Resumo: A presente monografia trata da Impenhorabilidade do Bem de Família do Fiador. Os objetivos deste trabalho são: geral, que consiste em analisar o instituto do Bem de Família no Direito Brasileiro, desde sua raiz romana clássica, passando a sua origem jurídica nos Estados Unidos até às atuais peculiaridades do benefício da impenhorabilidade, estabelecido no Código Civil e na Lei n° 8.009/90 e; específicos, que se consubstanciam em verificar o desenvolvimento do instituto do Bem de Família no direito pátrio; identificar e analisar os principais aspectos jurídicos do instituto, além de examinar a impenhorabilidade do mesmo, principalmente em se tratando do Bem de Família do fiador no contrato de locação. No tocante à metodologia da pesquisa, foi utilizado o método indutivo, que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-los de modo a ter uma conclusão geral. Ao final, verificou-se que o Bem de Família trata-se de uma importante garantia às famílias, visando resguardar o imóvel onde a mesma reside, tornando, assim, impenhorável esta residência, bem como os móveis que a guarnecem. Com relação ao imóvel residencial do fiador, observa-se que essa matéria ainda apresenta controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a Impenhorabilidade do Bem de Família do Fiador, segundo o vigente direito Positivo Brasileiro.
Os seus objetivos são: a) institucional: produzir uma monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; b) geral: analisar o instituto do Bem de Família no Direito Brasileiro, desde sua raiz romana clássica, passando a sua origem jurídica nos Estados Unidos até às atuais peculiaridades do benefício da impenhorabilidade, estabelecido no Código Civil e na Lei n° 8.009/90; c) específicos: identificar os tipos de família previstos na legislação brasileira; verificar o desenvolvimento do instituto do Bem de Família no direito pátrio; identificar e analisar os principais aspectos jurídicos do instituto, além de examinar a impenhorabilidade do mesmo, principalmente em se tratando do Bem de Família do fiador no contrato de locação.
A opção pelo tema partiu de uma vivência real familiar da acadêmica e pela vontade em se aprofundar nos conhecimentos sobre o instituto do Bem de Família, levando em consideração impenhorabilidade do único imóvel residencial do fiador. Soma-se a isto, a paixão e a identificação da mesma pelo Direito de Família brasileiro.
Quanto à Metodologia[1] empregada, registra-se que nas fases de Investigação e do Relatório dos Resultados, foi utilizado o Método Indutivo[2], acionadas as Técnicas do Referente[3], da Categoria[4], do Conceito Operacional[5] e da Pesquisa Bibliográfica.
A presente Monografia se encontra dividida em três capítulos. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da evolução da família, sua conceituação, finalidade e caracteres, bem como as principais características dos tipos de entidades familiares existentes no ordenamento jurídico brasileiro que são: o casamento, a união estável e a família monoparental. Em seguida, passa-se a tratar do instituto do Bem de Família desde Roma, passando pela Idade Média e sua gênese norte americana, bem como a regulamentação do instituto antes e depois da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O Capítulo 2 trata do Bem de Família no atual ordenamento jurídico brasileiro, seu conceito e suas principais características, bem como dos dois tipos de Bem de Família existentes na legislação pátria que são: o Bem de Família facultativo ou voluntário, previsto no Código Civil e o Bem de Família obrigatório ou legal, regulamentado pela Lei n° 8.009/90.
No Capítulo 3, trata-se sobre o Bem de Família e a fiança, uma discussão sobre sua impenhorabilidade, abordando, primeiramente, as bases conceituais da impenhorabilidade, passando pelas exceções à impenhorabilidade do Bem de Família voluntário e legal e, por fim, trazendo o conceito de fiança, suas características e requisitos, bem como suas modalidades e efeitos jurídicos, concluindo o trabalho com abordagem da impenhorabilidade do Bem de Família do fiador.
A presente Monografia parte das seguintes perguntas de pesquisa:
a) O que é considerado Bem de Família?
b) A Lei n° 8.009/90 assegura a impenhorabilidade do Bem de Família?
c) O imóvel residencial do fiador quando dado em garantia do pagamento de um contrato poderá ser penhorado?
Buscando respostas preliminares às perguntas de pesquisa, foram levantadas as seguintes hipóteses:
a) Bem de família é o imóvel que não está sujeito à constrição judicial, ou seja, não pode ser penhorado por dívidas de seu proprietário.
b) A Lei n° 8.009/90 institui, no ordenamento jurídico brasileiro, o Bem de Família legal e, apesar de trazer algumas exceções, garante a impenhorabilidade do Bem de Família.
c) Se o imóvel residencial do fiador, dado em garantia de pagamento de um contrato, for penhorado, o direito à propriedade, garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estará sendo violado. Por outro lado, se o imóvel residencial do fiador, dado em garantia ao pagamento de um contrato, for impenhorável, estará sendo violado o direito de moradia do locatário, direito este também garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Devido ao elevado número de categorias fundamentais à compreensão deste trabalho monográfico, optou-se por listá-las em rol próprio, contendo seus respectivos conceitos operacionais.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, aduzindo-se sobre a confirmação ou não das hipóteses trabalhadas, seguido da estimulação à continuidade dos estudos e de reflexões sobre a Impenhorabilidade do Bem de Família do Fiador.
FAMÍLIA E BEM DE FAMÍLIA
1.1 FAMÍLIA: CONCEITUAÇÃO, FINALIDADE, CARACTERES
1.1.1 Conceituação
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[6], em seu artigo 226, afirma que a família é a “base da sociedade”, e que por isso tem uma especial proteção do Estado.
O valor da família para o equilíbrio do ser humano é incomensurável, pois é no seio familiar que o indivíduo aprende os conceitos de amor, ética, caráter, respeito ao próximo, solidariedade e etc., ou seja, aprende a conviver em sociedade. É esse aprendizado que torna possível uma sociedade honrada, e é por isso que se diz que a família é a base da sociedade[7].
A Carta Magna de 1988 ainda define a instituição familiar como sendo a que se origina do casamento, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental), bem como, a união extra matrimonial entre um homem e uma mulher, com a intenção de formar uma família (união estável). [8]
Nesse sentido, apresenta-se ainda um outro conceito de família como sendo “a união de pessoas vinculadas por consangüinidade até um limite legal, e por afinidade ou parentesco civil advindo da adoção, esta pode originar-se tanto do casamento como da união estável, ou entidade familiar.” [9]
Na mesma temática, Naufel[10] assim conceitua família:
“O conjunto de pessoas ligadas entre si pelo matrimônio e pelo parentesco. Num sentido restrito, família é um grupo cerrado de pessoas, composto de pais e filhos, apresentando certa unidade de relações jurídicas, tendo comunidade de nome, economia, domicílio e nacionalidade, fortemente unido por identidade de interesse e fins morais e materiais, monarquicamente organizado sob a autoridade de um chefe, que é o pai. Num sentido mais amplo, a palavra família abrange, além de cônjuges e dos seus filhos, outros parentes mais remotos e afins, como avós, sogros, tios, etc., aos quais o chefe de família presta alimentos e tem na sua companhia, e até os criados ou serviçais domésticos. Círculo de pessoas vinculadas civilmente pelo parentesco, tanto por consangüinidade como por afinidade, a até por adoção.”
A família, nas palavras de Hironaka[11], “é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos (…); a história da família se confunde com a história da própria humanidade”.
Para Cretella Júnior[12], família “é a unidade formada pelo casal e pelos filhos. Onde cada filho que se casa constitui nova família, da qual se torna chefe, de tal modo que os netos não estão subordinados ao avô, mas sim, ao pai.”
Venosa[13] ensina que o Direito Civil Moderno apresenta uma definição restrita de família, considerando membros da família apenas as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. E ainda afirma que:
“Desse modo, importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido compreende os ascendentes, descendentes, e colaterais de linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente.(grifo do autor).”[14]
E continua dizendo que “em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar”. [15]
Desse modo tem-se que a família é um conjunto de pessoas unidas por laços consangüíneos, afins e civis para uma finalidade em comum.
1.1.2 Finalidades da família
A família, como base da sociedade, possui algumas finalidades para o mundo jurídico. O artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Com isso vê-se que para o Estado, a finalidade da família é a criação e proteção dos filhos, o que acontecia desde as civilizações mais antigas. O que se difere agora é o papel dos pais na educação dos filhos, o que, no atual direito brasileiro, será exercido tanto pela mãe quanto pelo pai, conforme se depreende do parágrafo 5° do art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[16].
Pelo conceito de família, vê-se que um dos seus elementos formadores é a afinidade, seja sanguínea ou civil, assim, sua finalidade também está relacionada ao afeto mútuo.
Assim tem-se que a finalidade da família é a criação e educação dos filhos e a assistência mútua entre seus integrantes, seja ela formada pelo casamento, união estável ou monoparental.
1.1.3 Caracteres da instituição familiar
A instituição familiar não pode ser concebida somente por uma ótica, mas sim, por vários elementos que caracterizam a sua formação. Já que se trata de um instituto de extrema importância tanto para o mundo jurídico como para a sociedade.
Segundo Diniz[17], a família possui seis caracteres principais, que são: caráter biológico, caráter psicológico, econômico, religioso, político e jurídico.
Com relação ao primeiro deles, o caráter biológico, assim assevera a citada autora:
“Caráter biológico, pois a família é, por excelência, o agrupamento natural. O individuo nasce, cresce numa família até casar-se e constituir sua própria, sujeitando-se várias relações, como: poder familiar, direito de obter alimentos e obrigação de prestá-los a seus parentes, dever de fidelidade e de assistência em virtude em virtude de sua condição de cônjuge.”
A referida autora afirma ter a unidade familiar um caráter psicológico, em razão de possuir a família um elemento espiritual unindo os componentes do grupo, que é o amor familiar.
Mencionada autora ainda diz que a família possui:
“Caráter econômico, por ser a família o grupo dentro do qual o homem e a mulher, com o auxílio mútuo e o conforto afetivo, se munem de elementos imprescindíveis à sua realização material, intelectual e espiritual.”
Um dos caracteres apontados por Diniz[18] é o religioso uma vez que, a família é um ser eminentemente ético ou moral, principalmente por influência do Cristianismo, não se afastando esse caráter mesmo com a laicização do direito.
Como quinta característica a aludida autora afirma:
“Caráter político, por ser a família a célula da sociedade (CF, art. 226), dela nasce o Estado, (…). A família tem especial proteção do Estado, que assegurará sua assistência na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos, por meio de lei ordinária, para coibir a violência no âmbito de suas relações, impondo sanções aos que transgridem as obrigações impostas ao convívio familiar.”
Ainda a autora menciona o caráter jurídico, por ter a família sua estrutura orgânica regulada por normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito de família.
Diante do que pôde ser observado neste item, entende-se que a família não pode ser considerada tendo em vista apenas uma característica, mas sim obedecendo aos seus vários caracteres que vão desde o biológico até o político.
1.2 ESPÉCIES FAMILIARES PREVISTAS NA VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
1.2.1 Casamento:
1.2.1.1 Conceituação
O casamento é uma das espécies de instituição familiar previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Nos termos do art. 1.511 do Código Civil[19], as pessoas casam-se para estabelecer uma comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Rodrigues[20] define o casamento como sendo um contrato de direito de família com a finalidade de promover a união entre o homem e a mulher, conforme a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e prestarem assistência mútua.
Já Wald define o casamento de duas formas, uma como sendo “o vínculo jurídico estabelecido entre os nubentes” e outra como sendo “o ato jurídico criador desse vínculo”. [21]
Por sua vez Diniz[22] afirma que:
“O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais, para obter o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica, e a constituição de uma família.”
Conforme o exposto acima verifica-se que o casamento pode ser compreendido como um contrato e, como todo contrato, perfaz-se pela vontade das partes que se unem para um fim comum, que é a formação de uma nova família e também o apoio mútuo.
1.2.1.2.Caracteres do casamento
Assim como a família, o casamento possui algumas características. Gonçalves[23] apresenta como requisitos essenciais do casamento a diversidade de sexo, consentimento e a celebração na forma da lei.
Lisboa[24] apresenta nove caracteres para o casamento, a saber: a) a monogamia; b) a união indissolúvel entre o homem e a mulher; c) a pessoalidade; d) a submissão à norma jurídica de ordem pública; e) a liberdade de escolha; f) solenidade; g) perenidade da união; h) a exclusividade da união e i) a plena comunhão de vida entre os cônjuges.
Já Diniz [25] aponta cinco requisitos como sendo os caracteres essenciais do casamento. A saber:
a) A liberdade na escolha do nubente, por ser o matrimônio um ato pessoal.
b) A solenidade do ato nupcial, uma vez que a norma jurídica reveste-o de formalidades que garantem a manifestação do consentimento dos nubentes, a sua publicidade e validade.
c) O fato de ser a legislação matrimonial de ordem pública, por estar acima das convenções dos nubentes.
d) A união permanente, indispensável para a realização dos valores básicos da sociedade civilizada.
e) A união exclusiva.
Como se observou, o casamento para ter sua validade incontestável precisa se revestir de alguns requisitos essenciais.
1.2.1.3 Finalidades do casamento
Neste item será abordada a finalidade do casamento que segundo Wald[26], tem como finalidade social, a educação dos filhos e, como finalidade individual, o convívio sexual e o auxílio mútuo e recíproco.
Neste prisma, Venosa[27] assim apresenta a finalidade do casamento:
Conforme estabelecido tradicionalmente pelo Direito Canônico, o casamento tem por finalidade a procriação e educação da prole, bem como mútua assistência e satisfação sexual, tudo se resumindo na comunhão de vida e de interesses.
Na mesma temática, Rodrigues[28] aponta três finalidades do casamento: “a) disciplinação das relações sexuais entre os cônjuges; b) proteção à prole; c) mútua assistência.”
É por meio do casamento e constituindo a sociedade conjugal, que propõem-se os consortes a se unirem para enfrentar à posteridade. Dentro dessa união atendem ao desejo sexual que é normal e intrínseco à sua natureza; a aproximação dos sexos e a natural convivência entre os cônjuges fazem surgir o sentimento afetivo recíproco; da união sexual resultam os filhos, cuja sobrevivência e educação pedem a atenção dos genitores.[29]
Com isso, extrai-se que a finalidade do casamento tem um caráter mais sociológico do que jurídico, ou seja, a formação da família, satisfação sexual e o auxílio mútuo.
1.2.1.4 Efeitos jurídicos do casamento
Toda espécie de instituição familiar apresenta efeitos jurídicos e o casamento não poderia ser diferente.
Diniz[30] apresenta como conceito de efeitos jurídicos do casamento como sendo
“Conseqüências que se projetam no ambiente social, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges, nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, dando origem a direitos e deveres, disciplinados por normas jurídicas.”
A mesma doutrinadora divide os efeitos jurídicos em classes: sociais, pessoais e patrimoniais. Apresenta como efeitos sociais a criação da família; o estabelecimento do vínculo de afinidade entre cada cônjuge e os parentes do outro; a emancipação do consorte menor de idade e a constituição do estado civil de casado. Como efeitos pessoais, a doutrinadora enumera: direitos e deveres de ambos os consortes e direitos e deveres dos pais para com os filhos. Por fim cita que os efeitos jurídicos patrimoniais do casamento são aqueles que têm influencia sobre os bens dos cônjuges. [31]
Segundo Coelho[32], o casamento possui quatro principais efeitos jurídicos: constituição da família, alteração do nome; deveres dos cônjuges e regime de bens.
A constituição da família é o primeiro deles: “Com o casamento, os cônjuges formam novo núcleo familiar, que eventualmente, mas não necessariamente, poderá ser acrescido com a vinda dos filhos, biológicos ou não.” [33]
O segundo efeito do casamento relaciona-se com o nome dos cônjuges. O art. 1.565, § 1° do Código Civil Brasileiro dispõe que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. [34]
O terceiro efeito faz referência aos deveres matrimoniais que, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passaram a ser de obrigação de ambos os cônjuges, conforme preceitua o art. 226 § 5°: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher[35].”
E, por último, há o regime de bens que, geralmente, tem implicação significativa no patrimônio dos cônjuges.[36] Atualmente, em nosso ordenamento jurídico, têm-se os seguintes regimes de bens: a comunhão parcial; a comunhão universal; participação final nos aqüestos e separação de bens.
1.2.1.5 Dissolução do casamento
Em princípio, o casamento é celebrado para durar para sempre ou “até que a morte os separe”, porém, segundo Ulhoa[37], um em cada quatro casamentos termina por separação ou divórcio, isto é, com os cônjuges ainda vivos.
Sobre o casamento no direito romano, tem-se que a sua dissolução era plenamente aceita e se realizava por ato de vontade das partes. Segundo Wald [38]:
“A idéia romana de casamento é diferente da dominante em nossos dias. Para os romanos a affectio era um elemento necessário para o casamento que não devia existir apenas no momento da celebração do casamento, mas enquanto este perdurasse. O consentimento das partes devia ser inicial, mas continuado. Assim, a ausência de convivência e desaparecimento da afeição eram, por si só, causas necessárias para a dissolução do casamento.”
De acordo com Diniz[39], a sociedade conjugal se dissolve: a) pela morte real ou presumida; b) pela nulidade ou anulação do casamento; c) pela separação judicial e d) pelo divórcio.
Com o falecimento de um dos cônjuges tem-se o efeito dissolutório tanto da sociedade como do vínculo conjugal, cessando o impedimento para contrair novo casamento, conquanto possa existir causa de suspensão[40].
Diz-se nulo um casamento quando “se realiza com infração de impedimento imposto pela ordem pública, por ameaçar diretamente a estrutura da sociedade ou ferir princípios básicos em que ela se assenta[41]” e anulável quando fere uma dos requisitos elencados no art. 1.550 do Código Civil[42].
Dentro da separação judicial, a qual nada mais é do que a mera separação de corpos e de bens, com a permanência do vínculo conjugal, impedindo novo casamento[43], existe a separação consensual e a separação litigiosa.
A Lei n° 11.441/2007 possibilitou que a separação conjugal se desse de forma administrativa, por escritura pública, lavrada em um cartório, devendo as partes estar acompanhadas de um advogado. Para que a dissolução se dê dessa forma, os separandos devem ser concordes e não terem filhos menores ou incapazes. Com isso, os requerentes obtêm um resultado mais célere e o Poder Judiciário tem uma diminuição no volume de processos.
Assim:
“Art. 3o A Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:
Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.”[44]
Ainda como forma de dissolução da sociedade conjugal tem-se o divórcio, que, segundo Rodrigues[45], “dissolve de maneira integral o matrimônio legitimando os divorciados para se recasarem”.
Como se pode observar, o Código Civil Brasileiro prevê várias formas de dissolver a sociedade conjugal, sendo que todas elas precisam ser revestidas de requisitos de validade para serem constituídas e alcançarem seu objetivo, que é o fim do casamento.
1.2.2 União Estável
1.2.2.1 Conceituação
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu § 3º do art. 226, reconheceu como entidade familiar, a união estável entre o homem e a mulher, sem definir, contudo, o que seria essa união estável, sendo esta definida ao longo do tempo pelos estudiosos do Direito.
Da leitura do art. 1° da Lei n° 9.278/96 extrai-se um conceito legal de União Estável: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família.” [46]
O companheirismo é união livre e estável de pessoas desimpedidas, de sexos diferentes, que não estão atreladas entre si por casamento civil.[47]”
Por União Estável entende-se também que é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato[48].
Diniz[49] também aduz que:
A união estável é a relação convivencial more uxório, que possa ser convertida em casamento, ante a ausência dos impedimentos do art. 1.521 do Código Civil, visto que as causas suspensivas arroladas no art. 1.523 não impedem sua caracterização, e reconhecida como entidade familiar.
Já Rodrigues[50] afirma:
Poder-se-ia caracterizar a união estável como a união do homem e da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem.
A união estável consiste na convivência prolongada de pessoas de sexos diferentes com a finalidade de constituir família, ausentes os laços matrimoniais.
1.2.2.2 Caracteres e finalidade da União Estável
Para que se configure a União Estável é necessária a presença de algumas características essenciais à plena formação do instituto
Segundo Ulhoa[51] os requisitos para a caracterização da união estável são: a) objetivo de constituir família; b) convivência duradoura; c) convivência contínua; d) convivência pública; e) diversidade de sexo e f) desimpedimento.
Com relação ao primeiro requisito, tem-se que esse é o requisito mais respeitável, (…) a vontade de criar uma família. É em vista dessa finalidade que o ordenamento jurídico dá ao relacionamento conjugal informal a assistência merecida pelas famílias[52].
Com observância ao segundo requisito a própria denominação do vínculo significa que só se caracteriza a união estável quando dura por tempo considerável[53].
Tendo em vista o terceiro requisito Ulhoa[54] afirma que “para que se caracterize a união estável, não podem ocorrer interrupções significativas no decurso do prazo do relacionamento destinado à constituição familiar”.
Assim, por convivência pública, Ulhoa[55] entende que, “para configurar-se a união estável, o relacionamento entre os conviventes deve ser público, e não clandestino”.
Apesar de, para caracterizar a União Estável, necessária se faz a convivência pública, a convivência sob o mesmo teto não é indispensável, conforme se vê pela Súmula n° 382 do Supremo Tribunal Federal que diz: “a vida em comum sob o mesmo teto ‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do concubinato”.
No ordenamento jurídico brasileiro, a união homoafetiva, ou seja, união entre pessoas do mesmo sexo, ainda não foi recepcionada pela legislação, por isso, o reconhecimento de União Estável só se dá entre pessoas de sexos opostos, quer dizer, entre homem e mulher[56].
A priori, apenas as pessoas desimpedidas podem constituir União Estável, já que todos os impedimentos relativos ao casamento aplicam-se a essa modalidade de instituição familiar. As uniões que não observam os impedimentos relacionados na lei, são tidas como uniões livres e não união estável[57]. O Código Civil ainda chama essas uniões entre pessoas impedidas de casar de concubinato[58].
Na mesma temática, Diniz [59] afirma que os elementos essenciais caracterizadores da União Estável são: 1) diversidade de sexo; 2) ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes; 3) Notoriedade de afeições recíprocas; 4) honorabilidade; 5) fidelidade ou lealdade e 6) Coabitação.
Com isso vê-se que a União Estável apresenta inúmeros caracteres formadores da sua concepção.
Já como finalidade da União Estável, a redação do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro traz a constituição da família: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”[60]
Assim, percebe-se que a finalidade da União Estável não se difere da finalidade do casamento, apenas não traz em seu núcleo os laços matrimoniais.
1.2.2.3 Efeitos jurídicos da União Estável
A união estável, assim como o casamento, produz alguns efeitos jurídicos que podem ser divididos como: sociais, e patrimoniais.
Os efeitos jurídicos sociais dizem respeito à vida em sociedade e Lisboa[61] os apresenta como: a) fixação de domicílio; b) coabitação; c) fidelidade; d) assistência material e imaterial; e) adoção do nome do convivente e f) o registro e reconhecimento dos filhos.
Já os patrimoniais fazem referência ao patrimônio do casal e, segundo Lisboa[62], são os seguintes: a) aplica-se à união estável no que couber, o regime de comunhão parcial de bens; b) com referência a imóveis, é necessária a autorização ou anuência do outro companheiro para a transmissão do bem; c) o companheiro pode ser donatário do outro companheiro; d) o companheiro tem direito a alimentos; e) o companheiro, no caso de acidente de trabalho ou transporte, tem direito à indenização por morte; f) o companheiro pode requerer a habilitação no inventário; g) pode ser contemplado em testamento; h) reconhecimento de direito previdenciário pela morte do companheiro.
Ainda nessa mesma temática, Diniz [63] traz uma gama de efeitos da União Estável, dos quais alguns deles estão elencados abaixo e o restante, devido à importancia do assunto, mas sua grande extensão, estão em nota de rodapé:
1) Permitir que a convivente tenha o direito de usar o nome do companheiro;
2) Autorizar não só o filho a propor a investigação de paternidade contra o suposto pai, se sua mãe ao tempo da concepção era sua companheira, como também o reconhecimento de filhos havidos fora do matrimônio, até mesmo durante a vigência do casamento, desde que o faça por meio de testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento da prole (…);
3) Conferir à companheira mantida pela vítima de acidente de trabalho os mesmos direitos da esposa;
Sendo assim, verifica-se que a União Estável produz muitas conseqüências, tanto para os conviventes, quanto para a sociedade em geral, conforme restou configurado neste item.
1.2.2.4 Dissolução da União Estável
A dissolução da União Estável acarreta, também, algumas conseqüências jurídicas aos companheiros, principalmente, relativas à divisão patrimonial.
Segundo o art. 1.725 do Código Civil: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”[64]. Assim, na falta de confecção de um contrato de convivência, aplica-se à União Estável o regime da comunhão parcial de bens.
Os companheiros também possuem direito a alimentos, quando da dissolução da União Estável, conforme se depreende do art. 1.694 do Código Civil que dispõe: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Com isso, constata-se que no tocante à dissolução da União Estável, suas conseqüências são, praticamente, quase as mesmas da dissolução do casamento regido pela comunhão parcial de bens.
1.2.3 Família Monoparental
1.2.3.1 Conceituação
A chamada família monoparental, ou seja, a entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes, só veio a ser reconhecida como um tipo de família, pelo Direito brasileiro, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[65].
Apesar de seu reconhecimento jurídico só ter ocorrido em 1988, essa entidade familiar sempre existiu como realidade fática, e talvez sua existência como tal seja muito mais longínqua do que se possa imaginar.
Foi, porém, nas três últimas décadas que a família monoparental firmou-se como um fenômeno social, passando a ser, então, objeto de estudos e preocupações por parte de sociólogos e juristas, que passaram a ser referir a ela como uma categoria específica de família[66].
Leite[67] assim conceitua família monoparental:
“Uma família é definida como monoparental quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças. Enquanto na França determinou-se a idade-limite desta criança – menos de 25 (vinte e cinco) anos -, no Brasil, a Constituição limitou-se a falar em descendentes, tudo levando a crer que o vínculo pais x filhos dissolve-se naturalmente com a maioridade (…).”
Ulhoa[68] afirma que na família monoparental as relações são “apenas verticais, já que não existem pessoas ligadas pelo vínculo de conjugalidade. O pai ou a mãe, fundador da família monoparental, é o seu ‘cabeça’.”
Diferentemente do casamento e da união estável, na família monoparental não há igualdade entre seus membros já que o pai ou a mãe exerce autoridade sobre seus filhos.
Nas páginas pretéritas, de maneira sintética, foram apresentados os três tipos de família previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nos itens seguintes, abordar-se-á o instituto do Bem de Família, que poderá ser utilizado em quaisquer dos modelos de família mencionados.
1.3 O INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA
1.3.1 Bem de família no Direito Romano Antigo
O Bem de Família como concebemos hoje, teve sua origem nos Estados Unidos da América, porém, na Roma Antiga já havia uma instituição semelhante, conforme se verá a seguir.
Segundo Santos[69] “a instituição do Bem de Família representa uma rara exceção de origem no Direito Civil pátrio, visto ser este calcado, principalmente, no Direito Romano”. Segundo essa mesma autora o instituto do Bem de Família teve sua origem no homestead norte-americano, porém encontramos no direito romano antigo a origem embrionária do bem de família.
Assim havia, na Roma Antiga uma estreita relação entre os deuses lares e o solo, de maneira que a lareira onde era aceso o fogo sagrado nas casas romanas, de adoração dos antepassados, impunha uma fixação da moradia, de modo a torná-la inalienável, visto ser impossível a remoção da pedra-altar com a chama acesa, e se a chama se apagasse seria considerado uma profanação.[70]
De acordo com Azevedo [71], em Roma não existia o Bem de Família como o concebemos hoje, mas sim a família em si “a qual era regida pelo chefe de família que detinha o poder de tudo e de todos”, ou seja, não apenas da família propriamente dita, como também dos escravos, dos instrumentos e da propriedade.
Credie[72], por sua vez, afirma que:
“O devedor inadimplente, em Roma, poderia ser vendido como escravo (…) pelo credor. Com o correr dos séculos, entretanto, foram-se amainando as disposições desumanas. Proibiu-se a lesão à incolumidade física, bem como a coação da pessoa humana a realizar pela força atos de execução; por fim, certos bens deixaram de ser executáveis, tais quais os impenhoráveis por lei.”
Nesse mesmo sentido, relata Azevedo[73] que “no Direito Romano, no período da República, havia proibição de alienar patrimônio da família, pois todo ele tinha caráter de inalienabilidade, dados os rígidos princípios de perpetuação dos bens dos antepassados, que se consideravam sagrados.”
Assim verifica-se que, ainda de forma muito rudimentar, o Bem de Família teve sua origem na Roma Antiga, no qual a propriedade estava intimamente ligada à religião e, com isso, o bem de família também mantinha essa característica religiosa.
1.3.2 Bem de família da Idade Média:
Na Idade Média, período que compreende o século X e se estende ao século XVIII, a noção de família, tem uma base material: o Bem de Família. Este bem familiar, seja ele as terras de um servo ou os domínios senhoriais, permanece sempre propriedade da linhagem. Ele é impenhorável e inalienável; as dificuldades da família não podem prejudicá-lo. Ninguém pode arrancá-lo e a família não tem o direito de vendê-lo ou de trocá-lo. Sendo que na morte do pai, este bem passa aos seus herdeiros diretos [74].
Conforme ensina Azevedo [75],
“O Bem de Família deteve caráter mais político-econômico do que sócio-jurídico, visando a assegurar a nobreza e não proteger a família (…). Na Idade Média, a propriedade familiar resguardava-se pelos morgadios, mais visando a assegurar a nobreza, em seu poderio, do que no intuito direto de proteção à família, tendo, assim, caráter mais político-econômico do que sócio-jurídico.”
Diante do acima exposto, chega-se ao entendimento de que na Idade Média, religião e propriedade se confundiam, pois quando o chefe de família estava protegendo a religião familiar de seus antepassados, estava também resguardando sua propriedade.
1.3.3 Gênese norte-americana do Bem de Família:
O Bem de Família é um instituto jurídico que teve origem nos Estados Unidos da América, fugindo à regra dos demais institutos que tiveram sua origem no direito europeu. Surgiu em um momento de crise no qual as propriedades eram penhoradas por valores irrisórios, deixando assim, muitas famílias desabrigadas[76].
Conforme relata Azevedo[77], este momento de crise deu início à impenhorabilidade do Bem de Família:
“A lei do homestead trouxe, ao lado da impenhorabilidade dos bens domésticos móveis, que foram, primeiramente, objeto de proteção, também a dos bens imóveis. Daí residir nesta última característica, a originalidade do instituto e o objeto central de sua abrangência. Logo após a anexação do Texas aos EUA , ocorrida em 1845, a Constituição Texana inseriu no seu texto que o legislador deveria proteger, por intermédio de uma lei, determinada porção de terra pertencente ao chefe de uma família contra qualquer execução, devendo o imóvel, objeto dessa proteção, não ter mais do que dois mil acres, se localizado na zona rural, e não valer mais de dois mil dólares, se na urbana.”
O mesmo autor salienta que Homestead significa “local do lar” (home = lar; stead = local).
O instituto do Bem de Família representa uma rara exceção de origem do Direito Civil pátrio, visto ser este calcado, principalmente, no Direito Romano. Como se sabe, o bem de família foi inspirado no homestead norte-americano, mais precisamente na República do Texas, através da edição do Homestead Exemption Act em 26 de janeiro de 1839.[78]
Diniz[79] possui o mesmo entendimento quanto à origem do Bem de Família, esclarecendo que:
“O bem de família voluntário é um instituto originário dos Estados Unidos ou, melhor, do Texas, onde, em 1839, editou-se o Homestead Exemption Act, e tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição (…).”
O Bem de Família teve sua origem nos EUA, do homestead. O governo da então República do Texas, com o escopo de fixar famílias em sua vasta região, promulgou o Homestead Exemption Act, de 1839, garantindo a cada cidadão determinada área de terras, isentas de penhora [80].
Assim observa-se que o Bem de Família instituído nos Estados Unidos tinha como escopo a proteção à família, garantindo-lhe, por esse meio, um teto relativamente intocável.
1.3.4 Bem de família antes da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
No Brasil, no período anterior ao da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a família era concebida apenas dentro do casamento, ignorando as outras formas de unidade familiar. Sendo assim, todo o pátrio poder era exercido por seu chefe, ou seja, o marido.
Credie[81] afirma que “em nossa legislação anterior ao Código Civil nem sequer existia o bem de família, ausente que estava no Projeto de Clóvis Beviláqua.”
O Bem de Família foi regulamentado pela Lei 3.071 de 1° de janeiro de 1916 que instituiu o Código Civil e, assim, dispunha no seu capítulo V do Livro II:
“Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.”
Conforme se depreende do artigo acima transcrito, vê-se que no Código Civil revogado, a instituição do Bem de Família cabia ao chefe de família, o que, no atual ordenamento jurídico brasileiro, é tarefa de ambos os cônjuges ou a entidade familiar[82].
Ainda com relação ao Bem de Família, o Código Civil de 1916, em seu artigo 71 dispunha que:
“Art. 71. Para o exercício desse direito é necessário que os instituidores no ato da instituição não tenham dívidas, cujo pagamento possa por ele ser prejudicado.
Parágrafo único. A isenção se refere a dívidas posteriores ao ato, e não às anteriores, se se verificar que a solução destas se tornou inexeqüível em virtude do ato da instituição.”
Nesse sentido, Diniz[83] comenta que para a instituição do Bem de Família, necessário se faz que o seu instituidor possua outros bens que garantam os débitos anteriores.
Com relação à isenção, a mesma autora relata que “a impenhorabilidade do Bem de Família refere-se aos débitos posteriores à sua instituição”.
A finalidade do Bem de Família no Código Civil de 1916 era a garantia do patrimônio[84], conforme se constada pela redação do art. 72 que assim dizia: “o prédio, nas condições acima ditas, não poderá ter outro destino, ou ser alienado, sem o consentimento dos interessados e dos seus representantes legais”.
O modo de instituição do Bem de Família estava regulamentado no art. 73 do Código Civil de 1916, que continha a seguinte redação: “a instituição deverá constar de escritura pública transcrita no registro de imóveis e publicada na imprensa local e, na falta desta, na da Capital do Estado”.
Pelo Código Civil de 1916, segundo artigos 70 a 73, não existia limite de valor para referida instituição, e os cônjuges podiam, livremente, nomear o imóvel de maior valor para que o mesmo ficasse imune de execução por dívidas póstumas à sua instituição.
A regulamentação do Bem de Família no Código Civil revogado era muito precária, pois deixava muitas dúvidas e lacunas.
Segundo Santos[85],
“A inserção do bem de família na legislação pátria não ocorreu de maneira fácil e imediata. Ao revés, houve vários projetos legislativos visando à sua regulamentação, antes que ele fosse entronizado no Código Civil onde, (…) foi inserido quase que por acaso e, talvez por isso tão precariamente regulado.”
Com isso, percebe-se que o instituto do Bem de Família não foi exaustivamente explorado pelo legislador na elaboração do Código Civil de 1916, visto que destinou apenas quatro artigos para regular um assunto de tamanha importância.
1.3.5 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o instituto do Bem de Família
A Constituição de um país é sua norma suprema, devendo todas as leis infra-constitucionais serem analisadas tendo em vista sua constitucionalidade, ou seja, se está de acordo com a Constituição.
Nesse sentido, José Afonso da Silva[86] diz que:
“Uma constituição, porém, já é o sistema normativo de grau mais elevado na ordenação jurídica do país. Situa-se no vértice das demais fontes formais do Direito. Regula a produção das demais normas da ordem jurídica. Norma e confere validade a todo o ordenamento normativo nacional, cuja unidade, coesão e conexão de sentido encontram nela seu fundamento. As demais normas jurídicas que dela discordarem ou divergirem são ilegítimas, inválidas, inconstitucionais, e devem ser ineficazes juridicamente, em princípio.”
Sobre a hierarquia das normas, ensina Ferraz Júnior[87] que:
“(…) é o princípio da lex superior (regra segundo a qual a norma que dispõe, formal e materialmente, sobre a edição de outras normas constitucionais prevalecem sobre as leis ordinárias), ou o da lex posterior (havendo normas do mesmo escalão em contradição, prevalece a que, no tempo, apareceu por ultimo), ou o da lex specialis (a norma especial revoga a geral no que dispõe especificamente)”
Logo em seguida, à promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em 1990, foi promulgada a lei 8.009/90, de 29 de março, “que representou um verdadeiro avanço no instituto do bem de família, uma vez que retirou da órbita da penhora, independente da vontade do indivíduo, o bem imóvel onde reside a entidade familiar[88].”
Com a implementação dessa lei, o instituto do Bem de Família teve maior repercussão no cenário jurídico nacional já que deu-se um status diferenciado a esse tema.
No capítulo seguinte, abordar-se-á o instituto do Bem de Família no atual direito brasileiro, apresentando delineamentos tanto do Bem de Família voluntário, quanto do Bem de Família Legal.
CONFIGURAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA NO ATUAL DIREITO BRASILEIRO
2.1 BASES CONCEITUAIS E CARACTERES RELEVANTES DO INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA
O atual Código Civil Brasileiro em seu artigo 1712[89] assim conceitua o vigente instituto do Bem de Família:
“Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”
Pode-se também retirar um conceito de Bem de Família do Parágrafo Único do artigo do art. 1° da Lei nº. 8.009/90 que diz:
“A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
Nessa mesma ótica, Diniz[90] define que “o bem de família é um prédio ou parcela do patrimônio que os cônjuges, ou entidade familiar, destinam para abrigo e domicílio desta, com a cláusula de ficar isento da execução por dívidas futuras.”
Por seu turno, Ulhoa[91] relata que “o bem de família é imóvel que não pode ser penhorado pela generalidade das dívidas de seu proprietário.”
Santos[92] traduz o Bem de Família como sendo:
“Um fundo patrimonial, caracterizado por subtrair determinados valores previamente estipulados e atrelados ao imóvel destinado à instituição do bem de família, tornando-os impenhoráveis e inalienáveis, visando assegurar um meio de renda destinada à conservação do próprio imóvel e ao sustento da família, nos moldes do patrimônio familiare da legislação italiana.” (grifo do autor)
Ainda Venosa[93], citando Pereira, afirma que o Bem de Família é uma forma de “afetação de bens a um destino especial, que é ser a residência da família e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio.”
Também merece destaque o conceito de Villaça[94], para quem Bem de Família é “o meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.”
O mesmo autor salienta, também, que em nosso Direito, o Bem de Família é:
“(…) um patrimônio especial, que se institui por um ato jurídico de natureza especial, pelo qual o proprietário de determinado imóvel, nos termos da lei, cria um benefício de natureza econômica, com o escopo de garantir a sobrevivência da família, em seu mínimo existencial, como célula indispensável à realização da justiça social[95].
Ainda para Chaves[96], Bem de Família pode ser conceituado como:
“Patrimônio separado, constituído por bem imóvel isento de execução por dívida posterior à sua instituição pelos cônjuges, por um deles ou por terceiros, vedada a sua alienação ou alteração de seu destino, que é o de garantir, obedecidos os requisitos, limites e formalidades da lei, a estabilidade e o centro do lar, durante a vida de cada um daqueles e dos seus filhos, enquanto menores.”
Como caracteres relevantes do instituto do Bem de Família, Credie[97] aponta a unicidade e a indivisibilidade “inerentes a todo do objeto do bem de família, que impedem de se desmembrar o imóvel residencial que não comporte divisão cômoda, pois o que se verifica na grande maioria dos casos é a indivisibilidade absoluta dele.”
Diante do acima revelado, entende-se que Bem de Família é aquele imóvel cuja destinação se dá apenas e tão somente para fins de moradia e residência do grupo familiar, não importando seja ele decorrente de lei ou instituído pela vontade do chefe de família que, nesse caso, pode ser tanto o homem como a mulher, ou ambos, devido à igualdade consagrada pelo art. 5°, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual prescreve que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”[98].
No atual direito brasileiro existem dois tipos de Bem de Família: o voluntário, regulamentado pelo Código Civil; e o legal regido pela Lei 8.009/90, que serão melhores abordados em itens específicos.
2.2 OBJETIVOS E OBJETOS DO INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA
2.2.1 Objetivos do instituto do Bem de Família
O instituto jurídico do Bem de Família possui um objetivo social, já que protege o imóvel de natureza residencial do devedor, impedindo assim que o mesmo fique privado do direito de moradia, direito este garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[99], que prevê em seu art. 6° que são direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Segundo o que leciona Coelho[100], “o objetivo do instituto do bem de família é impedir que o devedor seja privado de moradia”. O mesmo autor pondera que:
“Considera-se por mais errado que tenha sido a atitude dele no descumprimento da obrigação exeqüenda, não é justo, senão em hipóteses excepcionais, que fique numa situação patrimonial tão precária, a ponto de perder inclusive a casa ou apartamento em que mora.”
Nesta mesma direção, afirma Credie[101]:
“A razão de ser dessa categoria jurídica é a proteção ou garantia dessa parte residencial do patrimônio familiar, tornando-a isenta de constrição judicial. Não somente é assegurada com a impenhorabilidade, que lhe é inerente, mas também com a imunidade a qualquer outra modalidade de ato de apreensão, como arresto, ou o seqüestro, ou a arrecadação na falência, por exemplo.”
Esse mesmo autor[102], em um sentido mais amplo, ensina que o escopo legal do instituto “é manter a dignidade da família com a preservação ‘in totum’ desse patrimônio”.
Na mesma temática, Diniz[103] diz que o bem de família foi instituído no ordenamento jurídico pátrio com o intuito de preservar e proteger o patrimônio familiar.
Assim também entende Santos[104] ao dizer que a finalidade do instituto é “a proteção da família, mediante a salvaguarda de um teto, insuscetível de ser constritado por dívidas”.
No mesmo pensamento, milita Azevedo[105] quando aduz que:
“O bem de família visando a proteção da pequena propriedade, seja urbana, seja rural, surgiu para abrigar a família dos dissabores econômicos, para que ela não se visse privada de tudo o que possuía, sem, pelo menos, remanescer-lhe um teto modesto como asilo.”
Ainda ensina Diniz[106] que o instituto “visa assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo os que provierem de impostos relativos ao prédio”. E continua dizendo que a “instituição do bem de família tem por escopo garantir o patrimônio familiar, logo não há intenção dos instituidores de assegurar a morada e o sustento da família de modo permanente nesse prédio.”
Com isso, torna-se clara a intenção do legislador ao instituir o bem de família no ordenamento jurídico brasileiro com o escopo de assegurar que as famílias permaneçam em seus lares deixando de ficarem desabrigadas e saldando suas eventuais dívidas de outras formas.
2.2.2 Objetos do instituto do Bem de Família
No Código Civil de 1916, o objeto do Bem de Família era o prédio destinado ao domicílio da família, sem fazer distinção entre o imóvel urbano ou rural trazendo, assim, algumas oscilações quanto à sua aplicação.
Atualmente, pelo que se depreende da leitura do art. 1.712 do vigente Código Civil:
“Art. 1.712. O bem de família constituirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicilio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”[107]
Nesta temática, Santos[108] aduz que “seja urbano ou rural o imóvel, desde que destinado à residência familiar ou entidade familiar, pode ser objeto da constituição do bem de família”.
Assim também entende Miranda[109]:
“O prédio pode ser em zona urbana ou rural. O Decreto-Lei n. 3.200, art. 22, diz claramente: “Quando instituído em bem de família prédio de zona rural, poderão ficar incluídos na instituição a mobília e utensílios de uso doméstico, gado e instrumentos de trabalho, mencionados discriminadamente na escritura respectiva”. Em zona urbana, podem ser incluídos os móveis que guarnecem a casa e os instrumentos de limpeza e jardim, incluindo-se entre os móveis, geladeiras e mais objetos de uso doméstico.”
O bem de família livre de execuções e penhoras é somente a habitação que se achar construída na fazenda, e seus naturais acessórios. O restante da fazenda ficará sujeito a constrições judiciais”.[110]
Credie[111] aponta que o objeto do bem de família “é o imóvel utilizado única e definitivamente como residência de agrupamento familiar, aquele sobre o qual incide a proibição legal da penhora.” E continua afirmando que:
“O objeto do bem de família será, então, o imóvel de moradia, urbano ou rústico, e certos bens móveis não suntuários que venham a guarnecê-lo, ou somente estes quando o prédio residencial não for próprio, entre eles as pertenças, alfaias e valores imobiliários (…) afetados, mercê da proteção estabelecida pela Lei n. 8.009 ou instituída voluntariamente na forma dos arts. 1.711 e seguintes do Código Civil”[112].
Ainda nos ensinamentos de Credie[113] verifica-se que o “locatário e o comodatário também se beneficiam da inexcutibilidade dos bens móveis de sua propriedade ‘desde que quitados’”.
Nesse mesmo sentido são as palavras de Diniz[114] quando diz que a impenhorabilidade alcança:
“(…) não só o único imóvel rural ou urbano da família, destinado para moradia permanente (…), abrangendo a construção, plantação e benfeitorias, mas também o box garagem não matriculado no Registro de Imóveis, os equipamentos de uso profissional e os móveis que o guarnecem, desde que quitados.”
A exigência de que os bens móveis estejam quitados para poderem ser impenhoráveis, dá-se para evitar fraudes, para que ninguém se beneficie do instituto visando ao enriquecimento ilícito, comprando vários móveis com intenção de não pagá-los posteriormente.
2.3 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO
2.3.1 Conceituação
O Bem de Família voluntário existe há mais tempo no ordenamento jurídico brasileiro, visto que já tinha previsão no Código Civil de 1916 e que foi melhor analisado pelo Código Civil de 2002, que trouxe em sua redação mais artigos tratando desse tema.
Diz-se Bem de família voluntário o que se constitui de modo espontâneo pelo proprietário, como um ato de cautela, no intento de proteger sua família de abalo econômico futuro. É um ato de precaução na guarda do patrimônio da família.
De acordo com os ensinamentos de Credie[115], bem de família voluntário ou facultativo é “o que se institui mediante ato de vontade e depende do registro imobiliário para a sua validade perante terceiros, previsto ainda hoje, igualmente, no art. 1.711 do Código Civil”.
Assim dispõe Gonçalves[116] a cerca do bem de família voluntário:
“O art. 1.711 do novel diploma permite aos cônjuges ou à entidade familiar a constituição do bem de família, mediante escritura pública ou testamento, não podendo seu valor ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição.” (grifo do autor)
Nesta temática, Credie[117] ensina que “ainda voluntária será a instituição do bem de família por terceiro, em prol de grupo familiar do qual este não participe, na forma do art. 1.714 do Código Civil, também condicionado ao registro imobiliário desse título”.
Conforme preceitua Azevedo[118], “o bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
Diante do exposto, observa-se que o bem de família voluntário ou facultativo é aquele que, para sua configuração, necessita da vontade do agente que o irá instituir, já que não se perfaz com a simples previsão legislativa, como acontece com o bem de família legal.
2.3.2 Modo de instituição
Pela redação do art. 1.711 do Código Civil, percebe-se que a instituição do bem de família voluntário se dá através de escritura pública ou testamento, assim:
“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”[119]
O art. 1.714 do mesmo diploma legal, também trata do assunto dispondo sobre a necessidade do registro do bem de família no Cartório de Registro de Imóveis, conforme se depreende da leitura do referido artigo transcrito a seguir: “O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis”. [120]
O registro, por força do contido nos artigos 1.714, do Código Civil, e 261, da Lei n. 6.015/73 (Regulamento dos Registros Públicos), apresenta eficácia constitutiva, causando a sua publicidade conhecimento erga omnes, com capacidade para dar o efeito de proteger a boa-fé de terceiros.
2.3.3 Duração e extinção do instituto do Bem de Família Voluntário
Entende-se por duração do Bem de Família o espaço temporal compreendido entre sua instituição válida e sua extinção[121].
Assim, Diniz[122] descreve que a impenhorabilidade do Bem de Família:
“(…) perdurará enquanto viver um dos cônjuges ou companheiros (…), ou, na falta destes, até que os filhos atinjam a maioridade. O óbito dos cônjuges, ou companheiros, e a maioridade da prole extinguem aquela isenção, logo o prédio será levado a inventário e partilha, sendo entregue a quem de direito (…) somente quando a cláusula for eliminada, ficando sujeito ao pagamento dos credores do de cujus.”
É sabido que como o bem de família visa à proteção do grupo familiar, sua duração está diretamente relacionada à duração da família.
O Código Civil traz a modalidade de extinção do Bem de Família voluntário em seu art. 1.722, que diz: “Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. Bem como afirma em seu artigo 1.721 que a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família”.
Nesse sentido Santos[123], diz que:
“Bem se vê, então, que a duração do bem de família fica subordinada a dois termos certos, ainda que variáveis, quais sejam, o falecimento de ambos os cônjuges e o término da incapacidade dos filhos. O Código Civil de 2002 andou bem ao estabelecer a cessação da incapacidade dos filhos como termo final da instituição do bem de família, em detrimento da maioridade, conforme constava do Código Civil de 1916, fato este muito criticado e que levava parte da doutrina a não aceitar essa restrição.”
Assim sendo, verifica-se que o bem de família voluntário, por ter como objetivo a proteção aos bens da família, terá sua duração enquanto permanecer viva a entidade familiar.
2.4 BEM DE FAMÍLIA LEGAL
2.4.1 Conceituação
Em um país como o nosso, no qual a deficiência de moradia ainda é um grande problema social, havia a necessidade de uma proteção especial às famílias que possuíssem apenas um imóvel para sua moradia, já que muitas vezes, esse imóvel vinha a ser objeto de alguma constrição judicial, ficando o grupo familiar, mais uma vez, desamparado.
Pensando nisso, o Estado Brasileiro, em 1990, criou o bem de família legal ou obrigatório, através da edição da Lei n° 8009/90, que trata desse tema.
Segundo Dias[124], esta mesma lei criou ainda o Bem de Família móvel legal “tornando impenhoráveis os móveis que guarnecem a residência do proprietário possuidor”.
Na explicação de Coelho[125], “diz-se legal essa hipótese de bem de família porque sua instituição independe de qualquer declaração de vontade do devedor, no sentido de subtraí-lo da garantia geral de seus credores”.
Fuhrer[126] leciona que “bem de família legal é o instituído pela Lei 8.009, de 2.3.90, que estabeleceu a impenhorabilidade de imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, independentemente de qualquer ato ou providência dos interessados”.
De acordo com Gonçalves[127], o bem de família legal:
“(…) resulta diretamente da lei, de ordem pública, que se tornou impenhorável o imóvel residencial, próprio do casal, ou da entidade familiar, que não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses expressamente previstas no art. 3º, Ia VII(…).”
Havendo dois ou mais imóveis que sirvam aos cônjuges ou à entidade familiar, como residência, deverá ser escolhido aquele que desejarem que seja constituído como Bem de Família, se assim não for, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor.
Ilustrativamente, neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul decidiu:
“IMPENHORABILIDADE – Inteligência do artigo 1º da Lei nº 8.009/90 – Irrelevância de o devedor possuir outros terrenos sem edificação. Ementa oficial: O fato de o devedor possuir terrenos sem qualquer edificação não afasta a impenhorabilidade do imóvel residencial, considerado bem de família nos termos do preceito contido no artigo 1º da Lei nº 8.009/90.” (1ª T., Ag. 54694/3, rel. Dês. Hildebrando Coelho Neto, j. 16-9-1997, v. u., RT 749/376).
Importante salientar, também, que Marmitt[128] preceitua o bem de família legal como sendo:
“O imóvel destinado por lei a servir de domicílio da família, ficando isento de execução por dívidas, exceto as relativas a impostos incidentes sobre a mesma propriedade. É benefício automático e obrigatório, não necessitando de nenhuma iniciativa do proprietário. Toda e qualquer família que dispõe de apenas um imóvel em que reside terá garantia de imunidade contra penhora por dívida de qualquer membro de seu núcleo familiar.”
Seguindo esses mesmos posicionamentos, Azevedo [129] assim conceitua o “bem de família, como estruturado na lei sob exame, é o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar, e/ou móveis de residência, impenhoráveis por determinação legal”.
Legal, é o bem de família que decorre da lei, cuja instituição não depende da vontade particular, mas sim da vontade do Estado, já que é regulado pela legislação pátria. No caso de dois ou mais imóveis utilizados como residências, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se houver bem de família voluntário instituído.
Assim entende-se que o Bem de Família facultativo não era hábil a proporcionar vantagem prática ao povo brasileiro, se não fosse criado o Bem de Família legal. Sendo que a concreta saída para as dificuldades de uma família atingida em seu patrimônio seria a existência de uma proteção automática e eficaz pelo Estado, já que nem todas as famílias teriam condições ou informações suficientes para antecipadamente, resguardar juridicamente sua moradia, estando ainda tais famílias à mercê da vontade do instituidor que poderia optar por registrar a proteção ou não do imóvel.
2.4.2 Modo de constituição
Tratando-se de Bem de Família legal sua instituição se dá ex lege[130], pois não necessita da vontade do particular.
Assim, “a constituição do Bem de Família é imediata e ex lege, desde que ocorram as hipóteses previstas no dispositivo de emergência, incluídos ainda, bens móveis”. [131]
Também nesse mesmo sentido:
“(…) o bem de família legal, regulado pela Lei nº 8.009/90 tem aplicabilidade ampla, cujo instituidor do bem é o próprio estado, decorre de norma de ordem pública e prescinde de prévia instituição, ao assegurar a impenhorabilidade do imóvel residencial urbano ou rural, próprio do casal e da entidade familiar. Nesse caso, a oponibilidade da penhora só será possível em juízo”[132].
Resta evidente que o instituidor do Bem de Família legal é o próprio Estado, que impõe o instituto através de norma cogente. Nesse dispositivo legal de emergência, a família não fica desamparada, mas sim, tem a total proteção do Estado[133].
Com isto entende-se que para se constituir o bem de família legal basta apenas possuir um único imóvel com fim residencial já que sua instituição se dá em virtude de lei, conforme se depreende do art. 1° da Lei n. 8.009/90[134] que dispõe:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
Desta forma, teoricamente, desconexa de qualquer amostra de vontade ou providências jurídicas especiais, a residência da família estaria protegida contra eventuais penhoras em caso de execuções por dívidas.
Porém, nada impede que o bem de família, mesmo legal, tenha sua averbação na matrícula do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
2.4.3 Duração e extinção do instituto
A duração do Bem de Família legal segue as mesmas disposições do Bem de Família voluntário, já que a Lei n° 8.009/90 é omissa nesse aspecto.
Azevedo[135] entende por duração do Bem de Família “o lapso de tempo percorrido entre sua instituição válida e sua extinção”. Ainda salienta que mesmo que a família não tenha filhos, o Bem de Família existirá em favor dos cônjuges vitaliciamente, ainda que, com a morte de um dos cônjuges, remanesce o instituto a favorecer aquele que sobrevive.
De acordo com Credie[136], “o bem de família obrigatório dura, necessariamente, até o desaparecimento da família, até que o último remanescente dela ainda resida no imóvel”.
Observa-se, desse modo, que a duração do Bem de Família legal segue a mesma sorte do Bem de Família voluntário, ou seja, sua existência está ligada à da família, já que o instituto visa à proteção dessa instituição.
Tendo-se observado o Bem de Família Voluntário e o Bem de Família Legal, no próximo capítulo, serão tratados temas alusivos à impenhorabilidade do Bem de Família do fiador.
3. BEM DE FAMÍLIA E FIANÇA: UMA DISCUSSÃO SOBRE A IMPENHORABILIDADE
3.1 IMPENHORABILIDADE: BASE CONCEITUAL
Tem-se conhecimento que o êxito do processo de execução por quantia certa depende da existência de bens do devedor, já que com o progresso do Direito não se aceita mais execução civil em que a pessoa pague com sua liberdade ou até mesmo com sua vida, como ocorria nos primórdios da civilização.
No entanto, o que fazer se o único bem que o devedor possui é a casa na qual reside ele com sua família, ou os móveis que guarnecem a mesma, ou ainda a remuneração mensal por seu trabalho?
Pensando nisso, o legislador criou a impenhorabilidade de determinados bens, como se depreende do art. 649 do Código de Processo Civil[137], que dispõe sobre a impenhorabilidade de determinados bens considerados vitais para a manutenção da dignidade humana.
Ainda com o escopo de preservar a família, o legislador, em 1990, instituiu a impenhorabilidade do único imóvel de natureza residencial do devedor, conforme se vê pelo art. 1° da Lei 8.009/90 que diz:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
Assim, “com relação ao conceito de Impenhorabilidade, é a qualidade daquilo que não pode ser penhorado. Pode resultar da Lei ou da Vontade”[138].
Naufel[139] conceitua a impenhorabilidade de um bem ou de uma coisa da seguinte maneira:
“Garantia constante de clausula testamentária ou da escritura de doação, ou ainda conferida pela lei a certos bens, em virtude da qual estes não podem ser objeto de penhora.”
A impenhorabilidade também pode ser vista como uma garantia prevista em cláusula testamentária ou contratual ou, ainda, disposta por lei, segundo a qual certos bens ficam excluídos de penhora. Tal ato processual executório tem objetivo de satisfazer o direito do credor consignado no contrato ou título executável[140].
Assis[141] aponta a impenhorabilidade como sendo “o beneficium competentiae, de longa história, e que traduz a inconstrangibilidade dos bens necessários à sobrevivência do obrigado”.
Assim, tem-se que um objeto é impenhorável quando sobre ele não poderá recair nenhum tipo de penhora ou execução. Tal impenhorabilidade, como se vê pelo acima exposto, pode decorrer de lei ou de disposição das partes.
3.2 IMPENHORABILIDADE E SUAS EXCEÇÕES NO BEM DE FAMÍLIA LEGAL
O Bem de Família legal, apesar de ser impenhorável por força da Lei n° 8.009/90, sofre algumas exceções trazidas pela própria legislação mencionada. O art. 2° da referida lei prescreve algumas ressalvas à impenhorabilidade quando diz que: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos” [142].
Dessa forma, o legislador quis proteger o credor, que poderia ficar sem receber, caso tais bens fossem também impenhoráveis, já que possuem um alto valor comercial.
Referida Lei, traz em seu art. 3°, outras exceções à impenhorabilidade, a saber:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias”;
A primeira ressalva contida na lei diz respeito aos créditos trabalhistas dos empregados da própria residência. O inciso em exame faz referência aos empregados domésticos e aos trabalhadores em geral, que laboram na residência instituída como Bem de Família[143].
Nesse sentido, são os ensinamentos de Credie[144]:
“Tanto nas execuções trabalhistas promovidas pelo empregado da residência quanto naquelas do ente previdenciário, sempre que o crédito tiver origem na mesma relação laboral doméstica (…), ocorrerá a sujeição desse bem cuja apreensão judicial, pela regra geral, seria interdita”.
Com isso, observa-se que, quando se tratar de execução por créditos trabalhistas dos empregados da própria residência, o Bem de Família, nesses casos, não está a salvo da impenhorabilidade, já que referidos créditos possuem uma importância especial, por serem créditos de natureza alimentícia.
Outra exceção trazida pela lei encontra-se no inciso II do art. 3° da Lei 8.009/90, in verbis:
“Art. 3º
I – (…)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”;
Para evitar o enriquecimento ilícito, o legislador instituiu essa ressalva à impenhorabilidade do Bem de Família, pois não seria justo não ser o devedor executado pelas dívidas que contraiu para a construção da própria moradia[145]. Se assim fosse, todos iram buscar financiamentos para a construção da casa própria, sabendo que, em caso de inadimplência, nada lhes aconteceria.
O inciso III[146] faz referência à execução movida pelo credor de pensão alimentícia. Os créditos alimentares, como o próprio nome já diz, possuem a mesma natureza jurídica dos créditos trabalhistas, ou seja, alimentos. Por isso, o legislador também os incluiu nas exceções à impenhorabilidade do Bem de Família.
“Art. 3° (…)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”;
É passível de execução, ainda, o Bem de Família, por motivo de dívidas decorrentes de impostos prediais ou territoriais, taxas e contribuições dele provenientes[147].
Os tributos que incidirem sobre o imóvel habitado têm de ser quitados, pois de outra forma a Administração Pública não poderia cumprir com seus objetivos sociais, já que conta com essas receitas [148].
Há ainda uma outra ressalva trazida pela lei que está contida no inciso V, da Lei 8.009/90 que diz: “para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.
Nesse caso, não seria justo que o imóvel tido como Bem de Família, dado em garantia hipotecária, não pudesse ser executado, pois, assim, o credor ficaria sem ver seu crédito satisfeito[149].
Por seu turno Credie[150], sobre a hipoteca, afirma que:
“O simples fato da possibilidade geral de alienação do Bem de Família obrigatório não a justifica. Uma coisa é a alienação voluntária, espontânea; outra, a alienação judicial coercitiva na execução por dívida, que repugna às novas normas. E a hipoteca possibilita essa execução, a apreensão e a hasta conseqüentes, todas destoantes dos próprios fins sociais almejados”.
Com isso, nota-se que com relação a crédito hipotecário, há posicionamentos divergentes na doutrina pátria.
Tem-se ainda uma outra exceção à impenhorabilidade do Bem de Família, trata-se da aquisição com produto criminoso, prevista no inciso VI do art. 3° da referida Lei n° 8.009/90, que assim prescreve:
“Art. 3° (…)
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.”
O Bem de Família adquirido com o produto do crime, na verdade, não pertence ao que se denomina proprietário, já que, para adquiri-lo subtraiu patrimônio de outrem. Se a lei protegesse esse tipo de bem estaria, assim, incentivando a prática delituosa[151].
A ultima exceção trazida pela lei que institui o Bem de Família é referente à execução movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, que está disposta no inciso VII do dispositivo legal. Tal inciso será melhor abordado em item próprio.
Ressalta-se que “as exceções à regra geral da inexcutibilidade do bem de família obrigatório constituem numerus clausus, ou normas de interpretação restrita. Não admitem, por essa razão, nenhuma ampliação ou interpretação extensiva” [152].
Com isso, tem-se que, o Bem de Família para ser totalmente impenhorável, além de preencher os requisitos previstos em lei, tem que ficar de fora das exceções contidas no preceito legal, comentado neste item.
3.3 IMPENHORABILIDADE E SUAS EXCEÇÕES NO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO
Assim como ocorre no Bem de Família legal, no Bem de Família voluntário também há algumas exceções conforme se depreende da leitura do art. 1.715 do Código Civil, que diz: “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.
A norma referente à impenhorabilidade do Bem de Família não é absoluta, trazendo três exceções com o escopo de coibir abusos em sua instituição, bem como garantia aos credores. Conforme Amim[153]:
“A primeira diz respeito à execução por dívidas anteriores à constituição do Bem de Família; a segunda relaciona-se à execução por dívidas tributárias vinculadas ao imóvel que constitui seu objeto e, por fim, a terceira referente à execução oriunda de despesas de condomínio relativas ao imóvel (…)”.
Assim, o Código Civil traz como exceção à impenhorabilidade do Bem de Família voluntário o caso em que a dívida for anterior à sua instituição; tiver relação com os tributos referentes ao próprio bem ou com as despesas de condomínio.
3.4 FIANÇA: CONCEITUAÇÃO, CARACTERES E REQUISITOS
3.4.1 Conceituação
Toda obrigação deve ser adimplida, essa é a sua destinação. Cabe ao credor prudente tomar precauções para que isso aconteça. Assim, a primeira providência a se tomar é ver se o devedor é solvente, ou seja, se possui bens suficientes para arcar com a obrigação. [154]
Ocorre que nem sempre isso é possível, pois pode o devedor, no curso da obrigação, sofrer danos ao seu patrimônio, não tendo assim como saudar seu compromisso.
Para combater essas eventualidades o ordenamento põe à disposição do credor outras soluções para facilitar e garantir o adimplemento das obrigações[155]. Um exemplo disso é o contrato de fiança, uma modalidade de garantia pessoal que dá ao credor uma segurança no cumprimento das obrigações.
Como conceito de fiança, tem-se que é a forma jurídica por meio da qual uma pessoa se responsabiliza, ante o credor, pelo adimplemento de determinada obrigação assumida por outrem. A fiança pode ser parcial ou total. Será parcial quando ficar restrita a um limite de valor determinado, ou, ainda, durante um prazo fixo, e total quando não houver nenhuma circunstância de limitação[156].
Venosa[157] ensina que “pelo contrato de fiança estabelece-se obrigação acessória de garantia ao cumprimento de outra obrigação.”
O Código Civil, em seu art. 818 reza que “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
Diniz[158], por seu turno, diz que:
“A fiança ou caução fidejussória, vem a ser a promessa feita por uma ou mais pessoas de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento. Trata-se de uma garantia pessoal.”
Por sua vez, Lisboa[159] relata que:
“Fiança é o contrato por meio do qual uma das partes (o fiador) se obriga perante outra parte (o credor de outro contrato) a garantir o pagamento devido pelo terceiro (afiançado), que é a parte em contrato diverso celebrado com o credor, caso não venha a adimplir suas obrigações.”
A fiança também pode ser contrato gratuito que enseja a construção de garantia pessoal, cuja finalidade é diminuir o risco de inadimplemento de outro contrato ao qual está ligado por vínculo de acessoriedade[160].
Com isso tem-se que a fiança é um contrato acessório que serve de garantia a um contrato principal. Tal garantia é tida como pessoal porque quem garante o pagamento é uma pessoa e não um bem, como ocorre no penhor e na hipoteca.
3.4.2 Caracteres
Ulhoa[161] caracteriza a fiança como contrato acessório, unilateral, formal e gratuito.
Assim, “as obrigações do fiador são acessórias das do afiançado e, em decorrência, seguem a sorte destas[162]”.
Tem-se a fiança como contrato acessório, pois, não poderá haver contrato de fiança sem a existência de um contrato principal, já que objetiva garantir seu cumprimento[163].
Nesse sentido, é o entendimento de Monteiro[164]:
“Fiança é, assim, antes de mais nada, obrigação acessória, que pressupõe, necessariamente, existência de outra obrigação principal, de que é garantia. (…). Sem prova da existência do contrato principal, não se pode acionar o devedor para o cumprimento da obrigação.”
A segunda característica sugerida, a unilateralidade, deriva da circunstância de o contrato originar obrigação para só uma das partes, o fiador[165].
A unilateralidade se dá pois o contrato de fiança traz obrigações somente para o fiador, em relação ao credor, já que na maioria dos casos o credor não assume compromissos para com o fiador [166].
Assim também dispõe Monteiro[167]: “é também contrato unilateral; o fiador obriga-se para com o credor, mas este nenhum compromisso assume em relação àquele”.
Com relação à formalidade, o próprio Código Civil em seu art. 819[168], diz que “a fiança dar-se-á por escrito”, o que já se mostra como um contrato formal, admitindo somente a modalidade escrita para a sua conclusão.
Ulhoa[169] afirma ser a fiança um contrato gratuito porque “as vantagens econômicas proporcionadas pela execução do contrato beneficiam apenas um dos contratantes, o credor”.
Diniz[170] afirma que há uma gratuidade, “que incidirá sobre o crédito concedido ao devedor, pois, em regra, o fiador, não receberá uma remuneração, mas apenas procurará ajudar o afiançado, pessoa em que, confia e espera, cumprirá a obrigação assumida”.
Já Monteiro[171] afirma que “é contrato oneroso em relação ao credor, mas gratuito, em regra, referentemente ao devedor; nem sempre, porém, pois há casos em que o afiançado remunera o fiador pela fiança prestada”.
Por seu turno, Lisboa[172] traz como caracteres da fiança: a unilateralidade, a gratuidade, pessoalidade, garantia fidejussória e acessoriedade.
Venosa[173], com relação aos caracteres da fiança, diz que se trata de contrato unilateral, pois dá origem a obrigações apenas para o fiador. Também é contrato gratuito, já que é prestada de forma desinteressada. Trata-se, ainda, de contrato intuitu personae, pois é baseado na confiança existente entre os contratantes. E ainda, trata-se de contrato acessório, pois, é dado em garantia a um contrato principal. Diz ainda, tratar-se de um contrato consensual, pois se realiza pela simples vontade das partes, bem como ser um contrato formal por só se admitir a forma escrita.
Como se pode observar, a fiança se reveste de algumas características para ter sua validade, tais como: unilateralidade, gratuidade, acessoriedade, dentre outras.
3.4.3 Requisitos
Para que a fiança cumpra com o seu objetivo, ela precisa se revestir de alguns requisitos, os quais serão apresentados em seguida.
O requisito geral da capacidade civil aplica-se também aos contratos de fiança, pois somente pessoas capazes podem ser fiadoras[174].
Diniz[175] aponta que a fiança precisa se revestir do requisito subjetivo da capacidade:
“(…) pois para afiançar será imprescindível não só a capacidade genérica para praticar os atos da vida civil, isto é, a capacidade de administrar bens e aliená-los, mas também legitimação para afiançar.”
Como requisito objetivo, Diniz[176] faz alusão ao fato de que “a fiança poderá ser dada a qualquer tipo de obrigação, (…), pois por ser contrato acessório dependerá da existência de um contrato principal, ao qual deverá vincular-se, como elemento de garantia”. E ainda traz como outro requisito objetivo a dependência que a fiança tem da validade e da exigibilidade da obrigação principal.
Nos termos do art. 824 do Código Civil, tem-se que “as obrigações nulas são insuscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor”[177]. Assim, pode-se entender que para a validade e exigibilidade do contrato de fiança, há que se ter também, a validade e a exigibilidade da obrigação principal, já que a caução fidejussória é uma garantia deste.
Ainda no campo dos requisitos objetivos, tem-se que a fiança só vigorará depois da existência do contrato principal[178], como se depreende do art. 821 dó Código Civil[179], que diz que “as dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação principal do devedor”.
Assim, observa-se que o fiador não poderá ser demandado por dívida que não seja válida e exigível, ou seja, a obrigação principal tem que ser líquida e certa. Isso serve para trazer segurança à figura do fiador que, antes de prestar a garantia, tem que ter ciência do montante a que está se comprometendo.
Pela redação do art. 823 do Código Civil[180], pode-se extrair mais um requisito objetivo da fiança, ou seja, que ela não pode ultrapassar o montante da dívida principal, já que, se exceder esse limite, será reduzida ao alcance da obrigação afiançada[181]. A fiança nunca poderá ser mais onerosa que a dívida principal.
O art. 819 do Código Civil anda traz outro requisito da fiança, a formalidade, já que exige que a fiança seja dada por escrito[182].
Enfim, para que a fiança tenha sua validade reconhecida, necessária se faz a presença de todos esses requisitos, sob pena de ser tida como nula a caução fidejussória.
3.5 MODALIDADES E EFEITOS JURÍDICOS DA FIANÇA
3.5.1 Modalidades
A fiança é um contrato acessório que apresenta algumas modalidades diferentes. Monteiro[183] diz que “a fiança pode ser convencional, legal e judicial, segundo resulte do contrato, de disposição de lei ou de exigência do processo”.
Qualifica-se ainda a fiança em civil, quando visa garantir obrigação civil, ou comercial quando objetiva garantir obrigações de natureza mercantil. Ressalte-se que a fiança prestada em contrato de locação de imóveis é sempre civil[184].
Por seu turno, Coelho[185] classifica a fiança segundo quatro critérios: simples ou solidária; singular ou conjunta; limitada ou ilimitada e voluntária ou necessária.
Diz-se simples a fiança quando o fiador assume obrigação subsidiária, de maneira que o credor deve buscar primeiro satisfazer seu crédito com o patrimônio do devedor e, se não obtiver êxito, aí sim buscar os bens do fiador. Já na solidária, o devedor assume responsabilidade igual a do devedor principal ficando assim, co-responsável pelo adimplemento da obrigação[186].
Dá-se a fiança singular quando prestada por uma só pessoa e conjunta, quando prestava por várias pessoas, já que a fiança é um instituto que admite essa possibilidade[187].
Ainda Coelho[188] afirma que a fiança pode ser limitada ou ilimitada. “Quando limitada, a extensão da obrigação do fiador é menor que a do afiançado. Quando ilimitada, é igual. Nunca o fiador pode ser cobrado por obrigação superior à do afiançado.
Ainda tem-se como modalidade de fiança o fato de ela ser necessária ou voluntária. Assim, será voluntária se se der simultaneamente ou anteriormente ao contrato principal e, necessária quando é posterior[189].
Assim, verifica-se que a fiança não assume apenas uma forma, mas adota várias configurações, sendo todas modalidades de garantia pessoal e cada qual com seus requisitos de validade próprios.
3.5.2 Efeitos jurídicos da fiança
A fiança, assim como outros tipos de contratos, produz efeitos. Monteiro[190] traz como efeitos da fiança “o chamado benefício de ordem ou benefício de excussão”, que dá ao fiador o direito de exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiramente executados os bens do devedor[191].
Diniz[192] afirma que o benefício de ordem “é o direito assegurado ao fiador de exigir do credor que acione, em primeiro lugar, o devedor principal, isto é, que os bens do devedor principal sejam excutidos antes dos seus”.
Assim, o Código Civil, no parágrafo único do art. 827, também diz que “o fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito”[193].
Por isso, não basta ao fiador simplesmente alegar o benefício de ordem, mas terá também que nomear bens do devedor principal que estejam livres para a execução, para que assim a parte ativa do contrato tenha seu crédito restabelecido.
Sobre os efeitos da fiança, Lisboa[194] diz que:
“Verificando o credor, que o fiador deve ser acionado para o pagamento do débito e não havendo a possibilidade de se aplicar o benefício de ordem em favor do garantidor, ele deverá efetuar o pagamento da dívida. As obrigações do fiador subsistem até o total cumprimento da obrigação principal afiançada. Cumprida a obrigação pelo fiador, este se sub-rogará nos direitos do credor perante o devedor, para os fins de regresso.”
Percebe-se que a fiança, verificados os pressupostos de validade, produz efeitos no âmbito jurídico, sendo que, o principal deles é o benefício de ordem, que dá o direito ao fiador de ver o patrimônio do devedor principal sendo executado antes do seu.
3.6 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR
A Lei n° 8.009/90 em sua redação original não trazia nenhuma ressalva quanto à impenhorabilidade do Bem de Família do fiador.
Acontece que, com a alteração ocorrida em 1991, o art. 3° passou a trazer algumas exceções, que são:
“Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…)
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
Credie[195] pugna pela inconstitucionalidade desse inciso, pois fere o direito à moradia, elevado à categoria de direito fundamental pela Emenda Constitucional n° 26 de 2000.
Neste diapasão, são as palavras de Gagliano[196]:
“À luz do Direito Civil Constitucional — pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil —, parece-nos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art. 5.º da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação.”
Nesse sentido, de forma ilustrativa, apresentam-se algumas decisões de alguns dos Tribunais de Justiça brasileiros. Nesse prisma, assim decidiu o Tribunal de Santa Catarina:
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL LASTREADA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO – PENHORA INCIDENTE SOBRE BEM IMÓVEL DOS FIADORES – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INSCULPIDOS NA EMENDA N.º 26/00 SOBRE O DISPOSTO NO INCISO VII DO ART. 3º DA LEI 8.009/90 – DECISUM MONOCRÁTICO QUE TORNOU INEFICAZ A CONSTRIÇÃO – IRREPARABILIDADE ANTE O ACERTO – RECURSO DESPROVIDO. (Acórdão: Apelação Cível 2003.019743-5, Relator: Marcus Túlio Sartorato, Data da Decisão: 31/10/2005)”
Nessa mesma temática, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I – Inadmitem-se as preliminares argüidas em contra-razões à míngua do necessário pre-questionamento, porquanto não foram objeto de discussão pelo e. Tribunal a quo (Súmula nº 282 do Pretório Excelso). II – Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido. (Acórdão: REsp 745161 Relator: Ministro Felix Fischer DJ 26.09.2005 p. 455 Decisão: 18/08/2005)”
Nesse mesmo sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (Acórdão: Recurso Extraordinário 352.940-4 São Paulo; Relator : Min. Carlos Velloso; Decisão: 25/04/2005)
Em entendimento contrário, por outro lado, Azevedo[197] dispõe que:
“No caso específico do inciso VII sob análise, o legislador concedeu benefício equivalente ao do direito real de hipoteca, quando o imóvel é dado em garantia da locação; cuida da matéria como se fiança fosse (garantia fidejussória) autoriza registros, para valer contra terceiros, por mera indicação do bem imóvel pelos fiadores, em garantia de locação. O mesmo acontece com a fiança mobiliária ofertada, que se transmuda em verdadeiro penhor.”
Nesse sentido, de forma ilustrativa, apresentam-se outras decisões de Tribunais de Justiça brasileiros. Decidiu o Tribunal de Santa Catarina:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA DO IMÓVEL RESIDENCIAL DE PROPRIEDADE DO FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA INCABÍVEL. RECURSO PROVIDO.” (Acórdão: Agravo de instrumento 2005.023582-8; Relator: Joel Dias Figueira Junior; Data da Decisão: 31/01/2006)
Nessa mesma temática, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme se vê em decisão abaixo:
“EXECUÇÃO – Penhora – Imóvel – Moradia – Impenhorabilidade a teor da Lei Federal n. 8.009/90 – Inadmissibilidade – A norma constitucional que inclui o direito à moradia entre os sociais (artigo 6º, da Constituição da República, conforme Emenda Constitucional n. 26/00) não é imediatamente aplicável, persistindo, portanto, a penhorabilidade do bem de família de fiador de contrato de locação imobiliária urbana – Recurso provido.” (Agravo de Instrumento n. 895.547-0/4 – São Paulo – 28ª Câmara de Direito Privado – Relator: Rodrigues da Silva – 24.05.05 – V.U.)
Assim também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. 1. Nos termos da consolidada jurisprudência desta Corte, é válida a penhora do bem destinado à família do fiador em razão da obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se, também, aos contratos firmados antes da sua vigência. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. Agravo regimental desprovido.”
Nesse mesmo sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: Penhora: bem de família do fiador de contrato de locação: inexistência de violação ao artigo 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 26/2000. Precedente” (RE 407.688, Plenário, 08.02.2006, Cezar Peluso, DJ 06.10.2006).
Assim, não seria lícito que o imóvel dado em garantia ao cumprimento do contrato de locação viesse a ser tido como impenhorável, deixando o locador sem ter a quem recorrer, perdendo assim, os frutos da sua locação[198].
Todavia, no caso de contrato de locação, deverá o locador se precaver de todas as formas possíveis para ter seu crédito reconhecido e evitar ficar dependendo dos bens do fiador que, em muitas vezes, apenas foi solidário com quem necessitava e acaba por perder seu patrimônio.
Como visto, nesse campo há muitas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, já que existem posicionamentos pugnando tanto pela constitucionalidade, como pela inconstitucionalidade do inciso VII da Lei n. 8.009/90.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o término desta pesquisa, algumas considerações acerca do tema apresentado devem ser feitas, destacando-se, no entanto, a complexidade e importância do assunto para a Ciência Jurídica e para a Sociedade em geral.
Por meio dos estudos realizados, observou-se que atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, existem três tipos de famílias, quais sejam, o casamento, a união estável e a família monoparental. Verificaram-se as principais características de cada uma delas, bem como seus efeitos jurídicos e formas de dissolução. Em seguida averiguou-se também a gênese do Bem de Família, passando por Roma Antiga, A Idade Média até sua origem moderna no direito estadunidense. Analisou-se, também, o instituto antes e depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, visto que antes era regulamentado de forma muito tímida pelo Código Civil de 1916, que deixava muitas dúvidas e lacunas a respeito do instituto e previa que o Bem de Família seria instituído pelo chefe de família. Após a promulgação da Constituição, e estabelecida a igualdade em direitos e deveres entre homens e mulheres, o Bem de Família passou a ter melhor regulamentação, com a edição da Lei n° 8.009/90, que criou o Bem de Família legal e com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 que passou a regulamentar o Bem de Família voluntário e que prevê que sua instituição se dará por qualquer dos cônjuges ou entidade familiar.
Verificou-se, ainda, que o Bem de Família é o imóvel de natureza residencial que fica livre de penhora e execução por dívidas posteriores à sua instituição. Observou-se que no ordenamento jurídico brasileiro há dois tipos de Bem de Família; o facultativo ou voluntário, regulado pelo Código Civil e instituído pela vontade das partes e o obrigatório ou legal, regulamentado pela Lei n° 8.009/90 e que não depende da vontade das partes para ser instituído, já que a própria lei estabelece a sua criação.
Ao analisar o Bem de Família facultativo ou voluntário mais a fundo, constatou-se que o mesmo trata-se de prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, verificou-se ainda que o instituto possui algumas exceções elencadas pelo art. 1.715 do Código Civil[199], ou seja, apesar de toda a proteção destinada ao Bem de Família, pode ela ainda sofrer constrição judicial.
Com relação ao Bem de Família obrigatório ou legal tem-se que é o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, não precisa da vontade das partes para ser instituído e, assim como o Bem de Família voluntário, possui algumas exceções elencadas no art. 3° da Lei n° 8.009/90[200], uma dessas exceções trata-se do Bem de Família do fiador, matéria de estudo do presente trabalho.
Com referência ao Bem de Família do fiador, verificaram-se ainda, divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca desse tema. Existem posições pugnando tanto pela constitucionalidade como pela inconstitucionalidade da impenhorabilidade desse tipo de Bem de Família.
Finalmente, com relação às hipóteses levantadas e sua confirmação ou não no decorrer da pesquisa, o resultado a que se chega é este:
Primeira hipótese: Bem de família é o imóvel que não está sujeito à constrição judicial, ou seja, não pode ser penhorado por dívidas de seu proprietário.
Essa hipótese restou parcialmente comprovada visto que apesar de ser o Bem de Família, o imóvel que não está sujeito à constrição judicial e não poder ser penhorado, há algumas exceções trazidas pela Lei n° 8.009/90 e pelo Código Civil nas quais o imóvel, mesmo constituindo o Bem de Família, poderá ser penhorado.
Segunda hipótese: A Lei n° 8.009/90 institui, no ordenamento jurídico brasileiro, o Bem de Família legal e, apesar de trazer algumas exceções, garante a impenhorabilidade do Bem de Família.
Essa hipótese restou comprovada, visto que a Lei n° 8.009/90, apesar das exceções, garante a impenhorabilidade do único imóvel de natureza residencial do devedor, bem como os móveis que os guarnecem, ou seja, o Bem de Família.
Terceira hipótese: Se o imóvel residencial do fiador, dado em garantia de pagamento de um contrato, for penhorado, o direito à propriedade, garantido pela Constituição Federal, estará sendo violado. Se o imóvel residencial do fiador, dado em garantia ao pagamento de um contrato, for impenhorável, estará sendo violado o direito de moradia do locatário, direito este também garantido pela Constituição Federal.
Essa hipótese restou parcialmente comprovada. Há doutrinadores pugnando pela total legalidade e constitucionalidade da penhorabilidade do bem de família do fiador, contudo, aconselham aos locadores de imóveis a tomarem algumas precauções para ter seu crédito reconhecido e evitar ficar dependendo apenas dos bens do fiador.
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