposa e o amante, do que resultou ação penal contra aquela, porque demonstrado que ministrava “Lexotan” às filhas para facilitar o relacionamento, na ausência do marido. Restou assentado que embora esta Turma já se tenha manifestado pela relatividade do inciso XII (última parte) do art. 5º da CF (HC 3.982/RJ), no caso concreto o marido não poderia ter gravado a conversa ao arrepio de seu cônjuge. Ainda que impulsionado por motivo relevante, acabou por violar a intimidade individual de sua esposa, direito garantido constitucionalmente (art. 5º, X). Ademais, o STF tem considerado ilegal a gravação telefônica, mesmo com autorização judicial (o que não foi o caso), por falta de lei ordinária regulamentadora”.  Foi vencido o Min. Vicente Cernicchiaro, que entendeu que, no tocante à fidelidade conjugal, o comportamento de um dos cônjuges é do interesse do outro, daí porque, no caso concreto, a conduta da esposa não poderia ser interceptada por estranho, salvo o marido, que tem interesse também no seu comportamento e que não é estranho.  
22.  HC 70.814-5, j. 1.3.94, relator Min. Celso de Mello, RT 709/418, nov. 1994. Decidiu aquela Corte que “a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitado o art. 41, § único, da Lei 7.210/84, proceder à interceptação de correspondência remetida aos sentenciados, porque a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”.  
23.  As nulidades…cit., p. 120.  
24.  Comentários à Constituição Federal Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1993, v. II, p. 276.  
25.  O Processo penal em face da Constituição, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 25/26.  
26.  Direitos e garantias individuais…cit., p. 238.  
27.  V., no sentido da adoção da teoria da proporcionalidade pro reo: Correição parcial 126.826-3, Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 16.9.92, rel. Denser de Sá, RJTJSP 138/526, 5º bim. 1992. Entendeu o Tribunal que a gravação telefônica feita pela acusada, de conversa que tivera com a vítima do crime, não violou a lei e muito menos a Constituição, porque o direito à intimidade não tem caráter absoluto e pode ceder quando em confronto com outros direitos fundamentais, como, por exemplo, o da ampla defesa.  
28.  V., a propósito: HC 147.774-3, Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 28.7.93, rel. Des. Djalma Lofrano, RT 698/344, dez. 1993. Foi determinado, no caso, o desentranhamento de cartas e papéis referentes a tratamento psicológico escritos de próprio punho pela vítima, cujo conteúdo poderia denegrir sua memória, porque obtidas por meios ilícitos. Deliberou o Tribunal que “o direito a defesa ampla não pode ser alargado em demasia, a ponto de ferir direitos outros de terceiros, no caso a própria vítima, ainda cedo assassinada por seu marido, em circunstâncias e formas que ao juiz natural caberá julgar”.  
29.  Cf., mais uma vez, Ada Pellegrini Grinover et al., As nulidades…cit., p. 135/136.  
30.  V., a propósito, Súmulas 49 e 50 das Mesas de Processo Penal.  
31.  RE 85.439, j. 11.11.1977, RTJ 84/609, maio 1978. Tratava-se de questão de família, versando sobre o desentranhamento de fitas gravadas pelo marido e resultantes de interceptação de conversa telefônica da mulher, utilizadas no processo de separação. As gravações foram feitas clandestinamente, sem autorização judicial, e tinham por objetivo provar o adultério praticado pela mulher, para o marido obter o desquite.  
32.  HC 63.834, j. 18.12.86, relator Min. Célio Borja, RTJ 122/47 e ss., out. 1987. Apuravam-se fraudes praticadas contra o INAMPS e o advogado dos diretores de certo hospital, em São Paulo, requereu o depósito, na Secretaria de uma Vara da Justiça Federal, de três fitas gravadas, contendo o que afirmou serem conversas de grande importância para a elucidação dos fatos. O juiz determinou a realização de perícia, pela autoridade policial, para apurar acerca da legitimidade das fitas, bem assim, a critério dela, o indiciamento daqueles que entendesse responsáveis pelas fraudes. Ao mesmo tempo, assegurou ao advogado denunciante o direito de não revelar a origem das peças apresentadas. Disso resultou a intimação de médico funcionário da Previdência Social, para prestar esclarecimentos sobre as gravações. Ressaltou o Min. Francisco Rezek que, em muitas hipóteses de seqüestro a polícia age com licitude quando, a pedido do titular da linha telefônica que recebe a ligação, registra a chamada e procede, enfim, na conformidade das informações que aquela comunicação possa proporcionar. É o destinatário que está franqueando acesso a terceiros, no seu interesse. Contudo, na medida em que o terceiro entra clandestinamente em cena, tem-se configurado o ilícito. E não importa absolutamente saber se esse terceiro age por conta do órgão público ou entidade privada. E o inquérito foi trancado. Foi vencido, em parte, o Min. Aldir Passarinho, que entendeu ser possível a realização de diligências tendentes à obtenção de provas lícitas, sem desprezar os fatos até então apurados, embora com indícios decorrentes da prova ilícita.  
33.  HC 69.912, relator Min. Sepúlveda Pertence, RF 332/381, 4º trim. 1995. O primeiro julgamento rejeitou o habeas corpus por 6 x 5 votos, mas terminou anulado porque teve influência no resultado o voto do Min. Neri da Silveira, que foi declarado impedido; novamente discutida a matéria em plenário, sem o voto do Ministro impedido, registrou-se empate na votação, tendo a ordem sido concedida, prevalecendo o entendimento de que a ilicitude da interceptação telefônica (feita antes da lei regulamentadora do texto constitucional) contaminara as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta, nas quais se fundou a condenação. Disse o Ministro: Dada a patente relação genética entre os resultados da interceptação telefônica e as provas subseqüentemente colhidas, não é possível apegar-se a essas últimas – fruto da operação ilícita inicial – sem, de fato, emprestar relevância probatória à escuta vedada”.  
34.  RHC 74.807-4, rel. Min. Maurício Correa, DJ 20.6.97. Já decidiu a Corte Constitucional ser irrelevante a ilicitude se o provimento condenatório está lastreado nas demais provas dos autos. V., a propósito, HC 69.209, DJ 8.5.92, rel. Min. Marco Aurelio, RTJ 141/924, set. 1992; HC 75.127, DJ 27.6.97.
35.  Assim é que, no julgamento do HC 5.292, de que relator o Min. Anselmo Santiago, DJ 16.6.97, o Tribunal deixou assentado, em caso de extorsão mediante seqüestro, que “a escuta telefônica é apenas uma das diversas provas capazes de dar ensejo à denúncia, não sendo única nem indispensável no caso concreto”.  
36.  As nulidades… cit., p. 121.  
37.  O Supremo Tribunal Federal determinou o desentranhamento da prova, no caso de captação clandestina de conversa telefônica (RExtr. 100.094-PR, j. 28.6.94, rel. Min. Rafael Mayer, RTJ 110/798, nov. 1984). Famosa é, ainda, a decisão prolatada nos autos do Inquérito 731-9/141, em que figuraram como indicados Zélia Cardoso de Mello e Jorge Waldério Tenório Bandeira de Mello. Decidiu, naquele feito, que “reconhecida a ilicitude de prova constante dos autos, conseqüência imediata é o direito da parte, à qual possa essa prova prejudicar, a vê-la desentranhada”. Tratava-se de prova tida como ilícita no julgamento da ação penal 307, e que fora utilizada pelo Ministério Público em outros dois inquéritos (731-5/140 e 918-1/140). Foi, em conseqüência, determinado o desentranhamento das peças concernentes à prova julgada ilícita, em ambos os inquéritos (Emb. Decl. no Inq. 731-9/141, rel. Min. Neri da Silveira, JSTF-Lex, 220/386, abril 1997). O Tribunal de Justiça de São Paulo, por seu turno, julgou improcedente a denúncia em caso em que a única prova da materialidade do delito fora obtida ilicitamente. Tratava-se de busca domiciliar efetuada durante a noite, sem autorização e baseada exclusivamente em denúncia anônima, não caracterizando, dessa forma, a fundada suspeita do flagrante (ap. 83.624-3, rel. Des. Dante Busana, RT 670/273, ago. 1991).  
38.  Cf. Direito à prova no processo penal, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 93/95.  
39.  Decidiu o Supremo Tribunal Federal, no HC 73.461, j. 11.6.96, rel. Min. Octavio Galotti, Informativo do STF de 10 a 14.06.96, que “se as provas que serviram de base à sentença e ao acórdão foram obtidas sem auxílio dos elementos informativos fornecidos pela escuta telefônica, não há falar em nulidade da condenação”.  
40.  V., a propósito, o voto proferido pelo Min. Carlos Veloso, Revista do IBCCRIM…cit., v. 20, p. 377/385. V, ainda, nota 19, supra.  
41.  Cf. As nulidades…cit., p. 172/173.  
42.  A partir dessa conceituação, dividem os autores as várias modalidades de captação eletrônica da prova, destacando: a) interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores; b) interceptação da conversa telefônica por terceiro, com anuência de um dos interlocutores; c) interceptação da conversa entre presentes, por terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos interlocutores; d) interceptação da conversa entre presentes por terceiro, com conhecimento de um ou alguns dos interlocutores; e) gravação clandestina da conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro; f) gravação clandestina da conversa pessoal e direta, entre presentes, por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro.  
43.  Cf. O regime brasileiro das interceptações telefônicas, Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 17, p. 114/115, jan./mar. 1997.  
44.  Cf. Interceptação telefônica, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 105.  
45.  Já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “É da competência da Justiça Criminal a expedição de alvará judicial para a escuta telefônica que visa à investigação de fato tido como crime e a instauração de ação penal” (CComp. 11.393-0, C. Esp., j. 30.8.90, rel. Des. Freitas Camargo, RT 660/267, out. 1990).  
46.  Por certo, não se pode afirmar que a Lei 9.034/95 (que, tratando da repressão ao crime organizado, autorizou a quebra do sigilo constitucional nos feitos que versem sobre ação praticada por organizações criminosas, relativamente ao acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, desde que a diligência seja realizada pelo juiz, sob segredo de justiça) pudesse servir de fundamento para autorizar interceptações telefônicas.  
47.  Destaque-se que, no julgamento do HC 69.912-0, o Ministro Paulo Brossard proferiu longo voto, sustentando que a lei era necessária, mas que não tinha dúvidas de que, quando ela viesse, incluiria o tráfico ilícito de entorpecentes, que era discutido naquele feito, e votou pelo indeferimento do writ. A decisão, publicada no DJU de 26.11.93, foi anulada e depois substituída pela de 16.12.93, inserta na RF 332/229 e 381, 4º trim. 1995. V. nota 33, supra.  
48.  HC 74.639, rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 27.6.97.  
49.  Cf. As nulidades… cit., p. 195.  
50.  Cf. Interceptação telefônica…cit., p. 111.  
51.  V., por todos, Ada Pellegrini Grinover et al, As nulidades…cit., p. 196.  
52.  No julgamento do HC 75.338-RJ, rel. Min. Nelson Jobim, j. 11.03.98, Informativo STF nº 102, março 1998, o Supremo Tribunal Federal, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, assentou que a inviolabilidade da intimidade não é absoluta, e considerou válida gravação de conversa telefônica como prova de crime em processo penal, porque feita por iniciativa de um dos interlocutores, para garantir o direito de defesa. Tratava-se de conversa telefônica gravada por um Tabelião, que estava sob investigação da Corregedoria da Justiça do Rio de Janeiro, na qual o juiz propunha o pagamento de propina em troca de influenciar a decisão da Corregedoria.  
53.  Salienta, a propósito, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Sigilo nas comunicações. Aspecto processual penal, Boletim do IBCCRIM, nº 49, dez. 1996, p. 7, que “muitas vezes a chamada gravação clandestina exibe-se qual meio de a vítima defender-se da injúria verbal, ameaça e da extorsão; ou de outros crimes, especialmente funcionais, como a concussão e a corrupção passiva, não esquecendo a ativa”.  
54.  O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a gravação de conversa em secretária eletrônica não pode ser qualificada de imoral, quando inexiste interferência de terceiro, daí porque, nesse caso, não há que se falar em violação ao princípio constitucional (AI 171.084, rel. Euclides de Oliveira, j. 24.3.92, RT 689/160 e ss., março 1993). Afirmou o Tribunal que “o que a Constituição veda é a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação do comunicador ou do receptor. Aquilo que se denomina de interceptação, dando azo a gravação clandestina. Mas a conversa regular entre duas pessoas que se aceitam como comunicador e receptor, em livre expressão do pensamento, admite gravação por uma das partes, assim como seria possível gravar o teor de conversações diretas, sem uso de aparelho telefônico”. V., ainda, Cpar 126.826-3/0, j. 16.9.92, rel. Des. Denser de Sá, RT 693/341, julho 1993 e Ap. crim. 67.256-3, j. 28.8.89, rel. Des. Correa Dias, RTJSP 122/466, 1º bim. 1990.  
55.  Inquérito 657-2, JSTF-Lex 183/362, março 1994. Argumentaram os Ministros vencidos que a prova fora alcançada por meio ilícito, ao arrepio não só dos padrões éticos e morais, mas também da própria Carta, no que preserva a intimidade da pessoa. Certo é, porém, que vislumbraram eles, do exame dos autos, a existência de outros indícios, suficientes ao recebimento da denúncia, não relacionados com a gravação clandestina.  
56.  Ação penal 307-DF, j. 9.12.94, relator Min. Ilmar Galvão, RF 335/277 e ss., 3º trim. 1996. Tratava-se de gravação de conversa telefônica entre o ex-deputado Sebastião Curió e Paulo César Farias, como prova de esquema de financiamento de campanhas eleitorais. É importante destacar que nesse mesmo feito discutiu-se, também como matéria preliminar, a repercussão da prova inadmissível sobre as demais, tendo o Tribunal a rejeitado, também por maioria de votos. Digno de nota foi o voto do Min. Celso de Mello, no sentido de que “a gravação de conversação com terceiros, feita através de fita magnética, sem o conhecimento de um dos sujeitos da relação dialógica, não pode ser contra este utilizada pelo Estado em juízo, uma vez  que este procedimento, precisamente por realizar-se de modo sub-reptício, envolve quebra evidente de privacidade, sendo, em conseqüência, nula a eficácia da prova conseguida por esse meio. O fato de um dos interlocutores desconhecer a circunstância de que a conversação que mantém com outrem está sendo objeto de gravação atua, em juízo, como causa obstativa desse meio de prova. O reconhecimento constitucional do direito à privacidade (CF, art. 5º, X) desautoriza o valor probante do conteúdo de fita magnética que registra, de forma clandestina, o diálogo mantido com alguém que venha a sofrer a persecução penal do Estado. A gravação de diálogos privados, quando executada com total desconhecimento de um dos seus partícipes, apresenta-se eivada de absoluta desvalia, especialmente quando o órgão da ação penal postula, com base nela, a prolação de um decreto condenatório”.  
57.  RHC 67.058-0 -RS, j. 3.3.89, rel. Min. Francisco Rezek, RT 641/394, mar. 1989.  
58.  HC 74.356-1, rel. Octavio Gallotti, j. 10.12.96, RT 743/550-553, set. 1997.  
59.  HC 4.654, j. 24.6.96, rel. Min. José Dantas, RT 738/570, abr. 1997. Tratava-se de gravação clandestina feita pela vítima, que era um dos interlocutores. Baseou-se o relator em jurisprudência existente naquela Corte, no sentido de que “a gravação sigilosa de conversa, quando realizada por um dos interlocutores, não se constitui em meio de prova contra legem de obtenção de prova, em afronta aos incisos X e XII do art. 5º da CF/88”.  
60.  Cf. Interceptação telefônica…cit., p. 106/107.  
61.  Cf. As nulidades…cit., p. 195.  
62.  Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, 19. ed., São Paulo, Saraiva, v. 3, 1997, p. 228 e 232.  
63.  José Frederico Marques, Elementos de direito processual penal, Campinas, Bookseller, v. 2, 1997, p. 272.  
64.  Júlio Fabbrini Mirabete, Processo penal, 8. ed., São Paulo, Atlas, 1998, p. 260-261. O autor menciona, porém, que os Tribunais admitem a gravação feita por terceiro de conversa mantida em local público e a gravação em fita magnética de conversa entre duas pessoas, desde que gravada por um deles.  
65.  Gravações clandestinas e ambientais. Tutela constitucional da intimidade e os agentes públicos, Boletim do IBCCRIM, nº 65, p. 5, abril 1998.  
66.  Cf. Gravação clandestina: prova no processo penal, Boletim do IBCCRIM, n. 30, jun. 1995, p. 4.



Informações Sobre o Autor

Maria Thereza Rocha de Assis Moura

Advogada e Professora Doutora de Direito Processual Penal da USP


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Equipe Âmbito Jurídico

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