A inconstitucionalidade do impeachment da ex-Presidente Dilma: por uma análise constitucional do/no Estado Democrático de Direito

Resumo: O desfecho do julgamento da ex-Chefe de Estado pelo Senado Federal sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, no sentido de condená-la à perda do cargo pela prática de crime de responsabilidade, isentando-a, porém, da inabilitação por oito anos de exercício de função pública se apresenta inconstitucional.

Palavras-chave: Dilma. Impeachment. Julgamento. Inconstitucionalidade.

Abstract: The outcome of the trial of the former head of state by the Senate under the chairmanship of the President of the Supreme Court, to condemn it to the loss of office for the practice of a crime committed by exempting it, however, the disqualification for eight years of civil service exercise appears unconstitutional.

Keywords: Dilma. Impeachment. Judgment. Unconstitutionality.

Sumário: 1. Introdução. 2. O Presidente da República e o crime de responsabilidade. 3. O caso Dilma. 4. O caso Collor. 5. O cenário atual. Considerações finais. Referências.

1. Introdução

O processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff sempre foi rodeado de muita polêmica.

As acusações referentes à prática de crime de responsabilidade estiveram em meio ao fato de que sua sustentação política se tornou inviável pela perda da base parlamentar bem como em virtude de uma grandiosa insatisfação popular quanto ao seu governo.

Por outro lado, a própria e diversos dos seus seguidores (ou de Lula, ou do Partido dos Trabalhadores – PT), sustentaram que esse processo tratar-se-ia de um golpe no sentido de a “oposição” aspirar galgar o poder por via transversa, diversa da escolha popular pelo voto direto.

Essa estirpe sustentou ainda que os atos por Dilma praticados também foram realizados por Presidentes anteriores, fazendo parte do cotidiano da maioria dos Governadores de Estados-membros e Prefeitos municipais por todo país. Assim, que ou se devesse conceber a prática como imersa ao método político brasileiro, ou restariam pouquíssimos eleitos à frente do Poder Executivo nas suas mais diversas unidades.

Aqui, pretende-se afirmar que o desfecho do julgamento da ex-Presidente pelo Senado Federal sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, no sentido de condená-la à perda do cargo pela prática de crime de responsabilidade, isentando-a, porém, da inabilitação por oito anos de exercício de função pública se apresenta inconstitucional.

Para desenvolver nossas ideias, exporemos no que consiste o crime de responsabilidade do Presidente e as normas constitucionais relativas ao tema.

Após, adentraremos no caso Dilma e o compararemos ao caso Collor.

Ao final, pontuaremos que a interpretação exercida pelo Senado Federal sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski é totalmente descabida, até porque o limite da atividade hermenêutica e logo, da interpretação, é o texto, e nosso texto constitucional não possibilita o que foi feito, seja a partir da interpretação literal, da sistemática, ou de qualquer outra.

A previsão do parágrafo único do Art. 52 da Constituição Federal deixa claro que a pena do Presidente pela prática de crime de responsabilidade é a perda do cargo com inabilitação por oito anos de exercício de função pública. Assim, a expressão com dá ensejo à reunião de duas “coisas”, perda do cargo com a inabilitação.  Logo, o com se contrapõe ao termo sem. 

Quando do processo de impeachment do Presidente temos uma ética binária à lá Ronald Dworkin e Robert Alexy, em certo ponto, no que toca seus conceitos de regra jurídica, ou seja, tudo ou nada.

Portanto, em sendo o Chefe de Estado condenado, perderá o cargo e ficará fora da vida pública por oito anos. Caso seja absolvido, nem uma nem outra.  

2. O Presidente da República e o crime de responsabilidade

Os crimes de responsabilidade nada mais são do que infrações político-administrativas (crimes políticos).

A Constituição Federal de 1988 prevê, no Art. 85, como crimes de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a existência da União (inciso I); o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação (inciso II); o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (inciso III); a segurança interna do País (inciso IV); a probidade na administração (inciso V); a lei orçamentária (inciso VI); o cumprimento das leis e das decisões judiciais (inciso VII).

Note-se, referidos crimes estão previstos abstratamente no dispositivo constitucional, devendo lei especial defini-los de forma mais precisa, além dos termos processuais e de julgamento (CF, parágrafo único do Art. 85).

Essa lei, já que o legislador federal não regulamentou, até os dias atuais, o parágrafo único do Art. 85 da Carta Magna, é a nº. 1.079/1950, que apesar de ser anterior à Constituição atual, regulamenta a matéria, em grande parte, em virtude da sua recepção parcial.

O procedimento para se responsabilizar o Presidente da República pela prática de crime de responsabilidade pode ser iniciado por acusação de qualquer cidadão no pleno gozo dos seus direitos políticos, como Bulos esclarece:

“Legitimidade ativa – todo cidadão, qualquer parlamentar ou autoridade pública poderá dar início ao processo de impeachment, desde que goze das prerrogativas da cidadania brasileira, exercendo, plenamente, seus direitos políticos. Note-se que a legitimidade ativa é conferida, apenas, às pessoas físicas investidas no status civitatis. Aqueles que não forem alistados na repartição eleitoral, que tiveram suspensos ou perdidos seus direitos políticos, que forem pessoas jurídicas, estrangeiros ou apátridas, jamais poderão ser parte legítima para oferecer a denúncia na Câmara dos Deputados” (BULOS, 2014, p. 1267-1268).  

Essa acusação deverá ser direcionada à Câmara dos Deputados, a qual, por 2/3 dos votos dos seus membros poderá admiti-la (juízo de admissibilidade da acusação).

Admitida a acusação, o Presidente será processado no Senado Federal, sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, parágrafo único do Art. 52 e caput do Art. 86).

Instaurado o processo pelo Senado Federal, o Presidente da República ficará afastado das suas funções por 180 dias.

Exaurido este prazo sem a conclusão do processo, o Chefe de Estado retorna ao exercício de suas funções, sem prejuízo do seu regular prosseguimento (CF, inciso II do §, 1º, e, § 2º, todos do Art. 86).

Por fim, o Senado Federal, pelo voto de 2/3 dos seus membros, em entendendo pela procedência acusatória, condenará o Presidente da República à perda do cargo com inabilitação para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de 8 anos, sem qualquer prejuízo das demais sanções cabíveis (CF, parágrafo único do Art. 52).

Por exercício de função pública entenda-se aquela decorrente de concurso público, eletiva e/ou de cargo de confiança.

Pois bem, passemos ao caso Dilma.

3. O caso Dilma

Como se sabe, a ex-Presidente Dilma Rousseff foi condenada, pelo Senado Federal, sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski, no dia 31 de agosto do ano corrente, à perda do cargo de Presidente da República pela prática de crime de responsabilidade, porém, à mesma não fora aplicada a pena de inabilitação por oito anos de exercício de função pública.

A sentença, conforme difundido pelo g1.globo.com, previu:

"Queria dizer a V. Exªs que o Presidente, após a formulação do destaque, preparou dois modelos de sentença. […] A sentença é longa, incorpora o relatório. A parte da fundamentação compreende os argumentos da acusação e da defesa. Lerei apenas a parte dispositiva. […] Ao encerrar a leitura, convido, como é determinação legal, todas as senadoras e senadores a assinarem a sentença que ficará aqui, sobre a mesa. […] Passo à leitura. […] O Senado Federal entendeu que a senhora Presidente da República Dilma Vana Rousseff cometeu os crimes de responsabilidade, consistentes em contratar operações de crédito com instituição financeira controlada pela União e editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional, previstos no art. 85, inciso VI, e art. 167, inciso V, da Constituição Federal, bem como no art. 10, itens 4, 6 e 7, e art. 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079, de 10 abril de 1950, por 61 votos, havendo sido registrados 20 votos contrários e nenhuma abstenção, ficando assim a acusada condenada à perda do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil. […] Em votação subsequente, o Senado Federal decidiu afastar a pena de inabilitação para o exercício de cargo público, em virtude de não se ter obtido nesta votação dois terços dos votos constitucionalmente previstos, tendo-se verificado 42 votos favoráveis à aplicação da pena, 36 contrários e 3 abstenções. […] Esta sentença, lavrada nos autos do processo, constará de resolução do Senado Federal, será assinada – a sentença – por mim e pelos senhores senadores que funcionaram como juízes, transcrita na ata da sessão e, dentro desta, publicada no Diário Oficial da União, no Diário do Congresso Nacional, segundo o art. 35 da Lei nº 1.079, e no Diário do Senado Federal. […] Tal decisão encerra formalmente o processo de impeachment instaurado contra a Presidente da República no Senado Federal, no dia 12 de maio de 2016. […] Façam-se as comunicações ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República em exercício, aos Exmos Srs. Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e à Exma Srª Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, 31 de agosto de 2016. Assino a sentença. […] Senhoras senadoras, senhores senadores, passo à leitura da resolução assinada pelo Exmo Sr. Presidente do Senado Federal: […] Faço saber que o Senado Federal julgou, nos termos do art. 86, in fine, da Constituição Federal, e eu, Renan Calheiros, Presidente, promulgo a seguinte resolução: Resolução nº 35, de 2016. […] O Senado Federal resolve: […] Art. 1º É julgada procedente a denúncia por crime de responsabilidade previsto nos art. 85, inciso VI, e art. 167, inciso V, da Constituição Federal;, art. 10, incisos IV, VI e VII, e art. 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950; […] Art. 2º Em consequência do disposto no artigo anterior, é imposta à Srª Dilma Vana Rousseff, nos termos do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção de perda do cargo de Presidente da República, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis, nos termos da sentença lavrada nos autos da Denúncia nº 1, de 2016, que passa a fazer parte desta Resolução. […] Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. […] Senado Federal, 31 de agosto de 2016. […] Senador Renan Calheiros, Presidente do Senado Federal." (G1.GLOBO.COM, 2016, p. 1).

Até o dia de ontem (02/09/2016), por volta de oito mandados de segurança foram impetrados no Supremo Tribunal Federal a fim de que a Suprema Corte brasileira anulasse a decisão do Senado sob a presidência do Presidente do próprio Supremo Tribunal Federal (extravagante, no mínimo, não?!) que não determinou a inabilitação de Dilma.

Este resultado culminou em diversas críticas por todo Brasil, como se pode conhecer a partir dos mais variados meios de comunicação.

O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, por seu turno, sobre o tema, proferiu as seguintes palavras, conforme publicado no jornal Estadão: 

“BRASÍLIA – Um dia depois de o Senado Federal decidir pela cassação de Dilma Rousseff, mas manter o seu direito a exercer funções públicas, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Gilmar Mendes, disse nesta quinta-feira, 1º, que a votação fatiada do processo de impeachment é, “no mínimo, bizarro” e “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional”. Para o presidente da corte eleitoral, o resultado do julgamento de Dilma abre precedente “que preocupa” e pode repercutir “negativamente” nas cassações de mandatos de deputados, senadores e vereadores. […] O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, responsável por conduzir o julgamento do impeachment, decidiu aceitar o destaque apresentado pela bancada do Partido dos Trabalhadores, que pediu que a votação do impeachment fosse dividida em duas partes, e não de maneira conjunta. Dessa forma, Dilma manteve os direitos políticos, embora tenha tido o seu mandato cassado. […] “Então, veja, (essa votação fatiada) não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional. É, realmente, do ponto de vista da solução jurídica, parece realmente extravagante, mas certamente há razões políticas e tudo mais que justificam, talvez aí o cordialismo da alma brasileira e tudo isso”, ponderou o presidente do TSE. […] “Eu não sei também se os beneficiados dessa decisão ou por essa decisão teriam a mesma contemplação com os seus adversários”, completou Gilmar Mendes. […] Na avaliação do presidente do TSE, a votação dessa forma é “ilógica”, já que, ao decidir pela aplicação de penas autônomas, o Senado poderia ter eventualmente decidido manter Dilma Rousseff no cargo, mas ter se posicionado favorável à inabilitação dela para exercer funções públicas. […] Cancelamento. O presidente do TSE disse também não acreditar que a sessão do Senado Federal que decidiu pela cassação do mandato de Dilma seja cancelada. […] “O tribunal tem sido muito cauteloso com relação a isso, até vocês já estão exaustos sobre esse tema”, afirmou, dirigindo-se aos repórteres. […] A defesa da ex-presidente Dilma entrou na manhã desta quinta-feira com um mandado de segurança no STF contra o impeachment da petista. Os advogados pedem para anular a decisão tomada pelo Senado na quarta-feira, 31, que condenou Dilma a perder o mandato, e querem um novo julgamento. Questionado se a ex-presidente estaria inelegível para concorrer nas próximas eleições, Gilmar Mendes comentou que “isso vai ser discutido oportunamente se ela se apresentar como candidata ao TSE” (ESTADÃO, 2016, p. 1).

 

Outro Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, foi apontado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, por meio de suas notícias, como tendo sido protagonista da notícia mais destaca do mês de agosto dentre aquelas referentes ao impeachment. Eis o que fora publicado:

“Sexta-feira, 02 de setembro de 2016. […] Manifestação do ministro Celso de Mello é a notícia mais acessada em agosto nas matérias sobre impeachment. […] A notícia mais acessada do mês de agosto entre as matérias publicadas no site do Supremo Tribunal Federal relativas ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi a manifestação do decano do Tribunal, ministro Celso de Mello, sobre o precedente do caso Collor que permite a divisão das sanções. Ao longo do mês decisivo do processo em tramitação no Senado Federal, a página de notícias do STF publicou diversas matérias sobre o tema, a maioria relativa a decisões do ministro Ricardo Lewandowski, presidente da Corte e do processo. […] Na quarta-feira (31), dia em que o Senado aprovou o impedimento de Dilma Rousseff, o ministro Celso de Mello avaliou que “o que se observa é a atuação sólida das instituições e a deliberação soberana do Senado como tribunal de julgamento”. […] Um dos principais questionamentos dos jornalistas que o abordaram ao fim da sessão plenária foi a decisão do Senado de dividir a votação em duas questões – o cometimento de crime de responsabilidade, que obteve 61 votos, e a manutenção de seus direitos políticos, rejeitada por 42 senadores, quando o mínimo necessário seria de 54. Celso de Mello lembrou que, no caso Collor, em 1992, o Supremo decidiu, por maioria de votos, no Mandado de Segurança 21689, que é possível a divisão da sanção aplicável, votando-se separadamente a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de cargo público. […] O MS 21689 foi impetrado pelo próprio Fernando Collor de Mello contra a resolução do Senado que aplicou a ele a pena de inabilitação para o exercício de função pública por oito anos em decorrência da perda do mandato. O pedido de anulação da resolução foi rejeitado, mas a maioria dos participantes do julgamento pelo Plenário entendeu pela possibilidade da votação das duas matérias em separado. O ministro Celso de Mello explicou que ficou vencido na ocasião. […] Sua manifestação após o afastamento de Dilma Rousseff teve cerca de 13.500 acessos no site. […] Roteiro, pedidos e julgamento. […] Logo no início do mês, o ministro Ricardo Lewandowski e os líderes do Senado definiram o roteiro a ser seguido na sessão de pronúncia, realizada no dia 9. A notícia sobre a reunião, com a íntegra do roteiro, foi lida 5,7 mil vezes. O roteiro sobre o julgamento em si teve 4,4 mil acessos. […] As decisões do ministro Lewandowski relativas a pedidos feitos tanto pela defesa quanto pela acusação – impugnação de testemunhas, convocação de peritos, transmissão de depoimentos – e a questões de ordem apresentadas durante a sessão de julgamento no Senado também foram noticiadas” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 1).

O mais curioso é que a ementa do mandado de segurança referenciado, o MS 21.689 / DF – Distrito Federal, impõe coisa diversa do que Celso de Mello alegou, como se nota abaixo:

“EMENTA: – CONSTITUCIONAL. "IMPEACHMENT". CONTROLE JUDICIAL. "IMPEACHMENT" DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. PENA DE INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. C.F., art. 52, parágrafo único. Lei n. 27, de 07.01.1892; Lei n. 30, de 08.01.1892. Lei n. 1.079, de 1950. I. – Controle judicial do "impeachment": possibilidade, desde que se alegue lesão ou ameaça a direito. C.F., art. 5., XXXV. Precedentes do S.T.F.: MS n. 20.941-DF (RTJ 142/88); MS n. 21.564-DF e MS n. 21.623-DF. II. – O "impeachment", no Brasil, a partir da Constituição de 1891, segundo o modelo americano, mas com características que o distinguem deste: no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, lei ordinária definira os crimes de responsabilidade, disciplinara a acusação e estabelecera o processo e o julgamento. III. – Alteração do direito positivo brasileiro: a Lei n. 27, de 1892, art. 3., estabelecia: a) o processo de "impeachment" somente poderia ser intentado durante o período presidencial; b) intentado, cessaria quando o Presidente, por qualquer motivo, deixasse definitivamente o exercício do cargo. A Lei n. 1.079, de 1950, estabelece, apenas, no seu art. 15, que a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. IV. – No sistema do direito anterior a Lei 1.079, de 1950, isto e, no sistema das Leis n.s 27 e 30, de 1892, era possível a aplicação tão somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo (Constituição Federal de 1891, art. 33, par. 3.; Lei n. 30, de 1892, art. 2.), emprestando-se a pena de inabilitação o caráter de pena acessória (Lei n. 27, de 1892, artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade (C.F., 1934, art. 58, par. 7.; C.F., 1946, art. 62, par. 3. C.F., 1967, art. 44, parag. único; EC n. 1/69, art. 42, parag. único; C.F., 1988, art. 52, parag. único. Lei n. 1.079, de 1950, artigos 2., 31, 33 e 34). V. – A existência, no "impeachment" brasileiro, segundo a Constituição e o direito comum (C.F., 1988, art. 52, parag. único; Lei n. 1.079, de 1950, artigos 2., 33 e 34), de duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. VI. – A renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de "impeachment". VII. – Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (C.F., art. 37). VIII. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente aos crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, na forma do Decreto-lei 201, de 27.02.1967. Apresentada a denúncia, estando o Prefeito no exercício do cargo, prosseguira a ação penal, mesmo após o termino do mandato, ou deixando o Prefeito, por qualquer motivo, o exercício do cargo. IX. – Mandado de segurança indeferido” (BRASIL, 1993, p. 1).  

Está claro a partir do precedente, na Carta Magna atual não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a inabilitação assume caráter acessório. Ou seja, ambas hão de ser aplicadas caso o Presidente seja considerado culpado pela prática de crime de responsabilidade.

A doutrina, em análise ao dispositivo constitucional concernente ao tema sempre reforçou esta ideia.

Alexandre de Moraes, ao descrever o papel do Senado Federal no processo de impeachment do Presidente da República, assim aludiu na obra Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional:

“[…] Após, o Presidente do STF fará relatório resumido da denúncia e das provas de acusação e defesa e submeterá a votação nominal dos senadores, entendida como aberta, cuja condenação somente poderá ser proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal, acarretando a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função púbica, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal). […] A sentença será por meio de resolução do Senado Federal (art. 35 da Lei nº. 1.079/50). […] Relembre, como já citado, que a inabilitação para o exercício de função pública decorrente da perda do cargo de Presidente da República por crime de responsabilidade (CF, art. 52, parágrafo único) compreende inclusive a impossibilidade do exercício de cargo ou mandato eletivo” (MORAES, 2013, p. 1275).

O mesmo autor, mais recentemente, em seu manual de Direito Constitucional reiterou:

“[…] Após, o Presidente do STF fará relatório resumido da denúncia e das provas de acusação e defesa e submeterá a votação nominal dos senadores, entendida como aberta, cuja condenação somente poderá ser proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal, acarretando a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função púbica, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal). […] A sentença será por meio de resolução do Senado Federal (art. 35 da Lei nº. 1.079/50). […] Relembre, como já citado, que a inabilitação para o exercício de função pública decorrente da perda do cargo de Presidente da República por crime de responsabilidade (CF, art. 52, parágrafo único) compreende inclusive a impossibilidade do exercício de cargo ou mandato eletivo” (MORAES, 2015, p. 514).     

Sobre o tema, Uadi Lammêgo Bulos aduziu:

“Instaurado o processo de impeachment pelo Senado, o Presidente da República fica suspenso do exercício de suas funções por 180 dias. […] Caso o julgamento não ocorra no prazo de seis meses, o Presidente da República retorna ao cargo, sem prejuízo do regular andamento do processo. [….] Se condenado, pelo voto de 2/3 do Senado, o Presidente perde o cargo e fica inabilitado por oito anos para o exercício de outra função pública” (BULOS, 2014, p. 1267).

Já Marcelo Novelino assim se pronunciou:

“A condenação somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal e limitar-se-á à perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52, parágrafo único). Havendo renúncia após iniciado o processo de responsabilização, este deverá prosseguir até o julgamento final, conforme entendimento adotado pelo Supremo quando da renúncia de Fernando Collor de Mello, então Presidente da República” (NOVELINO, 2015, p. 727).

Percebamos, o caso Collor ofereceu possibilidade de interpretações discrepantes ao caso Dilma, o que torna necessário seu enfrentamento.

4. O caso Collor

Como sempre digo aos alunos, se a lei não impõe uma conduta positiva ou uma conduta negativa, nos termos do inciso II do Art. 5º da Constituição Federal, pode-se agir em conformidade com a própria vontade, pois quando não há impedimento legal, gera-se um generoso espaço de liberdade quanto ao que possa ser feito pelo indivíduo.

A renúncia ao cargo de Presidente da República encontra-se inserida à ideia, pois não há nada na lei que impeça o Chefe de Estado de renunciar, tratando-se tal escolha, em verdade, de um direito subjetivo deste.

O ex-Presidente Fernando Collor de Mello, em clara manobra para se esquivar da pena de inabilitação aqui investigada, renunciou quando de sua sessão de julgamento pela suposta prática de crime de responsabilidade.

Como a Constituição brasileira de 1988 não trata do tema e a Lei nº. 1.079/50, regulamenta, unicamente, que a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo, o Senado Federal, sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, à época de seu julgamento, se viu num caso sui generis, tendo decidido que o julgamento, quando iniciado, deverá ser concluso, ainda que o Presidente tenha renunciado ao cargo. A título de insistência: “[…]- A renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de "impeachment". […] (BRASIL, 1993, p. 1).

Assim, como se ponderou que Collor de Mello estava fazendo uso do seu direito no sentido de burlar a ordem constitucional, logo, abusando do direito, seu julgamento prosseguiu para que o Senado Federal pudesse decidir acerca de sua culpabilidade.

Como Collor foi condenado, sofrera a pena de inabilitação por oito anos de qualquer função pública. Caso o resultado tivesse sido outro, vale dizer, considerado inocente, já não poderia estar à frente do cargo de Presidente da República face à sua renúncia.

Portanto, o cargo, com sua renúncia, ou condenação, se esvaiu de qualquer modo, por isso a pena de inabilitação foi tão destacada.

Relativamente ao evento descrito, Pedro Lenza desenvolveu:

“A sentença condenatória materializar-se-á mediante resolução do Senado Federal, que somente será proferida por 2/3 dos votos, limitando-se a condenação à perda do carro e inabilitação para o exercício de qualquer função pública (sejam decorrentes de concurso público, de confiança ou de mandato eletivo) por 8 anos, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único). […] Conforme dispõe o art. 15 da Lei n. 1079/50, “a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”. O ex-Presidente Fernando Collor de Mello impetrou mandado de segurança alegando que a renúncia ao cargo extinguiria o processo de impeachment. O STF, julgando o aludido MS 21.689-1, por maioria de votos, decidiu que a renúncia ao cargo não extingue o processo quando iniciado. […] Como vimos, na sistemática atual, ao contrário do que acontecia com as Leis ns. 27 e 30, de 1892, a condenação pelo crime de responsabilidade implicará na imposição de duas penas: a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública por 8 anos, sendo esta última não mais acessória, como era antes. Havendo renúncia ao cargo, quando já instaurado o processo, este deverá seguir até o final, podendo ser aplicada a pena de inabilitação, que é principal” (LENZA, 2013, p. 723-724).    

Quanto ao mesmo fato e à pena de inabilitação aplicada à época e a ser imposta atualmente, Nathalia Masson fomentou:

“No Senado, a condenação somente poderá ser proferida por 2/3 dos membros da Casa Legislativa, formalizada em uma resolução e importará na aplicação das penas de perda do cargo e inabilitação por oito anos para o exercício das funções públicas, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (afinal, se o Presidente cometeu infrações penais comuns, também responderá por elas, perante os órgãos competentes). […] Sobre a inabilitação, por oito anos, para o exercício das funções públicas, vale salientar que abrange rodas as funções públicas, isto é, tanto as derivadas de concursos públicos, quanto as de confiança e até mesmo os mandatos eletivos. […] Por ocasião do processamento/julgamento do ex-Presidente Fernando Collor, discutiu-se se as penas previstas no parágrafo único do are. 52, CF/88 guardavam entre si a relação de principal/acessória, de modo que a impossibilidade de se aplicar a principal (perda do cargo) acarretaria a insubsistência da acessória (a inabilitação). Entendeu o STF, ao julgar o mandado de segurança impetrado pelo ex-Presidente – que renunciou momentos antes de seu julgamento no Senado Federal se iniciar -, que ambas as penas eram principais e independentes e que a eventual impossibilidade de aplicação da pena de perda do cargo (em virtude de renúncia, por exemplo) não tornaria inviável a aplicação da inabilitação. […] A Corre deixou firmado, na mesma ocasião, que o julgamento final prolatado pelo Senado Federal tem natureza política, sendo irrecorrível e definitivo, não havendo qualquer possibilidade de o Poder Judiciário alterá-lo. Em homenagem à separação de Poderes, o Judiciário somente poderia verificar o respeito às regras procedimentais, jamais o mérito da decisão. […] Por fim, segundo a doutrina, a discussão engendrada no "Caso Collor" hoje já não mais se afigura como relevante na medida em que a Lei Complementar nº 135/2010 (conhecida como "Lei da Ficha Limpa") determina a inelegibilidade do Presidente da República se ele renunciar ao mandato a partir do oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a instauração de processo por infringência à dispositivo da Constituição Federal, no que range às eleições que se realizarem no período que resta de seu mandato e também naquelas organizadas nos oiro anos subsequentes ao término da legislatura em curso” (MASSON, 2016, p. 851-852).

5. O cenário atual

Noutros lugares, temos defendido a ideia de que, contemporaneamente, diante de um descrédito do processo político majoritário, o Supremo Tribunal Federal tem assumido o papel de “representante” do povo para dar vida ao texto constitucional.

Essa postura do nosso Tribunal Máximo tem atraído fortes críticas. Argumenta-se, principalmente, que o Guardião da Constituição estaria exorbitando suas funções e se agigantando perante o poder político, o qual seria exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, praticando, logo, ativismo judicial e fomentando a judicialização da política.

O cerne do problema aloca-se na análise da legitimidade da atuação do Poder Judiciário como órgão político, tendo em vista, por óbvio, a síndrome de inefetividade das normas constitucionais, principalmente aquelas consagradoras dos direitos fundamentais, os quais grande parcela da sociedade brasileira conhece, e olhe lá, no papel.

Nessa rota, tornou-se indispensável uma análise que perpasse a ressignificação do princípio da separação dos poderes sob a ótica contemporânea, em que se vive uma crise de representatividade, mais gravosa ainda quando se reflete sobre a seletividade dos beneficiários do atual sistema.

É inegável que o processo político majoritário se tornou ineficaz quando se pensa na representação dos anseios sociais. Daí dizer estar-se diante de uma crise de representatividade. Não existe diálogo efetivo com a sociedade, e isso tem levado o indivíduo a se fazer representar no Poder Judiciário de forma lapidada àquela genuína da teoria da separação dos poderes.

Defendemos, a partir desse segmento, que avançar-se-ia a um novo patamar democrático se feita uma reforma política e jurídica donde se aproxime o povo das deliberações, pois no mundo extremamente plural em que nos encontramos contemporaneamente, a dialética se mostra imprescindível para que haja a coexistência de interesses tão antagônicos.

Nesse horizonte, sustentamos que os termos independência e harmonia, previstos no Art. 2º da Constituição Federal devam ser interpretados no sentido de que não deva haver hierarquia entre os poderes, devendo, cada qual, exercer a sua função de modo que a máquina pública funcione em nome do povo e para o povo, com igualdade no que tange à consecução de direitos e a atribuição de obrigações, pois conforme o parágrafo único do Art. 1º do Diploma Legal Máximo, todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.

Assim, se os Poderes Legislativo e Executivo não cumprem seus papeis, caberia ao indivíduo reivindicar, no Poder Judiciário, a efetividade da Constituição, pois este diálogo faz parte do processo democrático, não se podendo mencionar judicialização da política na hipótese.

De todo modo, essa reestruturação da teoria da tripartição dos poderes requer que cada Poder exerça sua função no estrito cumprimento das normas constitucionais, tendo como nortes precípuos a pessoa humana e a plena efetividade dos direitos fundamentais.

Refletimos que se o Poder Judiciário, quando provocado pelo indivíduo, prolata suas decisões em desrespeito à Constituição, pratica ativismo judicial. Portanto, ativismo nada mais é do que um ato que extrapola o que está posto nas normas, entendidas como princípios e regras previstos na Carta Magna. Por outro lado, se tal Poder, quando da atividade judicante, nesta hipótese (quando provocado), se pauta em normas constitucionais, não se pode falar em ativismo, em nada violando, igualmente, a teoria da tripartição de poderes.

Por fim, asseveramos, sob essa óptica, que os Poderes Legislativo e Executivo, tal como o Poder Judiciário, podem agir arbitrariamente, ou seja, com ativismo no sentido de extrapolar suas funções constitucionais.

Existem variados casos em que o Poder Judiciário agiu em conformidade com essa premissa, como, por exemplo, quando do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, fazendo valer preceitos constitucionais como dignidade da pessoa humana, pluralismo político, direito à igualdade, direito à liberdade, direito à autonomia da vontade, direitos à felicidade ou a busca dela (ainda que implícitos), entre outros.

Entretanto, este mesmo Poder, na figura do Supremo Tribunal Federal já agiu muito mal, violando a ética aqui trabalhada. Quem não se recorda do reconhecimento do Pacto de San José da Costa Rica como norma supralegal, no sentido de ser capaz de paralisar os efeitos tanto da Constituição da República quanto das normas infraconstitucionais que com este conflitam?  

E o Poder Executivo? O que pensar, por exemplo, da nomeação de Lula como Chefe da Casa Civil pela então Presidente da República Dilma Rousseff? Como se sabe, todo ato administrativo deve seguir requisitos como competência, finalidade, forma, motivação e objeto. No episódio descrito, estaria a Presidente agindo mediante desvio de finalidade? Com ativismo no sentido acima defendido, qual seja, extrapolando suas funções, pois como é sabido, o contexto demonstrou que tal nomeação só seria aceita caso fosse necessário? Qual o critério para se nomear alguém para um cargo como este? Os critérios não seriam sua habilidade e competência políticas? Quais seriam os motivos pelos quais Dilma se baseou para não nomear Lula noutros tempos? Retrocedendo um pouco, Lula estava sendo (e continua) investigado na Operação Lava Jato e havia, inclusive, um pedido de prisão preventiva contra o mesmo por parte do Ministério Público do Estado de São Paulo.

E o caso objeto deste trabalho? Por óbvio, o Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal agiram ativamente no sentido supracitado, quando fatiaram a votação e propiciaram um resultado que extrapola as exigências e permissões constitucionais. Disso, não temos dúvidas.

Considerações finais

O Ministro Gilmar Mendes foi muito bem, a escolha do Senado e do Presidente do Supremo Tribunal Federal para o desfecho final do processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff não passa na prova dos nove do jardim de infância do direito constitucional.

É realmente ilógico decidir pela aplicação de penas autônomas, pois o Senado poderia decidir eventualmente por manter Dilma Rousseff no cargo, e, ao mesmo tempo, ter se posicionado favorável à inabilitação dela para exercer funções públicas? Mais uma vez, é óbvio que não.

A única explicação para o ocorrido, da nossa opinião, pelas entrelinhas, pode ser extraída de um de dois motivos. Ou o Senado Federal se convenceu que Dilma era inocente, mas, porém, como a maioria qualificada necessária já não a queria no poder pelos motivos expostos na introdução, a condenou a perda do cargo, considerando, por outro lado, muito “pesada” para alguém que não é culpado a pena de inabilitação por oito anos e por isso fez o que fez, ou, houve uma razão política das mais obscuras nos bastidores para assistirmos àquilo.

Não duvidamos disso, nos caminhos de Gilmar Mendes, novamente, pode-se sustentar que o cordialismo da alma brasileira pode justificar a trapalhada jurídica feita, pois por mais que se trate de um julgamento proferido por um Tribunal Político, a questão que deu ensejo ao mesmo é jurídica, logo, a coisa é político-jurídica ou jurídico-política e não poderia ser tratada como foi.

Temos apresentado em nossos textos que há, em nosso país, uma falência estatal no sentido de organizar a vida em sociedade, o que pode ser corroborado pelos grandes escândalos de corrupção, a altíssima carga tributária, bem como a falta de confiança dos indivíduos nas instituições estatais e neles próprios, por apresentarem-se, dia a dia, cada vez mais individualistas, egoístas, e, assim, propensos à manutenção desta triste realidade.

O fatiamento do julgamento de Dilma pode ser um exemplo disso. Ora, a pena de perda do cargo com inabilitação por oito anos de qualquer cargo público, nos leva ao entendimento de que aquele à frente da Presidência da República deva, minimamente, seguir as normas jurídicas quando de sua gestão. Se assim não age atentando à Constituição da República gravemente, além de não ser digno de continuar à frente da função de Chefe de Estado, deverá permanecer longe da vida pública por referido período de tempo. Assim, o processo de impeachment não se presta à aprovação política ou não do governo do Presidente processado, isso deve ser feito nas urnas, no Brasil, de quatro em quatro anos. Não há espaço, aqui, para “camaradagem”!

Temos defendido por aí, também, que o Estado Democrático de Direito pode ser definido como aquele que congrega os anseios dos Estados Liberal e Social, sem, contudo, deixar de contemplar, se legítimas, as reivindicações sociais, políticas, econômicas e culturais oferecidas por este tempo, cujas características de extrema pluralidade e heterogeneidade ganham mais relevo.

Como fazer valer, na prática, um regime de Estado como o descrito diante do cenário aqui instalado? Neste texto citamos exemplos em que os Três Poderes agiram em desconformidade de suas funções, extrapolando os mandamentos constitucionais a estes atinentes.

Insistimos, a interpretação exercida pelo Senado Federal sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski é totalmente descabida, até porque o limite da atividade hermenêutica e logo, da interpretação, é o texto, e nosso texto constitucional não possibilita o que foi feito, seja a partir da interpretação literal, da sistemática, ou de qualquer outra.

A previsão do parágrafo único do Art. 52 da Constituição Federal deixa claro que a pena do Presidente pela prática de crime de responsabilidade é a perda do cargo com inabilitação por oito anos de exercício de função pública. Assim, a expressão com dá ensejo à reunião de duas “coisas”, perda do cargo com a inabilitação.  Logo, o com se contrapõe ao termo sem.  

Quando do processo de impeachment do Presidente temos uma ética binária à lá Ronald Dworkin e Robert Alexy, em certo ponto, no que toca seus conceitos de regra jurídica, ou seja, tudo ou nada.

Portanto, em sendo o Chefe de Estado condenado, perderá o cargo e ficará fora da vida pública por oito anos. Caso seja absolvido, nem uma nem outra. 

 

Referências
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ESTADÃO. Votação fatiada de impeachment é, 'no mínimo, bizarro', diz Gilmar Mendes. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,votacao-fatiada-de-impeachment-e-no-minimo-bizarro-diz-gilmar-mendes,10000073485. Acesso em: 03 de setembro de 2016.
G1.GLOBO.COM. Sentença de Dilma Rousseff no julgamento do impeachment. Disponível em:http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-dedilma/noticia/2016/08/sentenca-de-dilma-rousseff-no-julgamento-do-impeachment.html. Acesso em: 03 de setembro de 2016.
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_________. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2013.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF. Manifestação do ministro Celso de Mello é a notícia mais acessada em agosto nas matérias sobre impeachment. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=324520&tip=UN.Acesso em: 03 de setembro de 2016. 

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


Equipe Âmbito Jurídico

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