Resumo: O presente artigo visa analisar o instituto da indignidade sucessória perpassando em seus aspectos legais, segundo a legislação Civil brasileira, transcorrendo pela mitigação ao rol taxativo do Art. 1.814 do Código Civil Brasileiro, momento em que serão apresentadas as conjecturas doutrinárias e jurisprudenciais ensejadoras de indignidade, momento em que será explanado que o crime de latrocínio, previsto no Art. 157, §3º do Código Penal Brasileiro poderá ensejar a declaração de indignidade, afastando, deste modo, o direito à sucessão legítima ou testamentária. Por fim, será demonstrado qual o procedimento para declaração da indignidade sucessória e seus efeitos legais perante as partes, bem como a terceiros.
Palavras-Chave: Indignidade sucessória. Crime de latrocínio.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Direito das sucessões, aspectos históricos; 2.2. Indignidade sucessória, aspectos históricos. 2.3. Natureza constitucional do direito das sucessões. 2.4. A exclusão da sucessão frente à constituição e sua garantia de direito fundamental. 2.5. Da indignidade. 2.6. Proposições legais de indignidade sucessória. 2.7. Conjecturas doutrinárias e jurisprudências de indignidade sucessória. 2.8. Da violação constitucional de valores idênticos. 2.9. Do homicídio doloso versus demais crimes contra à pessoa e latrocínio, crime contra a propriedade. 2.10. Do procedimento para caracterização da indignidade sucessória. 2.11. Indignidade sucessória e o atributo da pessoalidade da pena. 2.11.1. Efeito da indignidade contra cônjuge ou companheiro. 2.11.2. Efeitos da indignidade contra sucessor do indigno. 2.11.3. Efeitos da indignidade contra terceiros. 3.Conclusão. Referências.
Introdução
A sucessão hereditária é tema de grande relevância em qualquer sociedade, haja vista o patrimônio ser por si só alvo de interesses diversos. Com isso, é fácil encontrarmos normas regulamentadoras de tal instituto em qualquer ordenamento jurídico.
No Brasil, o direito à herança encontra-se no artigo 5º, inciso XXX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como norma regulamentadora o Código Civil Brasileiro de 2002 que, em capítulo específico regula o direito das sucessões a partir do artigo 1.784.
Num mundo capitalista no qual vivemos, é notória a percepção da sociedade quanto ao armazenamento de bens e valores que consagram sua riqueza pessoal. A cada dia o cidadão trabalha na expectativa de se manter, mas principalmente obter uma riqueza para si com o objetivo de lhe proporcionar uma vida mais digna.
No entanto, se torna cada vez mais comum, cônjuges, ascendentes, descendentes não figurarem na sociedade apresentando o seu próprio papel, mas figurando como coautor de algo que não lhes “pertence”.
Deste modo, é corriqueiro em nossa sociedade encontrarmos cônjuges, ascendentes e descendentes inócuos, parasitas numa sociedade cada vez mais exigente e produtiva, pois estes visam apenas o que um dia “poderá” ser seu, ou seja, são meros titulares do direito de herança, no entanto, nada fazem para si próprios, nunca visam construir o seu patrimônio pessoal, mas sim vislumbram o patrimônio alheio; de tal forma que o conflito familiar oriundo do direito sucessório, às vezes chega ao extremo, como nas hipóteses ensejadoras da indignidade sucessória, expostas no artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro de 2002.
Exemplos fatídicos dessa conduta podem ser visualizados nos casos da família Richthofen, onde a filha mais velha, juntamente com comparsas, mataram seu pai e sua mãe, forjando um latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte, enquanto na realidade se tratava de homicídio, bem como, no famoso caso americano de Lizzie Andrew Borden, quando do cometimento do duplo homicídio a machadadas de pai e madrasta. Tais condutas traiçoeiras e banais se deram devido aos interesses nos patrimônios pertencentes e construídos ao longo dos anos pelos pais das ofensoras.
Este trabalho científico visa demonstrar os aspectos históricos do direito sucessório, garantia constitucional de direito fundamental, vislumbrando a natureza constitucional da exclusão sucessória, frente ao direito à herança.
Após, é saliente adentrarmos no instituto da indignidade, sendo necessário, para tanto, a apresentação das proposições legais, doutrinárias e jurisprudenciais que ensejam a indignidade sucessória, verificando que cada caso possui justificativas com identidade de valores, constitucionalmente atingidos.
Na sequência procura-se demonstrar o procedimento previsto em lei para caracterização da indignidade sucessória e seu efeito personalíssimo.
Por fim, importante debruçarmos no instituto penal do latrocínio, roubo seguido de morte, para que possamos ponderar criteriosamente sobre a possibilidade deste ser considerado pela doutrina e jurisprudência como proposição de indignidade sucessória.
Para a compreensão das teorias exibidas no presente artigo se faz necessário à análise de livros, artigos científicos, em forma física ou virtual, assim, se utilizando da metodologia de cunho bibliográfico.
2.1. Direito das sucessões – aspectos históricos
O Direito Sucessório é tão antigo quanto nossa sociedade, advém desde a antiguidade e vem perpassando até a contemporaneidade.
A princípio, estudos indicam a presença legal em escritos sobre a sucessão hereditária a 1.200 a.C. com a Lei Mosaica do povo judeu, sendo seguido após anos, especificamente a 2.000 a.C. com Código de Hamurabi, de forma que dez séculos depois do Código de Hamurabi, surge então, o Código de Manu, o qual tratava da questão do filho primogênito na antiguidade, com referência ao povo hindu[1].
Na Grécia antiga a sucessão era vista de forma a preservar a tradição, haja vista o interesse em manter o patrimônio dentro do grupo familiar. Deste modo, os escritos dos povos egípcios, hindus e babilônicos são os escritos mais antigos que mencionam sobre a sucessão hereditária.
Porém, o direito sucessório, se tornou transparente com o advento da Lei das XII Tábuas[2], regulado no Período Romano.
A chegar à Idade Média e observado o declínio do Império Romano, a sucessão passa a ter um controle do direito canônico, sendo a igreja largamente beneficiada com patrimônio privado quando da ocorrência de sucessão. Período este conhecido com obscurantista.
Com a ocorrência da Revolução Francesa e da Revolução Industrial houve uma retomada da sociedade quanto aos questionamentos referentes ao papel da religião, momento em que a nova sociedade encontra-se diante do período iluminista enterrando, deste modo, o período obscuro da Idade Média.
Dentro desse contexto a propriedade privada volta a ganhar força diante do surgimento do capitalismo moderno, sendo a sucessão devidamente regulamentada visando à salvaguarda do patrimônio pessoal das famílias.
O Código de Napoleão de 1804 (França) vem disciplinando a sucessão com direcionamento à propriedade, sendo assim, em linha totalmente diversa à direção do direito das Famílias, da qual à sucessão na contemporaneidade passa a ser admitida[3].
Na Alemanha, a sucessão hereditária passa por várias formas de aquisição, sendo que em seu Código Civil de 1896, marcado pelo refinamento estrutural, foi dividido em duas partes: a geral e a especial, estando o direito das sucessões previsto na parte especial[4].
Na Rússia, surge somente em 1917[5], direito derivado dos pensamentos de Karl Marx e o rompimento com a Revolução Comunista em decorrência da igualdade entre as pessoas. No entanto, tal posicionamento soviético, à época, não se tornou efetivo, passando a sucessão hereditária a ser limitada apenas a quantias pequenas e objetos pessoais.
Certo é que, desde a antiguidade até a contemporaneidade, o direito sucessório vem sendo tratado pelas sociedades sob diversos aspectos: em determinado momento sendo ligado ao seguimento da religião e da família, e em outro momento sendo ligado à propriedade.
Contemporaneamente a sucessão está disposta num sentido amplo, latu sensu, podendo ser definido como ato sobre o qual uma determinada pessoa assume o lugar da outra, deste modo, estando num patamar substitutivo de titularidade de bens, podendo ser ato inter vivos ou causa mortis.
Nada obstante, o foco deste artigo encontra-se no Direito das Sucessões, sendo, por conseguinte, empregado num sentido estrito, ou seja, stricto sensu[6], pois visa analisar a sucessão no direito da família. Neste caso, a transmissão se dará somente em causa derivadas da causa mortis.
O Direito das Sucessões revela deste modo, a transferência do patrimônio e consequente titularidade do ativo e do passivo do de cujus para seus sucessores, sendo, destarte, aberta a sucessão para transmissão da posse com a morte da pessoa (princípio do saisine[7]).
2.2. Indignidade sucessória – aspectos históricos
A sucessão hereditária sendo matéria regulada desde a antiguidade, não previa de forma clara e precisa sobre a indignidade, destarte, é no direito Romano que se encontram os primeiros vestígios sobre a indignidade sucessória.
Neste período, os bens e pertences dos considerados indignos, isto é, os bens e pertences que seriam destinados ao hereditado, deveriam ser dedicados ao Império, assim, inexistindo relação sucessória entre hereditando e hereditado.
No Brasil, os primeiros traços da indignidade sucessória surgem como projetos de Leis, em vários momentos históricos, para instituição do Código Civil Brasileiro, sendo este efetivamente concluído e promulgado no ano de 1916[8].
Em obediência às Ordenações do Reino de Portugal, especificamente com referências às Ordenações Filipinas, os quais apregoarão anseio à moralidade é que surge o instituto da indignidade no Brasil. Conserva este período o caráter confiscatório dos bens do indigno sendo levados ao Império.
No ano de 1858, o Império, convoca Augusto Teixeira de Freitas, para elaborar um projeto abrangendo a Consolidação das Leis Civis. No devido projeto, nomeadamente no artigo 892 a indignidade foi mencionada como hipótese de exclusão da sucessão[9].
Por oportuno, a Consolidação das Leis Civis criada por Augusto Teixeira de Freitas ficou, mormente na fase do projeto, foi quando em 1872, do governo imperial emanou o Decreto de nº 5.164/72, nomeando o Conselheiro José Thomaz Nabuco de Araújo para, em 3 (três) anos elaborasse o novo projeto do Código Civil Brasileiro, contudo, sem sucesso, pois o Conselheiro veio a falecer antes da conclusão do devido projeto[10].
Sendo assim, em 1882 o Senador Joaquim Felício elaborou o projeto sobre Código Civil, estipulando no artigo 1.471 item sobre a incapacidade para suceder, contudo, o projeto não foi à frente, pois ocorre em 1889 a Proclamação da República[11].
Já na República, em 1890,coube ao Senador Antônio Coelho Rodrigues a missão de redigir o novo projeto para promulgação do Código Civil Brasileiro. Concluído no ano de 1893, o artigo 2.397 tratava de oito hipóteses de indignidade sucessória. Mais uma vez sem sucesso, pois o projeto não foi promulgado, não tendo, deste modo, vigência no país[12].
De mais um insucesso na publicação de um projeto sobre Código Civil, abre-se margem ao Presidente Campos Sales, em 1899, nomear Clovis Beviláqua para ordenar um novo projeto de Código Civil Brasileiro, em cujo artigo 1.762 seu elaborador tratou dos excluídos da sucessão como indignos[13].
Somente em 1916, surge o Código Civil Brasileiro que em parte específica trata sobre a indignidade da sucessão, momento no qual se altera o efeito deste instituto do confisco para o estado, passando a expressar o preceito da pessoalidade da pena, assim sendo, podendo seus sucessores representar-lhe caso indigno[14].
O Código Civil de 1916 já não amparando mais os anseios da sociedade brasileira dá surgimento ao novo Código Civil, publicado em 2002, que entra em vigor em 2003, devido à vacatio legis[15]; porém, no que se refere à indignidade sucessória, não promoveu mudanças consideráveis o instituto, o que de certo, causa diversas discussões doutrinárias sobre o tema, pois não é cabível que com o avanço social este instituto se encontre sendo operado de forma puramente legalista.
É diante desse clamor, que este trabalho se revestirá para desaguar sobre as discussões doutrinárias e jurisprudências dirigidas à indignidade sucessória.
2.3. Natureza constitucional do direito das sucessões
De início, é preciso mencionar que o surgimento constitucional, da sucessão hereditária, se dá a partir do constitucionalismo clássico ou liberal, traçado desde a Revolução Francesa até o início da primeira grande guerra mundial.
Naquele período, surgiram as primeiras constituições no mundo, as quais consagraram os direitos tidos de primeira geração: o direito à liberdade, direitos civis, direitos políticos, direito de propriedade, direito à liberdade física, de expressão e de consciência. Aqui o direito sucessório está diretamente ligado ao direito à propriedade.
No Brasil, a primeira Constituição a tratar expressamente sobre o direito sucessório foi a promulgada em 05/10/1988, também conhecida como Constituição Cidadã, que reza em seu artigo 5º, inciso XXX[16] ser a sucessão direito e garantia individual, garantindo a qualquer cidadão o direito de herança. Trata-se, deste modo, de direito fundamental constitucional.
Deste modo, veio o Código Civil de 2002[17] regulamentar o dispositivo constitucional da herança, programando numa de suas partes o Direito das Sucessões, este disciplinado em quatro Títulos: a) as principais características da sucessão geral; b) a sucessão legítima; c) a sucessão testamentária; d) e por fim, o inventário e a partilha.
No Título I[18], que versa sobre a Sucessão Geral, estão dispostas normas que regem a herança e sua administração; a vocação hereditária; a aceitação e a renúncia da herança e, por último, os excluídos da sucessão. Neste, encontra-se a indignidade, objeto de análise deste trabalho científico, a seguir exposto.
Importante acrescer, porém que, o Código Civil Brasileiro de 1916 dispunha sobre o Direito das Sucessões, porém de forma geral, mencionando apenas normas que dispunham sobre a sucessão intestada e testamentária; a transmissão hereditária, bem como regras relativas ao inventário e à partilha.
2.4. Da exclusão da sucessão frente à constituição e sua garantia de direito fundamental
Ao tratar do tema específico em discussão, nos deparamos com a indignidade na sucessão hereditária, como forma excludente de determinada pessoa quanto ao direito constitucional garantidor do direito de herança.
Ao tratar deste tema é saliente observarmos que nenhum direito ou garantia fundamental é absoluto, haja vista os mesmos poderem se confrontar com outros direitos e garantias fundamentais.
As hipóteses ensejadoras de indignidade expostas no Código Civil Brasileiro de 2002[19] apresentam características restritivas de direito, mas, no entanto, não se pode esquecer que o de cujus também é possuidor de direitos e garantias fundamentais, não podendo o legitimado a suceder transcender sua esfera ofendendo a esfera de outrem sem que lhe fosse adstrita uma penalidade.
O que se vê é que o legitimado a suceder possui uma garantia constitucional fundamental que é o direito à herança. Nada obstante, o de cujus também é possuidor de direito e garantias fundamentais, no cotejo específico a dignidade da pessoa humana.
Nesse conflito principiológico constitucional, tem-se que deverá ser sopesado o caso concreto, sobre qual direito será mais relevante, qual seja: o da sucessão hereditária ou da dignidade da pessoa humana?
Considera-se a relevância dos princípios, não podendo, deste modo, nenhum direito principiológico excluir o outro, mas sim ser ponderados quanto à sua importância frente a outro princípio constitucional.
Isto é, quando da ocorrência de choque de princípios deve ser levado em consideração ambos os princípios, contudo, havendo uma ponderação sobre qual princípio deve ser o orientador do caso concreto.
Na esfera do confronto, princípio da sucessão hereditária versus princípio da dignidade da pessoa humana, é imperioso analisar que a dignidade da pessoa humana ganha contornos relevantes diante da sucessão hereditária.
Desta forma, a indignidade sucessória não é considerada uma violação à Constituição, pois quando da análise dos princípios em conflito verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe ao da sucessão hereditária quando em confronto.
Deste modo, a privação do direito hereditário normatizado no Código Civil Brasileiro de 2002[20] ganha respaldo constitucional, ao possuir proteção fundamental ao respeito à dignidade da pessoa humana, neste caso, inexiste restrição constitucional, pois há sim um sopesamento entre dois direitos fundamentais, sendo prevalecido o direito que possui maior relevância, qual seja: os valores relativos à pessoa (dignidade da pessoa humana) em detrimento aos valores de índole material (direito sucessório).
Superado o dilema sobre a constitucionalidade referente à restrição de direitos constitucionais mencionado no Código Civil Brasileiro[21], especificamente, quando se trata dos excluídos da sucessão, se faz imperiosa a análise criteriosa do instituto da indignidade sucessória.
2.5. Da indignidade
Adentrando na esfera da Indignidade Sucessória como fundamento para exclusão da sucessão, podemos conceituá-la como ato privativo do direito de suceder o de cujus, desde que, tendo o herdeiro ou legatário praticado ato(s) ofensivo(s) ao mesmo.
A terminologia indignidade deriva do latim indignitas e representa a falta de dignidade, a injúria afrontosa, o demérito, porém na acepção jurídica indignidade nada mais é que a aplicação de um apena privada.
Para que haja a exclusão do herdeiro ou legatário por indignidade é necessária a observância de três requisitos: a) tenha o herdeiro ou legatário cometido ato lesivo à pessoa do de cujus, prática de ato tipificado; b) que o ofensor não tenha sido reabilitado em qualquer momento pelo de cujus; c) que exista uma sentença judicial declaratória de sua indignidade[22].
2.6. Proposições legais de indignidade sucessória
Para tanto, não é qualquer ato ofensivo que dará ensejo à exclusão do herdeiro ou legatário. Para ser considerado indigno, o herdeiro ou legatário deverá cometer um ou mais atos consignados no artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro de 2002[23], os quais são taxativamente enumerados e afetam diretamente a pessoa de cuja sucessão se tratar. Vejamos abaixo as hipóteses ensejadoras de indignidade sucessória:
“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade” (VENOSA, 2013, grifo nosso).
Quanto ao inciso I[24] do mencionado artigo, é preciso reforçar, que se trata de homicídio doloso tentado ou consumado, estando, consequentemente, o herdeiro ou legatário digno de sucessão caso cometa homicídio culposo ou se enquadre nas causas excludentes de ilicitude: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou se o crime foi cometido seguindo o atributo sobre erro de pessoa. Neste caso, há discussão doutrinária se o erro de pessoa afastaria ou não o provável indigno da sucessão hereditária.
No que se refere à qualificação do agente causador do ato lesivo, poderá ser ele: autor, àquele que cometeu o ato diretamente; coautores, quando mais de um cometem diretamente do ato lesivo; partícipes, àquele participante do ato lesivo de forma indireta, isto é, não é ele que causa o dano diretamente, somente auxilia para que o fato ocorra.
Ao considerar o inciso II do artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro de 2002[25], verificamos duas situações distintas, quais sejam:
a) na primeira situação o agente causador do dano acusa caluniosamente e em juízo criminal (posição jurisprudencial) o autor da herança.
Acusação caluniosa é aquela em que a pessoa imputa uma conduta à outra definida no Código Penal Brasileiro[26] como crime, de que o sabe inocente;
b) numa segunda circunstância o agente incorre em crime contra a honra em face do autor da herança. Individualiza-se crime contra a honra a calúnia; a injúria e a difamação, estes para que haja reconhecimento da indignidade deverá o autor ser condenado em juízo criminal, como assim dispõe o entendimento da corrente majoritária.
O inciso III[27] do referido artigo é de fácil compreensão, pois refere que incorre em indignidade àquele que por meios fraudulentos, ação psíquica, e, violentos, ação física, impedir que o autor da herança venha a dispor livremente do seu patrimônio por testamento, ou seja, por ato de última vontade.
É, ainda, necessário mencionar que a vítima, na hipótese da prática de crime doloso tentado ou consumado, poderá ser o autor da herança; seu cônjuge ou companheiro; seu ascendente ou descendente. Quanto à prática de acusação caluniosa em juízo, bem como crimes contra a honra a vítima poderá ser o autor da herança e o seu cônjuge/companheiro. Por último, em se tratando do impedimento em dispor livremente dos seus bens por ato de ultima vontade, a vítima somente será o autor da herança.
Por fim, necessário esclarecer que este trabalho científico se debruçará apenas sobre a teoria considerada no inciso I do artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro[28] o qual menciona como pressuposição de indignidade sucessória o cometimento de homicídio doloso na forma consumada ou tentada.
Deste modo será imperioso o confronto do aludido dispositivo com os demais crimes contra a pessoa estipulado no Código Penal Brasileiro, os quais não são considerados, pelo Código Civil[29], como forma excludente de sucessão.
2.7. Conjecturas doutrinárias e jurisprudenciais de indignidade sucessória
O artigo 1.814do Código Civil Brasileiro de 2002[30] dispõe sobre as presunções de indignidade determinada rol taxativo, entretanto, existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que alargam as presunções ensejadoras de indignidade sucessória, as quais serão debruçadas neste momento.
Tais entendimentos se sedimentam na proposta de que o ofensor do de cujus não pode se furtar dessa limitação legislativa para cometer ilícitos, sendo assim, legitimado e premiado, mesmo com o cometimento de graves condutas imorais, ilícitas e criminosas.
Deve o julgador decompor criteriosamente sobre cada caso concreto e utilizar da analogia legis[31] para que se evitem demasiadas injustiças, sob o argumento de que as hipóteses ensejadoras de indignidade sucessória são plenamente taxativas, assim, não as podendo ser ampliadas.
A preferência pela posição da analogia legis[32] não ofende as regras da Constituição Federal de 1988, nomeadamente quanto ao princípio da legalidade, sendo certo ser admitida a analogia quando da ocorrência de ato mais gravoso, mesmo que não constante do dispositivo legal que regula a matéria.
2.8. Da violação constitucional de valores idênticos
Afirmam Zeno Veloso e Sílvio de Salvo Venosa, que o intérprete da norma não está adstrito à letra pura da lei, podendo este, a cada caso concreto interpretar a norma podendo utilizar da analogia para solução do conflito ali existente[33].
Deste modo, é que a doutrina e a jurisprudência relativizam as hipóteses taxativas mencionadas no artigo 1814 do Código Civil Brasileiro de 2002[34] que expõe sobre causas de indignidade sucessória.
Tal mitigação se dá sobre o diagnóstico de cada caso concreto, os quais nitidamente são violados o valor vida, direito fundamental constitucionalmente garantidor.
É perceptível, deste modo, que na apreciação das causas de indignidade quando nos reportamos ao inciso I do artigo 1.814[35], o qual trata de homicídio doloso verifica-se a lógica da primazia para que ocorra a privação do direito de herdar, pois é incabível que o possível herdeiro tencione contra a vida do possuidor da herança: seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente.
A vida é direito constitucional fundamental com proteção especial, pois sem ela não a que falar nos demais direitos e garantias fundamentais, daí surge o fundamento ético da penalidade aplicada à pessoa que intenta contra a vida do possuidor da herança: cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente.
Relevante acrescer que a maioria dos tribunais espelhados pelo país, bem como alguns doutrinadores como Maria Helena Diniz, apoia a taxatividade da lista apresentada pelo Código Civil Brasileiro[36], não restando, porém, alternativa para alargamento das citações ali presentes.
Vejamos entendimentos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a temática da taxatividade, in verbis[37]:
“APELAÇÃO. AÇÃO DE INDIGNIDADE. DESCABIMENTO. Autor não indica em qual das hipóteses legais do artigo 1.814 estariam incurso os réus. O ilícito praticado pelos réus, quanto à venda simulada, é de natureza civil, não penal, como exigem os incisos I e II do citado artigo 1.814. Por fim, o inciso III não tem pertinência, já que houve violência ou ato fraudulento contra a liberdade de testar de Gabrielina. A propósito, jamais se soube da intenção de Gabrielina de dispor dos bens por ato de última vontade. Não incorrendo o herdeiro contra a vida ou contra a honra do “de cujus”, ou atentado contra a liberdade de testar. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70037417193, 7ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Munira Hanna, Julgado em22/05/2013, grifo nosso).
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE DE HERDEIRO. As hipóteses legais de indignidades são taxativas e não comportam ampliação ou interpretação extensiva. Os fatos narrados na inicial não se enquadram em nenhuma das hipóteses legais. Negaram provimento à apelação.” (Apelação Cível Nº 70013245972, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Rui Portanova. Julgado em 20/07/2006, publicado em 01/08/2006, grifo nosso).
Entretanto, entendimento não unânime, pois diversos doutrinadores e tribunais, no Brasil, optam por estender à lista apresentada pelo Código Civil, utilizando-se da analogia legis[38] para solução de cada caso em apreço.
2.9. Do homicídio doloso versus demais crimes contra a pessoa e latrocínio _ Crime contra a propriedade
Menciona o inciso I do artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro de 2002[39] que será considerado indigno àquele que cometer homicídio doloso ou tentado contra cônjuge ou companheiro, ascendente e descendente.
Extrai-se de tal dispositivo dois fatos balizadores que culminam na adoção pelo legislador na aplicação da pena restritiva de direitos, quais sejam: o dolo, que é a vontade do ofensor no cometimento do crime sobre determinada pessoa, isto é ato consciente de má-fé em atingir um fim criminoso; e o bem da vida, direito fundamental constitucional possuidor de supremacia, pois o mais importante deles, sem este os demais direitos e garantias fundamentais se tornam dispensáveis.
A vida é pressuposto para os demais direitos.
No cometimento do homicídio doloso ou tentativa deste, o agente encontra-se totalmente vestido do dolo e a intenção de ceifar a vida da vítima, bem juridicamente protegido pelo artigo 121 do Código Penal Brasileiro[40], dos crimes contra a pessoa.
Deste modo, não é prudente considerar que o arrolamento apresentado no artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro[41] seja um rol taxativo, haja vista, existir demais crimes tipificados no Código Penal contra a pessoa, possuidores dos mesmos atributos do homicídio doloso ou tentado, como o dolo e a amputação da vida.
Diante do exposto, é que a doutrina e a jurisprudência contemporaneamente consideram condutas típicas na esfera penal como induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio, lesão corporal seguida de morte, eutanásia, como proposições especificadoras do afastamento da sucessão, haja vista as condutas ofenderem os mesmos valores que o homicídio doloso, ou seja, a vida e o dolo, deste modo podendo ser aplicada idêntica solução.
Para corroborar este entendimento é saliente a análise da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na apelação de nº 9215521-04.2007.8.26.0000, à qual considerou lesão corporal seguida de morte como hipótese ensejadora de indignidade sucessória, in verbis:
“Ementa:[42] DIREITO DAS SUCESSÕES. INDIGNIDADE. Pretendida exclusão de beneficiário de plano de pecúlio, condenado no âmbito criminal por lesão corporal seguida de morte e ocultação de cadáver. Possibilidade de aplicação do instituto da indignidade em outros campos fora da herança. Incidência do artigo 1.595 do Código Civil de 1916, vigente à época da morte. Rol que não é taxativo. Casos de indignidade que consagram uma tipicidade delimitativa, a comportar analogia limitada. Falta de idoneidade moral do algoz para ser contemplado pelos bens deixados pela vítima. Interpretação teleológica. Enquadramento no espectro finalístico da norma jurídica em análise. Indignidade reconhecida. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO”. (Apelação Cível n 921552104200, 6ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça de SP, Relator: Des. Paulo Alcides. Julgado em 15/08/2013, publicado em 16/08/2013, grifo nosso).
Deste modo, é conveniente á apreciação a cada caso concreto para que sejam consideradas as vertentes do dolo e da perda vida para que haja a caracterização da indignidade sucessória.
Quanto ao latrocínio é imperioso salientar, que o mesmo é crime tipificado pelo Código Penal Brasileiro como crime contra o patrimônio, sendo este roubo seguido de morte, §3º do artigo 157[43]. Diante da impropriedade (discussão doutrinária) dessa classificação é que doutrinadores acolhem a possibilidade do latrocínio ser proposição de indignidade sucessória.
Antes de adentrarmos ao mérito é imprescindível a apresentação das características diferenciadoras de furto, roubo e latrocínio.
O roubo se contrapõe ao furto na medida em que é utilizada a violência com a finalidade de subtrair a coisa alheia para si ou para outrem. Assim sendo, no furto não há o emprego da violência para subtração da coisa alheia, enquanto no roubo a violência é empregada.
Nada obstante, no que se refere ao latrocínio, este é uma espécie de roubo qualificado pela agravante morte. Inicialmente o ofensor queria apenas subtrair para si ou para outrem bem da vítima, mas em decorrência da violência empregada ocorre a morte da vítima, qualificando, portanto, o roubo que passa a ser chamado pela doutrina de latrocínio.
É saliente acrescer que é conjectura de aumento de pena a prática do crime quando a pessoa puder prever o resultado mais grave.
Assim sendo, o uso da violência é ato fatal para que possa a parte ofensora presumir que o evento morte poderá ensejar dando resultado à sua conduta, até então direcionada a outro bem juridicamente protegido, o patrimônio.
Mas como já mencionado, no conflito entre princípios constitucionais, deverá o julgador, a cada caso concreto, fazer a ponderação de prevalência sobre qual princípio irá sobrepor ao outro.
Deste modo, é que existe discussão doutrinária para a classificação do latrocínio como sendo crime contra o patrimônio.
Diante da vontade do ofensor em roubar, mas gerado resultado morte o que prevalecer?
Como dito, a vida é bem jurídico protegido constitucionalmente com supremacia, haja vista, sem ela não se poder falar no uso e gozo dos demais direitos e garantias fundamentais constitucionais.
Assim, é que doutrinadores se filiam na conjectura de que o latrocínio se enquadra na classificação penal quanto crime contra a pessoa.
Desta feita, o que retirar da apreciação do instituto do latrocínio? Como negar, por exemplo, que um filho, com o emprego de arma de fogo ou arma branca, ao tentar roubar seu pai acaba por retirar-lhe a vida não previa que poderia ocorrer tal gravame?
Por mais que o bem juridicamente protegido no homicídio e no latrocínio sejam diversos, quando da ocorrência da qualificadora morte no instituto roubo, o bem juridicamente protegido acaba sendo dúplice, pois direcionado ao patrimônio e à vida da vítima.
Não considerar o valor vida em ambas as tipificações penais seria desconsiderar a possibilidade do ofensor ao cometer um latrocínio ser considerado indigno sucessoriamente.
Este fato abre lacunas para que pessoas com má-fé possam tramar um roubo que se segue com morte, ensejando, portanto, latrocínio, escondendo o que na realidade seria um homicídio, restando, deste modo, o ofensor livre de condenação cível declaratória de sua indignidade.
Tal trama acima exposta não resta infrutífera, vejamos as aberrações emanadas nos inquéritos policiais, nas acusações dos Ministérios Públicos e nas condenações judiciais (não considerando isto como regra) que, infelizmente, acolhe a sociedade a cada dia.
Então, diante desta deficiência e considerando a taxatividade do rol emanado no artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro[44], poderá qualquer um driblar a legislação então vigente para poder livrar-se de possíveis penalidades.
Pensando nisso, é que a Senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE) emanou projeto de lei nº 118/2010, para dar novo tratamento às suposições de exclusão da sucessão, especificamente quanto à indignidade e deserdação, ampliando as possibilidades de incidência dos mesmos. Necessário acrescer que há outro projeto de lei tramitando no Congresso Nacional como o de nº 699/2011 que também se posiciona na tentativa de acrescer o rol exposto no artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro, o que denota um avanço legislativo quanto ao tema[45].
Deve a legislação acompanhar os avanços sociais, para tanto não é cabível que normas altamente ultrapassadas sejam devidamente aplicadas numa sociedade em expansão.
Pensando assim, na Itália se considera indigno àquele que mata ou tenta matar. Notório a intenção legislativa ao deixar a norma aberta, para que demasiados ilícitos sejam enquadrados ao diploma legal, desde que no fim ocorra morte ou tentativa de morte de outrem.
Esta é uma tendência da legislação brasileira, já que relevantes doutrinadores e até alguns tribunais ecoam para a incidência da aplicabilidade da indignidade em crimes diversos como induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio, lesão corporal seguida de morte, eutanásia e até mesmo latrocínio, em contraposição à consideração taxativa em ser considerado indigno àquele que comete homicídio doloso ou tentado.
2.10. Do procedimento para declaração da indignidade sucessória
O procedimento para comprovação da indignidade se dá por meio de ação ordinária, para que seja garantida à dialética, assegurando o contraditório e a ampla defesa do provável indigno, na esfera cível à qual será declarada por sentença judicial declaratória.
A ação judicial não poderá ser admitida quando proposta antes da abertura da sucessão, ou seja, antes do falecimento do hereditando.
O legitimado a proceder com a devida ação possui prazo decadencial (sem interrupção ou suspenção), de 4 (quatro) anos, contados da abertura da sucessão, para intentar a devida medida judicial cabível, acionando, assim o eventual indigno para que responda ao processo em questão. É o que dispõe o parágrafo único do artigo 1.815 do Código do Civil[46].
No que se refere à legitimação a lei não menciona a quem cabe o papel, entretanto, analisando as demais legislações que trata sobre o tema é identificado como legitimado os demais sucessores.
No Brasil, pode um terceiro interessado se manifestar como legitimado, desde que se beneficie patrimonialmente, é o caso do município, quando da hipótese do de cujus possuir apenas um sucessor, àquele que poderá ser considerado indigno.
Ademais, cabe ao Ministério Público ajuizar a ação de reconhecimento de indignidade quando prevalecer o interesse público.
A exclusão do sucessor não se dá pelo mero cometimento da conduta tipificada, sendo necessária a apreciação do judiciário para que possa ser demonstrada a autoria e materialidade delitiva. Assim, pode o indigno adquirir a herança, desde que a conserve até que ocorra o trânsito em julgado da sentença cível que o condena por indignidade.
O efeito da sentença prolatada e transitada em julgado é ex tunc[47], isto é, retroage ao à data da abertura da sucessão, data da morte do hereditando.
Tema de grande relevância no que se refere à ação de indignidade para exclusão do sucessor se diz respeito às esferas penais e cíveis.
Em obediência à independência das esferas não há a necessidade de condenação criminal para que seja decretada a indignidade na esfera civil.
Pode a esfera civil declarar a indignidade independentemente da condenação do autor na esfera penal. Entretanto, a esfera penal poderá influenciar na esfera civil quando da ocorrência de sete conjecturas: a) quando reconhecido a inexistência do fato criminoso; b) ou que o réu não concorreu para a infração penal, ou seja, não é o eventual indigno o autor do fato danoso; c) declarar a ocorrência de legítima defesa; d) ocorrer em estado de necessidade; e) ser o ato cometido no estrito cumprimento do dever legal; f) no exercício regular de direito, g) ou quando da ocorrência de erro de tipo.
Quanto à inimputabilidade deve-se ser vista com reserva, analisada caso a caso, pois pode o ofensor se prevalecer de tal atributo que a legislação lhe confere para cometer homicídio doloso contra o hereditando, com o intuito de se favorecer patrimonialmente.
Ademais, impera a independência das esferas sendo certa que a sentença civil é a legitima a declarar a indignidade, excluindo, assim o eventual indigno da sucessão, artigo 1.815 do Código Civil Brasileiro[48]. Assim sendo, mesmo que tenha uma sentença penal condenatória à indignidade não se aplicará de imediato, visto que a ação cível é indispensável.
Apesar disso, é totalmente cabível quando da tramitação de processo-crime que a parte interessada ou o juízo, de ofício, suspenda a demanda de ação cível para apuração de indignidade até que seja decidido o conflito sobre o crime na esfera penal, presunção em que evitaria decisões conflitantes.
Por fim, é imperioso mencionar que a natureza jurídica da sentença final é declaratória, este é o posicionamento majoritário da doutrina, haja vista a sentença declarar a indignidade do sucessor.
2.11. Indignidade sucessória e o atributo da pessoalidade da pena
Considerado indigno será o ofensor imediatamente excluído da sucessão hereditária, sendo ineficaz sua vocação hereditária, sendo este, portanto, considerado como se morto fosse quando da abertura da sucessão.
Não pode, destarte, seja diretamente ou indiretamente o indigno se beneficiar de nenhuma vantagem patrimonial surgida do processo sucessório.
2.11.1. Efeito da indignidade contra cônjuge ou companheiro
Quanto à declaração de indignidade ser direcionada ao cônjuge ou companheiro é unânime na doutrina que a meação não pode ser usurpada do indigno, abrangendo os efeitos da sentença apenas no que diz respeito à herança e ao direito real de habitação à qual teria direito o cônjuge ou companheiro.
Assevera Carlos Eduardo Minozzo Poletto[49] sobre os contratos de seguro de vida:
“Mesmo constituindo matéria alheia ao direito sucessório, há balizado entendimento de que as regras da indignidade hereditária incidem igualmente nos contratos de seguro de vida, quando o beneficiado, ainda que não seja herdeiro ou legatário do segurado, praticar alguns dos comportamentos ensejadores, principalmente se atentar dolosamente contra a sua vida” ( grifo nosso).
Tal previsão é deveras evidente, já que se sabendo beneficiário de seguro de vida, poderia o interessado intentar contra o segurado de forma a levar a vantagem patrimonial contratado.
2.11.2. Efeitos da indignidade contra sucessor do indigno
Declara a legislação civil brasileira[50], que os efeitos da sentença declaratória de indignidade é pessoal e não transferível. Deste modo, os herdeiros do sentenciado indigno poderá representá-lo como se ele morto fosse, recebendo, assim, a cota-parte que seria designada ao sucessor indigno.
Tratando de representação de indigno, prevalece o entendimento do artigo 1.816 do Código Civil Brasileiro[51] que, apenas os descendentes legítimos poderão representar o indigno, não restando oportunidade, portanto, aos descendentes testamentários o direito de representação quando se tratar de indignidade.
2.11.3. Efeitos da indignidade contra terceiros
Por fim, pode o provável indigno receber sua cota parte na abertura da sucessão até que decisão judicial transitada em julgada sobrevenha e retire-lhe a cota-parte recebida.
Nessa vacatio legis[52], pode o hereditado dispor do patrimônio recebido livremente, pois até então possuidor legítimo.
Mas o que dizer quando sobrevier sentença condenatória, relacionando esse beneficiário como indigno?
Sobre a temática existem diversas discussões doutrinárias, para tanto, o parágrafo único do artigo 1817 do Código Civil Brasileiro[53], diploma legal que trata sobre a indignidade, menciona que cabe legitimidade ao terceiro de boa-fé em permanecer com o(s) bem(s) adquirido(s) onerosamente do indigno, prevalecendo, deste modo, válidos os atos administrativos praticados pelo indigno, antes da sentença de exclusão.
A norma visa criteriosamente proteger o terceiro de boa-fé, que não poderá ser prejudicado por ato emanado pelo indigno. Caso de má fé, o negócio jurídico firmado poderá ser anulado pelo Poder Judiciário, como nas situações de doações a título gratuito.
Ocorrido tal disposição onerosa, podem os demais herdeiros se voltarem contra o indigno a fim de que possa ser restituído valor equivalente ao bem para divisão entre os herdeiros remanescentes.
3 Conclusão
O Direito Sucessório, ramo do Direito exposto nos diversos ordenamentos jurídicos existentes mundo a fora, reza pela transferência patrimonial dos bens de um determinado falecido para seus sucessores.
Nada obstante, ser o Direito Sucessório uma garantia Constitucional, em casos excepcionais, pode o ordenamento jurídico impedir a transferência patrimonial do de cujus para seu(s) sucessor(es), haja vista quando da ocorrência de hipóteses de indignidade sucessória.
Neste referido artigo, ficou evidenciado as hipóteses legais ensejadoras de indignidade sucessória, momento o qual foi levado em consideração às conjecturas doutrinárias e jurisprudenciais que alargam o rol legal, quebrando, deste modo, com a taxatividade até então configurada para indignidade no Art. 1.814 do Código Civil Brasileiro.
Dentre as hipóteses demonstradas ficaram devidamente demonstrados variados crimes previsto no Código Penal Brasileiro, que, de uma forma ou de outra viola o direito fundamental maior, qual seja a vida, preconizado e protegido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Deste modo, em analogia legis, a jurisprudência e a doutrina preconizam crimes como o induzimento ao suicídio, lesão corporal seguida de morte, dentre outros como conjecturas caracterizadoras de indignidade sucessória.
Por fim, foi oportuno explanar qual o procedimento legal caracterizador da indignidade sucessória, momento este que firma o reconhecimento da indignidade para o ofensor do de cujus.
Assim sendo, tornou-se necessário a análise do instituto do latrocínio, roubo seguido de morte, cotidianamente em ocorrência no país, demonstrando que tal crime pode ser ensejado como proposição de indignidade no Direito Brasileiro, já que tal instituto viola diretamente o preceito maior que é a vida.
Advogado e Professor no Centro Universitário Estácio de Sá, Especialista em Gestão Pública – Universidade Norte do Paraná e pós-graduando em Direito Eleitoral, – Faculdade Baiana
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