Resumo: Contempla-se, mediante uma visão dialética do conhecimento, embasado através de conceitos legais, doutrinários e casos concretos demonstrados em jurisprudência, o aspecto da incompatibilidade do instituto da prescrição com as medidas socioeducativas, uma vez que há uma evidente distinção entre os elementos da prescrição e a referida medida. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha editado a súmula 338 afirmando que a prescrição penal é aplicável as medidas socioeducativas, os princípios constitucionais da Proteção Integral da Criança e do Adolescente e da Prioridade Absoluta foram por deveras violados. Devendo ser ressaltado ainda a omissão do Estado em seu dever de garantidor para com os adolescentes, tendo em vista que a equiparação da prescrição da pena à medida socioeducativa proporciona um descaso do Poder Público, deixando a deriva àqueles que deveriam estar sob sua custódia.[1]
Palavras-chave:Medida Sócio Educativa. Prescrição. Pena. Estado.
Abstract: By a dialectic vision of knowledge, based on legal concept, doctrinaire and concrete cases shown at jurisprudence, the aspect of the incompatibility prescription institute in social measures education, since there isa evident distinction between prescription elements and that measures. Althoug the Superior Tribunal de Justiça has been edited the docket 338 saying the penal prescription is applicable to the social measures education, the constitutional principles of Integral Protection of Children and Adolescents and Absolute Priority was very violated. Must be related the Governament omission duty of guarantor with the teenager, in view of that matching prescription of penalty with social measures education provides a neglect of Government, leaving the ones thas should be under protection.
Keywords: Social Measures Education. Prescriprtion.Penalty. Government.
Sumário: 1. Introdução. 2. Instituto da Prescrição. 3. Valores Inerentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.1. Condição do Adolescente em Constante Desenvolvimento. 3.2. Doutrina da Proteção Integral e Princípio da Prioridade Absoluta. 4. Ato Infracional e a Medida Socioeducativa. 5. Inaplicabilidade do Instituto da Prescrição. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990, substituto do Código de Menores de 1979, até os dias hodiernos não teve sua autonomia científica reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a doutrina e a jurisprudência pátria insistem em tratá-lo como uma extensão tanto do direito civil quanto do direito penal, especificamente, no que tange ao tema da prescrição. A insistência se dá em aplicar regras penais ao sistema específico destinado à infância e juventude, travando, assim, perante os tribunais brasileiros discussões acerca da aplicação ou não do instituto da prescrição.
Durante a vigência do Código de Menores de 1979, como bem explicita a defensora pública Sponton(2011), prevalecia a Doutrina da Situação Irregular em detrimento da Doutrina da Proteção Integral, ignorando por completo o instituto da prescrição, alijando a crianças e adolescentes a garantia dos mais básicos direitos processuais e penais.
Com a entrada em vigor do atual Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a responsabilização infracional do adolescente em conflito com a lei surgiu através de medidas socioeducativas, entretanto, no que tange ao instituto da prescrição de tais medidas o supramencionado Estatuto apenas explicitou àquelas tidas como compulsórias, como atingir os 21 (vinte e um anos) e o prazo máximo de 3 (três) anos para aplicação da internação, mostrando-se silente em relação a prescrição da pretensão socioeducativa, dessa forma diversas divergências jurídicas surgiram em torno dessa temática.
Diante das demasiadas divergências jurisprudenciais a respeito da aplicação de um instituto inerente a dogmática jurídico penal nas medidas socioeducativas, em maio de 2007 o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 338(STJ, 2007): “A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas”, tentando, dessa forma, pacificar o assunto. Entretanto, diversos aplicadores do direito não compartilharam do conteúdo expresso na referida súmula, formando assim uma forte corrente doutrinária ao qual essa obra se dispõe a tratar.
Nas palavras de Ishida(2010), prescrição é a perda da pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar essa punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo. No caso do adolescente infrator, em similitude ao conceito penal, o Estado perde a pretensão concreta de aplicar a medida socioeducativa ou de executar essa punição.
Nesse contexto, o operador do direito equipara à medida socioeducativa a idéia da pena do direito penal. De acordo com o Juiz Bandeira(2010), titular da Vara da Infância e Juventude de Itabuna/BA, o fato de não dissociar o direito penal do ato infracional tem como fundamento teórico a violação ao princípio da igualdade, uma vez que a medida socioeducativa trata-se de uma sanção imposta, possuindo as mesmas características das penas, dessa forma estaria impondo tratamento mais severo e rigoroso ao negar ao adolescente infrator o benefício da prescrição.
Entretanto, tal entendimento não prospera pacificamente no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a medida socioeducativa trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é distinta da pena aplicada no direito penal, não havendo que se falar em princípio da igualdade quando os institutos equiparados são de naturezas distintas, desta forma a prescrição de um, não pode ser entendida da mesma forma no outro, pois as finalidades não são as mesmas.
Embora diversos doutrinadores e a jurisprudência maciça do ordenamento jurídico pátrio entendam não haver previsão da prescrição no Estatuto da Criança e do Adolescente, tal entendimento não condiz com a realidade, uma vez que o legislador determinou o referido instituto em dois artigos: art. 2º, parágrafo único e art. 121, §3º e §5º, ambos tratando da impossibilidade do Estado executar a medida socioeducativa imposta em virtude de ter cessado sua tutela estatal conferida aos menores, seja pela idade máxima de 21 (vinte e um) anos atingida pelo até então adolescente, seja pelo prazo máximo de 3 (três) anos da aplicação da medida de internação.
Referida afirmação acerca da existência da previsão do instituto da prescrição se materializa no parágrafo único do artigo 2º e parágrafos 3º e 5º do artigo 121, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990):
“Art. 2º Omisso
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Art. 121. Omisso
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.”
Dessa forma, evidenciado está que as únicas intenções do legislador em tratar sobre prescrição foram às supracitadas, caso houvesse a real intenção de aplicar a prescrição da pretensão punitiva aos adolescentes em conflito com a lei da mesma forma que as ciências penais, assim o teria feito, uma vez que não foi omisso quanto a outras regras referentes a este.
Para o ilustre Promotor de Justiça Ramidoff(2011) não se justifica a utilização da súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça por não se afigurar plausível considerar a contagem do tempo, requisito legal objetivo da prescrição advinda das ciências penais, em sobreposição o instituto da reavaliação a qualquer tempo das medidas socioeducativas, aplicadas judicialmente segundo as condições humanas e peculiares de desenvolvimento do adolescente que se envolve em um acontecimento conflitante com a existência da norma legal.
Conforme o mesmo autor supramencionado a reavaliação da medida legal judicialmente adotada, que poderá ser realizada a qualquer tempo, pode gerar a esta sua manutenção, modificação, substituição ou extinção, independente de determinação de prazo legal, demonstrando assim a completa impertinência da utilização do instituto jurídico legal da prescrição penal, uma vez que é comprovado que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui categorias, elementos e institutos legais de caráter protetivo, específico e sistematizado, oferecendo assim resoluções adequadas às questões relacionadas aos direitos individuais e as garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes.
2. INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
Com a entrada em vigor do atual Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a responsabilização infracional do adolescente em conflito com a lei surgiu através de medidas socioeducativas, entretanto, no que tange ao instituto da prescrição de tais medidas o Estatuto da Criança e do Adolescente apenas explicitou àquelas tidas como compulsórias, sendo estas: atingir os 21 (vinte e um anos) e o prazo máximo de 3 (três) anos para internação, mostrando-se silente em relação aos demais prazos prescricionais, dessa forma diversas divergências jurídicas surgiram em torno dessa temática.
Nas palavras de Torres(2008), quando uma pessoa comete um crime nasce para o Estado o direito de punir o agente, ou seja, surge para o Estado uma pretensão punitiva. Entretanto, o denominado jus puniendi deverá ser exercido em um determinado lapso temporal. Assim, se o Estado, por algum motivo, não exercer esse direito não poderá mais fazê-lo, uma vez que configurado está o instituto da prescrição, perdendo assim o direito a punição. No caso do adolescente infrator em similitude ao conceito penal, o Estado perde a pretensão concreta de aplicar a medida socioeducativa ou de executar essa punição, pois o adolescente em confronto com a lei não comete crime, e sim medida socioeducativa.
O objetivo principal da prescrição é impedir a perpetuação no tempo de uma punição, pois dessa forma o Estado estaria proporcionando aos seus uma insegurança jurídica, por muitos doutrinadores vista como uma possibilidade de punição perpétua, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Para aqueles que defendem a aplicação da prescrição para as medidas socioeducativas, esta será calculada na forma do art. 109 do Código Penal, reduzindo-se os prazos à metade em razão da menoridade, nos termos do art. 115 do código supracitado, tendo sempre em vista o limite máximo previsto para duração da medida de internação.
Referida afirmação acerca da aplicação da prescrição se materializa nos artigos 109 e 115 do Código Penal (DECRETO LEI Nº 2.848 DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940), como transcrito abaixo:
“Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.
Art. 115 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.” (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
A prescrição, em sendo matéria de natureza material penal, é incompatível com a natureza das medias socioeducativas, uma vez que na prescrição da pena o Estado perde o direito, tido como poder-dever, de punir os imputáveis em face do decurso do tempo, enquanto que nas medidas socioeducativas o Estado não deve, em função de sua própria inércia, renunciar ao dever primário de reeducar o adolescente em conflito com a lei, na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, buscando sempre a readaptação social. (BANDEIRA, 2010).
Fazendo referência ao entendimento de Tribunais pátrios que acolhem a incompatibilidade da prescrição no que tange as medidas socioeducativas, mister ressaltar o entendimento do Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Biber(2008), relator da Apelação Criminal nº 1.0467.07.000435-4/001, afirmando, em seu voto, não se saber qual a causa jurídica que se estaria sustentando a aplicação do reconhecimento da prescrição da pretensão executória da medida socioeducativa imposta, uma vez que os atos infracionais não estariam sujeitos aos prazos prescricionais delimitados na norma civil ou penal, mas tão somente à condição delimitada pelo art. 2º, parágrafo único c/c art. 121, §5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (descritos acima), que autorizam a persecução estatal até a idade de vinte e um anos. Apenas sendo possível suscitar prescrição da pretensão executória quando o cumprimento da medida extrapolar o prazo legal de 3 (três) anos ou ainda, quando o menor tenha completado 21 (vinte e um) anos, data em que não mais poderia o Estado executar a medida socioeducativa.
Em seu voto, o já mencionado Desembargador afirma ainda conhecer o posicionamento da súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que os atos infracionais sujeitem-se aos prazos prescricionais delimitados na norma penal, entretanto não há como concordar com tal entendimento, haja vista não reconhecer qualquer caráter retributivo da medida socioeducativa que possa derivar da prática do ato infracional.
A aplicação da prescrição seria possível as medidas socioeducativas em caso de construção normativa, seria como uma “prescrição socioeducativa”, especifica da ciência que rege a infância e juventude, que não se oriente pelos ditames ou critérios estabelecidos pela dogmática jurídico penal, mas sim por diretrizes jurídicos protetivas, humanitárias, estabelecidas pelos fundamentos da doutrina da proteção integral que rege o disciplinamento das normas aplicadas àqueles tidos em desenvolvimento. Para tanto, indispensável se faz o estabelecimento de requisitos de cunho objetivos e subjetivos, os quais deverão ser devidamente aferíveis periodicamente por uma equipe interprofissional, elencada no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 150 e 151, que acompanham o cumprimento das medidas socioeducativas, através das informações prestadas na elaboração de relatórios individuais que evidenciarão o compromisso do jovem com o projeto socioeducativo, pedagógico, estabelecido. (RAMIDOFF, 2011)
Referida afirmação acerca dos requisitos de cunho objetivo e subjetivo a serem aferidos periodicamente por uma equipe interprofissional se materializa nos artigos 150 e 151, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990):
“Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.”
3. VALORES INERENTES AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
3.1. CONDIÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONSTANTE DESENVOLVIMENTO
Fazendo referência ao monografista Bolesina(2008), tanto a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente vigente e as Convenções Internacionais sobre os direitos da criança e do adolescente promovidas pela Organização das Nações Unidas trataram a adolescência como período de vida humana entre a infância e idade adulta, indicando que adolescência é gênero que revela várias espécies.
Entretanto, cada adolescência é única, singular, e como tal deve ser respeitada em sua alteridade. Sem essa compreensão o mero fator biológico de se completar a idade respectiva significaria o início da adolescência, situação de fato ilusória. (ROSA, 2007)
O transcurso do tempo, para um adolescente que está formando sua personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para pessoas biologicamente maduras, uma vez que a primeira ainda está em pleno desenvolvimento biológico e mental, não podendo ser tratada da mesma forma que aquela que já possui discernimento completo, possuindo plena capacidade de entender o certo e o errado, enquanto que o indivíduo em desenvolvimento não possui experiências de vida necessária para abarcar tal cerne moral e legal, é um ser facilmente vulnerável a outros indivíduos. Dessa forma, não há sentido conceder tratamento igualitário entre pessoas que encontram em situações biológicas e, principalmente, psicológicas distintas.
Conforme o mesmo autor, os requisitos subjetivos que deverão ser legalmente estabelecidos deverão ser vinculados com a condição humana peculiar de desenvolvimento da personalidade do adolescente a quem se atribui a autoria de um ato infracional, uma vez que este se encontra num projeto pedagógico individualizado de subjetivação, no intuito de se tornar um cidadão responsável por si e respeito pela sociedade.
A condição peculiar em constante desenvolvimento a qual se encontra o adolescente é demonstrada explicitamente pelo Estatuto em seu art. 6º, como transcrito abaixo, estabelecendo que o fim social da referida lei é o da proteção integral da criança e do adolescente e o bem comum é o que atende aos interesses de toda sociedade. A condição peculiar da criança e do adolescente deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara da Infância e Juventude, em que as autoridades devem procurar as medidas mais adequadas à proteção daqueles. (ISHIDA, 2010)
“Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE)
O aplicador do direito não pode esquecer que o menor é um ser incompleto, dessa forma, como explicitado por Mário Volpe no comentário ao art. 104 da obra de Munir Cury (2010), é naturalmente anti- social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal, o jovem não precisa ser exposto à contaminação carcerária e sim ser restabelecido em um convívio social adequado para seu desenvolvimento.
3.2. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA
O Estatuto da Criança e do Adolescente, que hoje vigora em nosso ordenamento, adotou a Doutrina da Proteção Integral como sua prioridade, demonstrando tal ênfase ao tema ao explicitá-lo diretamente em seu artigo introdutório, (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE): “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, elevando estes à condição de sujeito de direito, surgindo assim diversos direitos e garantias destinados a esses novos sujeitos.
Para Ishida(2010) a doutrina da situação irregular, vigente no Código de Menores, limitava-se basicamente a três matérias: menor carente; menor abandonado; diversões públicas.
Referida doutrina passa a vigorar em nosso ordenamento contrapondo-se a maneira com a criança e o adolescente eram tratados pelo antigo Código de Menores, tidos como incapazes, objetos de direito, onde a proteção destes não tinha importância relevante no âmbito social e jurídico, eram tratados como mero objeto do processo. Essa situação foi modificada pela doutrina da proteção integral, que atribuiu a criança e ao adolescente direitos fundamentais, tratando-os como sujeitos de direito, cidadãos, respeitando a peculiar situação de desenvolvimento físico e psíquico destes.
Lúcia Maria Xavier de Castro expõe, em seus comentários ao art. 100 da obra da Cury (2010), que falar em proteção integral implica a superação de uma leitura de direitos de crianças e adolescentes apenas pelo viés da vulnerabilidade. No Código de Menores crianças e adolescentes era considerados pela lei apenas quando em situação de risco, entretanto, não é esta a visão da Convenção sobre direitos da criança, nem da Constituição Federal ou do Estatuto. A proteção integral significa a fundamentação de uma perspectiva de direitos humanos de crianças e adolescentes e o reconhecimento, nos termos do art. 5º da Declaração de Viena e do Programa de ação, de que “todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependente e inter-relacionados.”
A mesma doutrinadora explicita ainda que a Proteção Integral é prioritária no sentido de que deve anteceder à garantia de direitos de outras pessoas, em reconhecimento à diferenças geracional que marca a relação entre crianças, adolescentes e adultos e à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Um dos objetivos principais da intervenção estatal, nos termos do art. 228 da Constituição Federal, no entendimento de Ramidoff(2011), é a proteção integral do adolescente ainda que em “conflito com a lei”. Nos casos em que a medida legal – protetiva ou socioeducativa – judicialmente aplicada não mais se mostrar adequada para a resolução do caso concreto, sendo este a construção de um projeto de vida responsável que conte com a anuência do adolescente que se envolveu num acontecimento conflitante com a existência da norma, impõe-se a sua revisão judicial.
Conforme disciplina Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p.134):
“[…] a intervenção não se resume na reprovação da conduta, manifestada pela imposição da medida sócio-educativa, mas impõe conteúdo capaz de propiciar ao jovem a ela submetida aquisição de condições objetivas quelhe permitam enfrentar os desafios do cotidiano sem a utilização de recursos que importem na violação de direitos de outrem”.
A Doutrina da Proteção Integral é consubstanciada na Convenção sobre Direitos da Criança em seu art. 3º, item 2, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 3º, (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990), como demonstrado abaixo, respectivamente.
“Artigo 3
2. Os Estados-partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, para este propósito, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas apropriadas.”
Ao lado da Doutrina da Proteção Integral encontra-se o Princípio da Prioridade Absoluta, explicitado na Constituição Federal em seu art. 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º, caput, atribuindo a criança e ao adolescente a primazia em todas as esferas de interesse destes, tanto no âmbito social, jurídico e cultural. Aos menores são garantidos todos os direitos fundamentais expressos na Constituição, sem distinção de cor, raça, sexo, devendo ser respeitado sempre.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL, 1988). (alterações acrescidas)
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. (Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990).
Além de destacar a importância dos direitos fundamentais da Criança e do Adolescente especificamente, enquanto grupo que goza de especial proteção, a Constituição previu que os direitos fundamentais da criança e do adolescente tivessem prioridade absoluta, como bem ensina Vasconcelo(2011). De acordo com este nenhum outro grupo ou pessoas recebeu uma proteção tão enfática da Carta Magna, visto que impôs dever de proteção a família, sociedade e Estado aos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Como se infere pela argumentação trazida à colação, citando Bandeira (2010), a aplicação da prescrição, instituto oriundo do direito penal, nas medidas socioeducativas é incompatível com os princípios que informam a natureza peculiar destas, uma vez que viola os princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da prioridade absoluta dos direitos dos adolescentes, bem como sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, cuja sanção se diferencia por sua função pedagógica.
4 ATO INFRACIONAL E A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
O Estatuto da Criança e do Adolescente conceitua Ato Infracional, em seu art. 103, como “conduta descrita como crime ou contravenção penal”, destinada apenas àqueles tidos como penalmente inimputáveis, sendo estes os menores de dezoito anos, como descreve o art. 104 do mencionado Estatuto.
Diferentemente do Direito Penal, como informa Sponton(2011), que apresenta parâmetros fixos para a punição do autor de um delito, a resposta estatal para o cometimento do ato infracional não conta com parâmetros determinados, como acontece com as penas no direito penal, tendo o magistrado ampla discricionariedade na aplicação das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA e na determinação da extinção de seu cumprimento.
Fazendo referência ao entendimento do ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Biber(2008), relator da Apelação Criminal nº 1.0467.07.000435-4/001, o que se destina com o instituto de ato infracional é propiciar condições psicossociais e familiares para provocar condições capazes para o menor enfrentar os obstáculos necessários ao seu bom desenvolvimento emocional, social e físico. Para tal desiderato, o sistema de proteção oriundo do Estatuto da Criança e do Adolescente tem como finalidade salvaguardar o menor, propiciando uma forma de intervenção estatal a fim de criar condições para a reintegração social, familiar e educativa, para que desta forma não apenas proteja o adolescente e sua família, mas principalmente a própria sociedade das conseqüências criminológicas advindas da não contenção das ações infracionais.
Tal constatação se coaduna com a disciplina de Ramidoff(2011), entendendo que não se pode desconsiderar a finalidade sistemática do Estatuto da Criança do Adolescente, supra mencionada, para reduzir a análise judicial da manutenção ou não das medidas aplicadas a aspectos meramente procedimentais, valorizando apenas a fórmula (aspecto formal e processual), em detrimento da substancialidade (aspecto essencial humano) que pode proporcionar processos de subjetivação em relação a qualidade de vida individual e coletiva destinados aos adolescentes a quem se atribuem á prática de um ato infracional.
De acordo com Paula(2002), umas das características marcantes das medidas legais aplicáveis ao adolescente em conflito com a lei é a provisoriedade decorrente da instrumentalidade que também a caracteriza, ou seja, consiste na possibilidade de substituição da medida socioeducativa a qualquer tempo. As medidas legais que contemplam privação de liberdade, enquanto socioeducativas devem ter sua manutenção reavaliada a qualquer tempo, mediante decisão fundamentada.
Aduz Ramidoff(2011)que as medidas devem ser revista a qualquer tempo, dependendo para tanto que as circunstâncias fáticas e as condições pessoais do adolescente tenha sido modificada e avaliadas através de estudo individual, familiar e social elaborada pela equipe técnica e multidisciplinar que deve existir em cada um dos equipamentos em que se cumpram medidas socioeducativas correspondentes a privação de liberdade.
Entendendo que o ato infracional se destina apenas àqueles tidos como inimputáveis, o Princípio da Inimputabilidade, previsto no art. 27 do Código Penal, colocou fim na imprecisão terminológica do legislador no que tange aos termos irresponsabilidade e inimputabilidade, como explicita Mário Volpe em seu texto exposto no art. 104 da obra Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Cury (2010), restando evidenciado que o adolescente não mais seria tratado como irresponsável, como outrora ocorria no Código de Menores, e sim seria tratado como inimputável, sendo suficiente o critério etário para torná-lo penalmente inimputável, qualquer que seja a atuação infracional, restando evidenciado o caráter objetivo estabelecido.
Essa presunção absoluta de falta de discernimento do menor quando do cometimento da prática de sua ação ou omissão é um critério de política criminal por deveras discutido no ordenamento jurídico, no entanto não merece melhor ênfase nesta obra, uma vez que não é o foco desta.
As medias socioeducativas previstas no art. 112do Estatuto da Criança e do Adolescente não tem a mesma natureza e intensidade das penas previstas no Código Penal, uma vez que, de acordo com o art. 121, caput, do ECA, devem ser regidas pelos princípios da excepcionalidade, brevidade e principalmente observando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como demonstrado na transcrição abaixo:
“Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. (LEI Nº 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990).
A principal distinção entre a medida socioeducativa e pena se dá na natureza de cada uma, uma vez que a pena é determinada, tem caráter retributivo e de prevenção geral e especial. Já a medida socioeducativa é indeterminada e, embora tenha caráter retributivo, haja vista o seu caráter restritivo e privativo de liberdade, tem uma natureza jurídica preponderantemente pedagógica, ou seja, além dos objetivos de prevenção geral e especial, tem uma função eminentemente ressocializadora, uma vez que visa reestruturar a vida do adolescente em conflito com a lei, não deixando esquecida sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, tendo como objetivo maior reverter os fatores criminógenos para transformá-lo em cidadão. (BANDEIRA, 2010).
Napoleão do Amarante, em seus comentários prestados no art. 105 da obra da Cury (2010), informa haver consenso nos dias atuais em torno do entendimento de que a conduta infracional da criança e do adolescente não pode ser encarada como fonte das penas que se destinam aos imputáveis pela prática de crimes ou contravenções. Não é a repressão o remédio adequado a ser ministrado ao menor infrator. Entretanto, a inimputabilidade penal absoluta discutida acima não significa que ao adolescente em desenvolvimento não haja previsão de medidas adequadas, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece medidas adequadas na lei, com o único escopo de tornar possíveis a reeducação e encaminhamento do adolescente infrator como pessoa bem-formada para a cidadania do amanhã.
Conquanto as medidas socioeducativas, prevista no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, possuam caráter retributivo e repressivo, a sua natureza é revestida na prevenção e reeducação.
Esse entendimento tem sido o de diversos Tribunais, o que se ilustra através do aresto das decisões proferidas destacadas abaixo:
“Se o objetivo da lei é a proteção da criança e do adolescente com a aplicação de medidas socioeducativas tendentes a permitir a sua remissão dos autos e de procedimento irregular que possa impedir seu desenvolvimento e integração na sociedade, o que deve ser analisado é a sua conduta, sob o aspecto da sua adequação social e da sua conformação com os hábitos e costumes tradicionalmente aceitos. Em outras palavras, não se exige que o menor tenha praticado um crime para, só então aplicar-lhe medida socioeducativa. Se assim for, a medida perderá esse caráter de proteção social e educativa, para transmudar-se em verdadeira pena". (TJSP – C. ESP. 24.020-0 – REL. YUSSEF CAHALI – J. 23/03/95). (grifos acrescidos)
“Por sua vez, quando se trata de crime praticado por adolescente, considerações diversas são necessárias, haja vista quando a prática de um ato infracional, definido pelo ECA como conduta descrita como crime ou contravenção penal, deve-se ter em mente os princípios e as diretrizes que regem o Estatuto Menorista, para não restringir apenas ao exercício quase inevitável de comparação com o ato/crime praticado por imputáveis.
Da mesma forma, o princípio fundamental que rege o Estatuto da Criança e do Adolescente é assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos fundamentais. Portanto, no caso de menores, o objetivo não é a penalização e, sim, a recuperação do adolescente.” (TJRN –APELAÇÃO CÍVEL N.º 2009.012630-1 – Rel. Vivaldo Pinheiro – j. 11.03.2011) (grifos acrescidos)
A ideia principal da aplicação das medidas socioeducativas é a de prevenção, sobreponde-se a repressão, uma vez que no sistema socioeducativo a normatividade é fluida e aberta, não havendo parâmetros determinados, sendo possível inclusive a aplicação de medida por prazo indeterminado, o que não acontece no âmbito penal. (BANDEIRA, 2010).
Devendo ser ressaltando ainda que os direitos das crianças e dos adolescentes abarcam, em sua ciência, princípios eleitos pelo legislador estatutário inerentes as medidas socioeducativas, que não guardam nenhuma compatibilidade com as penas. São eles o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, a prioridade absoluta dos direitos das crianças e adolescentes e o princípio da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Referidos princípios demonstram a especificidade desses valores para com os adolescentes em conflitos com a lei, demonstrando assim que medidas socioeducativas são tidas como tutelas jurisdicionais especiais, diferenciada de outros ramos do direito. (BANDEIRA, 2010)
O Direito Penal nunca serviu e, por certo, jamais servirá para a emancipação da subjetividade humana e, muito menos para a melhoria da qualidade de vida (pessoal) do adolescente que se envolveu num acontecimento conflitante com a existência da norma, haja vista não ter o condão de agregar direitos ou preparar o respectivo núcleo familiar para lidar com assuntos vinculados a pequenas indisciplinas tanto quanto a atos infracionais. (RAMIDOFF, 2011)
Ainda fazendo referência ao entendimento do mesmo jurista, a medida socioeducativa, em decorrência de sua natureza jurídico-pedagógica, não admite o reconhecimento do instituto penal da prescrição, pois, em que pese o decurso de lapso temporal entre a conduta infracional e o início do cumprimento de medida socioeducativa, é certo que a qualquer momento, desde que por decisão fundamentada e em observância ao devido processo legal, pode ser modificada, substituída, suspensa ou ate mesmo extinta a medida judicialmente aplicada.
5. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
Diante da divergência instalada no âmbito jurídico brasileiro a respeito da prescrição da pretensão das medidas socioeducativas, o Superior Tribunal de Justiça editou, em 2007, a súmula 338 no intuito de pacificar referida discussão, determinando que a prescrição penal é aplicável à medida socioeducativa. No entanto, referido súmula não foi suficiente para que fossem superadas as divergências sobre o tema. (SPONTON, 2011).
Segundos as lições de Ramidoff(2011), a já mencionada súmula 338 editada pelo Superior Tribunal de Justiça deve ser cancelada, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui institutos jurídicos aptos para a resolução adequada dos casos concretos no que se referem à aplicação e ao cumprimento de medidas socioeducativas por adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional. Não se justifica a sua utilização por não se configurar adequado simplesmente considerar o fator lapso temporal, requisito predominante da prescrição penal enquanto instituto jurídico-legal pertinente à dogmática jurídico-penal, em detrimento da reavaliação jurídica, social e pedagógica da medida socioeducativa aplicada judicialmente, segundo as condições humanas peculiares de desenvolvimento do adolescente envolvido em um acontecimento conflitante com norma legal.
Ainda no entendimento do mesmo jurista, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seus dispositivos a possibilidade de reavaliação da medida legal juridicamente adotada, nos termos do que se encontra disposto no art. 99, combinado com art. 113 e com art. 128, todos presentes no referido Estatuto, que poderá ocorrer a qualquer tempo. Tal realidade, por si só, já demonstra a completa impertinência da utilização do instituto da prescrição penal, pois constatado está que referida lei possui categorias, elementos e institutos jurídicos legais de caráter protetivo, específicos e sistematizados, que oferecem resoluções adequadas às questões relacionadas aos direitos individuais e às garantias fundamentais da criança e do adolescente.
Entende o Desembargador Biber(2008), na Apelação Criminal n° 1.0467.07.000435-4/001, que em relação ao instituto da prescrição, não há como aplicá-lo em relação a prática de atos infracionais uma vez que não é possível delimitar a causa jurídica que estaria sustentando a pretensão declinada, pois os atos infracionais estão sujeitos as prescrições previstas no art. 2º, parágrafo único cominado com art. 121, §5º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que autoriza a persecução estatal até a idade de 21 (vinte e um anos), não estando tal instituto sujeitos aos prazos prescricionais delimitados na norma civil e penal.
Não há que se argumentar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê instituto da prescrição como forma de aplicação subsidiária do Código Penal, uma vez que o art. 152 do referido estatuto estabeleceu, de forma restrita, a aplicação de normas de natureza processual penal, e não penal. Por outro lado, o art. 226 do mesmo estatuto admite a aplicação subsidiária das normas gerais do Código Penal somente com relação aos crimes cometidos contra crianças e adolescente e as infrações administrativas, não se aplicando aos atos infracionais praticados pelos adolescentes. (BANDEIRA 2010).
Como bem proferido pela monografista Jéssica Benjoíno Matos citada na obra do ilustre Bandeira (2010), estender a aplicação da prescrição penal às medidas socioeducativas é transgredir o necessário respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, abandonar a proteção integral que o Estado se propôs proporcionar aos menores, bem como transpor a um segundo plano a questão infanto juvenil, descartando a prioridade absoluta com que deveriam ser tratados os direitos das crianças e dos adolescentes, ofendendo assim os princípios contidos na Carta Magna destinados a proteção à infância e juventude.
Como já exposto no decorrer desta, o objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, através de procedimento próprio, é ressocializar e reeducar aquele tido como adolescente em conflito com a lei, para que dessa forma este possa conviver na sociedade apresentando um comportamento tido como adequado, de acordo com as normas oriundas do ordenamento jurídico pátrio, entretanto, para que isso seja possível não se deve aplicar o instituto da prescrição como forma de extinção da punibilidade pelo ato infracional cometido, uma vez que os princípios que embasam o direito penal e o direito da criança e do adolescente são distintos e devem ser respeitados dentro de suas especialidades, não sendo permitido que uma ciência sobreponha-se desta forma sobre outra.
Embora hodiernamente o Superior Tribunal de Justiça entenda pela aplicação da prescrição nas medidas socioeducativas, como bem elenca na súmula 338, já mencionada nessa obra, nem sempre essa posição foi a aceita pela referida Corte. Ilustremos essa realidade de outrora com apresentando julgado nesse sentido:
“Tratando-se de menores inimputáveis, as medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA, não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam as disposições previstas na lei processual penal relativas a prescrição punitiva.” (HC 7.598/mg, Rel. Min. VICENTE LEAL, decisão in 6ª Turma do STJ, em 18/08/98 – participou com voto vencedor o Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO) (grifos acrescidos).
Partindo do pressuposto que crianças e adolescentes são titulares de direitos individuais e sociais, Lúcia Maria Xavier de Castro na obra de Cury (2010), afirma que a maioria das situações de vulnerabilidade a que crianças e adolescentes são expostas decorrem da falta de efetiva implementação de qualidade das políticas públicas em favor da criança e do adolescente, sendo esta competência do Estado, uma vez que a este incumbe garantir condições de efetivação dos direitos assegurados a crianças e adolescentes, como determina o art. 4º da Convenção sobre os direitos da criança e do adolescente:
“Os Estados Partes adotarão todas as medidas administrativas, legislativas e de outra índole com vistas à implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção. Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados Partes adotarão essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e, quando necessários, dentro de um quadro de cooperação internacional.” (RESOLUÇÃO 44/25 DA ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, EM 20 DE NOVEMBRO DE 1989).
Embora as políticas públicas em favor da criança e do adolescente devam ser municipalizadas, no intuito de favorecer o fortalecimento familiar e comunitário, como previsto no caput do art. 227 da Constituição Federal, a responsabilidade por esta efetivazação de direitos é das três esferas do governo, municipal, estadual e federal, desta forma todos poderão ser cobrados, inclusive judicialmente, pelo cumprimento dos direitos previstos na Constituição Federal, na Convenção e nas leis ordinárias.
O Estado tem o dever de assegurar, com prioridade absoluta, a preservação dos direitos dos adolescentes, para evitar as conseqüências de dano ou lesão neste. A partir do momento em que o Estado nega ao adolescente em conflito com a lei o direito de receber orientação pedagógica adequada, evidenciado estará a omissão de seus deveres em face do transcurso do tempo, pois o legislador impôs ao Estado uma atuação positiva para evitar, prioritariamente, o resultado danoso para os direitos fundamentais dos adolescentes. (BANDEIRA, 2010).
De acordo com a jurista e Promotora de Justiça Martha de Toledo Machado, citada na obra do Bandeira (2010), o que justifica a tutela jurisdicional diferenciada dos direitos fundamentais das crianças e do adolescente é a estruturação especial do direito material destes, tanto no aspecto quantitativo quanto qualitativo, em conformidade com o plano constitucional, estando tais especificidades fundadas na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Assim sendo, o Estado não deve, em função de sua inércia, renunciar o seu dever primário de reeducar o adolescente em conflito com a lei, na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, buscando à sua readaptação social.
Para o professor Neto (1999),a falta ou até mesmo uma prestação falha de serviços públicos, estando estes relacionados ao Sistema de Estado que engloba o sistema de justiça, não justifica a adoção de institutos jurídicos penais e a eventual primazia dos exorbitantes e fáceis números de processos finalizados por arquivamento, prescrição, anistia ou indulto.
Em outras palavras, embora os magistrados e promotores públicos tenham o poder de aplicar efetivamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, buscando cumprir a finalidade que este se propôs em sua vigência, são os próprios que preterem a reeducação e ressocialização dos adolescentes infratores em detrimento a números de processos finalizados a contar para órgãos fiscalizadores da justiça. Dessa forma a sociedade sofre as conseqüências da violência futura para que os operadores do direito alcancem suas metas numéricas no final de cada mês.
O que de fato deveria acontecer, de acordo com a teologia do Estatuto da Criança e do Adolescente, seria o acompanhamento adequado do cumprimento da medida socioeducativa aplicada ao adolescente em conflito com a lei pelo órgão julgador, assim como o órgão de execução ministerial e o defensor do adolescente, requerendo, sempre que necessário, através de avaliações técnicas periódicas acerca da adequabilidade da medida para fins de sua eventual manutenção, modificação, substituição ou extinção, independente de determinação de prazo legal. Essa situação é o que atualmente é conhecida como “jurisdicionalização” do cumprimento de toda medida legal judicialmente aplicada, uma vez que a responsabilidade pela execução da determinação judicial encerra o desenvolvimento de atividades e atribuições de órgãos que se encontram vinculados ao Poder Executivo. (RAMIDOFF, 2011).
Assim sendo, elucidado está que a responsabilidade no que tange a criança e ao adolescente é primariamente do Poder Público, não podendo este fazer uso de institutos penais para se eximir de sua obrigação de garantidor.
7. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, outra conclusão não haveria se não a dispensabilidade da súmula 338 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, uma vez que esta se encontra em confronto legal, no que tange ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e constitucionais, pois princípios constitucionais voltados a proteção do adolescente estão sendo frontalmente violados.
O já mencionado Estatuto possui em seu texto diversas outras formas de extinguir um procedimento em que figure um adolescente em conflito com a lei que não seja através da utilização do instituto da prescrição da pretensão punitiva, uma vez que seu objetivo maior não é a punição e sim a reeducação de um indivíduo ainda em desenvolvimento.
A resolução judicial de casos concretos deve atender não só a realidade jurídica dos Sistemas de Justiça, sistema de garantias dos direitos fundamentais afetos à infância e a juventude, por vezes mal estruturados, como também o projeto socioeducativo, isto é, de subjetivação proposto ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, segundo a sua condição humana peculiar de desenvolvimento. (RAMIDOFF, 2011)
Ainda no entendimento do mesmo jurista, é fundamental uma construção teórica, legal e jurisprudencial do instituto que descreve uma “prescrição socioeducativa”, não utilizando o caráter jurídico penal, mas um caráter preponderantemente pedagógico, que constitua um direito individual fundamental orientado pelas diretrizes humanitárias decorrentes da doutrina da proteção integral, dos direitos humanos que afetem especificamente as crianças e os adolescentes, para que assim seja aplicado o processo de subjetivação do adolescente a quem se atribua a prática de um ato infracional, em detrimento de uma contagem de prazo legal, como ocorre com o instituto da prescrição que a súmula 338 do STJ se refere, estabelecido paralelamente com a dogmática penal.
O brilhante jurista Rosa (2007) pondera que um processo infracional pode se construir de maneira autônoma porque significa o manejo do poder estatal, com repercussões nos Direitos Fundamentais do Adolescente, mas nem por isso é Direito Penal. A edição da súmula 338 do STJ faz ressurgir no ordenamento jurídico a ressurreição do “direito penal do menor”. A aplicação do instituto jurídico da prescrição, no que tange ao direito juvenil, traz a tona o caráter repressivo- punitivista, presente outrora, o qual apesar da aparente “liberdade” requer para o seu reconhecimento atendimento de requisitos legais que não se encontram expressamente descritos na atual norma vigente estatutária.
O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal, o jovem não precisa ser exposto à contaminação carcerária e sim ser restabelecido em um convívio social adequado para seu desenvolvimento.
Pelo exposto, a aplicação do instituto da prescrição nas medidas socioeducativas não condiz com a intenção teleológica sistematizada proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que este se mostra plenamente plausível para tratar da extinção das referidas medidas, não precisando se orientar pelos ditames ou critérios estabelecidos pela dogmática jurídico penal, haja vista possuir diretrizes jurídicos protetivas, humanitárias, estabelecidas pelos fundamentos da doutrina da proteção integral que rege o disciplinamento das normas aplicadas àqueles tidos em desenvolvimento. (RAMIDOFF, 2011)
Advogada atuante. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil
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