Resumo: A resolução nº 12/2009 do STJ, com seus fundamentos de suposta validade, em confronto com seus aspectos de inconstitucionalidade, é objeto de estudo deste trabalho. Propõem-se uma discussão a respeito da vigência da resolução editada pelo STJ, a qual versa sobre matéria processual, de competência da União nos termos da Constituição, porém editada após decisão em Embargos de Declaração do STF e ratificada por resolução do STJ. A problemática está presente na forma editada da resolução que contrariou matéria constitucional e princípios basilares do direito, suportando flagrante inconstitucionalidade.
Palavras chave: Resolução, STJ, inconstitucionalidade.
Sumário: Introdução. 1. Supostos fundamentos da resolução. 2. O Juizado Especial e a inviabilidade do Recurso Especial. 3. Projeto de lei. 4. O Juizado Especial Federal. 5. Da competência legislativa. 6. Controvérsia prática da Resolução. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO.
Vigente desde dezembro de 2009, a Resolução nº 12/2009 do STJ apresenta flagrante inconstitucionalidade, pois legislou sobre matéria processual e de competência do poder legislativo, sendo, inclusive tema constitucional.
Trata-se de clara usurpação do poder conferido ao legislativo que, apesar de solucionar um problema decorrente da lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9099/95), foi editada de maneira incorreta e sujeita a causar indignação aos bons ditames do ordenamento jurídico.
A resolução, apesar de plenamente vigente desde o final do ano de 2009, contraria matéria constitucional (C.F., art. 102 a 105), súmula do STJ (STJ, Súmula nº. 203) e os princípios do ordenamento jurídico.
Para os que ainda não tem conhecimento sobre o assunto, a resolução foi editada para reconhecer recursos oriundos de decisões proferidas pelas Turmas Recursais e, assim, dirimir divergências entre acórdãos prolatados por Turmas Recursais estaduais e as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça. Também criou a competência do STJ para julgar referidos recursos, os quais são recebidos com o título de Reclamação, numerados por ordem de distribuição e pelo estado de origem.
Desde o início de sua vigência a Resolução causa perplexidade para alguns no mundo jurídico, diante da surpresa de sua criação e ausência de conhecimento para manejá-la. Todas as decisões oriundas das Turmas Recursais eram passíveis de recurso somente para o STF, por meio de Recurso Extraordinário, sem previsão de Recurso Especial para o STJ. Com a edição da Resolução nº. 12/2009, inesperadamente, passou o STJ a modificar decisões provenientes dos juizados e, apesar de outra forma e procedimento, com os mesmos efeitos do Recurso Especial.
Seguem, de forma clara, os fundamentos que sustentam a Resolução nº 12/2009 do STJ: a inviabilidade do Recurso Especial no Juizado Especial cível e criminal; o projeto de lei em trâmite no Senado Federal; a lei do Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública; a competência legislativa para legislar sobre a matéria; as dificuldades e controvérsias práticas da resolução no STJ.
1. SUPOSTOS FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO.
No início da Resolução nº 12/2009[1], constou que esta foi editada com fundamento no art. 21, XX, do regimento interno do STJ, com base na decisão proferida nos embargos de declaração no STF do RE nº. 571.572-8/BA e a decisão do conselho de administração do STJ em 01/12/2009, no processo 11.044/2009.
Para seguir o raciocínio proposto, serão descritos os fundamentos que serviram de alicerce para a edição da Súmula nº 12/2009 do STJ, e, posteriormente, prosseguir com suas contradições.
Determina o regimento interno do STJ, em seu art. 21, inciso XX:
“Art. 21. São atribuições do Presidente.
XX – baixar as resoluções e instruções normativas referentes à deliberação do Plenário, da Corte Especial ou do Conselho de Administração, bem como as que digam respeito à rotina dos trabalhos de distribuição.”
Na decisão proferida nos Embargos de Declaração dos autos 571.572-8/BA no STF, em ação proposta por Telemar Norte Leste S/A, fez constar:
“No tocante à extensão da aplicação da Súmula 357/STJ, esta Suprema Corte já teve a oportunidade de se manifestar quanto ao importante papel exercido pelo Superior Tribunal de Justiça no exame da legislação infraconstitucional. No julgamento do AI 155.684-AgR, o relator, Ministro Celso de Mello, consignou que: “O legislador constituinte, ao criar o Superior Tribunal de Justiça, atribui-lhe, dentre outras eminentes funções de índole jurisdicional, a prerrogativa de uniformizar a interpretação das normas federais infraconstitucionais.”A perplexidade manifestada pelo embargante decorre do fato de que, embora seja responsável pelo exame da legislação infraconstitucional, o STJ não aprecia recurso especial contra decisão proferida no âmbito dos juizados especiais. As querelas de pequeno valor são submetidas às Turmas Recursais, sua instância revisora. No âmbito da Justiça Federal, a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional foi preservada com a criação da Turma de Uniformização pela Lei 10.259/2001. Ressalte-se que essa turma poderá ser provocada quando a decisão proferida pela turma recursal contrariar a jurisprudência dominante no STJ. Além, disso, caso a decisão da Turma de Uniformização também contrarie a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda é cabível a provocação daquela Corte, nos termos do art. 14, § 4º, da Lei 10.259/2001. Entretanto, não existe previsão legal de órgão uniformizador da interpretação da legislação federal para os juizados especiais estaduais, podendo, em tese, ocorrer a perpetuação de decisões divergentes da jurisprudência do STJ. Essa lacuna poderá ser suprida com a criação da turma nacional de uniformização da jurisprudência prevista no Projeto de Lei 16/2007 de iniciativa da Câmara dos Deputados e ora em trâmite no Senado Federal.Todavia, enquanto não for criada a turma de uniformização para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal. Tal situação, além de provocar insegurança jurídica, acaba provocando uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para Documento: 6380661 – Despacho / Decisão – Site certificado – DJe: 24/09/2009. Veja-se, por exemplo, o caso de empresas como a embargante, que muitas vezes prestam serviços em várias unidades da Federação. A permanecer a atual situação, é grande o risco de surgirem, em relação ao mesmo tema, decisões favoráveis e outras desfavoráveis cuja existência concomitante poderia provocar, em tese, verdadeira inviabilidade técnica, no que diz respeito ao cumprimento delas todas. Desse modo, até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à solução deste impasse. A história da reclamação e o status constitucional que lhe deu a Carta de 1988 são indicativos de que não se trata de singelo instituto processual, a ser utilizado no bojo de uma relação processual visando à prestação jurisdicional por parte do Estado, que irá, por seu órgão judiciário, aplicar o direito a um caso concreto. Trata-se, sim, na dicção de José Frederico Marques, de “um desdobramento das atribuições jurisdicionais que são conferidas, constitucionalmente, àqueles Tribunais. Inserindo-se, assim, no campo do Direito Processual Constitucional, pode a ordem jurídica, mediante normas regimentais, criar providências dessa natureza para a garantia de observância de julgados em que interfere, até mesmo, o guardião supremo e último da própria Lei magna”. Trata-se de instrumento destinado a dar efetividade a decisões prolatadas em última instância pelas Cortes de jurisdição nacional: o Supremo Tribunal Federal, guardião da constituição da República, e o Superior Tribunal de Justiça, guardião da legislação federal. Diante da inexistência de outro órgão que possa fazê-lo, o próprio Superior Tribunal de Justiça afastará a divergência com a sua jurisprudência, quando a decisão vier a ser proferida no âmbito dos juizados especiais estaduais. Em face do exposto, acolho os embargos apenas para prestar esses esclarecimentos.”(STF, embargos de declaração nº. 571.572-8/BA, grifo do autor)
Com a leitura cuidadosa dos textos citados, pode-se observar que com fundamento em uma decisão monocrática proferida no STF, o STJ, valendo-se do regimento interno, editou resolução que de forma concreta pôde exercer influência sobre qualquer processo em andamento nos juizados do país.
Propôs o STJ fundamentar sua resolução nº 12/2009 com o critério acima estabelecido, para dar validade e legitimidade, porém há vícios insanáveis que implicam na sua clara inconstitucionalidade, conforme adiante explorado.
2. O JUIZADO ESPECIAL E A INVIABILIDADE DO RECURSO ESPECIAL.
A lei nº 9099/95 dispôs sobre os juizados especiais cíveis e criminais e deu outras providências, como critérios de competência, critérios processuais peculiares para o trâmite dos processos e outras matérias.
No art. nº 41, §1º (lei nº 9099/95) foi expressamente determinado que, da decisão proferida no âmbito do juizado especial e depois de recorrida, o recurso seria julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado, nada mencionando sobre a possibilidade de recurso da decisão proferida, salvo os Embargos.
A Constituição Federal determinou a competência do STJ para julgar recursos e dentre estas, não estava o julgamento de decisões das Turmas Recursais ou sentenças dos juizados especiais. Nestes termos, segue claro entendimento legal no art. 105, inciso III:
“[…] julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida.”
O próprio STJ editou súmula no ano de 2002 determinando não caber recurso especial da decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais (STJ, súmula nº. 203). O fundamento da referência legislativa foi a própria C.F, art. 105, inciso III.
Há, inclusive, diversos precedentes[2] citados pelo STJ, com expressa e pacífica determinação de não ser pertinente o recurso especial, a respeito disso segue uma decisão dos autos Resp. nº. 34-336-SC para ilustração:
“1.Somente as causas decididas por Tribunais Regionais Federais, Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, em única ou última instância, são impugnáveis através de recurso especial.
2.Incabível esse apelo contra decisão de Turma de Juízes encarregada de julgar recursos oriundos de juizados especiais.” (grifo nosso)
Pode-se compreender, portanto, que nos termos da lei vigente não é possível recurso especial da decisão proferida pela Turma Recursal, sendo aceitável a decisão da Turma recorrível apenas nas hipóteses previstas para o recurso extraordinário para o STF.
Nos termos da C.F, art. 102, inciso III, poderá o STF julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância, desde que sejam respeitadas as limitadas hipóteses previstas. Observa-se novamente que não há possibilidade de julgamento pelo STJ de decisões proferidas pelas Turmas Recursais.
3. PROJETO DE LEI.
Conforme já demonstrado, não há previsão legal de recurso para o STJ dos acórdãos proferidos pelas Turmas Recursais no âmbito dos Juizados Especiais. A própria decisão do STF nos autos nº. 571.572-8/BA fez constar essa ausência de previsão legal:
“Entretanto, não existe previsão legal de órgão uniformizador da interpretação da legislação federal para os juizados especiais estaduais, podendo, em tese, ocorrer a perpetuação de decisões divergentes da jurisprudência do STJ”.(grifo nosso)
A tentativa legislativa para sanar tal lacuna está no Projeto de Lei nº 16, da Câmara dos Deputados, apresentada em 19 de março de 2007 e, atualmente no Senado Federal. O projeto cria o capítulo II na Lei nº. 9099/95, e é importante citar seu início:
“Art. 50-A. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.
§1º O pedido fundado em divergências entre Turmas do mesmo Estado será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de Desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça”. (grifo nosso)
O projeto de lei acima é de extrema pertinência e reflete, se aprovado, segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais. Ele está em trâmite e espera aprovação desde o ano de 2004 e, pasmem, decorrido mais de 07 anos, ainda não fora aprovado. Não será objeto de estudo o conteúdo e dimensões desse projeto de lei, pois perderia-se o foco do assunto proposto desde o início e tornaria a leitura cansativa.
Importante destacar apenas que há ausência de discussão desta matéria no âmbito do Juizado Especial da Fazenda Pública (lei nº. 12153/2009) e no Juizado Especial Federal (lei nº. 10.259/2001), pois o próprio corpo dessas leis trouxeram previsão legal de procedimentos para uniformização de jurisprudências e para evitar contrariedade das decisões proferidas pelo STJ.
4. O JUIZADO ESPECIAL FEDERAL.
Tendo início após Emenda Constitucional nº. 22/98, o Juizado Especial Federal tornou-se viável também com a edição da Lei nº. 10.259/2001. No âmbito do Juizado Federal, é cabível, com natureza de recurso, a uniformização de jurisprudência semelhante aos embargos de divergência. O vencido poderá formular pedido de uniformização, sendo restrita sobre direito material, conforme expresso no Artigo 14 da citada lei:
“Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.
§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.
§ 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
§ 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subsequentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça”.
De forma mais adiantada, a lei do Juizado Especial Federal já trouxe em seu texto expressa possibilidade de uniformização de jurisprudência, com segurança jurídica e previsibilidade de suas decisões.
A decisão do STF nos autos nº. 571.572-8/BA fez constar a existência da lei do Juizado Especial Federal, a saber:
“No âmbito da Justiça Federal, a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional foi preservada com a criação da Turma de Uniformização pela Lei 10.259/2001.”
Ao contrário da Lei nº 9099/95, a lei do Juizado Especial Federal determinou de forma clara, segura e não deixou a cargo do poder judiciário as soluções para uniformização de suas decisões.
5. DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
A Resolução nº 12/2009 do STJ versa sobre matéria processual e não deveria ser criada por meio de resolução, que é ato administrativo normativo e não lei, pois somente a União poderia legislar sobre direito processual.
Nos termos do art. 22, I, da CF/88, compete à União legislar sobre matéria processual e não mera resolução de órgão judicial. A forma imposta pela Resolução nº 12/2009, implica em criar efeitos erga omnes e vinculantes às decisões judiciais do STJ, além de ferir o livre convencimento motivado e persuasão racional dos juízes.
A decisão proferida pelo STJ, nos termos do art. 472 do CPC, tem relação entre as partes e pessoas envolvidas e não atinge terceiros. O juiz hierarquicamente inferior tem livre convencimento e persuasão racional para proferir suas decisões, sendo que as decisões do STJ não tem efeito erga omnes (CPC, art. 131 e 472). Somente o STF poderia dar efeitos erga omnes a uma decisão e não resolução, que é ato administrativo (CF, art. 102, §2º, 103).
Assim como no Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública, o procedimento de uniformização de jurisprudência deveria ocorrer por meio de lei, por ser matéria de competência legislativa e do direito processual. Da forma posta, a Resolução nº. 12/2009 usurpa poderes do legislativo e viola o princípio da separação dos poderes (arts. 2º e 60, §4º, III, da Constituição).
A conduta correta seria por meio do projeto de Lei nº 16/2007, o qual é indiscutivelmente válido e legítimo, com procedimento de uniformização de jurisprudência necessário para ter coerência com as decisões do STJ.
A questão aqui não é o STJ decidir divergências entre decisões das turmas recursais, pois necessário se faz dirimir esses conflitos, porém a forma posta causa arrepio por ter, em decisão de Embargos, o STF legislado sobre matéria processual e, em resolução do STJ, ratificado todos os termos.
6. CONTROVÉRSIAS PRÁTICA DA RESOLUÇÃO.
Da forma editada, a Resolução nº. 12/2009 causa diversas dúvidas e embaraços práticos em seus operadores. Embora não seja um Recurso Especial, produz efeitos semelhantes nas decisões proferidas, podendo, inclusive, ser de maior amplitude e também se assemelha ao agravo de instrumento no processo civil (CPC, art. 522).
A semelhança entre os institutos do direito causa algumas confusões que pode inviabilizar o seu uso. Como o fato é inédito, pois uma resolução legislou sobre matéria processual e criou um novo recurso, surgiram dúvidas pertinentes.
Observa-se, por exemplo, nos autos do STJ Rcl. nº 7456PR, o recurso não foi aceito por ausência de certidão de intimação da decisão combatida, e assim fez constar no acórdão: no caso dos autos, não trouxe o reclamante certidão de publicação da decisão combatida, peça essencial para aferição da tempestividade da Reclamação.
A confusão é evidente, pois a necessidade de certidão é prevista no agravo de instrumento (CPC, art. 525, I), e não há nada neste sentido na Resolução nº 12/2006 do STJ.
A confusão fica mais evidente quando, para evitar entendimento deste pelo STJ, ao solicitar certidão de intimação para unir ao recurso para o STJ, o órgão de origem nega sobre a justificativa de ausência de previsão legal. Nos autos nº 0084173-45.2010.8.16.0014, em trâmite na 2ª Turma Tecursal do Paraná, foi negada a expedição da certidão com o seguinte fundamento: Indefiro o pedido de expedição de certidão, visto que a Resolução n.º 12 do STJ não traz referida exigência.
A confusão é estarrecedora. Quem julga exige a certidão e solicita justificando ser obrigatória. Quem deveria emitir a certidão não faz, pois justifica não precisar e não haver previsão legal. Torna-se evidente a manifesta confusão e desconhecimento, que, às vezes, obstrui a interposição do recurso.
Em outra Reclamação em trâmite no STJ, foi negado seu seguimento pois não respeitou o regimento interno, exigência essa não prevista na Resolução nº. 12/2009. Assim fez constar a decisão, Rcl nº. 6830PR[3]:
“De qualquer forma, fica afastada a possibilidade de configuração da divergência jurisprudencial, porquanto a divergência instaurada deve ser demonstrada nos termos do artigo 255, §§ 1º e 2º, do Regimento interno desta Corte Superior, mediante o confronto analítico entre as teses adotadas no acórdão reclamado e nos paradigmas colacionados.
Em vista do exposto, indefiro de plano a reclamação (artigos 34, inciso XVIII, do RISTJ e 1º, §2º, da Resolução 12/STJ)”. (grifo nosso)
O fundamento do não provimento da Reclamação, interposta nos termos da Resolução nº. 12/2009 foi o não atendimento do contido no regimento interno do STJ, artigo 255, §§ 1º e 2º, que trata justamente do Recurso Especial.
“CAPÍTULO II
Do Recurso Especial
Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo.
§ 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita:
(Incluído pela Emenda Regimental n. 1, de 1991)
a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal;
(Redação dada pela Emenda Regimental n. 6, de 2002)
b) pela citação de repositório judicial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados.
(Incluído pela Emenda Regimental n. 1, de 1991)
§ 2º Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”
Fato curioso é que o STJ não acolheu a Reclamação com fundamento no regimento interno, que regulamenta normas para receber o Recurso Especial, enquanto que a Súmula nº 203, do próprio STJ, determina que não caber recurso especial da decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais. Para o STJ não cabe recurso especial das decisões do juizado, mas ele é recebido como se assim fosse.
A Reclamação, já que criada, deveria ser recebida com suas peculiaridades e cuidados, não sendo como um agravo de instrumento ou Recurso Especial. Diante da importância de leitura para compreensão do tema e por ser o foco do estudo, segue a íntegra da Resolução nº. 12/2009 do STJ:
“O PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, usando da atribuição que lhe é conferida pelo art. 21, XX, do Regimento Interno e considerando a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal nos EDcl no RE n. 571.572-8/BA, DJ de 14.9.2009, e tendo em vista o decidido pelo Conselho de Administração na sessão de 1º de dezembro de 2009, no Processo STJ n. 11.044/2009,
RESOLVE:
Art. 1º. As reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo.
§ 1º A petição inicial será dirigida ao Presidente deste Tribunal e distribuída a relator integrante da seção competente, que procederá ao juízo prévio de admissibilidade.
§ 2º. O relator decidirá de plano reclamação manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicada, em conformidade ou dissonância com decisão proferida em reclamação anterior de conteúdo equivalente.
Art. 2º. Admitida a reclamação, o relator:
I – poderá, de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão;
II – oficiará ao presidente do Tribunal de Justiça e ao corregedor-geral de Justiça do estado ou do Distrito Federal e ao presidente da turma recursal prolatora do acórdão reclamado, comunicando o processamento da reclamação e solicitando informações;
III – ordenará a publicação de edital no Diário da Justiça, com destaque no noticiário do STJ na internet, para dar ciência aos interessados sobre a instauração da reclamação, a fim de que se manifestem, querendo, no prazo de trinta dias;
IV – decidirá o que mais for necessário à instrução do procedimento.
Art. 3º. O relator poderá, se reputar necessário, abrir vistas dos autos ao Ministério Público, por cinco dias, para parecer, após o decurso do prazo para informações.
Art. 4º. Cumpridos os prazos, com ou sem manifestação das partes, do Ministério Público ou de eventuais terceiros interessados, o processo será incluído na pauta da sessão, com preferência sobre os demais, ressalvados os relativos a réu preso, os habeas corpus, os mandados de segurança e os recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil. Parágrafo único. As partes, o representante do Ministério Público e, por decisão do presidente da Seção, os terceiros interessados poderão produzir sustentação oral na conformidade do que dispõe o art. 160 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Art. 5º. O acórdão do julgamento da reclamação conterá súmula sobre a questão controvertida, e dele será enviada cópia aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, bem como ao presidente da turma recursal reclamada.
Art. 6º. As decisões proferidas pelo relator são irrecorríveis.
Art. 7º. Reconhecida a litigância de má-fé, nos termos do art. 17 do Código de Processo Civil, o reclamante será condenado a pagar à parte adversa multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa principal.
Art. 8º. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.”
Por tratar de fato atípico, ser uma matéria de direito processual criada após decisão de Embargos no STF e resolução ratificando no STJ, carece de requisitos básicos para sua validade e legitimidade. Ainda mascarada de Recurso Especial e, às vezes, de Agravo de Instrumento, causa confusão entre os julgadores e, lógico, aos advogados que a manejam para sua interposição.
A decisão proferida ainda é irrecorrível (art. 6º), que causa cerceamento do direito de defesa na hipótese de absurdos processuais como os acima descritos.
CONCLUSÃO
Necessário se faz a criação de lei para uniformização das jurisprudências proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais, para propiciar segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais e, assim, ter o mesmo parâmetro das decisões proferidas pelos órgãos superiores. A uniformização, inclusive, acompanharia as avançadas leis dos juizados especiais federais e da fazenda pública que já adotam esta matéria devidamente prevista em lei.
Embora necessária, a forma imposta pela decisão proferida nos Embargos de Declaração do STF e ratificada pela resolução do STJ, feriu o princípio da segurança jurídica, previsibilidade das decisões judiciais, separação do poderes, usurpação de poderes do poder legislativo e feriu matéria constitucional.
Da forma realizada, a resolução criou embaraços e dificuldades para interposição da peça processual de reclamação perante o STJ. O projeto de lei no senado federal seria a solução, porém em decorrência do demasiado tempo de tramitação, na tentativa de solucionar uma carência e munido de, às vezes, boa vontade, o poder judiciário criou a presente celeuma.
A falta de sintonia entre os três poderes aliado a falta de celeridade, ocasiona invasão de competências. A usurpação de poderes induz insegurança jurídica e não previsibilidade das decisões judiciais. A Resolução nº 12/2009 é inconstitucional, pois trata de matéria processual, de competência da União, devendo ser tratada por meio de lei e não de simples resolução.
Mestrando em Direito Negocial pela UEL. Pós-graduado em Processo Civil IDCC. Pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política UEL/PR. Advogado. Professor na UNOPAR
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