O Brasil representa uma sucessão de incongruências. É dizer: mesmo com a mecânica do desenvolvimento que vem instituindo, não o faz de modo prudente.
Atualmente, percebemos o destaque dado pelo ordenamento jurídico brasileiro, particularmente, pela Constituição Federal de 1988, e, em certo aspecto com razão, a determinadas instituições e carreiras de Estado. Citamos a título ilustrativo o Ministério Público; assim como poderíamos citar as prerrogativas do Poder Judiciário e sua corrida pela concretização de um Estado jurisdicional.
Duas coisas vêm automaticamente à tona e pairam duvidosas: se os meios propugnados pela realidade jurígena são apropriados e se os investimentos dos sempre parcos recursos estatais se justificam no mundo prático.
Para o festejado jornalista Arnaldo Jabor, por exemplo, não vivemos um estado de normalidade sociopolítica ou econômica; donde, não se justificaria o preciosismo democrático de direito incessantemente defendido por alguns juristas ou estadistas. Ele chega a ser realmente convincente num dos capítulos do seu livro (Pornopolítica: paixões e taras na vida brasileira) quando demonstra num diálogo real (ou fictício?) ocorrido entre um membro do PCC e um cidadão de bem – se o País ainda tem jeito.
Noutro lado, vemos um País sustentado por tentáculos tridimensionais distintos (três poderes), sem qualquer harmonia estrutural geral. Hoje, por exemplo, vemos o esforço do Poder Judiciário em tentar concretizar os ditames constitucionais: levar a todos os rincões do País a tutela da jurisdição. Para isso, tanto exigem quanto se fundamentam num orçamento maior; procuram optimizar e modernizar procedimentos; não descuram da promoção do material humano adstrito.
Mas, ficamos a ruminar conosco: de que adianta tudo isso quando as procuradorias (advocacias e defensorias públicas) não são engajadas no mesmo propósito? De que adianta o aumento de um tentáculo, se o(s) outro(s) permanece(m) encolhido(s)? Como poderá fazer o cidadão pobre valer seus direitos quando as defensorias se encontram desfalcadas em quantitativo e qualitativo? Ou devemos imaginar que as minguadas assistências judiciais e de outras modalidades reproduzam o estado de direito? Como se pode esperar um avanço previdenciário quando a própria autarquia previdenciária se encontra sucateada e desprestigiada? Quando lhe falta, ano a ano, até combustível? Quando alguns de seus funcionários são ressurreições dos antigos “quatis” dos velhos Detrans? Como se espera qualidade nos serviços públicos se poucas autarquias e fundações são (e podem ser) profissionais? Se até interna corporis não existe convergência de interesses e objetivos? Se suas procuradorias judiciais e extrajudiciais são relegadas a um plano de abandono? Se a equiparação salarial e funcional da advocacia pública se transformou em retórica?
Não foi, portanto, sem razão que o ex-ministro da Advocacia Geral da União –Álvaro Augusto Ribeiro Costa – apesar de individualmente grato, quando da saída do comando da AGU, pareceu silente e discretamente triste. Talvez menos crente no Brasil. Não foi, por conseguinte, sem motivo, que o Tribunal de Contas da União em parecer recente praticamente obrigara o executivo a contratar novos procuradores federais.
A questão é séria e apropriada: ou se estabelece de uma vez por todas a unidade de crescimento dos tentáculos do Estado – ou o máximo que se gera é anomalia (desproporção) conjunta. Ou se assume o desafio de cortar a própria carne para não perder a “vida”, ou o que se tenciona é, de fato, hipocrisia com a perenidade da ineficiência e dos privilégios a pretexto de legitimar prerrogativas ou interesse público aparente.
Nem se cogite denominar este artigo agressivo: nosso Brasil, semana após semana, promove espetáculos teratológicos de violência e abusos contra crianças, idosos que até a lendária Roma duvidava possível – e nada muda. Como então se sentir incomodado com a verdade de meia dúzia de parágrafos que mais parecem desabafos?
É fato, pois, que concomitante ao aprimoramento do Poder Judiciário ou do Ministério Público necessário se faz um equilíbrio estruturador de várias outras carreiras de estado: polícias, procuradorias, defensorias, previdência pública sob pena de recairmos na música: “de que me vale ser filho da Santa/ melhor seria ser filho da outra/ uma realidade menos morta/ tantas mentiras tanta força bruta…”
O que vemos hoje são tribunais que refletem mármore, granito ou vitral adjacentes a repartições equipadas com veículos cujos IPVA’s ainda se encontram em nome dos antigos donos: Fred Flintstone ou Barney Robble… Ironias à parte, o que se constata, concreta e atualmente, é uma mea culpa de conveniências. A oportunidade de uma reorganização, por outro lado, germina cristalina. A União tem, mormente com a continuidade política operada, mais uma vez, a opção de estruturar ou de negligenciar a reconstrução do Estado Brasileiro: viver para ver…
Procurador Federal – Chefe do Setor de Cobranças Trabalhistas da PGF em Recife/PE e Professor da UFPE e da FACOL
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