Resumo: O presente trabalho se volta a demonstrar a inconstitucionalidade da instituição do Pedágio em locais desprovidos de via de acesso. Para tanto, a obra em tela se vale de alguns Princípios Constitucionais Tributários, bem como de conceitos de Hermenêutica Constitucional, além de um breve entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema em questão.
Palavras-chave: Princípios. Isonomia. Liberdade. Pedágio. Inconstitucionalidade.
Abstract: This paper turns to demonstrate the unconstitutionality of the institution of Toll in areas without access route. Therefore, the work on display is worth some Constitutional Tax Principles and concepts of Constitutional Hermeneutics, plus a brief doctrinal and jurisprudential understanding about the subject in question.
keywords: Principles. Isonomy. Freedom. Toll. Unconstitutionality.
Sumário: Introdução. 1. Princípios Constitucionais Tributários. 1.1. Conceito de Princípio. 1.2. Princípio da Legalidade. 1.3. Princípio da Isonomia. 1.4. Princípio da Capacidade Contributiva. 1.5. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2. Hermenêutica Constitucional. 2.1. Princípios e Métodos de Interpretação Constitucional. 2.1.1. Princípio da Unidade da Constituição. 2.1.2. Princípio da Concordância Prática ou Harmonização. 2.1.3. Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional. 2.1.4. Princípio do Efeito Integrador. 2.1.5. Princípio da Interpretação Conforme a Constituição. 2.2.1. Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico. 2.2.2. Método Tópico- Problemático. 2.2.3. Método Científico- Espiritual. 2.2.4. Método Normativo- Estruturante. 2.2.5. Método Hermenêutico- Concretizador. 3. Dos Tributos. 3.1. Conceito e Espécies Tributárias. 3.2. Conceito e Natureza Jurídica do Pedágio. 3.3. Importância da Instituição do Pedágio. 3.4. O Pedágio e a Liberdade de Locomoção em Locais Desprovidos de Vias de Acesso. Conclusão.
Introdução
A sociedade brasileira carrega um vasto fardo no que toca à carga tributária, situando como sendo a maior da América Latina, na casa dos 32 %, conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Assim sendo, Tributo é um assunto de grande relevância que merece uma atenção acadêmica maior.
Nestes termos, o presente trabalho procura responder à indagação sobre a constitucionalidade da instituição do pedágio em locais desprovidos de vias de acesso, demonstrando o posicionamento do mesmo no ordenamento jurídico brasileiro, através de uma análise com base principiológica e de hermenêutica Constitucional.
Para tanto, num primeiro momento, far-se-á uma análise de princípios Constitucionais Tributários que norteiam ou não a aplicação do pedágio dentro do contexto que é tratado neste trabalho.
Em um segundo momento, irá ser dado enfoque na nova hermenêutica Constitucional, destacando alguns novos métodos que orientam o aplicador do direito na árdua tarefa de destrinchar o conteúdo trazido na norma, dando-lhe um sentido que se coadune com os ideais trazidos na Carta Magna.
Posteriormente, adentrando mais diretamente ao assunto objeto do presente trabalho, serão destacados alguns temas, tais como a natureza jurídica do pedágio, bem como suas múltiplas funções, dentre elas, a de financiar um meio-ambiente equilibrado.
Por fim, far-se-á uma análise principiológica e de hermenêutica Constitucional para afirmar que exigir pedágio em locais desprovidos de via de acesso não é constitucional, com base em alguns argumentos que serão oportunamente tratados.
O presente trabalho encerrar-se-á com as considerações finais à respeito do que aqui será tratado, destacando-se os pontos mais relevantes, bem como estimulando novas reflexões sobre a (in)constitucionalidade da instituição do pedágio em locais desprovidos de vias de acesso.
1. Princípios Constitucionais Tributários
1.1. Conceito de Princípio
A palavra princípio significa, nas lições de Aurélio Buarque de Holanda (1995, p.529), “começo, preceito, momento ou local ou trecho em que algo tem origem”.[1] Ela está relacionada à idéia de fundamento, ou seja, proposição básica ou de primeira verdade.
Adentrando no aspecto jurídico da definição de princípio, assim define Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.[2]
José Afonso da Silva (2001, p.96), por sua vez, em uma bela definição, ressalta que “os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, sendo núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais”.[3]
Percebe-se que os princípios são fundamentos basilares que norteiam a aplicação de uma norma, conferindo-lhe validade frente ao ordenamento jurídico vigente, uma vez que representa os valores que uma determinada sociedade os erigiu como relevantes, tais como questões de políticas fundamentais ou fins públicos a serem realizados.
Trazendo para o direito tributário, o princípio serve de sustentáculo na atuação positiva do Estado de exercer o papel de sujeito ativo na obrigação tributária. É através da análise do mesmo que o Estado possui a real noção de seu poder de atuação.
De outro lado, é necessário dizer também que princípio e regra não se confundem. José dos Santos Carvalho Filho, em um trabalho de estabelecer as diferenças entre ambos assim fala:
“Regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade, aplicando em uma dada situação apenas uma das regras; princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito, resolvendo-se através da aplicação do critério da ponderação de valores.” [4]
Agora, após termos uma noção do conceito de princípio, faz-se necessário tecermos alguns comentários sobre os princípios constitucionais que possuem forte incidência no direito tributário, mais precisamente no que toca à instituição do pedágio, objeto do nosso trabalho.
1.2. Princípio da Legalidade
O referido princípio encontra guarida em todos os ramos do direito. Trata-se de um princípio geral que norteia toda a atividade do Estado. Na nossa Carta Maior, está presente no art. 5º, inciso II.[5]
Vale ressaltar que o princípio da legalidade se apresenta como um dos fundamentos do Estado de Direito, sendo de fundamental importância para o cidadão contra os arbítrios estatais.
No campo do Direito Tributário, ele se mostra, assim como outros princípios tributários, como fator limitador da atuação estatal, pondo-se como relevante balizamento ao Estado- administração no mister tributacional, só sendo permitido, por exemplo, cobrar uma espécie tributária, se vier previsto em lei tal liberalidade.
Desta forma, ao analisar a relação Fisco versus contribuinte, constata-se que o princípio da legalidade se mostra como um princípio fundante dos demais, irradiando uma carga valorativa de calibragem na relação acima propugnada.
1.3. Princípio da Isonomia
Ao lado do princípio da legalidade, o princípio da isonomia aparece como importante vetor de atuação estatal. Através de seus postulados, ao Estado é vedado estabelecer diferenciações entre pessoas em situações semelhantes.
No entanto, é de se destacar que a igualdade aqui propugnada é a igualdade material, em que aos semelhantes são dados tratamentos equivalentes, porém, aos dessemelhantes, há de se estabelecer certas diferenciações, a fim de que possa minimizar as diferenças inevitavelmente existentes.
José Joaquim Gomes Canotilho, quando se refere ao indigitado princípio da isonomia, assim diz:
“Existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária.”[6]
No campo tributacional, a observação da capacidade contributiva é importante orientador da atuação do Estado, a fim de que o ideal de justiça na atuação do Fisco possa ser concretizado.
No art. 150, inciso II da Constituição Federal, ao realizarmos uma interpretação a contrário sensu, logo percebemos que a Carta Maior deixou clara a possibilidade de se estabelecer diferenciações entre dessemelhantes, buscando sempre, conforme afirmado acima, o ideal de justiça na repartição da carga tributária.[7]
1.4. Princípio da Capacidade Contributiva
Como sucedâneo do princípio da isonomia, o princípio da capacidade contributiva, também conhecido como princípio da capacidade econômica, busca estabelecer que o Estado possa exercer seu poder fiscal, levando-se em consideração a capacidade de contribuir de cada cidadão.
Ao analisarmos o conteúdo do princípio em tela, logo percebemos que o mesmo se volta a impedir que o Estado tribute pessoas não em razão de sua renda potencial, devendo o mesmo analisar a renda efetivamente disponível, apta a ser tributável em face do mínimo existencial, que dignifica a figura do cidadão.
Assim, para efetiva aplicação do princípio da capacidade contributiva, o Estado Fisco deve observar, de antemão, se o cidadão já dispõe do chamado mínimo existencial, uma vez que, só a partir daí, é que ele pode efetivamente arcar com o ônus tributário que lhe é devido.
Assim sendo, é de se observar que o referido princípio exerce papel relevante na distribuição da carga tributária, fazendo com que o Fisco se volte com mais rigor contra aqueles que efetivamente possuem condições econômicas mais favoráveis.
1.5. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio em epígrafe é um dos pilares onde se passou a assentar o ordenamento jurídico. Tal princípio faz surgir para o Estado duas obrigações: uma de cunho negativo, onde deve o mesmo se abster de práticas que possam expor o ser humano a ofensas e humilhações; outra de cunho positivo, devendo o Estado agir para garantir ao ser humano condições para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
O Direito Tributário tem demonstrado bastante preocupação com o tema, a fim de que, com a instituição do tributo, não fique o cidadão privado de suas necessidades basilares. É com esse pensamento que a legislação tributária se abstém de tributar atividades que componham o mínimo existencial, assim entendido como condições essenciais para a existência de uma vida digna.
Não é outro o pensamento, que não seja a garantia do mínimo existencial, quando a Constituição da República Federativa do Brasil veda a instituição do tributo com intuito de limitação ao tráfego de pessoas ou bens, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público e, desde que haja via alternativa de tráfego, a fim de possibilitar a todos o exercício do direito de ir e vir.
Vale ressaltar, no entanto, que a aplicação de quaisquer princípios deve ser antecedida de uma análise acurada do ordenamento jurídico em questão, a partir de técnicas modernas de hermenêutica constitucional, com vistas a compatibilizar valores a priori opostos, mas que, se analisados dentro de um complexo normativo, acabam por trazer soluções convergentes.
Assim sendo, com o objetivo de desvendar o exato alcance das regras e princípios nos casos concretos, procuraremos demonstrar alguns métodos de hermenêutica constitucional.
2. Hermenêutica Constitucional
O campo da hermenêutica constitucional é bastante nebuloso, na medida em que é cercado por bastantes incertezas. Conforme Lenza (2012, p.143), “o que se busca com tal ciência é decifrar o verdadeiro alcance da Constituição, a fim de sabermos, por consequência, a abrangência de uma norma infraconstitucional”.[8]
Vale ressaltar que as normas por mais claras que sejam, sempre apresentam conteúdo a ser desvendado. Para Maximiliano (2008, p.31), “todo texto, e especialmente a Constituição, merece ser interpretado, ainda que, à primeira vista, mostre-se claro, em contraposição ao brocardo in claris cessat interpretatio”.[9]
Por muito tempo, o ramo da hermenêutica era fundado basicamente nos métodos clássicos, destacando-se o gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Com o passar do tempo, constataram-se que os mesmos, em uma análise individual, não eram suficientes para alcançar a significação que uma norma queria transmitir.
Desta forma, começaram a aparecer outros métodos interpretativos, ditos métodos modernos de interpretação constitucional, os quais, a partir de agora, deveriam ser analisados conjuntamente, observando as várias nuances que cada um deles traria para a análise da norma em concreto. Vale ressaltar, no entanto, que os métodos clássicos continuaram sendo de grande valia, na medida em que também eram levados em consideração quando o intérprete se deparava com a árdua missão de alcançar a significação da norma.
Assim sendo, tendo conhecimento inicial de que os métodos são cumulativos e não exclusivos, passaremos agora a uma análise sucinta de alguns princípios e métodos modernos de interpretação constitucional aplicáveis ao presente trabalho.
2.1. Princípios e Métodos de Interpretação Constitucional
2.1.1. Princípio da Unidade da Constituição
O presente princípio reclama uma interpretação constitucional, levando-se em consideração que a Constituição é um todo interconectado, a qual não pode ter seu conteúdo revelado a partir de uma análise solitária de um dispositivo constitucional.
Canotilho, ao descrever sobre hermenêutica, trouxe o seguinte entendimento à respeito do supracitado princípio:
“O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão (…) existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex.: princípio do Estado de Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio da autonomia regional e local”.[10]
Quando o legislador constituinte elaborou, por exemplo, o capítulo constitucional referente ao Sistema Tributário Nacional, quis ele que o intérprete, ao desvendar o alcance da norma, levasse em consideração os valores e decisões fundamentais na Carta Magna presentes, tomando uma decisão justa e coerente.
2.1.2. Princípio da Concordância Prática ou Harmonização
O princípio em tela parte do pressuposto de que todos os bens presentes na Constituição têm valoração equânime, decorrente da unidade da Constituição anteriormente falada.
Assim, em eventual conflito entre eles em um caso concreto, deve o aplicador do direito aplicar a técnica da ponderação, evitando a aplicação unitária de um dos bens.
Desta forma, esse princípio exige a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.
2.1.3. Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional
O presente princípio se volta para o intérprete, a fim de que este observe, rigorosamente, o esquema de organização e repartição das funções / competências entre os poderes constituídos, em nítido respeito às decisões políticas tomadas pela Assembléia Constituinte, em nome do povo.
No campo tributário, não raramente, percebem-se, tanto o Executivo como o Judiciário, tentando, através de decretos e súmulas respectivamente, subverter a ordem tributária definida pelo constituinte originário, demonstrando, desta forma, que o princípio em epígrafe se apresenta como importância em demasia.
2.1.4. Princípio do Efeito Integrador
O princípio em tela ressalta que, em uma dada interpretação de norma constitucional, deve-se dar prevalência àquela em que se favoreça a integração social e a unidade política, objetivos esses almejados pela Carta Maior.
Trazendo a aplicação deste princípio para o direito tributário, constata-se que o aplicador do direito, em que pese não tenha encontrado resposta constitucional, quando na cruel dúvida em aplicar ou não um tributo, bem como de que forma aplicá-lo, deve levar em consideração os objetivos elencados no art. 3º da Constituição, a fim de promover justiça na sociedade, promoção do bem coletivo, assim como redução das desigualdades sociais.[11]
2.1.5. Princípio da Interpretação Conforme a Constituição
O princípio acima elencado não é apenas uma simples regra de interpretação, figurando-se como poderoso instrumento de controle de constitucionalidade.
Tal princípio encontra incidência nos casos onde se comportam diversas interpretações, sendo umas compatíveis com a Constituição e outras não, devendo o intérprete escolher a interpretação mais favorável ao cumprimento dos objetivos constitucionais.
Na seara do direito tributário, este princípio tem aplicabilidade em diversos momentos, mais precisamente quando o legislador procura dar à lei interpretação que não se coaduna com a Constituição.
Assim, trazendo para o objeto do presente Artigo, dar ao pedágio permissibilidade para ser cobrado em vias sem acesso alternativo, representa dar uma interpretação contrária aos direitos fundamentais expostos na Constituição, afrontando direitos como o de ir e vir, dignidade da pessoa humana, dentre outros.
2.2.1. Método Jurídico ou Hermenêutico Clássico
Para tal modelo, sendo a Constituição uma lei, ela deve ser interpretada, fazendo-se uso de todos os métodos tradicionais. E, para alcançar tal objetivo, deve o estudioso do direito considerar alguns fatores, tais como: elemento sistemático; elemento histórico; elemento doutrinário e elemento evolutivo.
No elemento sistemático, o intérprete, ao tentar desvendar o conteúdo da norma, não pode se descuidar de uma análise conjunta de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a norma não é considerada individualmente, mas posta em um todo coletivo.
O elemento histórico reclama ao intérprete que o mesmo faça uma análise histórica de todos os fatos relevantes que culminaram com a elaboração da Constituição, a fim de visualizar os interesses que se almejavam alcançar.
Quanto aos dois últimos elementos, vê-se certa ligação, na medida em que a doutrina representa uma forte fonte de pesquisa acerca da significação da norma e é ela mesma que confere à norma um aspecto evolutivo, em que a lei permanece sempre atual, sem se submeter aos processos formais de modificação, ensejando um fenômeno denominado mutação constitucional.
2.2.2. Método Tópico- Problemático
O método em questão parte da análise de um problema e o resolve, considerando as normas postas, escolhendo aquela que melhor se ajuste ao problema. Para Rodolfo Viana Pereira (2007, p.164), método supracitado “consiste em um procedimento argumentativo e racionalmente controlável”.[12]
Assim, diante do problema, o intérprete deve extrair os pontos relevantes; depois deve selecionar a norma mais adequada ao caso concreto; e por fim, deve buscar uma resposta que se insira dentro da valoração trazida pela norma, coadunando com os ideais propugnados pela Constituição, fonte de validade das demais normas infraconstitucionais.
2.2.3. Método Científico- Espiritual
O método científico-espiritual parte do pressuposto que a norma constitucional deve sempre ser mutável, pois a mesma se presta a regular a sociedade, a qual está em constante evolução.
Pedro Lenza (2012, p.154-155) reforça que “a análise da norma constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição. A Constituição deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova constantemente, no compasso das modificações da vida em sociedade”.[13] (grifos do autor)
2.2.4. Método Normativo-Estruturante
Os adeptos deste método interpretativo partem da premissa de que, embora apresentem conceituações distintas, há vinculação entre o programa normativo e o âmbito normativo. Este se volta ao alcance que a norma pretende atingir, aos fatos por ela a serem regulados. Aquele, no entanto, está relacionado ao teor literal da norma, aquilo que ela expressa.
Assim sendo, a resolução de um caso concreto não se dá tão-somente com a análise literal do texto normativo, mas também através da atuação dos Poderes Constituídos – Legislativo, Executivo e Judiciário -, os quais se utilizam de diversas fontes para se elaborar uma decisão, tais como jurisprudência, direito comparado etc.
A análise deste método é bastante salutar quando da interpretação do direito constitucional tributário, especialmente que se volta aos direitos e garantias fundamentais do contribuinte.
2.2.5. Método Hermenêutico-Concretizador
Esse método tem como ideal reconstruir o direito, a partir de um procedimento argumentativo, ao invés de procurar um sentido “inerente” à norma. Para tanto, o aplicador do direito deve se valer, conforme informa José Afonso da Silva (2007, p.17), do “contexto intratexto, ou contexto no interior do objeto a se interpretar”.[14]
Levando tal método para o Direito Tributário Constitucional, não pode o intérprete procurar, a todo custo, resolver determinado problema com base no sentido único da norma, devendo se valer também do contexto no qual aquela norma está inserida, compactuando com valores outros de cunho fundamental destacados na Carta Magna.
Assim sendo, o resultado da relação intérprete versus texto a ser interpretado é a produção de um conhecimento cada vez mais denso, coerente, pois que construído após uma refletida análise do todo e das partes textuais, agregados ao entendimento pessoal do intérprete.
3. Dos Tributos
3.1. Conceito e Espécies Tributárias
O art. 3º do Código Tributário Nacional assim define tributo:
“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”[15]
Conforme ensina Nogueira (1995, p.155), “os tributos (…) são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal, mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tributário”.[16]
O tributo se mostra como sendo uma obrigação de prestar dinheiro ao Estado, impedindo-se o tributo in natura (em bens) ou in labore (em trabalho, em serviços).
O caráter da compulsoriedade, por sua vez, demonstra que o tributo é de cumprimento obrigatório, logo, não contratual ou não facultativo.
Segundo Carvalho, “prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias”.[17]
Uma outra característica do tributo diz respeito a ser um instituto essencialmente legal, uma vez só ser possível sua instituição mediante lei, sendo, portanto, obrigação ex lege.
Ademais, é de se destacar que o tributo possui prestação diversa de sanção. Machado assevera que:
“O tributo se distingue da penalidade exatamente por que esta tem como hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito. Não se conclua, por isto, que um rendimento auferido em atividade ilícita não está sujeito ao tributo. Nem se diga que admitir a tributação de tal rendimento seria admitir a tributação do ilícito”.[18]
Por fim, é de se destacar que a cobrança do tributo obedece a todo um procedimento vinculado, vedando-se ao administrador tributário, na ação estatal de exigir tributos, a utilização de critérios de oportunidade e conveniência (discricionariedade).
No que toca às espécies tributárias, há um conflito a respeito da quantidade de tributos existentes. Destacam-se duas teorias, quais sejam as teorias tripartite e pentapartite.
A teoria tripartite, à época da elaboração do CTN, era a prevalente, tendo como fundamento seu art.5º.[19] Segundo SOUSA (1975, p.40), “deveria prevalecer uma classificação tripartite: impostos, taxas e contribuições, estando compreendidas, neste último grupo, todas as receitas tributárias que não fossem impostos nem taxas”.[20]
A partir das décadas de 80 e 90 sobrevieram, com grande destaque, os empréstimos compulsórios e as contribuições. Daí, o surgimento da teoria pentapartite, que hoje é predominante no seio doutrinário e jurisprudencial.
Assim, temos a teoria pentapartite, a qual, por sua vez, distribui os tributos em cinco autônomas exações, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e as contribuições.
No voto do Ministro do STF Moreira Alves, em 29/06/1992, no RE n. 146.733-9/SP (Pleno) podemos ver a linha de raciocínio que culmina com a teoria acima esposada.
“EMENTA: (…) De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.” [21] (grifo nosso)
A par do conhecimento das espécies tributárias, focaremos nossas atenções no pedágio, objeto do nosso trabalho.
3.2. Conceito e Natureza Jurídica do Pedágio
O conceito jurídico do pedágio é bastante variado.
DE PLÁCIDO E SILVA (2004, p.1018) conceitua o pedágio como sendo “a tributação ou taxação devida pela passagem por uma estrada ou rodovia, por uma ponte ou qualquer outro lugar, onde o trânsito não se faça livre e gratuito”.[22]
Já SAVARIS, ao conceituar o pedágio destaca:
“É a importância de um indivíduo que se utiliza, em sua circulação, de determinada via terrestre ou híbrida, natural ou artificial, pública ou privada. Especificamente no ordenamento jurídico brasileiro, pedágio é o valor exigido pela Administração, diretamente ou por meio de concessionário, que se manifesta mediante tributo ou preço, pela utilização de via conservada pelo poder público.” [23]
Observa-se assim que o Pedágio está direitamente ligado à limitação de tráfego de pessoas e bens, instituído pelo poder público, e cobrado mediante taxa ou preço público, seja pela própria administração, ou por terceiro concessionário de serviços públicos.
Outro assunto que desperta variação de ponto de vista diz respeito à natureza jurídica do pedágio, tendo em vista existir correntes que sustentem tê-lo natureza de taxa ou de preço público, ou mesmo figura híbrida.
Os que sustentam ter o pedágio natureza tributária, assim o fazem com base na topografia em que o mesmo se encontra na Constituição Federal, localizando-se no capítulo que aborda o sistema tributário nacional, como sendo a única exceção à regra que veda utilizar tributos como meio de se limitar tráfego de pessoas e bens.
AMARO, ao sintonizar o pedágio enquanto taxa, assim diz:
“O pedágio se aproximaria da taxa em razão de ambas as exações referirem-se a serviço de fruição individual, pois um serviço uti singuli não poderia ser arcado por toda a sociedade, posto que o benefício é individual e não coletivo. Deveras, a taxa seria a única espécie a qual o pedágio poderia assemelhar-se, em detrimento das demais, sob pena de escapar aos liames da ressalva e ferir a vedação de limitação ao tráfego. Não poderia subsumir-se nas características de quaisquer outros tributos, já que com estes não se encontram semelhanças com as peculiaridades do pedágio.” [24]
Aqueles que preferem defender a idéia de o pedágio possuir natureza jurídica de preço público, assim o fazem com base em fatores diversos. Inicialmente refutam a idéia acima esposada, em que se procura estabelecer a natureza do pedágio tão somente com base na localização do mesmo na Constituição.
Posteriormente afirmam que, se tributo fosse, o pedágio deveria obedecer aos pressupostos constantes no art. 3º do CTN. Constata-se que o pressuposto da compulsoriedade não está embutido dentro do conceito de pedágio, uma vez que o mesmo é de caráter facultativo, posto que sua exigibilidade condiciona-se à vontade do particular, pois o uso da via depende da vontade deste, que, escolhendo neste sentido, arcará com a remuneração, tal e qual um contrato.
Por fim, percebe-se uma terceira corrente que considera o pedágio como uma figura híbrida, podendo ser taxa ou preço público a depender do regime que o regula no momento.
Assim, o pedágio seria tanto um tributo, quanto uma tarifa, sendo aquele quando cobrado através da Administração Pública, como no caso das rodovias geridas pela DERSA ou pelo DER, e este quando gerido por Pessoa Jurídica de Direito Privado concessionária ou permissionária.
Em razão da relativização que tal corrente pode possibilitar, resolvendo o embate acerca da natureza do pedágio de forma equilibrada e sem acarretar outras discussões decorrentes, há estudiosos que concluem que a teoria híbrida seria a melhor aceita hodiernamente, posto adaptar-se ao regime variável que o pedágio se sujeita na prática.
3.3. Importância da Instituição do Pedágio
A República Federativa do Brasil impõe ao cidadão contribuinte uma pesada carga tributária, oferecendo em troca serviços públicos de toda espécie. O Estado, no entanto, coadunando-se com a teoria do Estado Mínimo, preocupa-se em oferecer, diretamente, apenas os serviços mais relevantes, delegando aos particulares o exercício de outras atividades de menor importância.
Os serviços de manutenção e conservação de vias estão entre os serviços possibilitados de delegação pelo Estado aos particulares, os quais, mediante delegação ou permissão de serviços públicos, cobram dos usuários uma contraprestação, denominada de pedágio, pela conservação e sinalização das rodovias, além de outros serviços adicionais previstos em contrato.
Entre os serviços adicionais previstos, temos os de atendimento mecânico, socorro médico, instalação de cabines telefônicas a cada quilômetro, reaparelhamento da Polícia Rodoviária, conservação de outras estradas sem cobrança de pedágio, assim como investimento na manutenção de um meio ambiente equilibrado.
À respeito do meio ambiente equilibrado, constata-se que a prática do pedágio possibilita que, com o valor arrecadado, parte dele seja destinado a serviços de cunho ambiental, tais como manutenção das áreas de proteção ambiental, bem como a prática do reflorestamento, assim como investimento em pesquisas com vistas a melhorar o ambiente em que vivemos.
Desta forma, a instituição do pedágio, se obedecidos os parâmetros constitucionais, contribui para a melhoria de nossas rodovias, possibilitando ao Estado um investimento focado nas áreas de maior relevância, tais como saúde, educação e segurança.
3.4. O Pedágio e a Liberdade de Locomoção em Locais Desprovidos de Vias de Acesso
A Constituição Federal, quando do enunciado do preâmbulo, relata valores que devem nortear toda uma interpretação de índole constitucional. E, ao visualizarmos, logo constatamos que a liberdade figura entre os valores preponderantes, formadores do piso mínimo de dignidade.
Desse modo, em consonância com o acima esposado, e observando o permissivo constitucional insculpido no §2º do art. 5º, o Brasil assinou o Pacto de São José da Costa Rica, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto nº678 de 02.11.92, onde nele, reafirma a proteção a determinados direitos básicos inerentes aos seres humanos, notadamente o direito à liberdade.
No entanto, a própria Constituição cita situações permissivas de restrição de liberdade, até porque nenhum direito é de índole absoluta, merecendo relativização quando posto em confronto com direitos coletivos.
Assim, quando a Constituição em seu art.150, V, permite, como exceção, que o pedágio seja instituído, ela assim o faz para compatibilizar interesses coletivos, como o próprio acesso a vias melhor conservadas e a proteção ao meio ambiente. Ela não permite, de modo algum, que alguma ou todas as classes sejam alijadas do acesso a determinados locais, com base na impossibilidade econômica.
Desta forma, o permissivo constitucional deve ser analisado sistematicamente, considerando a Constituição como um todo e não individualmente, de acordo com o princípio da Unidade da Constituição, até porque, quando a Constituição quis restringir o direito à liberdade, ela assim o fez, e de maneira clara, objetiva.
Interpretar que o pedágio pode, sem que haja via alternativa de tráfego, limitar dois locais, não possibilitando que pessoas menos abastadas tenham acesso a eles, é o mesmo que fazer uma interpretação unilateral da Constituição, fazendo um recorte no art. 150, sem uma análise mais acurada de todo o histórico que culminou na elaboração desta Constituição, dita cidadã.
Reafirmando a necessidade de via alternativa, VIEIRA, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou:
“Não é razoável que se estabeleça pedágio em um único caminho de destino a um determinado lugar do território nacional, pois que tal fato, impedindo o trânsito do cidadão com um de seus bens, viola diretamente o princípio federativo”.
“Está implícito na nossa Constituição Federal, pois, que a cobrança do pedágio pressupõe a existência de outro caminho onde o cidadão, possa, de forma gratuita, passar com seus bens” [25].
No mesmo sentido, MEIRELLES diz:
“No caso particular do pedágio de rodovia, exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego (via expressa de alta velocidade e segurança), seja bloqueada e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que o conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego”.[26]
Compartilhando entendimento, segue abaixo alguns julgados do STJ e 4ª Região:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SUSPENSÃO DA COBRANÇA DO PEDÁGIO – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – INTERESSE DA UNIÃO – RECURSO ESPECIAL – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO”. -Não se conhece de recurso especial, se o dispositivo legal supostamente maltratado não foi agitado no acórdão recorrido, assim como na hipótese de o recorrente não indicar, com segurança, os dispositivos legais malsinados. Por igual, acontece, senão for comprovada a divergência pretoriana, nos moldes exigidos pelo art. 541, parágrafo único do CPC. – A cobrança do pedágio somente é lícita se houver estrada alternativa gratuita. “(Recurso Especial nº 417. 804- PR, 1ª Turma, Relator para o Acórdão: Ministro Humberto Gomes de Barros. DJ 10/03/2003)”.[27]
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DO PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. Com efeito, na linha da melhor doutrina e da Jurisprudência, é de essência dos contratos de concessão de construção e conservação de obras rodoviárias o oferecimento de possibilidade de acesso à via alternativa para o usuário. 2. Interpretação dos arts. 7º, III, da Lei nº 8987/95 e 5º, XV, 175, II e IV, da CF/88.
3. Apelação conhecida e parcialmente provida (TRF 4ª Região. Apelação em Ação Civil Pública nº 2002.04.01.017045- 2 /PR. Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores. DJU de 26/01/2005).[28]
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR. PEDÁGIO. VIA ALTERNATIVA. SUSTAÇÃO DA COBRANÇA”. Presentes os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, e de ser deferida a limiar para sustar a cobrança da exação até que plenamente trafegável a via alternativa. (TRF 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.054433-9/ PR, Rel. Des. Valdemar Capeletti. DJU de 02/07/2003).[29]
“DIREITO CONSTITUCIONAL. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL”. Não merece guarida tal afirmação, visto que se trata de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos (direito de ir e vir, assegurado constitucionalmente) e a defesa de direitos individuais homogêneos (via alternativa). DECISÃO ULTRA ET EXTRA PETITA. Não resta observado sta hipótese, pois o objeto principal da decisão não foi diverso do pretendido na exordial. Da mesma forma, não há como entender que a questão relativa à capacidade econômica dos usuários da rodovia não tenha sido sustada na ação. LITISPENDÊNCIA. Esta não resta comprovada, pois não há juntada aos autos de cópia da petição inicial, da ação ajuizada em Maringá ou cópia da decisão proferida, que comprove serem idênticos os pedidos. DA INEXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. Sustentado pela União que não há comprovação de dano ao erário público, não merece guarida tal argumento, pois está sendo lesado o direito dos usuários submetidos à cobrança irregular e, de outro lado, toda a sociedade, que teve o seu direito de locomoção limitado de forma inconstitucional. NO CASO PARTICULAR DO PEDÁGIO. Exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego ( via expressa de alta velocidade e segurança), seja bloqueada e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego. O ATO NORMATIVO IMPUGNADO está eivado de ilegalidade, visto que ofende o direito de todos os utendes da BR – 369, independente da sua capacidade econômica. DIREITO DE RESSARCIMENTO. Os usuários que tiveram os valores cobrados indevidamente, têm direito ao ressarcimento. Desta forma, os réus são condenados à devolução dos valores cobrados a título de pedágio, cabendo aos prejudicados procederem à liquidação e execução da sentença, na forma do art. 97 do CDC. (TRF 4ª Região. Apelação Cível nº 2000. 04.01. 057802 – 0 /PR, Rel. Des. Antonio Lippmann Junior. DJU de 24/01/2001)[30]
Na contramão do acima colocado, a 1ª Turma do STJ decidiu que, para a cobrança do pedágio, não se faz necessária a existência de via alternativa de tráfego, haja vista tal obrigação não estar prevista em lei ordinária, nomeadamente na lei nº 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos. Pelo contrário, nos termos do seu art. 9º, parágrafo primeiro, assim diz:
“Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato”.
“§ 1o A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário”.[31]
Doutra banda, o art. 3º, II da CF, propugna como objetivo da República Federativa do Brasil, garantir o desenvolvimento nacional. Assim, interpretar que um simples pedágio, ainda que para desonerar o Estado com gastos de manutenção de via, seja capaz de limitar o intercâmbio entre Estados, por exemplo, é o mesmo que ir na contramão do objetivo acima citado, mostrando-se contrário ao pacto federativo.
Assim sendo, nenhum constrangimento pode ser imposto ao cidadão, impedindo-lhe ou lhe dificultando o exercício do direito fundamental de ir e vir, fora das hipóteses já taxativamente firmadas pela Constituição, sob pena de conflitar com direitos que são de suma relevância para existência digna do homem.
Conclusão
O presente trabalho teve como objetivo demonstrar, de maneira singela, mas fundamentada no próprio texto constitucional, bem como em algumas jurisprudências e doutrina, que o pedágio, na forma que é cobrado, mostra-se como sendo uma medida que afronta o direito à liberdade, bem de ordem fundamental para o gozo dos demais direitos propugnados pela Constituição Federal.
O Brasil, através de sua Constituição, enraizou alguns direitos que formam o chamado piso mínimo de dignidade, e a liberdade, como bem relevante que é, só pode ter seu exercício limitado nas hipóteses taxativamente previstas na Constituição, sob pena de afrontar os pilares básicos traçados pela Carta Magna.
Conforme se observa no art. 175 da Constituição, é possibilitada aos entes políticos a descentralização de determinados serviços públicos aos particulares, com vistas a desonerar o Estado e, consequentemente, concentrar esforços nos ditos serviços essenciais, quais sejam, saúde, segurança e educação. Assim, a conservação de via pode ser descentralizada ao particular, o qual, como contrapartida, cobra um preço público àqueles que querem utilizar uma via com certas particularidades, sem deixar de possibilitar, no entanto, aos demais, a utilização de uma via paralela sem as benesses da outra, sob pena de afrontar princípio consagrado pelos direitos fundamentais do cidadão, que é o da liberdade.
Percebe-se assim, que a obrigatoriedade de existência de via paralela, em que pese não exista uma obrigação formal de existir, possui fundamentação em uma análise sistemática feita da Constituição, corroborada pela moderna técnica de hermenêutica constitucional da unidade da Constituição, efeito integrador e interpretação conforme à Constituição, em que valores contrários aos explicitados na Carta Magna devem ser impugnados, sob pena de afrontar o princípio basilar que a norteia que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
No entanto, constatamos que o egrégio Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência isolada de sua 1ª Turma no sentido de não exigir via alternativa de tráfego, sob o argumento de que nem a Constituição, nem a lei lei nº 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos, faz tal exigência. Vemos assim que a presente Turma, numa análise eminentemente política, faz uma interpretação contrária àquela que anteriormente possuía a esse respeito, voltando-se, unicamente, para uma análise literal-gramatical de nossas leis.
Desta feita, embora a jurisprudência atual caminhe na direção de não exigir a via alternativa de tráfego, constata-se, através dos argumentos presentes no trabalho, que interpretação outra não deve existir, a não ser aquela que direcione para um alargamento do direito de liberdade de ir e vir, pois é o cerne que norteia qualquer interpretação que envolva os demais direitos basilares.
Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Federal de Alagoas. Bacharel em Direito pela Faculdade CESMAC do Agreste Arapiraca. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes UCAM
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