Resumo: Visando esclarecer a importância da motivação das decisões judiciais no processo penal bem como as suas finalidades, de acordo com a Constituição Federal, este estudo apresenta o conceito, a terminologia e a atuação do juiz enquanto condizentes ao referido instituto. A pesquisa, inicialmente, analisa, de acordo com a doutrina, o conceito e a terminologia do termo “decisão”, para em seguida, por meio da divisão em tópicos, analisar princípios, características e finalidades da motivação da decisão judicial.
Palavras-chave: Decisão Judicial. Motivação de Decisões. Fundamentação.
Sumário: Introdução; 1 Considerações iniciais: Terminologia, a “dúvida” em Carnelluti e o princípio da jurisdicionalidade; 2 “Cognitivimo processual”, decisionismo”, “verdade formal” e “verdade material”; 3 O “saber-poder” e o controle da racionalidade da decisão judicial; 4 A “impartialidade” e a “imparcialidade” do juiz ao motivar suas decisões; 5 A motivação no Sistema do livre convencimento motivado; 6 A fundamentação das decisões judiciais como princípio jurídico-organizatório e funcional: o trinômio de Canotilho; 7 Considerações Finais; Conclusão; Referências.
Introdução
A presente pesquisa pretende esclarecer aspectos conceituais, processuais, e constitucionais acerca do instituto da motivação das decisões judiciais. O estudo levará em conta os entendimentos doutrinários de diversos autores, buscando uma identificação com o processo penal visto sob um prisma constitucional.
Em um primeiro momento será feita uma análise terminológica e conceitual a respeito das decisões judiciais, utilizando-se a doutrina do garantismo penal de Luigi Ferrajoli e as lições de processo penal de Carnelutti. Será igualmente, neste momento, analisada a relação da motivação das decisões judiciais com os princípios do contraditório, ampla defesa e jurisdicionalidade.
Posteriormente, se buscará interpretar as motivações de acordo com os conceitos de Ferrajoli de “cognitivismo processual”, “decisionismo”, “verdade real” e “verdade formal”.
A seguir, a relação do “saber-poder” nas decisões judiciais como elemento essencial será o foco do estudo. Aliado a este tópico, o controle de racionalidade das decisões proferidas pelos juízes como garantia da ordem da administração da justiça.
A “impartialidade” e a “imparcialidade” como características essenciais ao juiz no processo penal será o próximo assunto abordado. Neste ponto da pesquisa, a obra do professor Aury Lopes Jr., catedrático desta casa, será essencial.
Voltando-se ao sistema de apreciação de provas utilizado no Brasil, o do livre convencimento motivado, tentar-se-á esclarecer a importância da motivação nessa realidade, identificando-se as finalidades e a forma de atuar do magistrado diante de provas trazidas ao processo pelas partes
Finalmente, utilizando-se da doutrina do constitucionalista português, Joaquim José Gomes Canotilho, o presente estudo tentará sintetizar sob três aspectos a finalidade da motivação das decisões judiciais no processo penal brasileiro.
A importância da motivação das decisões judiciais no processo penal: uma análise à luz do garantismo de ferrajoli e do constitucionalismo de canotilho
1 Considerações iniciais: Terminologia, a “dúvida” em Carnelluti e o princípio da jurisdicionalidade
O processo penal encontra-se circundado por limites e garantias que, somente quando assegurados, justificam a sua utilização como instrumento de efetiva aplicação do conteúdo formal da norma penal. A atuação do juiz, por meio de decisões judiciais, representa a concretização do poder persecutório e punitivo estatal em relação ao sujeito passivo da investigação/acusação penal. Com o intuito de evitar-se a arbitrariedade e a violação a princípios e garantias constitucionais assegurados a qualquer indivíduo que seja alvo de uma investigação/ação penal, a atividade judicial deste órgão deve estar dotada, acima de tudo, de uma predominância do saber sobre o poder.
Como bem observado por FERRAJOLI, em sua introdução à obra “Razão e Direito”, o poder estatal de punir e julgar acaba por ser:
“(…) o mais ‘terrível’ e ‘odioso’ dos poderes: aquele que se exercita de maneira mais violenta e direta sobre as pessoas e no qual se manifesta de forma mais conflitante o relacionamento entre o Estado e o cidadão, entre autoridade e liberdade, entre segurança social e direitos individuais”[1].
A origem etimológica da palavra “decisão” vem do latim de-caedere, cujo significado pode ser compreendido como o de um ato de “finalizar”, “encerrar algo”. Nas palavras de CARNELUTTI, “decidir” “alude precisamente al corte de um nudo, esto es, a la resolución de una duda; entre el si y el no, que en la duda se encuentran estrechamente unidos, se opera una separación, por la cual el uno viene rechazado y el outro aceptado[2]”. O ato de decidir, portanto, pode ser interpretado como um ato no qual se encerra uma dúvida a qual o juiz foi submetido. O presente trabalho ao utilizar o termo “decisões”, visa estudar a motivação em decisões interlocutórias e sentenças, sem adentrar na (complexa) pretensão de dirimir diferenças existentes entre ambas, por se tratar de um estudo sintético.
A dúvida para CARNELUTTI[3] é, portanto, o ponto nevrálgico do ato decisório. Utilizando-se do conhecido símbolo da Balança, que quando “vazia” está em equilíbrio, os dois pratos que nela pendem representam os dois extremos da dúvida. Para resolver a dúvida é necessário fazer uma escolha, entre um “sim” e um “não” (se aplicado o exemplo, analogicamente, ao direito penal, restaria fazer uma escolha entre os argumentos da acusação ou da defesa). Na resolução da dúvida, a balança sempre penderá para um dos lados, é neste ato, o de inclinar-se que, segundo o jurista italiano, reside a idéia de razão. O convencimento do juiz se dará pela “inclinação” para um dos lados, de acordo com os argumentos fáticos e jurídicos vislumbrados nos autos do processo. A decisão motivada, sendo proferida, firma o uso da razão pelo juiz em um ato judicial que irá, segundo os critérios fáticos e jurídicos, beneficiar ou prejudicar o sujeito do processo penal. “Lo que nosotros llamamos razón es, pues, in nuce, el conocimiento de la realidad; aquí se opera uma metáfora, por la cual el efecto ocupa el lugar de la causa, llamando razón al resultado del uso de la razón[4]”.
A jurisdição penal é exercida pelos juízes e tribunais. A atividade estatal garante a aplicação da lei, substituindo a atuação da vítima dos crimes (também chamada “vingança privada”), coibindo, desta forma, a auto-tutela. Como será exposto, mais adiante, neste estudo, o princípio da jurisdicionalidade deverá ser restrito, exigindo-se a verificabilidade e a refutabilidade das hipóteses acusatórias, fazendo prevalecer a fórmula nulla poena et nulla culpa sine judicio. De acordo com essa fórmula, além de expressamente previsto em lei, o fato ilícito deve ter sido claramente narrado pela acusação, permitindo a possibilidade de refutabilidade no confronto entre provas e contraprovas, incidindo dessa forma a garantia aos preceitos do contraditório e da ampla defesa, por meio da máxima nullum judicium sine probatione[5].
LOPES JUNIOR[6], ao tratar das prisões cautelares, aponta o artigo 5º, LXI, da Constituição Federal, como o enunciado consagrador do princípio da jurisdicionalidade. O enunciado assim dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei[7].
Excetuando-se, portanto, os casos de prisão em flagrante delito e os casos de jurisdição militar, ninguém poderá ser preso senão por ordem escrita e fundamentada de juiz competente (singular ou de tribunal)[8], exercendo-se dessa forma uma jurisdição penal característica de um Estado Democrático de Direito, a qual manterá, ademais, íntima ligação com o devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[9]”.
A motivação das decisões judiciais permite que o juiz exponha as razões do seu convencimento. Permite que sejam expostos os critérios racionais por meio dos quais um juízo tenha assumido determinado rumo. Serve também para que as partes tenham ciência destes critérios, permitindo-lhes eventual impugnação e, conseqüentemente, controle da ordem jurídica[10].
A Constituição Federal brasileira de 1988 contempla em seu artigo 93, IX, a necessidade de fundamentação de todas as decisões judiciais. Assim reza o aludido artigo:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobe o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação[11].
Clara a intenção do legislador em assegurar a todos submetidos ao crivo do judiciário a garantia de que toda decisão que emane do órgão julgador seja fundamentada, demonstrando a razão utilizada para relacionar a verdade fática à verdade jurídica, em um juízo em que predomine a racionalidade sobre o poder.
2 “Cognitivimo processual”, “decisionismo”, “verdade formal” e “verdade material”
Em um modelo de processo penal democrático, o juiz, ao decidir, desempenha relevante papel para que os princípios constitucionais da presunção de inocência, contraditório e ampla defesa tenham eficácia. Para tanto, segundo ensinamentos de FERRAJOLI, há a necessidade de se levar em conta relevante elemento epistemológico do garantismo, o cognitivismo processual, o qual é constituído basicamente por dois princípios: a) o da estrita jurisdicionalidade, compreendido como a verificabilidade ou refutabilidade das teses acusatórias pela comprovação empírica; b) e o princípio da estrita legalidade, segundo o qual “ninguém pode ser punido senão por um fato já cometido e exatamente previsto na lei como delito[12]”.
A idéia por trás dos princípios expostos pelo jurista italiano é a busca, pelo juiz, do que se denomina “verdade formal”. A “verdade formal” está baseada em um juízo de taxatividade legal e judicial, contendo pressupostos típicos gerais e abstratos, podendo ser comprovada empiricamente. A “verdade formal” está, antes de tudo, “condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e às garantias da defesa[13]”. Oposta a essa concepção, está a “verdade material”, a qual caracteriza-se por uma valoração íntima do juiz acerca não de elementos objetivos (fatos empiricamente comprováveis e definidos expressamente na legislação), mas sim de características particulares dos sujeitos ou de determinados crimes. À “verdade material” atribui-se um juízo de “decisionismo”, com evidente cunho inquisitivo, uma vez que a sua estrutura epistemológica parte de um conhecimento baseado não em referências fáticas determinadas com exatidão, mas sim em uma valoração subjetiva, eivada de pré-juízos impermeabilizados no âmago do inconsciente do próprio juiz, sobre as circunstâncias a ele apresentadas.
O “cognitivismo processual” prima pela busca de um juízo onde prevaleça a “verdade formal”, baseada esta: a) na refutabilidade ou verificabilidade argumentativa por meio da comprovação empírica; e b) na emissão de um juízo de direito circunscrito ao texto expresso na lei penal. Ao contrário do ideal “decisionista”, no qual prevalece um juízo ético valorativo do juiz para a emissão de suas decisões, o “cognitivismo” almeja um valor de “certeza” confiado: a) à taxatividade legal de pressupostos típicos gerais e abstratos; e b) à separação entre direito e moral[14]. Por meio de um juízo baseado no “cognitivismo”, na comprovação, na prova e na razão, estar-se-ia diante de decisões livres de atuação inquisitiva e arbitrária do juiz, separando-se “verdade formal” de “verdade material”. CALAMANDREI, já havia previsto a interferência “pessoal” do juiz (por meio de valores éticos, morais, religioso) em suas decisões:
“Representa-se escolarmente a sentença como o produto de um puro jogo lógico, friamente realizado com base em conceitos abstratos, ligados por uma inexorável concatenação de premissas e conseqüências; mas na realidade, no tabuleiro do juiz, as peças são homens vivos, que irradiam invisíveis forças magnéticas que encontram ressonâncias ou repulsões, ilógicas mas humanas, nos sentimentos do judicante. Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influencia mágica nenhum juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar?”[15].
Apesar de a ciência cartesiana ter tentado separar razão e emoção, como se as duas fossem independentes, atualmente, há doutrina defendendo o contrário. Não há razão sem emoção. A própria origem etimológica da palavra “sentença”, deriva do latim sentire, em português entendido como “sentir”. Como já bem observado pelo professor AURY LOPES JR., “não existe racionalidade sem sentimento, emoção, daí a importância da subjetividade e de todo sentire no ato decisório”[16]. Da impossibilidade, pela própria natureza humana, de separar os elementos subjetivos da razão e da emoção no ato de julgar, é que se torna necessária a prevalência de um “saber” (veritas, no sentido de conhecimento) sobre um “poder” (auctoritas, no sentido de atuação coatora sobre o sujeito passivo do processo penal)[17].
3 O “saber-poder” e o controle da racionalidade da decisão judicial
FERRAJOLI trabalha a atividade judicial do juízo penal sob a combinação do que denomina “saber-poder”[18]. Trata-se, em uma forma simplificada de interpretação, de uma “combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas)”[19]. Quanto maior o “poder”, menor será o “saber”, sendo a recíproca também verdadeira. Em uma concepção de modelo ideal de jurisdição proposta por MONTESQUIEU[20] o “saber” prevaleceria sobre o “poder”, sendo este nulo. Desta maneira, o controle de racionalidade das decisões judiciais estaria justificado, havendo um distanciamento de um modelo que pudesse ter cunho autoritarista, onde predominasse, ao contrário, o “poder” sobre o “saber”.
A comprovação empírica, da refutabilidade/verificabilidade das teses acusatórias, é elemento essencial na busca de um juízo penal em que predomine a “verdade formal”. O processo, diante dessa situação, serve como instrumento destinado a comprovar a ocorrência ou não de determinado ato na realidade empírica[21]. Dito isto, o papel desempenhado pelo “saber” no processo é averiguar se determinado fato ocorreu ou não (verificabilidade/refutabilidade na realidade empírica), para que, posteriormente, haja a eventual subsunção deste à norma penal, por meio de um proferimento decisório do juiz (uso do “poder”).
Importante ressaltar que o “poder”, aqui entendido como a coação exercida sobre o sujeito passivo da relação processual penal, deve assumir um caráter subsidiário, atendendo aos princípios da necessidade, respeitando os direitos fundamentais, da proporcionalidade, relacionando meio e fim, e da razoabilidade, pela indispensabilidade instrumental da decisão adotada.
A motivação das decisões judiciais, por meio da prevalência do “saber”, acaba sendo um efetivo instrumento de controle da racionalidade, demonstrando o convencimento do juiz sobe a autoria e materialidade delitiva. Somente pela motivação, o “saber” dos fatos poderá vir a, eventualmente, legitimar o “poder” de coação.
A racionalidade a ser alcançada pela motivação das decisões judiciais, ao contrário do que possa parecer em princípio, não guarda relação com o caráter da razão como fruto das ciências naturais, do método científico das chamadas ciências exatas, onde há a previsibilidade de resultados pela aplicação de fórmulas e critérios pré-estabelecidos. Muito menos o conceito de “razão” compreendido como elemento resultante da dissociação entre “razão” e “emoção”. Ao contrário, como já exposto anteriormente “razão” e “emoção” andam juntas, fazem parte do sentire do julgador. No belo exemplo de FERRAJOLI: “o juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem os fatos e por baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela”[22]. A racionalidade da decisão judicial, aqui, é expressa por um modelo processual “cognitivista” (restrição ao conteúdo formal da norma processual penal e da tese acusatória, bem como na comprovação empírica das teses acusatórias submetidas ao contraditório), que busca uma “verdade formal”. Ou seja, os argumentos cognoscitivos devem ser seguros e válidos, ao mesmo tempo em que devem ser submetidos ao contraditório e a verificabilidade/refutabilidade empírica[23].
O controle da racionalidade é exercido, justamente, com base na argumentação apresentada pelo juiz ao motivar a sua decisão. Devem estar presentes os requisitos da previsão expressa na norma penal do fato como sendo desvio punível, da acusação ter sustentado esse desvio em sua tese acusatória, de os meios de prova e contraprovas terem sido submetidos a uma verificação empírica (assegurado o contraditório). Desta forma, o controle do “saber” sobre o “poder” nos atos decisórios do juiz tende a preponderar.
CALAMANDREI, em 1935, já anunciava a possibilidade de o juiz exprimir uma fundamentação deficiente, a qual viria, por sua vez, a comprometer a decisão judicial.
Nem sempre sentença bem fundamentada quer dizer sentença justa, e vice-versa. Às vezes, uma fundamentação negligente e sumária indica que o juiz, ao decidir, estava tão convencido de que sua conclusão fosse correta que considerava perda de tempo pôr-se a demonstrar a evidência; do mesmo modo que, outras vezes, uma fundamentação prolixa e acurada pode revelar no juiz o desejo de dissimular a si mesmo e aos outros, à força de arabescos lógicos, sua perplexidade[24].
Em se tratando de um desvio, falha ou inexistência de motivação, a decisão poderá, pela via recursal, ser impugnada.
CORDÓN MORENO aborda uma interessante questão relativa à importância da motivação judicial para a delimitação do objeto de eventual impugnação por meio de instrumento recursal, que também é lembrado por CANOTILHO, em uma abordagem posterior desse estudo. A motivação da decisão judicial não serve apenas para o controle da racionalidade da decisão, mas também como pressuposto para a eventual impugnação a ser feita pela defesa, pela via recursal, quando da inconformidade com a decisão adotada. Neste sentido o autor espanhol explica:
“El requisito de la motivación debe entenderse cumplido si la sentencia pone de manifiesto que la decisión adoptada responde a uma concreta interpretación y aplicación Del derecho que haga posible su revisión jurisdiccional a través de los recursos legalmente establecidos, todo ello independientemente de la parquedad y concentración Del razonamiento empleado, se este permite conocer el motivo decisório excluyente de um mero voluntarismo selectivo o de la pura arbitrariedad de la decisión adoptada[25]”.
4 A “impartialidade” e a “imparcialidade” do juiz ao motivar suas decisões
Convém, inicialmente, distinguir-se “impartialidade” de “imparcialidade”. A “partialidade” do sujeito diz respeito quanto à sua condição de “parte” na relação jurídica processual, ou seja, quanto à condição de sujeito na parte ativa ou passiva da relação processual. A “impartialidade” do juiz é, portanto, característica que deverá observada, conseqüentemente, em um modelo de heterocomposição no qual um terceiro (“impartial”), externo a relação processual entre acusação e defesa, substitui a autonomia das partes[26]. A “parcialidade”, por sua vez, está ligada ao elemento subjetivo/emocional do indivíduo, demonstrando o interesse jurídico deste na relação processual. A “imparcialidade” do juiz consistiria em um “não-agir” conforme as suas considerações subjetivas (deixando à parte sua própria personalidade[27]) diante da relação jurídica processual a qual foi submetido.
A decisão judicial que busca cumprir com os preceitos de um modelo de Estado de Direito, imbuído de princípios constitucionais, deverá ser emitida por um juiz que seja “impartial” e “imparcial”.
A “impartialidade” do juiz permite que a fundamentação de uma decisão judicial seja construída a partir de uma análise fático-jurídica externa à relação jurídica entre acusação e defesa. O juiz, ao não ser “parte”, em princípio, deixaria de lado qualquer interesse jurídico pessoal que pudesse ter, atuando em substituição a autonomia de vontades da acusação e da defesa. Desta forma, estaria garantida a adoção de um modelo de heterocomposição, estando a figura do magistrado em uma condição alheia à dos sujeitos da “parte” ativa e passiva da relação processual.
Em relação à análise da “imparcialidade”, maior atenção deve ser dada. O juiz, em um Estado de Direito, possui uma posição de terceiro alheio, externo, às partes ativa e passiva da relação processual. Como tal, a sua posição supra-partes lhe permite uma análise mais clara sobre as teses, de acusação e de defesa, trazidas ao seu conhecimento. FERRAJOLI defende, para que haja um juízo de “imparcialidade”, a ausência de interesses do juiz na controvérsia ao qual é submetido bem como na ausência de representatividade de uma maioria popular. Para o autor italiano, o juiz julga em nome do povo, incluindo-se aqui as minorias e as maiorias[28].
Além de não possuir interesse e não representar maiorias, o juiz deverá decidir e atuar de acordo com a expressa previsão legal, buscando a resolução da controvérsia a que foi submetido por meio do uso da racionalidade em um processo “cognitivo”, afastando-se de um juízo subjetivo eivado de valores morais, éticos e pessoais. ANTONIO DALIA e FERRAIOLI sustentam a importância do magistrado em ater-se ao princípio da legalidade, almejando dessa forma alcançar uma condição em que evitaria a influência do poder político-executivo no ato decisório[29].
A “impartialidade”, como característica que assegura a exterioridade do juiz frente à acusação e a defesa, e a “imparcialidade”, como garantia de um juízo onde prevaleça a racionalidade sobre qualquer forma de subjetivismo, devem, portanto, estar presentes em todas as motivações de decisões judiciais, sob o risco de que uma vez ausentes possa estar-se diante de uma decisão eivada de ilegalidade e nulidade.
5 A motivação no Sistema do livre convencimento motivado
No Brasil, o sistema de apreciação de provas é o do livre convencimento motivado, previsto expressamente no artigo 157 do Código de Processo Penal. Por este sistema o juiz está livre para dar às diferentes provas trazidas a ele durante o processo a carga valorativa que lhe parecer conveniente. Contudo, diante de tal liberdade será necessário fundamentar o seu convencimento, demonstrando o raciocínio lógico utilizado na valoração da prova.
O sistema da livre convicção motivada se contrapõe ao sistema das provas tarifadas. Neste último modelo, também conhecido como sistema da prova legal, os meios de provas e o valor dado a cada uma delas encontram-se pré-definidos em lei, isto é, quem procede à valoração prévia é o legislador. Surgida a partir do século XVII, esse instituto visava restringir os poderes dos juízes da inquisição, restringindo a apreciação da prova ao que estivesse na lei. Apesar de, a princípio, parecer uma solução adequada, mostrou-se ineficiente ao ponto em que para a obtenção de uma condenação era necessária pontuação específica, a qual, muitas vezes, ao não ser atingida pelas provas até então apresentadas, era alcançada pelo uso da tortura[30].
PACCELI DE OLIVEIRA ressalta, que a liberdade que o juiz dispõe do livre convencimento não dispensa, porém, a fundamentação ou motivação da sua decisão. O magistrado deverá, por uso de argumentação racional, demonstrar o porquê de ter optado por determinada prova para que, posteriormente, da insatisfação de alguma das partes, possa haver uma eventual impugnação[31].
Além de demonstrar o uso da racionalidade pelo juiz, a motivação no livre convencimento motivado, como bem observado por ANTONIO DALIA e FERRAIOLI, é uma garantia ao direito à ampla defesa e ao contraditório, ao passo em que permite que se obtenha do magistrado, eventualmente, as razões do indeferimento de diligências solicitadas pela defesa para produção de determinadas provas[32].
PAULO RANGEL[33] aborda a relevante questão que deve ser levada em consideração no que diz respeito à restrição do juiz às provas que constam nos autos do processo. O juiz deverá decidir de acordo com as provas que estão no processo, não podendo valer-se, exclusivamente, do material colhido em Investigação Preliminar para decidir desfavoravelmente à defesa, condenando o sujeito passivo. Em uma decisão que afronte o contraditório, a ampla defesa e a proporcionalidade, as razões expostas pelo magistrado no seu ato decisório (ou a sua ausência destas), serão utilizadas para o exercício do duplo grau de jurisdição.
Questão mais delicada ainda é a das decisões que decretam a prisão preventiva, do artigo 312 do Código de Processo Penal. Em muitos casos, a motivação da decisão sequer existe, uma vez que os juízes utilizam expressões como “atendidos os requisitos legais, homologo a prisão em flagrante. Determino a prisão preventiva para garantia da ordem pública.” Ora, por certo que nesse caso não houve enfrentamento, nem sequer racionalidade da decisão judicial. Uma prisão cautelar deve ser medida ultima ratio, imprescindível e deve, antes de tudo, atender aos pressupostos e requisitos legais para que haja a sua decretação. Nesta linha de entendimento, TORNAGHI também repudia a conduta prepotente, arbitrária e opressiva do magistrado que profere decisões imotivadas, semelhantes a essas[34].
Ausentes os pressupostos e requisitos legais para a decretação de prisão cautelar e diante de uma situação em que ocorra a arbitrariedade e o autoritarismo, o remédio heróico do Habeas Corpus pode ser utilizado para sanar evidente ilegalidade. Neste sentido foi prolatada decisão pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do ilustre catedrático do curso de Pós-Graduação da PUC-RS, Dr. Nereu José Giacomolli:
“Assim, conforme já foi dito, é preciso que o magistrado, após requerimento formulado pela acusação, se manifeste acerca da necessidade ou não da prisão cautelar, nos termos do art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, não sendo possível a conversão automática do flagrante em prisão preventiva.
Analisando o caso concreto, o auto de prisão em flagrante não foi suficientemente motivado, ferindo o disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, razão pela qual há que ser mantida a soltura da paciente[35]”.
6 A fundamentação das decisões judiciais como princípio jurídico-organizatório e funcional: o trinômio de Canotilho
Para CANOTILHO, a fundamentação das decisões judiciais constitui-se em princípio jurídico-organizatório e funcional da teoria do Constitucionalismo. A motivação judicial tem como alicerce o trinômio: controle da justiça, racionalidade objetiva e delimitação do objeto a ser eventualmente impugnado. Nas palavras do autor:
“A exigência de fundamentação das decisões judiciais ou da “motivação de sentenças” radica em três razões fundamentais: (1) controlo da administração da justiça; (2) exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes; (3) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas[36]”.
Nessa breve exposição do pensamento do jurista português é possível denotar-se a semelhança com os ideais de um sistema democrático de direito penal. Em primeiro lugar, o “controlo da administração da justiça” é exercido pela publicidade das decisões judiciais e pela sua sujeição a eventual impugnação quando estiver evidente contrariedade a princípios constitucionais e normas legais, isto é, pela exposição do raciocínio lógico feito na decisão do magistrado entre fatos (“cognitivismo”) e direito (“recognitivismo”).
Em um segundo momento, a decisão deve atender a “exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes”. Mais uma vez, evidente a intimidade com os preceitos de um direito penal democrático. Como já foi exposto quando do estudo do “cognitivismo processual” e da busca pela “verdade formal”, elementos epistemologicamente garantistas, o juiz deverá fazer uso do “saber” (compreendido como a obtenção e uso do conhecimento[37]) para buscar uma proposição jurisdicional verdadeira, enquanto verdade fática e verdade jurídica, isto é, a motivação de uma decisão judicial deverá corresponder a uma “verdade formal”, enquanto verificável empiricamente (“verdade fática”, comprovável pela análise dos fatos aos quais o magistrado deverá ater-se) e enquanto verificável juridicamente (“verdade jurídica”, quando o fato está expressamente previsto em lei). A predominância do “saber” sobre o “poder” permite que seja alcançado um juízo racional e submetido a critérios formais.
O terceiro aspecto trazido pelo jurista português diz respeito ao objeto definido pela motivação, o qual determinará os limites e a área sobre os quais incidirá o instrumento recursal. Por meio da racionalidade exposta, as partes passam a tomar conhecimento da atividade jurisdicional, podendo, eventualmente, buscar a reforma impugnando fundamentos jurídicos ou nulidades existentes[38]. As nulidades, ao serem suscitadas pelas vias apropriadas da defesa, será objeto de análise em segundo grau de jurisdição, restando garantido os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Neste sentido, CHIAVARIO ressalta a importância da motivação explícita do juiz sobre as provas trazidas ao processo, sob o risco de, em se tratando de prova “decisiva” para o deslinde processual, vir a ser cassada a decisão judicial[39].
7 Considerações Finais
A motivação das decisões judiciais no processo penal é exigência e garantia constitucional. Exerce papel fundamental no controle da justiça, tanto pelas partes envolvidas no processo penal, como pelo meio social, que pelo princípio da publicidade, passa a ter conhecimento da atividade judicial.
Como bem observado por CANOTILHO, a motivação tem como escopo três finalidades a serem alcançadas, podendo ser, sucintamente, definidas como: a) controle da administração da justiça, como exposto no parágrafo anterior; b) demonstrar o uso da racionalidade pelo juiz diante da situação em que enseja a tomada de uma decisão por sua parte, evitando-se o subjetivismo do magistrado; c) permitir, aos interessados juridicamente no processo, a delimitação do objeto de eventual impugnação.
Além das finalidades previstas pelo jurista português, a motivação das decisões judiciais fornece meios para que os princípios do contraditório, da ampla defesa e da igualdade possam ser alcançados, evitando-se arbitrariedades.
A motivação das decisões judiciais assegura, dentre outras garantias, o controle da administração da justiça, o controle de racionalidade do juiz ao decidir (prevalência do “saber” sobre o “poder”, buscando-se em um juízo “cognitivo” uma “verdade formal”) e a eventual delimitação do objeto de impugnação, podendo ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária.
Conclusão
Com a realização desse estudo vislumbra-se a importância que possui a motivação das decisões judiciais em um processo penal que almeje o respeito e a efetividade de princípios constitucionais como o contraditório e a ampla defesa.
Carnelutti trabalha o conceito de “decisão” como estando intrinsecamente ligado à uma dúvida. O “resolver” da dúvida, por meio da decisão judicial motivada, se assemelharia ao desfazer de um nó. Ao trabalhar a razão, o autor italiano compara a razão a uma balança, onde cada um dos pratos corresponde as teses de acusação e defesa. O juiz ao decidir, ira pender para um dos lados, esse ato significaria a concretização da racionalidade judicial.
O juiz ao decidir, devera sempre fazer prevalecer um “saber” sobre o “poder”. Pode-se interpretar por outras palavras, ao assumir que o juiz deverá sempre buscar a “verdade formal” do processo penal, traduzida essa pela refutabilidade/verificabilidade das teses acusatórias trazidas ao processo, bem como pela expressa previsão legal que censure o fato punível como tal. Tratar-se-ia o que chama Ferrajoli do “cognitivismo processual”, baseado em uma verdade baseado em fatos trazidos e sustentados pelas partes no processo penal, evitando-se um juízo de subjetivismo do magistrado, baseado em valores morais e éticos.
A “impartialidade”, entendido como a situação externa às partes do juiz, representa imprescindível característica para que se obtenha um juízo penal baseado na razão e não no subjetivismo valorativo. Da mesma forma, a “imparcialidade” desempenha essencial função ao fazer com que o juiz se atenha sobre a realidade que a lhe é apresentada, demonstrando ausência de qualquer interesse jurídico no deslinde da questão a que é submetido.
O sistema de apreciação de provas utilizado no Brasil é o do livre convencimento motivado. Neste, o juiz possui liberdade para conferir às provas que lhe são trazidas durante o processo a carga que acreditar ser conveniente. Contrapõe-se esse sistema ao da prova tarifada, o qual atribui à lei a carga específica para cada prova, mas que mostrou-se inviável por favorecer práticas desfavoráveis ao sujeito passivo do processo penal.
Canotilho resume em três as finalidades da motivação das decisões judiciais. Faz o autor uma síntese do que foi exposto durante o estudo. Para o autor, a motivação das decisões judiciais permite que: a) seja efetuado um controle da administração; b) seja exposta a racionalidade jurídica utilizada pelo magistrado, evitando-se dessa forma a arbitrariedade e o subjetivismo; c) seja delimitado o objeto de eventual impugnação por uma das partes.
Advogado (OAB/RS 68.540), Especializando em Ciências Penais pela PUC-RS, bacharel em Direito pela PUC-RS.
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