Resumo: Este artigo busca demonstrar que o instituto da coisa julgada, com previsão expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, não pode ser absoluto, como parece pelo que demonstra algumas manifestações de tribunais pátrios, pois nenhum direito pode ser encarado dessa forma. Neste contexto, realçamos a grande importância do controle de constitucionalidade também sobre os atos do poder judiciário e que a sentença quando contraria ao que dita nossa Carta Magna, deve tornar-se inexigível.
Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil, coisa julgada, Estado democrático de direito, segurança jurídica, controle de constitucionalidade.
Abstract: This article looks to demonstrate that the institute of the judged thing, with foresight definite in the Constitution of the Federative Republic of Brazil, cannot be absolute, since it looks because it demonstrates some demonstrations of native courts, since no right can be faced in this form. In this context, we highlight the great importance of the control of constitucionalidade also on the acts of the judiciary and that the sentence when it contradicts to what dictates our Charter, must become unclaimable.
key words: Constitution of the Federative Republic of Brazil, judged thing, democratic State of right, legal security, control of constitucionalidade.
Sumario: 1. Introdução. 2. A Constituição. 2.1. O Estado. 3. Coisa julgada. 3.1. Sentença Judicial. 4. A coisa julgada inconstitucional. 4.1. Segurança jurídica. 5. A Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. 6. Conclusão.
1-INTRODUÇÃO
O presente tema proposto, a coisa julgada inconstitucional vem atraindo os holofotes da doutrina jurídica. A escassez de trabalhos a respeito deste tema e, principalmente, a sua repercussão na vida dos jurisdicionados vêm exigindo, cada vez mais, a ampliação da visão sobre o assunto.
O progresso civilizatório trás consigo cada vez mais, a exigência sobre a prestação jurisdicional do estado, por isso se faz necessário a eliminação de obscuridades que por acaso apareçam, para que se efetive os valores demandados pela sociedade.
Neste estudo, de natureza dogmática, partimos da analise dos elementos da questão, através de método dedutivo, para no final apresentar a síntese, a própria superação da questão.
2-A CONSTITUIÇÃO
2.1 – O Estado
O direito ciência social que é, só pode ser imaginado em razão do Homem viver em sociedade. Também não se pode conceber uma sociedade sem regras reguladoras das relações entre os homens, até mesmo o sonho anarquista é prenho de normas de conduta.
Havendo existência grupal necessariamente existirá normas de conduta obrigatórias, normas jurídicas, para disciplinar o comportamento de seus integrantes. Estas normas por serem obrigatórias vêm acompanhadas de sanção.
Em sociedades primitivas a reação contra o descumprimento destas normas partia do próprio ofendido. Com o decorrer do tempo este poder de sanção foi passando de mãos. Com o amadurecer da civilização este poder se encontra nas mãos do Estado. Que alem da função judiciária exerce os poderes executivo e legislativo.
O Estado dentro da comunidade internacional é soberano, dentro do próprio Estado é supremo.
Hoje nós vivemos sob o governo de um Estado democrático de direito, conforme reza o artigo 1º, caput, de nossa carta magna: “A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”.
Para assegurar a Democracia o Estado é um Estado de Direito, fundado na submissão ao Império da lei, na divisão de poderes e no enunciado e garantia dos direitos individuais.
A ordem jurídica do Estado está presente no que chamamos de ordenamento jurídico “conjunto de normas estabelecidas pelo poder político competente, que se impõe e regulam a vida social de um determinado povo numa determinada época” (1).
O ordenamento jurídico se encontra estruturado na hierarquia entre normas “a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenados no mesmo plano, situadas uma ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas e níveis de normas jurídicas”(2) como ensina Han Kelsen.
No ápice do sistema jurídico brasileiro se encontra a Constituição Federal de 1998, que tem por objeto “estabelecer a estrutura do estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócios-econômicos do estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais”(3), como ensina José Afonso da Silva.
Sendo assim, todas as leis do ordenamento jurídico e todas as relações jurídicas existentes devem obedecer aos princípios e preceitos constitucionais.
2.2-Inconstitucionalidade
Por ser o documento jurídico da mais alta hierarquia, os atos jurídicos só serão considerados válidos se estiverem conformados com os princípios e preceitos constitucionais.
O Estado, mesmo sendo soberano e supremo, não está imune a exigência da constitucionalidade, pelo contrário, os atos emanados do poder público devem coadunar com a constituição sob pena de terem negados os seus efeitos jurídicos, por serem inconstitucionais.
“Para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucionalidades, a própria constituição estabelece técnica especial, que a teoria do direito constitucional denomina “controle de constitucionalidade”(4). No sistema os atos praticados pelo poder público devem seguir os princípios e obedecer aos preceitos estabelecidos na Constituição Federal.
O mecanismo de proteção ao Estado Constitucional é o “sistema de controle de constitucionalidade”. O poder judiciário tem a função de resguardar a Constituição, uma vez provocado identifica o vício, que pode ser formal ou material, e declara a sua inconstitucionalidade, negando-lhe eficácia jurídica.
A Constituição de 1988 reconhece duas formas de inconstitucionalidade: A inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão (art.102,I, “a”, e III, “a”, “b”, “c”, e art. 103 e seus §§1º a 3º, da CF/88).
A inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem princípios ou normas da constituição, e a por omissão verifica-se nos casos em que um comportamento exigido pela Constituição, legislativo ou administrativo, se faz presente.
O sistema brasileiro comporta duas formas diferentes de controle, as vias de defesa e a de ação.
No controle difuso, ou via de defesa, qualquer interessado poderá argüir a questão de inconstitucionalidade de lei ou ato do poder publico, em qualquer processo, em qualquer juízo, pretendendo apenas ser subtraído da incidência destes atos.
O controle concentrado, ou via de ação, é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, “a”). É destinado a obter a inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual, sem outro objetivo senão o de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical. É a ação que visa exclusivamente defender a supremacia constitucional.
3 – COISA JULGADA
3.1- Sentença Judicial
A sociedade é regida por normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico. Sob esta ordem as pessoas desenvolvem as suas mais variadas atividades, lazer, trabalho, comercio, etc. Todas essas relações que se compõem de uma série de direitos e deveres estão tutelados pelo direito.
Caso haja ameaça ou violação de direito tem o ofendido o direito de invocar a assistência do Estado, art. 5º, XXXV, da CF/88, in verbis:
“A lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Nascida a lide “conflito de direito qualificado por uma pretensão resistida”, na clássica lição de Carnelluti, o Estado tem o dever de compor o litígio.
O Estado se arroga o direito de dirimir os litígios, salvo os casos em que se admite a autotutela.
O método utilizado pelo Estado para alcançar seu objetivo, a pacificação social, é o processo.
Desenvolvido de maneira regular, respeitados os princípios e normas pertinentes, o processo se conclui com a publicação da sentença.
A sentença, portanto, é emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual (processo), quando a parte ou as partes propuserem em juízo determinada ação, ao exercerem pretensão à tutela jurídica.
O art. 162, § 1º do CP define o que é sentença, in verbis: “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.
A doutrina distingue sentença terminativa de sentença definitiva.
As terminativas são as que põem fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto, o mérito. “Sua função é exclusivamente por fim à relação processual em virtude de sua imprestabilidade para o objetivo normal do processo” ensina Humberto Teodoro Junior.(5)
A sentença definitiva define o mérito em todo ou em parte. A sentença que dá composição definitiva à lide. O CPC prevê, numa seqüência casuística sua ocorrência, ipsi liter: Art. 269. Extingue-se o processo com julgamento do mérito: I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido; II – quando o réu conhecer a procedência do pedido; III – quando as partes transigirem; IV – quando o autor renunciar ao direito sobre o que se funda a questão.
“Quando proferida a sentença, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio (sentença de mérito), ou simplesmente proposta de execução do processo (terminativa), uma vez que ainda é possível a substituição da sentença e a alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto pela parte vencida” (6), instrui o mestre Cândido Rangel Dinamarco.
Decorrida as possibilidades de reexame, a sentença torna-se estável e imune a ataques. Essa capacidade de preservar seus efeitos chama-se coisa julgada.
3.2 – Coisa Julgada
O artigo 467 do CPC dispõe: “Denomina-se coisa julgada a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
Deste modo, a sentença torna-se inexpugnável, definitiva dentro e fora do processo, tanto para as partes quanto para a coletividade. Esta qualidade de que se reverte os efeitos das decisões judiciais de mérito é que se denomina, não é demais repetir, coisa julgada.
Os doutrinadores distinguem coisa julgada material da coisa julgada formal. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra sentença, separando-se em matéria de eficácia da sentença.
A coisa julgada formal decorre da imutabilidade da sentença dentro do processo, enquanto a coisa julgada material, que faz lei entre as partes, gera efeitos no processo e impede o seu reexame em qualquer outro.
“A característica fundamental da jurisdição é a definitividade na resolução dos conflitos, das demais funções estatais, pois é da própria natureza das atividades legislativas e administrativas a mutabilidade dos seus atos” (7). Escreveu o juiz Walter Nunes da Silva.
O exercício da função jurisdicional tem por escopo restabelecer a ordem jurídica ferida pelo conflito entre os litigantes. A decisão final restaura a ordem jurídica.
A coisa julgada faz lei entre as partes, conforme artigo 468 do CPC, in verbis: “A sentença, que julga total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
4- A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL
4.1- Segurança jurídica
“Segurança qualquer que seja a sua aplicação, insere no sentido de tornar coisa livre de perigos, livre de incertezas, assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal” (8), conceitua De Placido e Silva.
É absolutamente impossível conceber o homem sem a segurança, pois quando se estabelece uma proposição qualquer, no ato de estabelecer está se utilizando da segurança.
A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.
“Uma importante condição de segurança jurídica está na relativa certeza de que os indivíduos têm de que as relações sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída” (9), comenta José Afonso da Silva.
A sentença de mérito tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (CPC art.468), definindo qual direito se aplicará ao caso concreto, gerando para as partes segurança jurídica, conferindo estabilidade para a relação.
A estabilidade da coisa julgada é tão relevante que a constituição lhe empresta proteção. Art.5º, XXXV, in verbis: “A lei não prejudicará direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
4.2- A inconstitucionalidade da coisa julgada
O principio da supremacia da constituição, como ensina toda bibliografia consultada, foi adotada pelo Estado brasileiro, por isso toda relação jurídica submetida ao nosso ordenamento jurídico deve se conformar com os princípios e preceitos constitucionais.
A coisa julgada pode ofender a constituição de dois modos: diretamente e indiretamente, classificação encontrada em artigo de Bruno Boquipani Silva(10).
A coisa julgada agride a constituição diretamente quando o juiz aplicar lei de constitucionalidade incontestada, mas com sentido contrario aos termos da Constituição, ou quando ignora norma que se impunha nas circunstâncias do caso, aplicando regramento diverso ao estabelecido no ordenamento jurídico afrontando, assim, a constituição.
A coisa julgada inconstitucional indireta ocorre quando a lei aplicada na sentença tiver sido posteriormente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional.
Deveras haver sido outorgada proteção constitucional a coisa julgada, esta proteção não significa que este efeito da sentença elevar-lhe-á à condição de supremacia. A sentença, como ato do poder judiciário, deve ser submetida ao controle de constitucionalidade.
A boa doutrina revela que o vicio da inconstitucionalidade gera invalidade do ato publico, seja legislativo, executivo ou judiciário, por tanto a coisa julgada não pode servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença proferida em contrariedade à Constituição.
O professor Cândido Rangel Dinamarco (11) tenta esboçar uma reconstrução dogmática, utilizando método indutivo, valendo-se da casuística, nega os efeitos da coisa julgada material negando a impossibilidade jurídica dos efeitos da sentença.
5-A LEI 11.232 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005
A lei em apreço acrescentou ao art. 741 do Código de processo Civil o seguinte, ipsi liter: “Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o titulo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”.
O poder legislativo acolheu a posição da doutrina que entende necessário que os atos judiciários sejam submetidos ao controle de constitucionalidade.
6-CONCLUSÃO
Está assentado que todos os atos do poder público, poder executivo, poder legislativo e poder judiciário, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade.
É por demais redundante dizer que a coisa julgada é ato do poder judiciário.
Logo a coisa julgada, se inconstitucional, deve ser submetida ao controle.
A lei retro é o documento legislativo que torna inexigível a coisa julgada inconstitucional que ofenda a Constituição indiretamente.
Na falta de legislação especifica existentes, ação rescisória, ação declaratória de nulidade e embargos para o controle da ofensa direta, deve-se utilizar os instrumentos processuais à execução.
Sargento da Policia Militar da Bahia, Auxiliar da Corregedoria Setorial do 1º BPM-Feira de Santana, Acadêmico em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana
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