Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a imunidade tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT com base no entendimento jurisprudencial exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, mormente no que concerne à incidência de impostos sobre atividades não abrangidas pelo privilégio fiscal outorgado pelo Estado à mencionada empresa pública. O tema em discussão tem sido, reiteradamente, objeto de demandas no âmbito dos Tribunais pátrios, cabendo ao STF, como órgão máximo de deliberação acerca das matérias constitucionais, a incumbência de dar a última palavra acerca da aplicabilidade da não-incidência tributária em relação aos serviços prestados pela ECT, razão pela qual se denota a relevância da apreciação da jurisprudência da Corte acerca da matéria, que tem sido objeto de grande celeuma na praxis forense.
Palavras-chave: Imunidade tributária. ECT. STF. Jurisprudência.
Abstract: This paper aims to analyse the Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT’s tax immunity, based on the Brazilian Supreme Court’s case law, especially with regard to the incidence of taxes on activities not covered by the tax concession expressly granted to this state-owned company by the Brazilian State. Currently, the issue has been repeatedly debated in Brazilian federal courts. The Brazilian Supreme Court, as the court of last resort on constitutional matters in the Brazilian Judicial System, has the task of giving the final word concerning the tax exemptions of services provided by the Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Consequently, an assessment of the Brazilian Supreme Court’s case law is fundamental to a completed understanding of the issue.
Keywords: Tax immunity. ECT. Brazilian Supreme Court. Case law.
1 INTRODUÇÃO
O cerne do presente escrito cinge-se à possibilidade de extensão da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal a serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT que não sejam estritamente postais, ou seja, não estejam inclusos no conceito do serviço público a ser exclusivamente prestado pelo Estado.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT é uma empresa pública federal, integrante da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-Lei n. 509/69, à qual incumbe precipuamente a prestação do serviço postal no território nacional, em regime de privilégio.
Conforme ensina Eros Roberto Grau, é imprescindível a distinção entre monopólio e privilégio. Enquanto o monopólio é jungido à exploração de atividades econômicas em sentido estrito, o privilégio se relaciona à prestação de serviços públicos, situação em que se enquadra a ECT.
No entanto, a ECT, além de prestar os serviços incursos no privilégio postal, também realiza atividades outras, que não se encontram insertas no âmbito estrito do referido regime, em relação às quais reside controvérsia acerca da aplicabilidade ou não da imunidade tributária extensível, havendo inúmeras demandas em curso, tanto nos Juízos de primeiro grau quanto nas instâncias recursais, versando acerca da matéria em tela.
Pretende-se, pois, demonstrar, em linhas gerais, os fundamentos da imunidade tributária aplicada à ECT, bem assim o entendimento que foi sufragado pelo Supremo Tribunal Federal – STF no leading case concernente à possibilidade de extensão da imunidade aos serviços exercidos fora do regime de privilégio, a fim de indicar ao intérprete as diretrizes básicas aptas a orientar o entendimento acerca da matéria.
2 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A ECT
No sistema constitucional tributário ora vigente, encontram-se, lado a lado, os princípios constitucionais tributários (legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridades, não-confisco, entre inúmeros outros, tanto explícitos quanto subjacentes à ordem constitucional hodierna) e as imunidades, exsurgindo, através da delimitação destes conceitos, o que a doutrina entende por limitações constitucionais ao poder de tributar.
No que concerne à temática atinente às imunidades tributárias, é cediço, conforme visto, que se trata de limitação ao poder de tributar e, como tal, de cláusula pétrea, tratando-se, destarte, de limite material ao poder constituinte derivado ou de reforma[1].
Segundo Paulo de Barros Carvalho, imunidade quer dizer
“a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações suficientemente caracterizadas”. (CARVALHO, 2004, p. 181)
É certo que, conforme a enaltecida parêmia tributarista, o constituinte não cria tributos, mas atribui competência tributária. Pode-se afirmar, pois, que a competência de criar e exigir tributos vem especialmente delimitada na Constituição Federal, criando um âmbito material de incidência das espécies tributárias. A competência já vem especificamente explicitada na Constituição, de forma que a imunidade consiste em hipótese em que essa competência sequer é atribuída ao ente tributante, sendo considerada "uma forma qualificada ou especial de não incidência" (FALCÃO, 2002, p. 64).
Por esta razão, Hugo de Brito Machado conceitua imunidade como “o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO, 2008, p. 230).
Entre as imunidades tributárias enumeradas no art. 150 da Constituição Federal, destaca-se a constante no inciso VI, a, a seguir transcrito:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;”
Sabe-se que a existência da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, intitulada por Sacha Calmon Navarro Coelho de “imunidade intergovernamental recíproca” (COELHO, 2001, p. 259), tem por escopo básico assegurar o respeito ao pacto federativo, voltando-se ao equilíbrio entre as unidades da federação e à inviabilidade da subversão da forma de Estado adotada pelo Brasil. Esta imunidade justifica-se porquanto a cobrança de impostos por um ente federado sobre patrimônio, bens, rendas ou serviços de outro inexoravelmente acarretaria uma agitação na organização federativa, possivelmente gerando odiosa desarmonia na convivência das entidades políticas que compõem o Estado Brasileiro.
Neste pórtico, os precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF apontam para três vertentes que condicionam o alcance da imunidade recíproca, a seguir transcritas:
“1) A imunidade recíproca opera como salvaguarda do pacto federativo, para evitar que a tributação funcione como instrumento de coerção ou indução de entes federados;
2) A imunidade recíproca deve proteger atividade desprovida de capacidade contributiva, isto é, atividades públicas em sentido estrito, executadas sem intuito lucrativo;
3) A imunidade tributária recíproca não deve beneficiar a expressão econômica de interesses particulares, sejam eles públicos ou privados, nem afetar intensamente a livre iniciativa e a livre concorrência (excetuadas as permissões constitucionais).”
A ratio essendi da aludida imunidade abrange, segundo o §2º do mesmo artigo, as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, não se aplicando, conforme o §3º, aos relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonerando o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Em que pese o mencionado dispositivo legal apenas fazer expressa menção às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, o Supremo Tribunal Federal, através do leading case do Recurso Extraordinário 407.099-5/RS, estendeu a aplicação da imunidade prevista no §2º do art. 150 da CF às empresas públicas que prestem serviço público reservado à União, como é o caso da ECT.
Isto porque teriam tais empresas públicas a natureza jurídica de autarquias, às quais não se aplicam o disposto no art. 173, §1º, da Constituição Federal, mormente se levando em consideração que a ECT exerce serviço público de prestação compulsória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, com fulcro no art. 21, X, da Constituição Federal. Ou, no dizer de Roque Antônio Carrazza, por se mostrarem como "longa manus das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam [as empresas públicas] e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar" (CARRAZZA, 2003, p. 652).
Conforme lição do eminente jurista Ives Gandra da Silva Martins,
“no que diz respeito aos serviços privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados, nitidamente, a imunidade os abrange, sendo seu regime jurídico pertinente àquele da Administração Direta. Colocadas tais premissas, entendo que a natureza jurídica dos serviços postais é de serviços públicos próprios da União, em regime de exclusividade, assim como o patrimônio da empresa é patrimônio da União (…)
Por serem serviços públicos exclusivos, em regime semelhante aos serviços monopolizados, seu regime jurídico transcende os demais serviços públicos não exclusivos, próprios ou monopolizados, compondo a própria ação da Administração Pública, que, se indireta na formatação, é direta na atuação com tratamento constitucional tributário peculiar da Fazenda Pública. Não sem razão, a imunidade do artigo 150, inciso I, da CF, não extensível a serviços públicos não monopolizados, exclusivos ou próprios (art. 150, § 3º, da CF), pela Suprema Corte, foi entendido como aplicável aos Correios e Telégrafos, ao reconhecer a recepção do DL 509/69 como legislação compatível com a atual Magna Carta”. (MARTINS, 2001, p. 58).
Nesta senda, é unívoco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que a imunidade tributária recíproca se aplica à ECT, por prestar serviços exclusivos e obrigatórios da União (precedentes: RE 424.227/SC, RE 364.202/RS, RE 354.897/RS, RE 398.630/SP, RE 357.291 AgR /PR).
Incumbe mencionar que o STF já teve a oportunidade de decidir, através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46, que o serviço postal prestado pela ECT é serviço público em regime de exclusividade, em razão do privilégio fiscal que permeia a referida prestação.
No entanto, hodiernamente, instaurou-se celeuma acerca da aplicabilidade da referida imunidade em relação a impostos incidentes sobre atividades realizadas pela ECT que não se encontram jungidas ao serviço público primário, como, à guisa de exemplificação, a venda de títulos de capitalização, de cupons de apostas, sorteios ou prêmios; a cobrança e o recebimento por conta de terceiros (por exemplo, o “Banco Postal”), entre outros, não adstritos exclusivamente ao serviço postal.
A discussão adveio diante da cobrança de imposto municipal (imposto sobre serviço de qualquer natureza – ISSQN)[2] em razão da ocorrência de fato gerador do referido tributo através da prestação de serviço que inequivocamente não era público nem estava inserido na seara de serviço postal propriamente dito, previsto estritamente no âmago do art. 9º da Lei nº 6.538/78.
É fato que, diuturnamente, a ECT vem desempenhando papéis e serviços próprios da iniciativa privada, o que, em tese, seria apto a pôr em xeque a jurisprudência firmada pelo STF, em razão da prestação de serviços eminentemente privados, sendo mister ponderar a espécime de patrimônio, renda ou serviço abrangido pela imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/88.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 601.392/PR, realizado no dia 28 de fevereiro de 2013, houve intenso debate entre os Ministros em relação à extensão da imunidade a estes serviços não abrangidos pelo privilégio da União. Por maioria de votos, o Plenário do STF reconheceu que a imunidade recíproca alcança todas as atividades exercidas pela ECT.
O relator, Ministro Joaquim Barbosa, entendeu que a exoneração integral e incondicionada de impostos concedida à ECT desvia-se dos objetivos justificadores da proteção constitucional. Explicou o posicionamento por ele sustentado através dos seguintes argumentos:
"a ECT desempenha algumas atividades de intenso e primário interesse privado-particular, ou seja, não-público. Por exemplo, é notório que os Correios cedem sua estrutura e serviços para a “venda” de títulos de capitalização. As operações com tais títulos têm como objetivo o lucro das entidades públicas ou privadas que os disponibilizam, sem qualquer vinculação com a função institucional da ECT. Nesta perspectiva, a exoneração tributária teria como conseqüência a diminuição do preço a ser cobrado do interessado em distribuir os títulos, dado ser possível calcular a carga tributária e repassá-la àquele que terá o maior benefício com a exploração da atividade.
Sabe-se também que as agências dos Correios são utilizadas para operações do chamado “Banco Postal”. Atualmente, uma grande instituição financeira privada é responsável pelo Banco Postal, e é lícito supor que uma parceria desta natureza não tenha motivação filantrópica. Não causa qualquer perplexidade a tributação de instituições financeiras quando estas atuarem com base em agências próprias. Dada a capacidade contributiva da atividade e a inexistência de risco de desequilíbrio entre empresa da União e outros entes federados, não há razão para aplicar a imunidade tributária ao produto obtido com este tipo de parceria. Por fim, trago um terceiro exemplo.”
Prosseguiu afirmando que "em sentido semelhante, também entendo que sempre que os Correios prestarem serviços também franqueados à iniciativa privada a imunidade não deverá ser aplicada, para evitar vantagens competitivas artificiais em detrimento do princípio da concorrência".
Sua tese sustentou-se, ainda, na ilação de que a ECT poderia repassar eventual carga tributária à contraprestação exigida dos clientes de serviços alheios à atividade postal, pois a exoneração integral e irrestrita de impostos sobre os serviços acarreta a concorrência desleal entre os prestadores de serviços que utilizam a estrutura dos Correios, certamente desonerados e beneficiários de redução expressiva na carga tributária e os que exercem essa atividade no regime eminentemente privado, sem qualquer relação com a ECT, existindo nítido malferimento à livre concorrência e aos princípios constitucionais que regem a ordem econômica.
Nessa assentada, acompanharam o voto do relator os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Cezar Peluso.
Por seu turno, o Ministro Carlos Ayres Britto suscitou a divergência, defendendo, em seu voto, que a imunidade recíproca é aplicável a todos os serviços prestados pela ECT, independentemente de sua área de atuação, ou seja, de se tratar de serviço atrelado ao privilégio postal estatal ou a serviço não correlato. Em seu voto, o eminente Ministro defendeu que o lucro eventualmente obtido pela empresa não se revela como "um fim em si mesmo, mas como um meio para a continuidade, a ininterrupção dos serviços a ela afetados".
Pela importância do tema, trago à colação excerto do voto do Ministro Ayres Britto, fundamental à compreensão da exegese da maioria do STF:
"Isso tudo obriga os Correios e Telégrafos a adotar uma política tarifária de subsídios cruzados, ou seja, buscar obter lucro aqui para cobrir prejuízo certo ali. E como os Correios realizam também direitos fundamentais da pessoa humana, como a comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações, praticando uma política de modicidade tarifária, eles alcançam a maior parte da população carente, da população economicamente débil".
Nesse diapasão, impende trazer à baila o conceito de subsídio (ou financiamento) cruzado que se depreende do julgado ora em análise, por ser um dos principais fundamentos embasadores da decisão da Corte. Pode-se entender por subsídio cruzado a obtenção de recursos financeiros através da prestação de serviços não abarcados pelo privilégio estatal, a fim de financiar e possibilitar a prestação destes serviços próprios do Estado, que, por si só, não são hábeis a prover sua manutenção. Mutatis mutandi, a empresa, eventualmente deficitária no serviço essencial, compensa essa deficiência com outros serviços, sob pena de não conseguir lograr êxito na consecução do serviço essencialmente público.
No julgamento do RE 601.392/PR, o voto vencedor reputou possível a
"adoção de política tarifária de subsídios cruzados, porquanto os Correios realizariam também direitos fundamentais da pessoa humana — comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações —, em atendimento que alçaria todos os municípios brasileiros (integração nacional) com tarifas módicas".
Conforme bem ressaltado pelo Ministro Dias Toffoli, "a baliza deve ser os superiores interesses de integração nacional, presentes nas atividades da ECT, garantindo-se, assim, a aplicação do Princípio Federativo".
Como as tarifas cobradas pela ECT são baixas, em atenção ao princípio administrativo da modicidade, e em face do advento da Internet e da massificação das comunicações e envio de boletos de cobrança, por exemplo, através daquele meio, constata-se, como bem asseverou o Ministro Gilmar Mendes, "que a base do monopólio dos Correios e Telégrafos está sofrendo um esvaziamento, uma elisão, por conta da evolução tecnológica" e que a fonte de recursos atrelada à estrutura do serviço postal não é suficiente para mantê-lo, para subsidiar, por exemplo, a entrega de cartas em longínqua província.
Outro aspecto considerado foi o de que não poderia haver a equiparação entre a ECT e as empresas comuns em termos de concorrência, em face do regime específico aplicável àquela empresa. A uma, em razão de os bens e serviços serem contratados através de licitação, com obediência à Lei nº 8.666/93. A duas, porque imprescinde da realização de concurso público para o provimento de seus cargos. A três, porque se submete à fiscalização do Tribunal de Contas. Assim, não haveria, conforme arrazoado pelo Ministro Lewandowski, "nenhuma disparidade de armas no que tange à concessão, ao reconhecimento dessa imunidade fiscal relativamente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, porque ela é, realmente, uma empresa pública".
Com base nesses argumentos, a divergência suscitada pelo Ministro Ayres Britto teve a adesão de outros cinco membros do STF, restando o voto emanado do relator Joaquim Barbosa vencido.
É certo que, ora mantendo-se o entendimento do STF na esteira da aplicação irrestrita da imunidade, ora modificando-se o posicionamento para uma análise circunstanciada do serviço prestado a fim de inferir o cabimento ou não da extensão da norma imunizante, necessário não perder de vista duas ideias que subjazem à interpretação do preceito constitucional.
Em primeiro lugar, não se pode exigir que a ECT, na consecução de suas finalidades precípuas, tenha que sacrificar seu patrimônio. O serviço postal consiste em importante instrumento de concretização de direitos fundamentais, como a comunicação e a informação, não podendo ser relegado a um segundo plano. É previsto constitucionalmente que cabe à União manter o tal serviço, de forma que este deve ser assegurado, sendo imprescindível, para isso, a garantia da imunidade aos serviços prestados pelos Correios. Aceitável, sob esse pretexto, inclusive a figura do financiamento cruzado. Desde que os valores adquiridos pelo subsídio cruzado (ou trocado) sejam utilizados nas finalidades primeiras da empresa pública, não se vê problema na extensão da norma imunizante, até mesmo em atenção à razão de ser da norma constitucional.
Por outro lado, não se pode esquecer que a ECT é uma prestadora de serviço essencial do Estado e que não pode ter como escopo primeiro o lucro, sendo imprescindível rigoroso controle por parte dos órgãos responsáveis, como o Tribunal de Contas, acerca da aplicação das rendas nas finalidades essenciais da empresa, em fiel observância ao §5º do art. 150 da Constituição Federal.
Existem, ademais, em trâmite do Supremo Tribunal Federal, dois recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida (RE 627.051/PE e ARE 643.686/BA, ambos de relatoria do Ministro Dias Toffoli) que versam acerca da matéria de imunidade tributária da ECT, ainda à luz da discussão sobre o privilégio do serviço postal versus atividades prestadas sob o regime de concorrência.
O RE 627.051/PE traz em seu bojo a celeuma acerca da (im)possibilidade de incidência de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS em relação ao transporte de mercadorias e encomendas[3] realizado pela ECT. O acórdão originário, exarado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 (Mandado de Segurança nº 92.739/PE), consignou que embora a ECT seja empresa pública federal, se sujeita às mesmas obrigações tributárias que as empresas privadas, razão pela qual o transporte de mercadorias que efetiva suporta a incidência do ICMS, por não restar albergada por imunidade constitucional. Argumentou a ECT que não interessaria, para fins de fixação da imunidade tributária, qual serviço específico que está sendo prestado pela empresa, uma vez que todos os recursos obtidos pela ECT são revertidos em favor do serviço postal, que, em ultima ratio é destinado à coletividade, em face da responsabilidade pela execução do serviço público essencial em regime de monopólio.
Por sua vez, o RE 643.686/BA versa acerca da incidência de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU sobre imóveis de propriedade da ECT. Foi suscitado pelo Relator que
“A prevalecer o entendimento que pugna pelo não reconhecimento da imunidade relativamente ao IPTU, seria necessário destacar quais os imóveis se destinariam às finalidades essenciais da entidade e quais não, ficando o Fisco incumbido de identificar quais seriam os estabelecimentos destinados exclusivamente à exploração de atividades não cobertas pelo regime de privilégio, quando se sabe que os imóveis normalmente servem de amparo a várias atividades, indistintamente”.
O Relator opinou pela existência de repercussão geral e pela ratificação da pacífica jurisprudência do STF, conhecendo do agravo, desde já, para negar provimento ao recurso extraordinário. No entanto, reconhecida a repercussão geral, o Tribunal, no mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (notadamente a do leading case RE 601.392), que será submetida a posterior julgamento no Plenário.
Desta forma, percebe-se que o tema da imunidade tributária da ECT em relação a serviços não abrangidos pelo privilégio postal tem reiteradamente sido discutido no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º Graus, terminando por novamente desaguar no Supremo Tribunal Federal, o que acarreta a constante reapreciação da matéria em exame.
Ressalte-se que, na decisão do RE 601.392, a decisão foi tomada por maioria (apertada, de seis a cinco, frise-se) dos votos. Como a decisão proferida em controle incidental de constitucionalidade, na visão tradicional, não possui efeitos vinculantes nem eficácia erga omnes, bem assim em razão da modificação na composição do Supremo Tribunal Federal (com o ingresso dos Ministros Teori Albino Zavascki e Luís Roberto Barroso), é necessária muita atenção para as diretrizes que os futuros julgamentos da Corte irão apontar[4].
Isso porque, conquanto tenha havido, no controle concreto realizado nos autos do RE 601.392, a afirmação de que se aplica a imunidade de forma irrestrita a todos os serviços prestados pela ECT, não se trata de matéria definitivamente pacificada no âmbito do STF, devendo o intérprete permanecer atento às vindouras decisões proferidas sobre o tema.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É cediço que o Supremo Tribunal Federal – STF estendeu a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, §2º, da Constituição Federal às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos reservados ao Estado, situação em que se enquadra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, incumbida da prestação do serviço postal.
Sendo irrecusável esta imunidade, instaurou-se discussão acerca da possibilidade de extensão da norma imunizante aos serviços prestados fora do regime de privilégio, como, à guisa de exemplificação, a venda de títulos de capitalização, de cupons de apostas, sorteios ou prêmios; a cobrança e o recebimento por conta de terceiros (por exemplo, o “Banco Postal”), entre outros.
Conforme exposto, o STF, por maioria de seis a cinco, entendeu que a imunidade é aplicável à ECT independentemente do serviço por ela prestado, porquanto os valores dele oriundos são aplicados na consecução das finalidades essenciais da empresa pública, através do chamado subsídio cruzado.
Não obstante a referida decisão, a matéria voltou a ser objeto de discussão através de dois recursos extraordinários em trâmite no STF, razão porque se faz imprescindível aguardar os futuros posicionamentos a ser adotados pela Suprema Corte, a uma, em virtude de o próprio Tribunal, na análise propedêutica do RE 643.686, não ter reafirmado a jurisprudência oriunda do leading case do RE 601.392 em relação ao tema, e, a duas, em razão da modificação na composição da Corte, o que pode acarretar mudança no entendimento ora dominante.
O que não se pode perder de vista é que a ECT realiza serviço público essencial, exclusivo do Estado, alcançando os mais longínquos rincões, e que se deve garantir a manutenção da atividade, por ser garantidora de direitos e garantias individuais de desmesurada relevância, como o direito à informação, à comunicação e o seu sigilo. Destarte, é imperioso que haja, por parte do Estado, a implementação de instrumentos mantenedores do serviço público fundamental, a fim de, em última instância, garantir direitos e garantias fundamentais.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Pós-graduanda em Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar – UNP. Analista Judiciário – Área Judiciária da Justiça Federal do Rio Grande do Norte
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