Resumo: A pesquisa mineral é atividade em que o potencial minerador realiza uma série de intervenções em determinada área, após obter o devido título autorizativo para tanto, não raramente influindo negativamente no terreno onde busca encontrar recursos minerais, gerando um direito de indenização ao proprietário daquela área. Notadamente quando a área envolve potencial econômico ou empreendimento de retorno financeiro ao proprietário da área coincidente, surgem os conflitos mais complexos de definições a respeito da indenização que lhe seria cabível. Este artigo aborda a questão da indenização e o entendimento da lei que julgamos mais acertado e moderno no contexto histórico, jurídico e econômico do país.
Palavras-chave: Direito Minerário; Direito Administrativo; Mineração; Pesquisa Mineral; Impacto; Indenização.
Abstract: In Brazil, mineral research is the activity where a company performs a series of operations in a particular area in order to discover an eventual mining field to be exploited, after obtaining the proper governmental authorization to do so. It is common for mineral research to entail a negative impact on the area, creating for its owner a compensation right. This article addresses the issue of compensation, by an accurate and modern interpretation of the law in a historical, legal and economical context.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Recurso Mineral In Situ e a Pesquisa Mineral. 3. A Indenização em Razão da Pesquisa. 4. A Responsabilidade Civil. 5. O Contexto Histórico. 6. A Interpretação Histórica da Lei. 7. Conclusão. 8. Referências Bibliográficas.
1. Introdução.
O presente trabalho busca predominantemente abordar um tema complexo e ainda obscuro dentro da área do Direito Minerário: a indenização devida ao superficiário da mina por quem detém a autorização de pesquisa. Diz-se complexo porque este ramo do Direito sofre influências diretas de uma série de outros ramos e de outras ciências, de forma que sua compreensão exige mais do que análises compactadas e restritas a delimitadas áreas do conhecimento.
É ainda obscuro porque só nos últimos anos o Brasil passou a viver um desenvolvimento estrutural do setor minerário que demande uma análise jurídica mais aprofundada das relações que o circunscrevem.
Busca-se aqui tratar do direito à indenização que o proprietário de certa área possui contra o empreendedor minerador que seja titular de uma autorização para pesquisar recursos minerais naquela área e que venha a realizar trabalhos que impactem área.
Uma vez definido que o início dos trabalhos de pesquisa de minérios em determinada área dependem do pagamento da indenização já tratada anteriormente, cumpre que se responda a indagações fundamentais: quais os limites desta indenização, que base de cálculo se utiliza para sua definição e quais as soluções para eventuais controvérsias a respeito dessa apuração.
O Código de Mineração,[i] salvo casos específicos, limita a indenização a ser paga ao proprietário ou possuidor do imóvel onde se localiza a substância mineral ao valor venal da propriedade, na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa.
Tal diploma também prevê a possibilidade de que eventual controvérsia a respeito da apuração de valores quanto a renda pela ocupação e a indenização por danos causados seja levada ao Poder Judiciário para arbitramento. O Código de Mineração, todavia, deixou lacunas que não foram preenchidas nas legislações supervenientes.
Atualmente, os conflitos que exigem a aplicação do artigo 27 do Código de Mineração se referem, principalmente, à eventual existência de algum empreendimento já projetado, ou em vias de realização no imóvel, que influa na apuração do seu valor venal presente, de forma a aumentá-lo substancialmente. Há também casos em que se vislumbra a existência do valor comercial que a preservação ambiental de certa área proporcione a determinados tipos de negócios ali instalados, como aqueles relacionados ao turismo ecológico.
Constata-se, pois, que o Código de Mineração não contempla as respostas às questões acerca de que fatores devem ser utilizados, e como, para definição de limites e critérios da indenização em referência.
A estrutura atual da legislação aplicável não oferece parâmetros exatos para a fixação da indenização mencionada, de forma que sua definição deve se dar não só em atenção ao disposto nos incisos do artigo 27 do Código de Mineração, mas também por procedimentos próprios adotados entre as partes ou em Juízo. Também devem ser consideradas, além das condições atuais do imóvel, as potenciais circunstâncias de valorização da área para aferição do seu real valor de negócio.
O Código de Mineração prescreve em seu artigo 27 que a realização dos trabalhos de pesquisa de recursos minerais em determinada área está adstrita ao pagamento, pelo titular da autorização, ao proprietário do solo superficial de indenização pelos eventuais danos e prejuízos que sejam causados, observados os critérios dispostos nos dezesseis incisos que seguem ao caput do artigo.
Estes dezesseis incisos discriminam certos parâmetros que devem ser observados para a fixação da indenização a que se refere o caput do artigo, de forma que sua importância é vital para o setor minerário, já que a primeira e crucial fase de toda a cadeia produtiva da atividade está adstrita aos comandos ali incrustados.
Daí o porquê da relevância deste trabalho enquanto análise pontual de uma regra disposta na mais basilar norma de aplicação imediata no setor minerário, o Código de Mineração.
As fontes de literatura dedicadas ao estudo do direito minerário ainda são muito precárias no Brasil. Anteriormente reservada a círculos quase herméticos de estudiosos, somente hoje o tema começa a se tornar mais acessível à maior gama de acadêmicos do direito. Por essa razão, a produção literária na área ainda é incipiente.
Thiago Thomaz Pessoa[ii] trata do tema em relação a algumas de suas controvérsias. Reiterando o disposto no Código de Mineração a respeito da apuração dos valores devidos ao proprietário do terreno, afirma que o valor da renda a ser paga não pode superar os rendimentos líquidos máximos que o proprietário aproveita da área a ser ocupada pelo minerador.
Em relação à indenização, sustenta o impedimento de ela superar o valor venal da área impactada, exceto na hipótese de se inutilizar, para fins agro-pastoris, toda a propriedade onde está a área objeto dos trabalhos de pesquisa, quando então a indenização atingirá o valor venal de todo o imóvel.
Quanto à impossibilidade de surgir divergências a respeito da apuração dos valores, o mesmo autor defende que a superveniente ação judicial de avaliação tem natureza de jurisdição voluntária, o que permitiria certa flexibilidade quanto à legalidade estrita no processo[iii].
Pedro de Salomé[iv], a seu turno, ao tratar da renda e indenização devidas ao proprietário do imóvel onde se localiza a jazida, argumenta que enquanto a primeira é relativa à produtividade do imóvel, a segunda, à sua venalidade, levantando dúvidas a respeito da aplicação literal e indiscriminada do primeiro inciso do artigo 27 do Código de Mineração[v].
Contrastando diretamente com a limitação que impõe a lei, Carlos Luiz Ribeiro[vi] argumenta que o Código de Mineração limita a utilização do valor venal de toda a propriedade para avaliação da indenização apenas a eventuais prejuízos a atividades agro-pastoris. Todavia, discorda ao expor que a propriedade pode ser utilizada para outros fins que não agrícolas ou pastoris e que não existe impedimento legal para que lhe seja destinada outra finalidade. Neste caso, entende que a atividade ali exercida deve sim ser incorporada aos métodos de cálculo da indenização.
2. O Recurso Mineral In Situ e a Pesquisa.
A Constituição de 1988 reiterou o tratamento que as suas predecessoras ofereciam aos recursos minerais, atribuindo sua propriedade categoricamente à União[vii].
Todavia, não se limitou à simplicidade da definição da propriedade da substância mineral, mas criou sistema complexo que propiciasse e incentivasse a exploração mineral no País. Fracionou, portanto, a propriedade dos recursos minerais em duas, dependendo do momento em que se encontre na cadeia de produção.
A Constituição é bastante clara ao tratar, em seu artigo 176, que “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.”
Nosso ordenamento jurídico, portanto, faz distinção bastante precisa entre a concentração de recursos minerais e o produto da lavra. A primeira se refere às anomalias geológicas da crosta terrestre quando verificada aglomeração incomum de um mesmo recurso mineral em uma localidade. Esta concentração, se comprovada viabilidade econômica de extração, passa a se chamar “jazida”. O produto da lavra, por sua vez, se trata do resultado direto da exploração, considerado, para todos os efeitos, bem móvel.
Pode-se dizer, portanto, que a União é proprietária da substância mineral ainda fixada na crosta terrestre. O concessionário, de outro lado, é proprietário do resultado da lavra que levar a efeito na forma da lei.
A este respeito, Marcelo Mendo Gomes de Souza[viii] traz importante contribuição:
“Verifica-se que os dispositivos do Código de Mineração fizeram a referida distinção, ao definir como recurso mineral a substância mineral no estado natural anterior ao seu aproveitamento (in situ), que passa a ser denominada substância mineral útil durante a fase de lavra; e como produto mineral a substância mineral lavrada, obtida após a última etapa do beneficiamento adotado pelo minerador, sendo certo que a expressão substância mineral aplica-se tanto ao recurso mineral quanto a produto mineral.
Assim, o recurso mineral in situ, depois de extraído e beneficiado, transforma-se em produto mineral, como está distinguido na legislação infra-constitucional.”
A existência de recursos minerais no solo, todavia, não indica necessariamente a possibilidade de seu aproveitamento. Somente após declarada formalmente a existência da jazida mediante processo administrativo é que surge a possibilidade de que ela venha a ser aproveitada. A jazida, aqui, deve ser entendida como a concentração de certa substância mineral na superfície ou no interior do solo e, principalmente, que tenha valor econômico[ix].
A pesquisa mineral, portanto, é a fase imediatamente anterior a exploração mineral que dá causa a sua ocorrência; é o momento em que o empreendedor, autorizado pelo Poder Público, se lança a determinada área de terras para buscar a existência de substância mineral em concentração razoável que lhe permita, ou a terceiros, explorar aquele recurso.
A jazida, neste sentido, existe apenas após averiguação técnica através da pesquisa. William Freire[x] ensina que a jazida é o recurso mineral com viabilidade técnica e exequibilidade econômica, entrando para o mundo jurídico somente após processo administrativo próprio. Significa dizer que uma jazida, cuja existência tenha sido demonstrada tecnicamente, pode não apresentar viabilidade econômica ou viabilidade ambiental, não se transformando em mina.
É que diversos outros elementos entram no quadro analítico da definição de uma jazida, tal como os custos necessários com a escavação, com o transporte do minério até a planta de beneficiamento, os meios de processamento do material e o próprio mercado consumidor.
Ribeiro (2006) esclarece que a relação de trabalhos e estudos para definição da jazida não se trata de lista fechada. Quaisquer outros que venham a ser necessários, ainda que não previstos inicialmente, compõe o conjunto de atividades que se denomina por pesquisa mineral.
A pesquisa mineral, portanto, como fase inicial de toda a cadeia de produção minerária que a exige,[xi] surge em nossa legislação com regime próprio dentro de todo o espectro abarcado: é o regime de autorização e concessão, no qual todo o processo de permissão para lavra inicia-se com a pesquisa.
Admite, todavia, possibilidades de extração do minério ali situado sem a conclusão da pesquisa. É a possibilidade de se socorrer da Guia de Utilização, instrumento previsto no Código de Mineração[xii] que autoriza o empreendedor a explorar a substância mineral objeto da Autorização de Pesquisa em curso para aquela localidade.
A respeito das ocasiões que justificam a concessão da Guia de Utilização, Ribeiro (2006) registra que poderão estar afetas a própria pesquisa, como em casos em que seja necessária retirada de amostra para pesquisa em laboratório ou aferição da viabilidade técnico-econômica da lavra naquela localidade, ou pela superveniência de necessidade comercial para custear os trabalhos de pesquisa ou por necessidade continuada do mercado.
De toda forma, o caso comum é o regime de autorização e concessão – o mais se aplica a mineração no Brasil. Nele, todo o procedimento é iniciado com requerimento ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM[xiii] pela parte interessada, solicitando exclusividade da referida área para que possa promover a pesquisa na localidade.
O deferimento da pesquisa estará adstrito à apresentação de toda a documentação exigida pela lei e pelos regulamentos expedidos pelo DNPM, a observância dos limites máximos fixados pela autarquia[xiv], bem como a verificação prévia disponibilidade da área.
A disponibilidade da área está ligada ao direito de preferência que possui todo aquele que registra requerimento de pesquisa sobre área, que anteriormente não tenha sido objeto de pedido semelhante, e cuja autorização esteja em curso ou que não tenha sido desvinculada de antigo titular e destinada a concorrência.
3. A Indenização em Razão da Pesquisa.
Já expomos acima que a propriedade do solo é distinta da propriedade dos bens móveis constituídos pelo resultado da lavra em determinada jazida, após sua determinação mediante processo administrativo próprio que é a Pesquisa Mineral.
Assim, o titular de Alvará de Pesquisa, independente das evidências que detenha sobre a existência de concentração necessária de certa substância mineral em determinada localidade e da viabilidade econômica de sua extração ali, se depara com um obstáculo na maior parte dos casos: a propriedade que um terceiro tenha sobre a área superficial onde se encontre a concentração do recurso mineral in situ.
Embora a Constituição e a legislação tenham dado bastante ênfase à exploração dos recursos minerais, não a dotaram de superioridade hierárquica em relação ao direito de propriedade que alguém possa ter sobre a área superficial ou contígua à substância mineral aglomerada. O proprietário do solo, que aqui denominaremos “superficiário”, mantém todos os seus direitos que teria em qualquer outra circunstância.
Essa distinção consta de previsão na Constituição de 1988[xv]. Significa dizer que coexistem dentro do mesmo espectro de hierarquia a propriedade que alguém possa ter sobre uma área e a que outra pessoa possa ter sobre os recursos minerais na própria superfície ou abaixo da área de sua titularidade. São bens distintos que comportam tratamentos e titularidades em separado.
A pesquisa mineral, por sua vez, não pressupõe qualquer direito de propriedade sobre os recursos minerais que se supõe estar em determinada localidade. Isso porque, neste momento, ainda não está verificada juridicamente a jazida através de processo administrativo junto ao DNPM, de forma que, via de consequência, ainda não há jazida que possa ser explorada e, portanto, não há (juridicamente) recursos minerais que possam passar a propriedade do explorador quanto de sua extração.
A titularidade de Alvará de Pesquisa[xvi] implica tão somente no direito de realizar os trabalhos necessários para a pesquisa mineral naquela localidade.
A mineração, entretanto, é uma atividade notoriamente de interesse público: além da previsão legal neste sentido,[xvii] a mineração é responsável por difundir insumos imprescindíveis não apenas a produção industrial, mas também uma variedade incontável de bens de uso rotineiro pela sociedade moderna e comércio de forma geral. O transporte público e particular, os bens domésticos, os bens de luxo e de lazer, aqueles destinados a realização e otimização do trabalho de forma genérica; todos têm sua produção baseada em materiais desenvolvidos através dos recursos obtidos com a mineração.
A pesquisa mineral, portanto, como fase antecedente à extração e como meio de mapeamento dos recursos minerais passíveis de exploração, torna-se imprescindível.
Os trabalhos de pesquisa, por sua vez, costumeiramente exigem perfurações, desmatamento e outras intervenções que possam prejudicar o uso da área impactada. Isso porque o recurso mineral in situ¸ embora possa estar na superfície, na maior parte dos casos, se encontra no subsolo.
Por esta razão o Código de Mineração[xviii] define que o titular de Alvará de Pesquisa tem o direito de realizar os trabalhos necessários à apuração. Esse direito, todavia, existe simultaneamente ao direito do proprietário da área em preservá-la para seu uso. Por esta razão a legislação aqui identificada condiciona o início dos trabalhos de pesquisa ao pagamento ao proprietário da área (comumente chamado de “supeficiário”) de renda pela ocupação da área pesquisas e indenização pelos eventuais danos que possam ser causados em razão desses trabalhos.
Citando os incisos que tratam da renda e indenização devida ao proprietário da área onde se encontra o recurso mineral, Ribeiro (2006) disserta:
“Para tanto, algumas regras devem ser observadas: a renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada; a indenização pelos danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade que estiver encravada na área necessária aos trabalhos de pesquisa, hipótese na qual a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade, destacando-se que o referido valor penal será apurado por comparação com valores venais de propriedades da mesma espécie, na mesma região.”
O costume nas negociações entre mineradoras e “superficiários”, todavia, têm sido no sentido dos primeiros adquirirem a propriedade do solo onde se encontra a aglomeração de substâncias minerais, independente do resultado da pesquisa. Naturalmente a aquisição da área reduz por completo as incertezas na medida em que os eventuais obstáculos oriundos de interesses diversos desaparecem.
Todavia, nem sempre é possível a aquisição da área pelo empreendedor interessado na pesquisa, notadamente quando o “superficiário” não tem o interesse e resiste em alienar a área.
Da possibilidade de litígio quando da recusa do proprietário em alienar a área e não havendo acordo quanto a indenização a ser paga, a lei é clara no sentido de que o titular de Alvará de Pesquisa não pode entrar na área enquanto não resolvida a questão.
É o próprio Código de Mineração que determina que na eventualidade do titular do Alvará de Pesquisa não juntar ao processo administrativo prova do acordo realizado com o “superficiário” em determinado prazo, deverá o Diretor-Geral do DNPM encaminhar cópia do processo à Justiça Comum da Comarca onde se encontre a área. O Código também discrimina com relativa precisão os procedimentos próprios desta ação que avaliará a indenização cabível ao proprietário do solo.[xix]
A respeito da referida ação, Thiago Thomaz Siuves Pessoa[xx] justifica sua existência pela existência de um intrincado relacionado de interesses de alta relevância, tais como as características do regime jurídico para exploração e aproveitamento dos recursos minerais – por autorização ou concessão; a separação jurídica entre a propriedade do solo e dos recursos minerais; o direito de propriedade; o interesse público na exploração dos recursos minerais e a prevalência deste (interesse público) sobre o interesse particular. Por fim, naturalmente, a ação de avaliação em comento dá causa quando o litígio surge sem possibilidade de composição de interesses.
Sentenciada e concluída a ação judicial com fins de avaliar a indenização cabível, o Juiz intimará o proprietário da área também objeto do Alvará de Pesquisa concedido para que permita o início dos trabalhos inerentes a pesquisa, inclusive mediante auxílio de força policial, se necessário.
Note-se, todavia, que a permissão para execução dos trabalhos não se refere a imissão na posse.[xxi] A posse, ao seu turno, se trata de um dos direitos reais inscritos no Código Civil[xxii] e tem como característica o exercício de um dos atributos próprios do direito de propriedade, quais sejam, a possibilidade de se fuir (gozar, colher frutos) de determinado bem, de dispor (da destino) dele e a possibilidade de usar e se utilizar do bem.
A autorização judicial que recebe o titular de Alvará de Pesquisa para iniciar os trabalhos na ação em referência é para mera intervenção na área, não podendo se utilizar dela para nenhum outro fim além dos trabalhos imprescindíveis para conclusão da pesquisa mineral.
Note-se, entretanto, que apesar da previsão legal de uma ação judicial própria para dirimir os conflitos resultantes da prévia e necessária indenização ao superficiário da área onde se localiza os recursos minerais, permanece a dúvida quanto ao valor que corresponde ao dano que se supõe infringir na área os trabalhos de pesquisa.
O Código de Mineração, reitera-se, limita a indenização ao valor venal da área efetivamente impactada e permite que o seja ampliado para o valor venal de toda a propriedade somente quando os trabalhos em determinado ponto inutilizem toda a propriedade para fins agropastoris.
A este respeito, todavia, Carlos Luiz Ribeiro (2006) novamente disserta:
“Cabe comentar que o Código de Mineração se refere apenas à utilização da propriedade do solo para fins agrícolas ou pastoris. Todavia, essa propriedade poderá ser utilizada para outras finalidades. Não existe impedimento legal para que seja destinada, por exemplo, ao lazer. Neste caso, ser-lhe-ia incorporado um valor afetivo a ser considerado no cálculo das citadas rendas e indenização. Deve ser lembrado que a simples presença de pessoas estranhas realizando atividades minerarias na propriedade poderá utilizá-la para fins de lazer.”
Mais a frente, ao tratarmos do contexto histórico em que o Código Minerário foi editado, é possível notar que a indústria agropecuária representava a mais importante força econômica do País naquele momento, de forma que não poderia ser dispensada a ela tratamento especial nas legislações contemporâneas.
Apesar da limitação imposta pela legislação, o que se questiona é se a perspectiva do dano deve ser levada em consideração através dos critérios previstos – o valor venal da área impactada – ou por efetivos critérios que venham a ser analisados a cada caso.
Isso porque a responsabilidade civil em reparar o dano causado, independente de suas teorias, traz consigo sempre a idéia de que o próprio dano seja recomposto, e não que seja pago valor aleatório independente do prejuízo que realmente possa se especular em desfavor do superficiário.
4. A Responsabilidade Civil.
A indenização prevista no caput do artigo 27 do Código de Mineração visa compensar o proprietário do imóvel onde se realizará a pesquisa mineral pelas perdas e danos eventualmente sofridos.
A responsabilidade civil aqui, ao contrário daquela prevista do artigo 186 do Código Civil atual, é oriunda da prática de ato lícito. Decorre da teoria do risco da atividade, a mesma que fundamenta as normas consumeiristas e civis atinentes à responsabilidade da empresa/empresário.
Tal teoria parte do pressuposto de que, mesmo as atividades permitidas ou não impedidas pela lei podem causar prejuízos, mesmo que o agente tenha tomado todas as precauções possíveis.
Alguns empreendimentos, ainda que perigosos ou causadores de danos são imprescindíveis ao desenvolvimento social e econômico. A pesquisa, exploração, produção e comercialização de minerais é um claro exemplo dessa situação. Não obstante seu conhecido potencial para os danos ambientais e à propriedade alheia, a atividade é absolutamente indispensável ao crescimento nacional.
Diante desse cenário, com o escopo de promover o equilíbrio entre o dano causado e a necessidade de alguns empreendimentos, adotou-se a teoria do risco da atividade para embasar tanto a compensação ambiental, quanto a indenização ao proprietário de que ora se trata. Portanto, embora lícita a atividade, é devida a indenização pelos prejuízos causados.
É importante ressaltar que a responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva, na medida em que dependa ou não da aferição de culpa ou dolo na prática do ato lesivo ao patrimônio de alguém. Observa-se, no entanto, que na seara do Código de Mineração, a responsabilidade é objetiva, em razão da já mencionada adoção da teoria do risco, sendo desnecessária a perquirição de dolo ou culpa do agente (no caso, aquele que detém a autorização de pesquisa).
Também cumpre destacar a particularidade inscrita na norma do Código de Mineração em relação à configuração da responsabilidade civil objetiva. Em geral, para que seja caracterizada a responsabilidade civil objetiva, devem concorrer três pressupostos: o fato (a atividade), o dano efetivo e o nexo causal, isto é, a relação de causa e efeito entre a realização do empreendimento e o prejuízo.
Contudo, conforme se extrai da leitura do artigo 27, caput e incisos, do Decreto-lei nº. 227/67, o pressuposto do dano é relativizado pela norma. Isso porque, segundo a norma, a indenização deve ser fixada, por acordo ou judicialmente, antes do início da atividade de pesquisa. Assim, embora seja previsível o dano, sua extensão não o é. Daí o inciso II do dispositivo em comento estabelecer o critério do valor venal da área ocupada pela atividade para balizar a fixação prévia da indenização pelo dano.
Consequência direta disso é o fato de que, arbitrada a indenização, e não podendo exceder o valor venal da área atingida pela pesquisa, à exceção de a atividade inviabilizar algum empreendimento do proprietário no imóvel – caso em que a indenização poderá atingir o valor venal de toda a área do bem –, ainda que a extensão do dano efetivo seja maior que o previsto, o valor da indenização não poderá ser revisto, a menos que assim acordem as partes, ou haja manifesta desproporcionalidade. Afinal, repita-se, o dano aqui é projetado, e não efetivo.
Conclui-se, pois, que, o artigo 27 do Código de Mineração materializa a teoria do risco da atividade, criando para o pesquisador a responsabilidade civil objetiva consistente na obrigação de indenizar previamente o prejuízo inerente à atividade. Note-se, por fim, como já dito anteriormente, que o dispositivo encerra, também, uma condicionante ao início da cadeia de desenvolvimento do produto mineral, qual seja, o depósito da indenização prévia ao proprietário do imóvel, que busca compensá-lo pelo dano esperado no exercício da empreitada de pesquisa.
5. O Contexto Histórico.
Até meados da década de 20, a economia brasileira era baseada no modelo primário de exportação, através do qual o maior dinamismo do processo econômico correspondia a agropecuária. Essa, além de produzir o necessário para a alimentação da população urbana e rural, era responsável pelo balanço que viabilizasse a importação de bens de consumo da sociedade. O Brasil era um país agropecuário em sua essência.
A década de 60, todavia, surge como período caracterizado pela tomada mais enérgica do processo de industrialização da economia. A transição iniciada entre as décadas de 30 e final dos anos 40 deu espaço para que a indústria tomasse parte do espaço que a agropecuária dominou durante todo o período histórico anterior. O início dos anos 50 foi marcado pela aceleração desse desenvolvimento industrial.[xxiii]
O economista Carlos Lessa[xxiv] sustenta que em todas essas fases – de transição e aceleração do processo de industrialização – o comportamento da agricultura foi bastante firme, apresentando crescimento estável e aumentando de produção em taxas superiores as demonstradas no crescimento demográfico do País. Manteve, assim, uma expansão compatível com a crescente demanda de alimentos e insumos industriais que surgiam em razão do fortalecimento da indústria urbana. O próprio processo de industrialização teve início em razão da agropecuária com a produção de tratores, máquinas e implementos agrícolas, fertilizantes e outros insumos necessários.
Esse cenário propiciou inclusive a criação pelo Governo de um mecanismo de financiamento do setor agropecuário, denominado Sistema Nacional de Crédito Rural, ainda em 1965 para por os produtores rurais brasileiros em regime de competitividade quanto aqueles estrangeiros.
Nota-se, portanto, que o Brasil da década de 60 era marcada pelo poder econômico e político dos produtores agropecuários, principalmente em razão de uma cultura de valorização do campo vigente naquele período.
Como visto antes, o Decreto-lei nº. 227/67 (Código de Mineração), quando dispõe da indenização que deve ser paga ao proprietário da área a ser impactada em razão dos trabalhos de pesquisa (inciso II do artigo 27), a limita no sentido de que “… não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa…” A exceção a essa regra consta do inciso seguinte, que dispõe que “quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade.”
O fato dessa exceção se referir unicamente a produção agrícola e pastoril se refere exatamente ao contexto histórico em que o Brasil estava inserido naquele momento, conforme acima tratado. Como país de produção essencialmente agropecuária, este segmento da economia tinha, obviamente, uma proteção especial da legislação brasileira.
A origem dessa proteção é clara. O preenchimento de cargos políticos de alto escalão e o Congresso Nacional é composto por políticos a cuja origem de financiamentos acaba por se vincular. Se hoje a bancada parlamentar ruralista congrega parte significativa dos deputados e senadores, que se dirá em meados da década de 60, quando foi outorgado pelo Governo o Decreto-lei em referência.
6. A Interpretação Histórica da Lei.
A interpretação da lei é resultado da própria aplicação que se impõe. O conjunto de processos que dão ao operador do Direito as respostas relativas a certa norma não podem estar adstritos a mera reprodução literal do comendo da regra.
A norma, antes de tudo, é parte de um mecanismo intrincado que se relaciona com outras de espécie, hierarquia, matéria ou tempo iguais ou distintos. Como parte desse conjunto, a norma não é interpretada isoladamente, nem em relação as demais que consigo coexistem nem em relação ao contexto histórico na qual foi criada.
A este respeito, Miguel Reale[xxv] nos traz lição que se encaixa perfeitamente ao tema ora tratado:
“É preciso lembrar que, quando foi promulgado o Código de Napoleão, a França ainda era um país agrícola por excelência, e a Inglaterra apenas ensaiava os primeiros passos na mecanização indispensável ao capitalismo industrial.
Foi no decorrer do século passado que se operou a revolução técnica, especialmente através dos grandes inventos no plano da Física e da Química e das aplicações de natureza prática, notadamente através da utilização da força a vapor e, depois, da eletricidade. Com essa mudança no sistema de produção e as transformações conseqüentes em vários outros países, a vida social alterou-se profundamente.
Verificou-se, então, compreensível desajuste entre a lei, codificada no início do século passado, e a vida com novas facetas e novas tendências. As pretensões de "plenitude legal" da Escola de Exegese pareceram pretensiosas. A todo instante apareciam problemas de que os legisladores do Código Civil não haviam cogitado. Por mais que os intérpretes forcejassem em extrair dos textos uma solução para a vida, a vida sempre deixava um resto. Foi preciso, então, excogitar outras formas de adequação da lei à existência concreta.
Foi especialmente sob a inspiração da Escola Histórica de Savigny que surgiu outro caminho, a chamada interpretação histórica. Sustentaram vários mestres que a lei é algo que representa uma realidade cultural, ou, para evitarmos a palavra cultura, que ainda não era empregada nesse sentido, – era uma realidade histórica que se situava, por conseguinte, na progressão do tempo. Uma lei nasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspirações da sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas o seu significado não é imutável.
Feita a lei, ela não fica, com efeito, adstrita às suas fontes originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É indispensável estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para ver quais as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-la às situações supervenientes.
Não basta, pois, querer descobrir a intenção do legislador através dos trabalhos preparatórios da legislação, que é mera história externa do texto, pois é necessário verificar qual teria sido a intenção do legislador, e a sua conclusão, se no seu tempo houvesse os fenômenos que se encontram hoje diante de nossos olhos. Que teria resolvido o legislador se, no seu tempo, já existissem tais e quais fatos que hoje constituem uma realidade indeclinável de nossa vida social?”
A interpretação do Código de Mineração quanto dispõe da exceção aos limites da indenização ao proprietário da área deve estar além dos elementos próprios de um período isolado da história do País.
Não obstante o Brasil continue a ter no setor agropecuário dependência considerável em relação a toda a sua economia, a complexidade das relações sociais e comerciais que surgem nas áreas onde se situam costumeiramente os recursos minerais já não é a mesma que na década de 60.
7. Conclusão.
Não obstante o chamado período mercantilista ter-se iniciado na Europa no século XV e durado até meados do século XVIII, a mineração no Brasil só teve destaque efetivo a partir do século XVIII, mesmo assim, com muita dificuldade, principalmente em razão de pressões políticas das potências que então exerciam influência sobre a colônia portuguesa na América, principalmente a Inglaterra.[xxvi]
Quando o Brasil emancipou-se em 1822, a legislação aplicável a extração de recursos minerais permaneceu aquela vigente durante o período em que foi colônia até que novas normas fossem editadas. Em suma, permanecemos durante longa data ainda vinculados a leis que sequer eram brasileiras, mas portuguesas, dando espaço a uma normatização tão alienígena quanto desatualizada, legando a mineração à tão temida insegurança jurídica.
Somente com a república e sua primeira Constituição o País voltou a tratar juridicamente da mineração, inicialmente sob o regime de acessão[xxvii], na qual a jazida era de propriedade daquele titular sobre a área onde se encontrasse. De todo modo, a evolução do direito minerário como um todo foi tímida, mesmo depois da separação da propriedade do solo e da mina[xxviii].
O primeiro Código de Mineração só surgiu em 1934, o segundo em 1940 e o terceiro, atualmente em vigor, em 1967. Desde lá tanto a produção legislativa quanto literária a respeito do tema têm sido esparsa.
A produção rasa neste sentido e ausência de atualização das normas aplicáveis impõe aos operadores do Direito o dever de realizarem uma interpretação que chame todo esse ordenamento jurídico ao tempo em que ele exerce seu efeito.
A indenização que deve ser paga ao proprietário da área onde se encontre a mina pelos danos a ela causados durante a pesquisa devem se ater ao que efetivamente representa o impacto causado.
A indenização a que está obrigada o titular de Alvará de Pesquisa tem o condão de criar um mecanismo de amortecimento, junto com a receita devida pela ocupação, de forma que os direitos de propriedade e o de exploração dos recursos minerais coexistam no mesmo ambiente.
Não há, em síntese, distinção jurídica entre os objetos do direito de propriedade, razão pela qual não há que se falar em hierarquia dos recursos minerais sobre o solo nem desde sobre aqueles.
E se não há essa distinção, nos parece certo que a melhor interpretação, para o artigo 27 e incisos do Código de Mineração é que a indenização pelos danos causados deve ser proporcional ao dano que efetivamente possa se prever diante dos prejuízos que possam resultar os trabalhos de pesquisa, independente dos fins a que se prestam a área impactada.
Apesar da fixação do valor venal da área impactada como limite da indenização, entendo que uma interpretação histórico-evolutiva da legislação nos aponta invariavelmente ao entendimento de que é o dano em si, a sua dimensão, no presente e no futuro, as perspectivas embaraçadas e todo o conjunto de perdas que eventualmente sofra o proprietário do solo é que devem ser avaliados para se definir quê indenização lhe é cabível.
Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC, Pós-Graduado em Direito Minerário e de Águas pela Faculdade Milton Campos, Especialista em Direito Societário pelo IBMEC/MG, Sócio do escritório de advocacia Sales Bezerra Advocacia Empresarial
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…