Resumo: No âmbito do Direito Internacional Público, foi durante o século XX que se consolidou o sistema global de proteção ao ser humano. É certo que o desenvolvimento de um sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos influenciou a ascensão do ser humano no cenário internacional, principalmente com o movimento de jurisdicionalização do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Mas, para que o indivíduo possa usufruir da proteção que lhe é direcionada pelo Direito Internacional, faz-se necessário que todos os tratados internacionais que versem sobre a matéria sejam devidamente negociados, assinados e ratificados. É nesta perspectiva que se tenta analisar a incorporação de tratados internacionais de Direitos Humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Direito Internacional dos Direitos Humanos; Direitos Humanos; Incorporação de Tratados Internacionais; Tratados Internacionais; Emenda Constitucional 45 de 2004.
Sumário: 1. Introdução. 2. A incorporação de tratados internacionais pelo ordenamento jurídico brasileiro. 2.1. Fase de negociação. 2.2. Aprovação parlamentar. 2.3. Fase de ratificação. 3. O caso específico de tratados internacionais de conteúdo de direitos humanos. 3.1. Análise do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988. 3.2. Análise do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988. 3.3. Análise do parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, previsto pela Emenda Constitucional 45 de 2004. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
No âmbito do Direito Internacional Público, no que diz respeito à proteção do indivíduo, foi durante o século XX que se consolidou o sistema global de proteção ao ser humano, à pessoa humana, através de três vertentes: a dos Direitos Humanos, a do Direito Humanitário e a do Direito dos Refugiados.
Assim, enquanto os Direitos Humanos protegem os direitos individuais da pessoa; o Direito Humanitário resguarda os direitos da humanidade como um todo, ou seja, visa proteger a humanidade, através da proteção do ser humano nela inserido, principalmente em época de conflito armado; e, o Direito dos Refugiados que se responsabiliza pela proteção daqueles que se encontram em situação de refúgio, por motivo de perseguição de fundo político, racial, étnico ou religioso. Na verdade, estes refugiados foram forçados a deixar o país de sua nacionalidade.
Resta claro que o desenvolvimento de um sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos influenciou a ascensão do ser humano no cenário internacional. Principalmente com o movimento de jurisdicionalização do Direito Internacional dos Direitos Humanos, primeiro com a instituição das Cortes Regionais de Direitos Humanos: Européia, Interamericana e Africana, e logo em seguida, com a instituição de Tribunais Penais ad hoc e o Tribunal Penal Internacional.
Ora, se as Cortes Regionais de Direitos Humanos passaram a admitir o ser humano como sujeito direto do Direito Internacional, os Tribunais Penais contribuíram trazendo a ideia de responsabilização individual do ser humano no âmbito do Direito Humanitário.
Contudo, para que o indivíduo possa usufruir da proteção que lhe é direcionada pelo Direito Internacional, faz-se necessário que todos os tratados internacionais que versam sobre a matéria sejam devidamente negociados, assinados e ratificados, surtindo efeito no âmbito do ordenamento jurídico interno.
Assim, a incorporação dos tratados internacionais por parte do ordenamento jurídico brasileiro faz primeiro objeto de análise deste trabalho: da fase de negociação, passando pela aprovação parlamentar e chegando ao momento de ratificação desses acordos internacionais.
Já a análise do caso específico de tratados internacionais de conteúdo de Direitos Humanos é vista na segunda parte deste estudo, pontuando a previsão legal no que diz respeito à matéria: Direitos Humanos.
2. A INCORPORAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Escrevia Álvaro Augusto Ribeiro Costa que
“(n)o Brasil de hoje, vivemos um flagrante paradoxo: no plano das normas, não é muito o que se poderia acrescentar às vigentes, no tocante à proteção Teórica dos direitos humanos. A realidade, porém, mostra que a violência contra a cidadania no Pais assume dimensões, formas e alcance nunca dantes verificadas. Por isso, superar a distancia entre o Brasil normativo – o abstrato – e o Brasil real – concreto – é o grande desafio que enfrenta a Nação”[1].
Desta forma, podem os tratados internacionais de Direitos Humanos prestar um grande auxílio ao ordenamento jurídico brasileiro, desde que negociados, assinados e ratificados pelo nosso Estado, em conformidade com a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Acordos, tratados e convenções[2] que versam sobre o conteúdo dito de Direito Internacional de Direitos Humanos se multiplicam na Sociedade Internacional, sejam em âmbito universal[3], como em âmbito regional[4]. E o Brasil é um dos países que vem negociando, assinando e se vinculando a essas convenções com uma certa assiduidade: tanto no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e no Mercosul, quanto no âmbito das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial do Comércio (O.M.C.), por exemplo.
Nada mais claro do que se prestar à análise dos dispositivos constitucionais que servem de procedimento para a internalização destas convenções internacionais. E, começar-se-á pelos dispositivos direcionados à internalização de todos os tipos de acordos internacionais, não somente os de conteúdo de Direitos Humanos. Deste modo, artigos 84, VIII e 49, I da Constituição de 1988 serão examinados a seguir.
2.1 FASE DE NEGOCIAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 prescreve, no artigo 84, que “compete privativamente ao Presidente da República: (…) VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
Combinado com o artigo 21, ainda da CF/88, que estabelece como sendo competência da União: “manter relações com Estados estrangeiros e participar de Organizações Internacionais”, temos a competência para agir em nome do Estado em suas relações internacionais, delegada ao Presidente da República. Não se esquecendo, claro, da necessidade deste exercício de competência ser referendado pelo Congresso Nacional.
No Brasil, delegam-se poderes[5] de negociação de convenções internacionais a pessoas específicas, ou seja, aqueles munidos de ‘plenos poderes’ para negociar em nome do Presidente da República: os Chefes de Missões Diplomáticas, sob a responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores, eximindo o Chefe de Estado deste tipo de negociação corriqueiro no âmbito das relações internacionais.
Assim, concluem-se capacitados para negociar tratados internacionais em nome do Estado brasileiro, o Chefe de Estado, o Ministro das Relações Exteriores “e os representantes acreditados pelo Estado brasileiro em conferências e Organizações Internacionais (plenipotenciários) (e os) Chefes de Missões Diplomáticas (embaixadores)”[6].
Faz-se necessário ressaltar que estes representantes dotados de ‘plenos poderes’ podem negociar qualquer tipo de tratado internacional: acordos comerciais, tratados constitutivos de Organizações internacionais (O.Is.), tratados puramente normativos, não importando a matéria a ser discutida.
2.2 APROVAÇÃO PARLAMENTAR
É pela aplicação do artigo 49, I da CF/88 que acontece a aprovação parlamentar para que o Chefe de Estado, exclusivamente, possa ratificar uma convenção internacional. Definida “como uma autorização ao Presidente da República para a ratificação de um tratado, é característica dos sistemas democráticos”[7].
Dispõe o artigo 49 que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”[8].
Corrobora-se assim a colaboração entre Executivo e Legislativo no processo de internalização de tratados internacionais pelo Estado brasileiro: o acordo só é perfeito quando a vontade do Poder Executivo, manifestada pelo Presidente da República, se somar à vontade manifesta do Congresso Nacional, representante do Poder Legislativo.[9] Vale ressaltar que, de acordo com o histórico das Constituições anteriores, a conjugação de vontades entre Executivo e Legislativo é uma constante no que diz respeito à conclusão de tratados internacionais.
E, no sistema brasileiro, a forma dessa autorização parlamentar, é o decreto legislativo do Congresso Nacional. Ou seja, assinado o tratado pelo Presidente da República, aprovado pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, segue-se a ratificação do mesmo.
Importante ressaltar que a aprovação de um tratado internacional pela ação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo de um certo Estado (neste caso específico, o Brasil), não deve ser examinada como mera questão de direito interno. Aponta-se aqui para um dos pontos de convergência entre o direito constitucional e o direito internacional, fenômeno que se apresenta através, não somente da ‘internacionalização’ do direito constitucional, mas também, da ‘constitucionalização’ do direito internacional[10].
Quanto a natureza deste decreto legislativo, ressalta-se que o decreto legislativo é tido como ‘veículo de aprovação’ dos direitos e deveres previstos em tratados internacionais no ordenamento jurídico interno, não existe aqui poder de ‘criar’ ou de ‘introduzir’ aquele direito (internacional) por parte de tal decreto. Quem o cria e o introduz é o próprio tratado internacional. Cabendo ao decreto legislativo sua aprovação[11].
Conforme sustenta Heleno Torres, a Constituição Federal conclui definido o patamar dos tratados face às leis: permanecem como normas de direito internacional no ordenamento interno[12]. Ora, o tratado incorporado não se transforma em direito interno, “com roupagem de lei ordinária, mas, ao contrário, mantém a natureza de norma internacional”[13]. E isso com base no artigo 102, III, b), da Constituição Federal[14].
2.3 FASE DE RATIFICAÇÃO
“Não gera efeitos a simples assinatura de um tratado se este não for referendado pelo Congresso Nacional, já que o Poder Executivo só pode promover a ratificação depois de aprovado o tratado pelo Congresso Nacional”[15].
O ato de ratificação de tratado internacional é considerado tanto pelo direito interno quanto pelo direito internacional: ato de governo e ato internacional[16]. O Chefe de Estado é o competente para ratificar tratados internacionais, ou seja, confirmar seu vínculo à matéria discutida no âmbito do ordenamento jurídico internacional, perante outros Estados negociadores. Como já foi dito, aprovado pelo Congresso Nacional, fica o tratado internacional passível de ratificação, ficando sob a discricionariedade do Presidente da República a decisão sobre o momento e a conveniência da sua efetivação. Em definitivo, o ato de ratificação é irretratável[17].
A promulgação do tratado internacional se dá com a troca ou o depósito dos instrumentos internacionais de ratificação. Os efeitos desta promulgação dizem respeito à execução do tratado internacional no ordenamento jurídico interno e à constatação da regularidade do processo legislativo: ora, o Poder Executivo deve constatar a existência de um tratado obrigatório, que vincule o Estado[18].
Findos os atos completamente distintos: aprovação pelo Congresso Nacional, através de decreto legislativo e a ratificação do tratado internacional pelo Presidente da República, seguida da troca ou depósito do instrumento de ratificação, passa o tratado a produzir efeitos jurídicos no âmbito do direito interno, assim como no âmbito do direito internacional.
Vale concluir que este procedimento de internalização de tratados internacionais, previsto pela constituição brasileira, “é uma autêntica expressão do constitucionalismo”[19], pois estabelece uma sistemática de equilíbrio[20] entre os Poderes Executivo e Legislativo, buscando-se assim descentralizar o poder de celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder por parte do Executivo, como nos provava o exemplo europeu[21].
Contudo, no texto constitucional não consta previsão que enfrente os problemas conseqüentes das relações entre os direitos interno e o internacional. Não há menção expressa sobre a utilização de uma das correntes doutrinárias que versam sobre a matéria: monismo ou dualismo. Assim, resta difícil e controvertida a resposta à sistemática de incorporação dos tratados: é ela automática ou não automática?
E, salvo no caso de tratados internacionais de Direitos Humanos, não se encontra realmente uma resposta conclusiva.
3 O CASO ESPECÍFICO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE CONTEÚDO DE DIREITOS HUMANOS
É predominante o entendimento, diante do silêncio constitucional, sobre o Brasil adotar a corrente dualista, pela qual existem ordenamentos jurídicos diversos (o de direito interno e o de direito internacional). E, para que o tratado internacional surta efeitos no âmbito do direito interno, necessita-se a força de um ato normativo nacional: no caso do Brasil, um decreto de execução, expedido pelo Presidente da República, com finalidade específica de conferir execução e cumprimento ao tratado devidamente ratificado no âmbito interno[22].
Contudo, embora este seja o entendimento doutrinário predominante, este trabalho entende[23] que estas interpretações não alcançam os tratados ditos de Direitos Humanos. E é por força do artigo 5º, Parágrafos 1º e 2º da CF/88 e, do parágrafo 3º deste mesmo artigo 5º, trazido pela Emenda Constitucional 45, adotada em 2004, que sustenta-se este entendimento. Assim, passa-se à análise destes dispositivos, com intuito de se defender a adoção, por parte da nossa Constituição, de um sistema jurídico misto, diferenciando a incorporação dos tratados internacionais de Direitos Humanos.
3.1 ANÁLISE DO ARTIGO 5º, PARÁGRAFO 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A CF/88[24], no intuito de reforçar o vínculo impositivo das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, institui o princípio da aplicabilidade imediata dessas normas. E “este princípio ressalta a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais, prevendo um regime jurídico específico endereçado a esses direitos”[25].
O princípio da aplicabilidade imediata objetiva assegurar a força dirigente e impositiva dos direitos e garantias fundamentais, prevê tornar tais direitos prerrogativas automaticamente aplicáveis pelos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, ou seja, é de responsabilidade destes Poderes conferir eficácia máxima e imediata a todo preceito definidor de direitos e garantias fundamentais.
Na mesma linha de entendimento, Canotilho afirma que o sentido fundamental desta aplicação direta está em constatar que “os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e actuais”[26]. E isso por via direta da Constituição e não pela interposição do legislador: não devem ser consideradas normas que servem simplesmente para a produção de outras normas, e sim como normas reguladoras de relações jurídico-materiais. De acordo com a professora Flávia Piovesan, é nesta linha que se deve fazer a interpretação dos dispositivos constitucionais relacionados ao Direito Internacional dos Direitos Humanos.
3.2 ANÁLISE DO ARTIGO 5º, PARÁGRAFO 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Afirma Cançado Trindade que a Constituição Brasileira de 1988,
“após proclamar que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio, inter alia, da prevalência dos direitos humanos (artigo 4(II)), constituindo-se em Estado Democrático de Direito tendo como fundamento, inter alia, a dignidade da pessoa humana (artigo 1 (III)), estatui, – consoante proposta que avançamos na Assembléia Nacional Constituinte e por esta aceita, – que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja Parte (artigo 5 (II)). E acrescenta que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5 (I))”[27].
Na verdade, o disposto no artigo 5º, parágrafo 2º, da CF/88[28] é conforme a nova tendência seguida pelas Constituições latino-americanas recentes[29], preocupadas em conceder um tratamento diferenciado no ordenamento jurídico interno no que diz respeito aos direitos e garantias individuais consagrados no âmbito do direito internacional. Ora, se para a internalização dos tratados internacionais em geral é exigida a intermediação do Poder Legislativo através de ato com força de lei, outorgando vigência e obrigatoriedade às disposições; nos casos dos tratados internacionais de Direitos Humanos em que o Brasil é Parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam a integrar o rol dos direitos constitucionalmente consagrados e assim, exigíveis de maneira direta e imediata no âmbito da ordem jurídica interna[30].
Ao dispensar tratamento especial à matéria de Direitos Humanos, essas Constituições reconhecem automaticamente a relevância desta categoria de proteção internacional, entendem a importância das conseqüências deste tipo de proteção internacional para o âmbito interno.
No entendimento do professor Valério Mazzuoli, a previsão do artigo 5º, parágrafo 2º, da CF/88, é um exemplo da teoria de ‘vasos comunicantes’ ou ‘cláusulas de dialogo’, explicadas pela professora Delmas-Marty como cláusulas que demonstram que a “utilidade maior dos instrumentos de proteção aos direitos do homem é a de indicar, para além dos princípios frequentemente vagos que os possuem, uma coerência do conjunto que possa indicar a direção a seguir”[31].
Caracteriza assim a proteção internacional dos Direitos Humanos essa confluência de valores que une diversos direitos, através destes vasos comunicantes, promovendo uma troca incessante entre eles e, em conseqüência, permitindo que se fortaleçam no objetivo maior de proteção aos Direitos Humanos. Este encontro de normas de proteção aos seres humanos não poderia ser mais benéfica, compondo um universo de normas dentro do sistema jurídico, não importando se são provenientes do direito internacional ou do direito interno.
3.3 ANÁLISE DO PARÁGRAFO 3º, DO ARTIGO 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, PREVISTO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 45 DE 2004
A Emenda Constitucional número 45 de 2004, no que diz respeito aos Direitos Humanos, soma um 3º parágrafo ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Prevê o parágrafo que
“os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Entende-se que o exame de constitucionalidade de uma lei não deve ter sua compatibilidade ligada somente às normas constitucionais, mas também às responsabilidades assumidas pelo país internacionalmente, exemplo claro dos tratados por ele negociados e adotados no âmbito do ordenamento jurídico internacional. E, este parece ser o entendimento da Emenda Constitucional 45/2004.
Para Valério Mazzuoli, em se tratando de normas jurídicas de Direitos Humanos, os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro deveriam ser colocados em um patamar de norma constitucional, além de aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior[32].
Ainda na linha de entendimento do professor Mazzuoli, todos[33] os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados e com vigência no Brasil, deveriam se encontrar no mesmo nível em que se encontram as normas constitucionais, seja por hierarquia material[34], seja pela material e formal[35]. Para ele, não se deve considerar o quorum de aprovação do tratado: tratando-se de instrumento que tange os Direitos Humanos, todos possuem status constitucional. E isto por força da previsão do parágrafo 2º do artigo 5º da CF/88.
Na realidade, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 3 de dezembro de 2008, reconhecendo o valor supra legal dos tratados ditos de Direitos Humanos, salvo se ele foi aprovado por quorum qualificado, chegamos a algumas conclusões.
Segundo a posição do Ministro Gilmar Mendes[36], os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados e vigentes no Brasil, mas não aprovados com quorum qualificado, possuem nível supra legal, posição que se diferencia da do professor Mazzuoli, para quem todos os tratados de Direitos Humanos seriam constitucionais[37]. Ainda, para o STF, os tratados internacionais não relacionados com os Direitos Humanos possuem valor legal, se destacando uma vez mais da posição dos professores Mazzuoli e Celso de Mello, que acreditam possuir valor supra legal esse tipo de tratado.
Nas duas linhas de entendimentos encontramos a certeza de se considerar o conteúdo de um tratado de Direitos Humanos, internalizado sob o rito do quorum qualificado[38], com valor de emenda constitucional.
Resta claro que a diferença entre as duas teses é de entendimento mais inclinado a uma visão internacionalista (Direito Internacional) dos professores Valério Mazzuoli e Celso de Mello por um lado; e uma visão mais constitucionalista (Direito Interno) do Ministro Gilmar Mendes, por outro lado.
Assiste-se aqui ao desenvolvimento de uma escola com visão internacionalista importante no âmbito do direito interno brasileiro.
4 CONCLUSÃO
Este trabalho objetiva demonstrar que as relações entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o direito interno caminham para um novo patamar, e isto desde o começo da era denominada pós-moderna. E, este patamar é aquele da supremacia dos Direitos Humanos, independentemente do ordenamento jurídico do qual provém: seja ele de caráter internacional ou interno.
Conclui-se que a trilha seguida pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos em relação ao direito interno dos Estados é o da ‘identidade fundamental de propósitos’[39], comprovando que os ordenamentos jurídicos, tanto internacional quanto interno, seguem o caminho da integração e da interação, respaldados pelas ‘cláusulas de diálogo’ dos acordos internacionais de Direitos Humanos atuais.
Ora, a conclusão mais clara da análise que acabamos de apresentar através deste trabalho, é a de que os critérios tradicionais de solução de conflitos de normas entre Direito Internacional dos Direitos Humanos e o direito interno, representado aqui pelo ordenamento jurídico brasileiro, não se adaptam mais às novas necessidades da Sociedade Internacional.
E a resposta do direito internacional a estes conflitos se apresenta em forma de princípio: o princípio pro homine[40], que resulta da aplicação jurídica e coerente dos dois direitos aqui discutidos, o internacional e o interno, de maneira mais favorável possível ao ser humano, pessoa humana, indivíduo, maior sujeito deste diálogo de proteção.
Advogada do Lee Taube e Gabardo Sociedade de Advogados, especialista em Direito Internacional Público pela Universidade de Paris II [Pantheón-Assas] e mestranda do programa de Direito Empresarial e Cidadania do UniCuritiba
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