A influência da estrutura familiar e a atenuação da desigualdade social como redutores da criminalidade

Resumo: O crime é um fenômeno social que vem tendo um grande desenvolvimento nos dias atuais. O terrorismo urbano traz à tona uma enorme sensação de insegurança, perturbando a paz de toda sociedade. Diante disso, a segurança pública é elencada pelas pessoas como impotente, e via de regra, atribuem a total responsabilidade desse cenário à atividade policial. Entretanto, não é razoável afirmar que a criminalidade será solucionada somente com atividades repressivas, vez que, a segurança pública não se reduz a um conjunto de ações estritamente policiais. Investir somente no Estado penal é tentar “enxugar gelo”, isto é, a problemática sempre existirá. Portanto, o artigo em tela irá trazer à baila a grande importância das políticas públicas sociais e a influência familiar na promoção de uma segurança pública mais robusta.[1]

Palavras-chave: Segurança Pública. Influência Familiar. Políticas sociais

Abstract: Crime is a social phenomenon that is having a great development these days. Urban terrorism brings out an enormous sense of insecurity, disturbing the peace of every society. Given this, public security is listed by people as impotent, and as a rule, assign the full responsibility of this scenario to police activity. However, it is not reasonable to say that crime will be solved only through repressive activities, since public safety is not reduced to a set of strictly police actions. To invest only in the penal state is to try to "dry ice", that is, the problem will always exist. Therefore, the article on the screen will highlight the great importance of public social policies and family influence in promoting a more robust public security.

Keywords: Public Security. Family Influence. Social Politics

Sumário: 1. Introdução. 2. A criminalidade. Quando tudo começou. 3. Estado social x Estado penal. 4. Direito comparado: países que cumprem o Estado social. 5. Escola da socialização defeituosa. 5.1. Teoria do broken home. 6. A influência da estrutura familiar na formação do indivíduo. 7. O caso do menino Vitor. 8. Princípio da dignidade da pessoa humana e o sistema prisional brasileiro. 9. O direito penal e a influência da mídia. 10. Considerações Finais. Referências.

1 Introdução

O crime é um fenômeno social que vem tendo um grande desenvolvimento nos dias atuais. O terrorismo urbano traz à tona uma enorme sensação de insegurança, perturbando a paz de toda sociedade. Diante disso, a segurança pública é elencada pelas pessoas como impotente, e via de regra, atribuem a total responsabilidade desse cenário à atividade policial. Entretanto, não é razoável afirmar que a criminalidade será solucionada somente com atividades repressivas, vez que, a segurança não se reduz a um conjunto de ações estritamente policiais. Investir somente no Estado penal é tentar “enxugar gelo”, isto é, a problemática sempre irá existir.

É necessário um viés mais profundo para as questões sociais, haja vista que, a criminalidade fica cada vez mais fortalecida quando o Estado não consegue garantir uma estrutura básica de políticas sociais para as pessoas que necessitam desse amparo. A criança e o adolescente oriundos de uma família desestruturada, que não vivem em um ambiente sadio, que não tem acesso a uma educação de qualidade, indubitavelmente, estão fadados a ingressar no mundo do crime, muitas vezes, como meio de sobrevivência.

Os ilustres escritores Newton Fernandes e Valter Fernandes, asseveram:

“Que esperar de crianças que vivem em favelas infectas, em promiscuidade com elementos de toda a ordem, vendo as cenas mais deprimentes, os gestos mais acanalhados, os procedimentos mais ignominiosos? Que esperar de crianças que em pleno período de formação dormem ao relento, sentindo frio, debaixo de ponte, à porta de casas comerciais lado a lado de toda a espécie de marginais adultos? Que esperar de crianças que prematuramente conhecem os horrores da fome e se alimentam de migalhas jogadas fora ou da caridade pública? ” (FERNANDES e FERNANDES, 2002, p. 486-487)

Destarte, é preciso que os investimentos, por parte do Estado, assegurem uma infraestrutura forte para conter os indivíduos já contaminados pelo crime, ao revés, essa infraestrutura deve ser ainda mais resistente para salvar aqueles que estão vulneráveis, mas, que ainda não ingressaram nesse desastroso mundo.

Portanto, sem a intenção de esgotar o assunto, o presente artigo irá trazer à baila a grande controvérsia estatal existente no nosso cenário atual: investir em segurança pública é investir mais na repressão ou na prevenção?

2  A Criminalidade no Brasil. Quando tudo começou

É importante destacar o imprescindível papel das pressões externas capitalistas que influenciaram sobremaneira a implantação do capitalismo no país, na época vivendo a todo vapor a escravidão, que era um dos principais obstáculos à sua política.

A abolição da escravatura, por sua vez, esteve diretamente ligada ao surgimento de um novo mercado consumidor, e a um mercado de trabalho, não obstante, a uma nova classe de pessoas que possuía um único bem a ser vendido: sua força de trabalho. Surgiu, a partir de então, o modo de produção capitalista. Formou-se uma classe de trabalhadores negros e livres de maneira que a exigência econômica os colocava em uma posição inferior, sem que existisse qualquer política estatal para o grande problema que surgira.

Com o passar dos anos e com a ampliação dos centros urbanos, consolidou-se uma nova classe social, formada por ex-escravos e imigrantes que passaram a viver às margens da sociedade, quando nos grandes centros, por exemplo, no Rio de Janeiro, à época capital do Brasil, houve a proliferação de diversas doenças infectocontagiosas em função do exagerado contingente de pessoas que se aglomeraram em cortiços, atraídos pela oportunidade de emprego advinda do modo capitalista. Nesse patamar, e tomando como justificativa a “higienização” da cidade, o governo utilizou essa bandeira para destruir os cortiços onde os trabalhadores moravam, visando, contudo, não o controle da proliferação das doenças, mas sim ao afastamento dessa nova classe social que no momento “manchavam” a imagem da cidade, sendo vistos como retrato da estreita ligação entre a pobreza e a criminalidade.

Essas pessoas passaram a ser vistas como nocivas, porque eram vetores de doenças, e por desafiarem as políticas de controle social a eles impostas. Tornaram-se alvo de indiferença, eram exemplos de carência, incapacidade e, segundo a elite, potencialmente perigosos.

Por fim, ocorreu um inchaço populacional nas grandes cidades, já na segunda metade do século XX, com o êxodo rural aliado a explosão demográfica. Configurou, portanto, um novo problema social: a evolução dos cortiços e favelas.

3 Estado Social x Estado Penal

Atualmente, a violência e a criminalidade vêm sendo um dos maiores problemas da sociedade brasileira. É sabido que estes fatos sociais são provenientes da insuficiência estatal em diversas searas. No entanto, é relevante destacar a imensa relação entre esses inconvenientes e a questão social.

Newton Fernandes e Valter Fernandes esclarecem:

“Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio, especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinquencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam das vítimas, matando-as, às vezes pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa. ” (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 389).

A criminalidade, em regra, é praticada por sujeitos excluídos do trabalho, negros, habitantes de comunidades, onde impera a desigualdade e a falta de oportunidade. Esse cenário perverso, intensifica meios alternativos de sobrevivência. Jovens, “fruto do meio em que vive”, são submetidos a viver numa verdadeira guerra, que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Indivíduos que não ostentam o mínimo para sobreviver, que sofrem com a inexistência de amparo familiar, que até querem estudar, mas, padecem com a omissão do Estado.

Marco Antônio Bandeira Scapini preconiza:

Em países onde a distância entre ricos e pobres é quilométrica e, cada vez mais se acentua, os índices de violência e criminalidade são elevadíssimos, chegando ao descontrole. O Brasil é “campeão do mundo” em injustiças sociais, tem a pior distribuição de renda do planeta. Pequena parcela da população vive na opulência, enquanto à imensa maioria sobrevive sem acesso sequer à saúde, à educação, à alimentação e ao emprego. É óbvio que a situação tende a se agravar, enquanto inutilmente, atacam as consequências do problema, não suas causas”. (SCAPINI, 2002, p. 389)

Diante disso, é deveras necessária uma interessante reflexão perante nossa atual Constituição da República, precisamente no seu preâmbulo, in verbis:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil". 

Conforme o texto mencionado alhures, o Estado Democrático de Direto foi instituído com o escopo de garantir a igualdade, a justiça, o bem-estar, os direitos sociais e individuais, a segurança, etc. Todavia, o que vislumbramos é totalmente o contrário, a desigualdade, a violação de direitos e garantias individuais, a corrupção, o mal-estar e a insegurança. Enfim, as letras não pularam do papel.

É percebível que a atuação estatal é substancialmente maior na repressão (Estado Penal) do que na prevenção (Estado Social), punindo mais e educando menos. O notório professor Vicente de Paula Faleiros elenca:

“O Estado está se desobrigando, cada vez mais, de suas obrigações, de garantia do bem-estar coletivo e investindo também cada vez mais em repressão para conter a violência social que se desencadeia com o desemprego e a perda das referências da cidadania social. O Estado de bem-estar está sendo substituído por um estado de contenção social que se expressa nos mecanismos de vigilância física e eletrônica, na construção de prisões e ampliação dos aparatos de punição. A competitividade e não a solidariedade é que é valorizada pelas políticas de responsabilização individual pela sua sorte, acentuando-se a desigualdade e a polarização entre mais ricos e mais pobres”. (FALEIROS, 2006, p. 79)

Desse modo, o Estado contraria sua própria Carta Magna, no seu art. 227, in verbis:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

É ponderoso ressaltar que o presente artigo não tem o objetivo de afirmar que todos os jovens de favelas e periferias são ou serão delinquentes. Lado outro, a ausência de políticas sociais nesses locais, provocam uma maior vulnerabilidade. Além disso, a falta de investimentos na estruturação familiar, contribuem para o desenvolvimento desse caos social. “A violência e o crime são, amiúde, o único meio dos jovens da classe trabalhadora sem perspectiva de emprego para adquirir dinheiro e os bens de consumo indispensáveis para ascender a uma existência socialmente reconhecida. ” (WACQUANT, 2001, p. 33).

Jeferson Botelho com sua inteligência ímpar, argumenta sobre o crime no Brasil:

“É fácil encontrar argumentos para justificar o crime no Brasil. Primeiro, o descaso do governo com a educação no Brasil, que deveria receber prioridade absoluta, no preparo do homem para o desenvolvimento de habilidades tendentes ao exercício da cidadania, qualificação para o trabalho e desenvolvimento humano, conforme anunciado no art. 205 da Constituição da República (…)”.

Por fim, o eterno Cesare Beccaria aduz:

“Finalmente, o método mais seguro de prevenir crimes é aperfeiçoar o sistema educacional. Mas este é outro tema muito vasto e excede os meus planos. Um tema, se devesse me aventurar a comentá-lo, que é tão intimamente ligado com a natureza do governo, que sempre permanece um objeto estéril, cultivado apenas por poucos e sábios homens. Um grande homem, perseguido por aquele mundo que iluminou e a quem devemos muitas importantes verdades, detalhou cuidadosamente os princípios da educação útil, que consiste principalmente em apresentar às mentes um pequeno número de temas selecionados que substituam as cópias pelos originais dos fenômenos físicos e morais, guiando o pupilo na virtude, através da fácil estrada do sentimento e protegendo-o do mal pelo infalível poder das inconveniências necessárias, em vez do comando, que somente consegue uma falsa e momentânea obediência”. (BECCARIA, 1738-1794, p. 122)

4 Direito comparado: países que cumprem o Estado socialComo foi visto, o Brasil não cumpre o Estado social, isto é, não garante políticas sociais consistentes para o crescimento digno de sua população, especialmente para os jovens. Sabe-se que a repressão ao crime deve existir, entretanto, o mais inteligente seria atacar as causas e não as consequências. Quando comparamos o Brasil (que elegeu o meio punitivo para combater o crime) com outros países que, ao contrário, escolheram o Estado de bem-estar social, avistamos uma imensa discrepância no contexto criminal. Islândia, Dinamarca, Suíça, Áustria, Nova Zelândia, são exemplos de nações que possuem baixo índice de violência e criminalidade. Qual será o segredo?Na Islândia, por exemplo, quase não há diferença entre as classes alta, média e baixa, 97% da população é considerada classe média ou trabalhadora. Segundo Bjorgvin Sigurdsson, ex-presidente do grupo parlamentar da Aliança Social Democrata, a igualdade é a principal causa da quase ausência de crimes no país: “Aqui os filhos dos magnatas vão aos mesmos colégios que o restante das crianças”. Para ele, os sistemas de serviços públicos e de educação do país promovem a igualdade.5 Escola da socialização defeituosa A evolução da criminologia se deu por meio dos pensamentos das suas várias escolas. Entre elas, destacamos a Escola da Socialização Defeituosa. Antes dela, o crime era considerado um fenômeno que estava dentro do criminoso. Porém, com o seu surgimento, ocorreu o deslocamento dos fatores da criminalidade. Diante desse contexto, o crime não é mais visto apenas com o viés intrínseco ao deliquente, mas, igualmente, a partir de circunstâncias extrínsecas. Portanto, segundo essa teoria, o crime é uma prática introduzida na pessoa por meio das influências sociais.5.1 Teoria do broken home A teoria dos lares destruídos (broken home), é o primero desenvolvimento da Escola da Socialização Defeituosa. Estudos realizados com agrupamentos de jovens apresentaram uma relevante conexão entre a ausência de estabilidade familiar e o ingresso do indivíduo no universo do crime. “Os deliquentes juvenis são, na sua maioria, oriundos de lares desfeitos ou disfuncionais, sendo frequentemente educados por mães solteiras que enfrentam muito mais do que apenas problemas materiais. As pessoas sentiam falta do espírito de propriedade e encontraram nas quadrilhas, a família que não tinham lá fora, provenientes em sua maioria, de lares desintegrados ou inexistentes”.O eminente professor Jeferson Botelho corrobora:

“O primeiro desdobramento da escola da socialização defeituosa é a teoria do broken homo, que parte do pressuposto de que o criminoso geralmente vem de uma família desestruturada. A ideia do crime pode nascer do lar destruído. O criminoso reage em face da frustração de uma família desestruturada”. 

6 A influência da estrutura familiar na formação do indivíduo

A família é uma das mais importantes instituições de controle social que a sociedade possui. O indivíduo que ostenta uma família estruturada é, indubitavelmente, privilegiado. Pais honestos, trabalhadores, e que transmitem para seus filhos princípios e valores, sem dúvida, estão contribuindo para a redução da criminalidade.

É possível afirmar que a estabilidade da família e a diminuição das desigualdades sociais são os alicerces que a segurança pública necessita para ser verdadeiramente efetiva. A formação do caráter da pessoa depende diretamente do meio em que ela vive e com quem vive. Um ambiente agradável, de afeto e cuidado, proporciona a criança e ao adolescente um poderoso desenvolvimento intelectual.

A família que consegue disseminar para seus integrantes um juízo de valor, mostrando sobre a correção e a incorreção de determinadas condutas, diante da moral e dos bons costumes, certamente, elabora para a coletividade pessoas do bem que jamais irão desvirtuar o caminho, ainda que a situação financeira não seja boa.

Portanto, ainda que falte as necessidades básicas, em regra, o indivíduo com forte carga axiológica possui uma enorme probabilidade de permanecer no certo, mesmo que esteja passando dificuldade. Diante desse viés, podemos dizer que a estrutura familiar sobrepõe a atenuação da desigualdade social na redução da criminalidade. É indiscutível, porém, que esta redução só será efetiva quando ocorrer a conjugação desses dois institutos.

Lélio Braga Calhau corrobora:

“A família é uma peça fundamental nesse intricado problema. Uma família desestruturada pode gerar adultos problemáticos para enfrentar a complexidade da convivência social, aproximando-os das drogas e do alcoolismo desenfreado, o que possibilita o aparecimento de oportunidades para a prática de delitos. Nesse contexto, a aplicação efetiva das normas de proteção de crianças e adolescentes da Lei Federal 8069/90, com o acompanhamento de psicólogos, assistentes sociais, e outros profissionais, impediria que muitos adolescentes optassem posteriormente pelo caminho do crime”.

7 O caso do menino Vitor

Diante de tudo que foi dito alhures, o caso do menino Vitor, entre tantos outros, é um notável exemplo da ausência do Estado na órbita social. Vitor era um garoto de quinze anos, morava na cidade de São Carlos/SP. Não possuía uma estrutura familiar sólida, não tinha o que comer, muito menos o que vestir. Portanto, não vislumbrou outro meio para sobreviver, senão, o mundo do crime. Vendia drogas, foi submetido a medida socioeducativa em 2016, ao revés, em fevereiro de 2017 foi morto com um tiro na cabeça, por supostamente estar devendo quatrocentos reais ao seu “chefe”.

Vale trazer à baila, as palavras do Defensor Público Lucas Pinheiro, in verbis:

“A vida sofrida retratada no relatório de fls.58/64 exauriu-se com um tiro certeiro no crânio. Violência crua e sem detalhes na certidão de óbito. Não deixou bens ou testamento. Não era eleitor. Não deixou filhos. Ponto final.

Depois de vivenciar abandono, morte e violência e de ser punido por atentar contra a saúde pública quando sequer a sua recebia cuidados, o menino cheio de cáries (fl.62) morreu vitimado por arma de fogo.

Falhou, portanto, o projeto socioeducação. Tratado como um criminoso juvenil, sonhava ser engenheiro (fl.62). Mas então chegou a morte. O menino Vitor “cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre”.

Todos os males remediáveis não foram remediados. E já não há mais tempo. Perdemos Vitor…”

8 Princípio da dignidade da pessoa humana e o sistema prisional brasileiro

A Constituição Federal estabelece no seu art. 1º, inciso III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Porém, muitas vezes, ele não é observado, inclusive na seara penal.

O Estado que deveria ser o seu principal guardião, é, na verdade, o seu maior violador, mormente no sistema prisional que, em regra, no lugar de ressocializar, contribui para a degeneração do preso.

O ilustre professor Rogério Greco assevera:

“A Constituição brasileira reconhece, por exemplo, o direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, à cultura, à alimentação, enfim, aos direitos mínimos, básicos e necessários para que o ser humano tenha uma condição de vida digna, ou seja, um mínimo existencial. No entanto, em maior grau ou menor grau, esses direitos são negligenciados pelo Estado. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível , pois não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal. (…) O Estado deixa de observar o princípio da dignidade da pessoa humana seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer algo para preservá-la. O sistema carcerário é um exemplo clássico desse raciocínio”. (GRECO, 2016, p. 68)

9 O direito penal e a influência da mídia

É notório que o princípio da igualdade é bem relativizado no direito penal. O tratamento diferenciado para aqueles indivíduos que teve ou tem certa fama é inevitável. Ademais, em alguns casos, o réu é condenado precocemente, não pela justiça, mas pela grande mídia que manipula a opinião popular, influenciando assim, a justiça.

No contexto atual, é percebível o grande número de prisões de deputados, senadores, ex-ministros, empresários, enfim, de pessoas poderosas. Porém, é visível o tratamento distinto para esses agentes em relação aos demais presos. Exemplo clássico são os condenados pela “lava jato” e outras operações correlatas. Figuras como José Dirceu, Palocci, Joesley Batista, Gedel, Eike Batista, Sérgio Cabral, entre tantos outros. Eles quando passam mal no recinto prisional, imediatamente, são levados ao hospital e têm uma excelente assistência. Não que isso seja demais, pelo contrário, esse comportamento do judiciário é garantir a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional basilar. Todavia, isso não se repete com os demais detentos, que ficam esperando dias para receber atendimento médico. Tudo isso, porque se o famoso morrer na penitenciária, o juiz da execução será taxado pela mídia como um negligente e irresponsável. Agora, se morre um preso qualquer, só será mais um para somar nas estatísticas.

Enfim, no Brasil a desigualdade está em todo lugar, inclusive nos presídios. Os políticos corruptos que retiram dos jovens a esperança de dias melhores, que contribuem para o crescimento da pobreza no país, mesmo condenados, possuem privilégios em relação aos outros encarcerados. Tudo isso, por causa da grande mídia que manipula, que não se importa com o pobre.

10 Considerações Finais

 Diante de tudo ora exposto, podemos afirmar que o meio adotado pelo Brasil para reduzir a criminalidade é extremamente pífio. A punição é necessária, o combate violento, às vezes, é inevitável. Ao revés, a guerra nunca irá solucionar o problema, ao contrário, irá causar ainda mais danos.

 A criminalidade evolui cada vez mais, devido à falta de assistência familiar, vez que, a maioria esmagadora dos menores infratores são oriundos de famílias arruinadas que não garantem para eles uma base sólida de afeto e valores morais. Uns são criados pela avó, não conhecem a mãe, nem o pai, outros tem o pai dependente químico e a mãe prostituta, etc. Geralmente, antes de entrarem no mundo do crime, esses indivíduos passam necessidade, não tem o que vestir, nem o que comer, no entanto, com o crime as coisas mudam, o dinheiro vem rápido, o status e o poder também.

É sabido que a criminalidade está concentrada principalmente em comunidades (favelas) que são desprovidas de serviço de saúde, educação, saneamento básico, lazer, etc. Isto é verdadeiramente um fator relevante que contribui para o cenário caótica de segurança pública que ostentamos. Dessa forma, é possível concluir que a atividade policial não tem como resolver sozinha essa situação. Nos falta o ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, evoluir em políticas públicas direcionadas para essas deficiências que assolam toda a sociedade brasileira. Investir na estabilidade familiar e reduzir as desigualdades sociais (gerar emprego e renda, garantir educação e saúde de qualidade, oferecer lazer).

Falar em segurança pública, não é falar somente em reprimir, é importante extirpar o mal pela raiz, quer dizer, investir na prevenção, assegurar vida digna e igualitária para as pessoas, garantindo uma sociedade justa e fraterna. Desse modo, o resultado seria um Estado mais potente, que gastaria muito mais construindo escolas, hospitais, áreas de lazer, do que construindo presídios e casas de internação.

Finalmente, é ponderoso elencar que não é só o poder estatal o responsável por tudo isso. A comunidade deve assumir o seu papel também, deixando o preconceito de lado, contribuindo para a ressocialização de egressos que querem sair dessa vida devastadora. Infelizmente, o ex-detento não tem espaço no mercado de trabalho, a maioria dos empresários não dão oportunidade para que essas pessoas venham se reabilitar, além disso, não há políticas voltadas para contribuir com tal circunstância. Por conseguinte, é importante destacar que os municípios são os que mais devem se preocupar com esse desenvolvimento de segurança pública, haja vista que, as pessoas vivem ali, e os resultados do crime ocorrem exatamente em cada circunscrição. Portanto, a iniciativa deve ser estabelecida por cada um, a fim de chegarmos um dia ao grande sonho de termos um país mais seguro.

 

Referências
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.
BECCARIA, Cesare, 1738-1794. Dos delitos e das penas. Tradução de Neury Carvalho Lima – São Paulo: Hunter Books, 2012.
FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado Capitalista. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. 3ª ed – Niterói, RJ: Impetus.
SCAPINI, Marco Antônio Bandeira. Execução Penal: controle da legalidade. In: CARVALHO, Salo (Org.). Críticas à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. Os condenados da cidade: estudo sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro: Revan, FASE, 2001.
BOTELHO. Jeferson. Evolução histórica do pensamento criminológico no mundo: teorias macrossociológicas da criminalidade. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14914. Acesso em: 11/02/2018.
CALHAU. Lélio Braga. Redução da criminalidade depende da ajuda da família. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2005jan03/reducao_criminalidade_depende_ajuda_familia. Acesso em : 14/02/2018.
______. Defensor pede extinção de medida socioeducativa de garoto morto e lamenta: "males remediáveis não foram remediados". Migalhas. Disponível em:http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI255077,41046Defensor+pede+extincao+de+medida+socioeducativa+de+garoto+morto+e. Acesso em: 14/02/2018
Nota
[1] Artigo científico apresentado à Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, como requisito parcial para a conclusão da especialização em Ciências Penais e Segurança Pública


Informações Sobre o Autor

Henrique Alves Costa

Advogado especializou-se em ciências penais e segurança pública pela Faculdade Presidente Antônio Carlos – campus Teófilo Otoni pós-graduando em direito administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


Equipe Âmbito Jurídico

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