A independência da ANEEL nos novos anteprojetos de Lei

1 – A ANEEL e o Anteprojeto que trata do controle
sobre as agências

O presente artigo visa
caracterizar “agência reguladora independente” e verificar se, dos termos dos
Anteprojetos de Lei que tratam da gestão, organização e controle social das
agências reguladoras e alteram suas atribuições, resulta diminuição da
independência da ANEEL.

A título de comparação,
o item 2 trata das agências independentes nos Estados Unidos, o item 3 trata
das agências no Brasil, e o item 4 trata propriamente das alterações introduzidas
pelos Anteprojetos.

2 – Agências reguladoras nos Estados Unidos

As agências reguladoras
surgiram nos Estados Unidos e foram adotadas em diversos países.

As agências têm funções
legislativas, consubstanciadas na sua ação normativa (parte do poder
regulamentar), funções executivas, relativas à promoção, fiscalização e
representação do poder concedente, e funções semijurisdicionais, na medida em
que exercem mediação, como uma instância arbitral, e que proferem decisões
sobre casos concretos do setor.

Há três tipos de
agências públicas nos Estados Unidos: (i) agências reguladoras independentes;
(ii) agências reguladoras quase independentes; e (iii) agências executivas.

As agências reguladoras
não se confundem com agências executivas. As agências executivas são entes da
administração, que operam sob contrato de gestão, apresentando autonomia
administrativa reduzida. Já as agências reguladoras independentes, como o nome
diz, têm como característica marcante sua independência, como pressuposto de
serem órgãos técnicos, neutros, não sujeitos a pressões políticas.

Embora parte da doutrina
norte-americana defenda que não há agências independentes, há no sistema
administrativo norte-americano agências públicas comumente conhecidas como independent regulatory commissions. O
Congresso atribuiu aos reguladores poderes semilegislativos e
semijurisdicionais, e as agências devem empregar tais poderes para criar regras
consideradas necessárias para regular setores específicos da economia.

Para evitar ingerências
políticas indevidas nas decisões legislativas e judiciais das independent regulatory commissions, o
Congresso tomou certas medidas preventivas de caráter estrutural e
procedimental: todas as agências são órgãos compostos de cinco e sete membros;
os reguladores são indicados pelo Presidente com a aprovação do Senado, e não
podem ser removidos salvo por justa causa (infração à lei); o Presidente
escolhe tais reguladores para um mandato fixo, sendo que não mais que a maioria
simples pode pertencer a um mesmo partido.

Já as agências
quase-independentes não têm a proteção estatutária contra afastamento de seu
dirigente máximo pelo Presidente da República, e especialmente por essa razão,
não podem ser consideradas independentes.

3 – Agências reguladoras no Brasil

No Brasil os projetos do
Código de Águas, elaborados em 1907 e 1933, da autoria de Alfredo Valladão,
adotam confessadamente o modelo norte-americano de agências reguladoras, com
poderes reguladores e de fiscalização. Tanto o extinto DNAEE como a sua sucessora
ANEEL têm poder não só de fiscalizar os serviços de energia elétrica, como
também ação normativa.

No entanto, a figura da
agência não faz parte da tradição constitucional brasileira. Apenas algumas
agências foram previstas na Constituição Federal de forma específica, como é o
caso da ANATEL e da ANP. Outras não foram previstas como agência, como é o
caso, por exemplo, da ANEEL, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
ANVS, criadas apenas por legislação infra-constitucional. (Lei nº 9.782/98).

Dentre as agências
previstas na Constituição, há aquelas previstas como órgão, mas não agência
reguladora. É o caso da SUSEP (art. 192, inc. II), do Banco Central do Brasil
(art. 192, inc. IV) e do Conselho Administrativo de Direito Econômico – CADE
(art. 173, § 4º).

A ANATEL, a ANP e a
ANEEL foram criadas como autarquias “especiais”, de forma a poderem
ser classificadas dentre os entes da administração pública previstos na
Constituição Federal e no Decreto-lei nº 200.

O Decreto-lei nº 200
define autarquia como “o serviço autônomo, criado por lei, com
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades
típicas da Administração Pública, que requeira, para seu melhor funcionamento,
gestão administrativa e financeira descentralizada” (art. 5º, I).

Além da independência, o
que a ANATEL, a ANEEL e a ANP têm de característico é o amplo poder normativo,
cumulado com o fiscalizatório, o sancionatório, o de solução de conflitos,
assemelhando-se muito às agências independentes norte-americanas.

4 – Atual independência da ANEEL

Embora a ANEEL possua
hoje as funções normativa, de fiscalização, de promoção de políticas públicas,
de defesa da concorrência e arbitrais,o
grau de independência da ANEEL é muito baixo, e inferior em relação às
demais agências reguladoras recentes – ANP, ANATEL e ANVS, uma vez que a
independência da ANEEL é limitada pela existência de contrato de gestão. De
fato, desde 1997, com a Lei nº 9.427/97, como regulamentada pelo Decreto nº
2.335/97, há previsão de contrato de gestão, em relação à ANEEL, cujo objeto é
fixar os objetivos e metas relativos à regulação econômica do setor de energia
elétrica (art. 20, § 3º).

Veja-se a comparação com
a ANATEL, que é definida como “entidade da Administração Pública federal
indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das
Comunicações. (…) A natureza de autarquia especial conferida à Agência é
caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação
hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia
financeira. (…) A Agência atuará como autoridade administrativa
independente” (art. 8º, caput e § 2º, e art. 9º da Lei nº 9.472/97).

O mandato dos dirigentes
das agências terminará apenas em caso de renúncia, de condenação judicial
transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, sendo que a
lei que criar cada agência poderá prever outras condições para a perda do
mandato (art. 9º da Lei nº 9.986/2000).

No caso específico da
ANEEL, a Lei nº 9.427/97, em seu art. 8º, prevê que seus dirigentes poderão ser
exonerados dentro dos quatro primeiros meses de seu mandato, e após tal prazo,
na prática, dificilmente serão exonerados. Isso porque a sua exoneração tem por
pré-requisito um dos três motivos seguintes: (i) improbidade administrativa;
(ii) condenação penal transitada em julgado; e (iii) descumprimento
injustificado do contrato de gestão.  Com
isso, pode-se afirmar que seus dirigentes têm, na prática, uma estabilidade,
conferindo assim à ANEEL relativa independência.

5 – Proposta
dos Anteprojetos de Lei

O Anteprojeto de Lei que
altera a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, prevê que as agências
reguladoras, ali listadas como ANEEL, ANP, ANATEL, ANVISA, ANS, ANA, ANTAQ,
ANTT e ANCINE, serão objeto de contrato de gestão.

Ora, como referido no
item anterior, a ANEEL já estava sujeita a contrato de gestão e de metas. A
agência já nasceu com sua autonomia administrativa restrita.

Muito embora o
Anteprojeto tenha mantido o contrato de gestão, ele se absteve de introduzir
novas hipóteses ainda mais restritivas da independência da agência, como o
poder de exoneração de seus dirigentes.

Continua, portanto, em
vigor o previsto na Lei nº 9.427/96, que, na prática, conforme já esclarecido,
equivale à estabilidade dos dirigentes da ANEEL, após decorridos os quatro
primeiros meses de mandato. Continua válida, ainda, a regra de que o
descumprimento das metas não é suficiente, por si só, para a exoneração; tal
descumprimento há de ser injustificado,
o que, na prática, afasta a exoneração por tal motivo.

O monitoramento por
contrato de gestão pode ser prejudicial à independência das agências, pois as
expõem à instrumentalização pelo Poder Executivo. A independência se apóia em
dois aspectos: (i) estabilidade dos administradores nomeados para a agência; e
(ii) autonomia decisória da agência, que não estaria sujeita ao Poder
Executivo.

Com a manutenção do
contrato de gestão, não se pode falar em ampla autonomia decisória pela ANEEL,
que é o segundo pressuposto caracterizador da independência de uma agência. Sem
tal autonomia, as agências não terão órgãos técnicos, neutros, não sujeitos a
pressões políticas.  O contrato de gestão
lhes retira tal autonomia, e faz com que as agências brasileiras deixem de ser
agências reguladoras na sua essência, se aproximando de agências executivas.

Por outro lado, ao se
abster de prever a exoneração do dirigente em caso de as metas não serem
atingidas, o Anteprojeto garantiu a estabilidade dos administradores nomeados,
e com isso, fica mantida parte da independência das agências.

Ademais, o Anteprojeto
manteve a competência final da ANEEL (colegiado da Diretoria) para decidir
sobre recursos administrativos, garantindo, assim, certo grau de autonomia
decisória.

O que deveria ser
acrescido ao Anteprojeto é a impossibilidade de as decisões administrativas das
agências serem submetidas a julgamento pela primeira instância do Poder
Judiciário, pois isso confere a um só juiz o poder de reformar uma decisão
tomada pela agência, dentro de seu poder quase-jurisdicional. O mais correto
seria o recurso de uma decisão da agência ser submetido a um tribunal, a outro
órgão colegiado e especializado, ou mesmo a um órgão arbitral.

Finalmente, a
transferência do poder de licitar e outorgar concessões, permissões e autorizações
para o Ministério de Minas e Energia se dá pela retirada da competência da
ANEEL para tanto, prevista no art. 3º, inc. IV, de celebrar os contratos de
concessão e permissão e expedir as autorizações, e a transferência de tal
competência para o Ministério de Minas e Energia. Tal transferência retirou da
agência parte de seu poder normativo, que vinha também consubstanciado no poder
de elaborar as cláusulas dos contratos de concessão e editar as resoluções de
outorga, que regulavam as concessões e autorizações, a par da legislação
vigente. Restou à agência gerir e fiscalizar os contratos de concessão e o
cumprimento dos termos da autorização concedida.

Do texto do Anteprojeto
depreende-se que as agências tiveram sua autonomia administrativa e seus poderes
normativo e semi-jurisdicional em parte esvaziados, ficando elas a meio caminho
entre uma agência reguladora independente e uma mera agência executiva. A
independência da agência reguladora é vista, por investidores privados no setor
de infra-estrutura, como uma segurança quanto à estabilidade de regras e de
neutralidade política das agências em suas decisões, e, portanto, deve ser
levada em conta pelo Governo e Congresso Nacional quando da edição das novas
leis.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cecilia Vidigal Monteiro de Barros

 

Sócia de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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