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A inimputabilidade penal do adolescente: Controvérsias sobre a idade


A violência que ocorre no Brasil, além de alimentar o noticiário dos meios de comunicação, periodicamente impulsiona discussões no congresso nacional no sentido de endurecimento da legislação penal. A inimputabilidade penal é um destes temas recorrentes.


Por conta da aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal da proposta de emenda Constitucional nº 20/99 que propõe a redução da idade mínima de imputabilidade penal o tema voltou à ordem o do dia.


A idade mínima de 18 anos para imputabilidade penal foi disposta pelo Código Penal, em 1940 e foi posteriormente incluída na Constituição Federal de 1988, no Art. 228. A legislação especial que trata da responsabilização dos menores de 18 anos foi substituída em 1990, sendo revogado o Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.


Desde então inúmeras tentativas de mudança da legislação foram feitas, por propostas de emenda constitucional, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal. Estas propostas sempre foram arquivadas após manifestação das Comissões de Constituição e Justiça das casas, que manifestaram a incompatibilidade das emendas com o texto constitucional por tratar-se o Art. 228 de “Cláusula pétrea”.


O conceito de cláusula pétrea está relacionado com a proibição, por parte da constituição, de emendas constitucionais que tenham por objetivo retirar direitos e garantias previstos no texto constitucional. Se considerada a idade mínima de imputabilidade uma garantia individual, o dispositivo não pode ser emendado para retirá-la.


No entanto, no início do mês de maio de 2007 a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em uma votação apertada, por maioria de 12 votos a 10, aprovou o parecer do relator que permitia a tramitação da Emenda 20/99:


PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 20, DE 1999


 (Do Senador José Roberto Arruda)


Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal.


As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda constitucional.


Art. 1º O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:


“Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.


Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis quando constatado seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei (NR).”


Art. 2º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.


A Constitucionalidade ou não da emenda é uma questão que terá de ser debatida pelo Supremo Tribunal Federal. A questão a ser discutida a seguir é se há justificativa para propor esta emenda e quais seriam suas conseqüências se vier a ser aprovada.


Para tanto, se começará por alguns princípios do direito penal, para chegar até o surgimento do conceito de imputabilidade.


Embora a humanidade conheça o conceito de punição desde a antiguidade, encontrando-se inúmeras referências em diferentes textos religiosos, com a Bíblia dos judeus e dos cristãos ou o Alcorão, dos Muçulmanos, o Direito Penal, como conjunto de regras escritas que delimitam os limites do Estado para atuar na punição do comportamento indesejado dos indivíduos é de desenvolvimento recente.


Na Inglaterra do século XVII se proporão princípios como o do “devido processo legal”. Com a luta iluminista para conter os poderes dos monarcas surgirá o princípio da legalidade: de que não há crime se não houver uma lei prévia que o defina.


Desta evolução resultou o conceito de crime como sendo o fato típico, anti-jurídico e culpável. Ser fato típico significa que somente é considerada crime a conduta que estiver descrita de forma exata na lei como tal. Ser anti-jurídico ou ilícito significa que o fato praticado deve ser considerado uma ofensa à lei.


O código penal prevê situações em que mesmo que o fato seja praticado, há motivos para não considerado ilícito. São as excludentes de ilicitude:I – estado de necessidade;  II – legítima defesa; III – estrito cumprimento de dever legal e IV – exercício regular de direito. Nestes casos o fato praticado não é considerado contra a lei e a pessoa que o praticou não deverá ser punida.


O último elemento é a culpabilidade, isto é, a determinação da vontade subjetiva do autor do fato. Normalmente é dividida em duas possibilidades: o dolo, que é a vontade deliberada e consciente de praticar o ato e a culpa, que mesmo que não tenha sido a intenção, o indivíduo contribui para a ocorrência do fato por negligência, imprudência ou imperícia.


Neste caso, definir que uma pessoa é culpável pelo fato é o mesmo que dizer que ela é imputável. Considerando que há fatores que podem justificar a existência de situações em que as pessoas não podem ser consideradas culpadas pelo que fizeram a maior parte dos códigos penais prevê situações de inimputabilidade penal. Uma das  quais, no direito brasileiro, é a idade mínima de 18 anos para  ser considerado penalmente imputável.


A Inimputabilidade penal do Adolescente na legislação brasileira


Conforme os dispositivos da lei e da Constituição são considerado penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, estando sujeitos à legislação especial.


Desde o século XIX se desenvolveu a teoria de que as crianças até uma certa idade não tem um desenvolvimento completo, não podendo lhe ser exigido o mesmo discernimento do adulto. Desta forma, os jovens deveriam ter um tratamento diferenciado e não poderia estar sujeitos a penas criminais se não fossem capazes de avaliar as conseqüências de seus atos.


Para determinar nas situações concretas a ocorrência desta incapacidade, no caso dos adultos, é necessário que seja feito um exame por um profissional habilitado, que diagnosticará se o autor do ato poderia ser considerado imputável no momento do fato.  Este mesmo procedimento também pode ser utilizado em relação às crianças e adolescentes. Alguns países fixam idades mínimas, como 6, 7 ou 8 anos a partir da qual este tipo de exame pode ser feito.


Outra possibilidade, diante da dificuldade de chegar a uma conclusão definitiva em um exame que é feito a posteriori, é presumir que até determinada idade a média da população encontra-se nesta condição e devem todos ser considerados inimputáveis.


Ao definir esta regra o Brasil optou por um dos caminhos possíveis na definição da capacidade, o de presumir que todos os jovens abaixo de 18 são inimputáveis penalmente.


A definição da inimputabilidade, o Brasil, no entanto, não afasta totalmente a responsabilidade pelo cometimento de um crime. Apenas afasta a utilização de parte dos dispositivos do Código Penal e os procedimentos do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais.


A legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente utiliza-se da definição de ato infracional como toda conduta descrita como crime ou contravenção penal. Portanto, com uma mudança de nomenclatura, mantém o princípio da legalidade e utiliza-se da legislação penal para a definição dos tipos. Pode-se considerar que os dispositivos referentes às excludentes de antijuridicidade possam ser aplicados também aos jovens. O resto do procedimento penal é afastado, não cabendo conceitos como fixação de pena, agravantes e antecedentes criminais.


A adoção do princípio da legalidade substitui a concepção da doutrina da situação irregular que, sob o manto de uma suposta proteção do Estado, funcionava como um tipo penal aberto, em que qualquer situação considerada como irregular, em que a criança ou adolescente fosse autora ou vítima, permitia a adoção de medidas coercitivas, inclusive de recolhimento a estabelecimento educacional, sem limites no tempo, a não ser a maioridade. Em certo sentido, assemelhando-se à medida de segurança do direito penal, não nos fundamentos, mas na prática.


O sistema de responsabilização do Estatuto da Criança e do Adolescente tem algumas semelhanças e algumas diferenças em relação ao Direito Penal e Processual Penal.


O ECA faz uma distinção etária não prevista na legislação penal, diferindo o tratamento a ser dado à criança infratora, definida como pessoa até 12 anos incompletos e ao adolescente infrator, entre 12 e 18 anos.


A criança, no caso de cometimento de ato infracional poderá ser submetida a medidas de proteção, cabendo o seu atendimento e a definição das medidas a serem aplicadas ao Conselho Tutelar.


O adolescente pode ser submetido a uma medida de proteção ou a uma medida sócio-educativa, porém em procedimento perante o Poder Judiciário e com amplo direito de defesa. Neste caso a definição das medidas será feita por acordo com o adolescente, no caso de remissão ou por sentença judicial.


As medidas sócio educativas


Embora as medidas sócio educativas tenham também um caráter sancionatório, não devem ser confundidas com as penas do direito penal. Por outro lado, como constituem restrições concretas a direitos do adolescente, exigem que em sua aplicação sejam adotados procedimentos que garantam os direitos individuais do adolescente acusado do cometimento da infração.


No direito penal propõe-se funções reeducativas e retributivas à pena. A função retributiva implica em que haja uma ponderação direta entre o fato típico, as motivações do agente e a pena. No caso da medida sócio-educativa o elemento retributivo deve ser considerado secundário em relação ao elemento educativo. Por isso o tipo de graduação existente nas leis penais, de pena máxima e mínima para determinado fato deve ser desconsiderado. A gravidade do fato é um fator importante, mas as circunstâncias pessoais do adolescente e o processo educativo também devem ser levados em conta na escolha da medida e na sua graduação.


Motivações da defesa da redução da idade mínima de imputabilidade penal


O debate e a apresentação de propostas para redução da idade mínima de imputabilidade penal não são novos no Brasil. Na defesa da mudança da legislação confundem-se argumentos de uma retórica emocional, freqüentemente misturados com supostos fundamentos técnicos. Alguns destes argumentos serão analisados a seguir:


Combate à violência


Uma das motivações mais freqüentes para a defesa da redução da idade mínima de imputabilidade é o aumento da violência. Segundo esta visão, a violência teria aumentado devido a um estímulo à criminalidade provocado pela penas muito brandas e pelos direitos excessivos dados ao acusado que dificultariam a punição. Entre estes casos estaria o dos adolescentes, que seriam estimulados a delinquir por adultos devido à expectativa de impunidade.


Há diversos equívocos nesta argumentação. O primeiro se refere à associação entre aumento da violência e gravidade das penas. O exemplo de países que adotam a pena de morte e a prisão perpétua para reincidentes demonstra que este caminho não traz os resultados esperados. Em alguns casos inclusive tem o resultado oposto, uma vez que o indivíduo que tem expectativa de pena máxima não tem nada a perder se cometer outros crimes.


O segundo se refere à expectativa de diminuição da violência caso os adolescentes passem a ser responsabilizados pelo sistema penal. Se isto fosse verdade, não haveria criminalidade dos adultos. Porém esta é responsável pela maioria dos crimes, que a aplicabilidade da legislação penal, inclusive com legislações de exceção, como o conceito de “crime hediondo”, foram incapazes de coibir. A falta de capacidade do sistema penal de dar uma resposta efetiva, devido à estrutura deficiente tanto da polícia judiciária como das varas penais e do sistema prisional seria apenas agravada se ocorresse a transferência dos casos que hoje ficam na órbita dos juizados da infância e juventude.


Uso dos adolescentes por criminosos adultos


Segundo este argumento os criminosos adultos utilizariam a colaboração de adolescentes baseados na possibilidade de impunidade destes casos sejam detidos. O equívoco não está no fato, mas na justificativa da motivação. É verdade que um número cada vez maior de jovens tem sido recrutado por grupos organizados, como os responsáveis pelo tráfico de drogas, como auxiliares. Porém a maior motivação não é a diferença entre o funcionamento do sistema penal e o do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas a facilidade de encontrar jovens desempregados, sem perspectivas de futuro, que são atraídos pela expectativa de renda e poder.


A aplicação de penas nestes casos, tem se mostrado mais inefetiva entre os adultos que entre os jovens, uma vez que muitos líderes condenados continuam dirigindo suas quadrilhas de dentro dos presídios. O combate a este tipo de situação não passa pelo sistema penal, mas por políticas públicas que ofereçam educação e perspectivas de emprego e renda aos jovens.


O Estatuto da Criança e do Adolescente é brando com os infratores


Outro argumento muito utilizado é o de que as medidas sócio educativas previstas no ECA são brandas e insuficientes para dar a resposta a crimes violentos. Este argumento por um lado, tem equívocos e por outro funda-se em uma concepção arcaica de direito penal, há muito superada.


As medidas sócio-educativas permitem uma graduação que vai da advertência á privação de liberdade, por meio da internação em estabelecimento educacional. Neste sentido, as diferenças em relação às penas do direito penal estão mais ligadas à aplicação e quantificação que à sua natureza. As medidas sócio-educativas ao mesmo tempo que não utilizam critérios de fixação do direito penal também não comportam benefícios de progressão automática, como os previstos na Lei de Execução Penal. Por isso, em muitos casos, é possível aplicar a um adolescente uma sanção mais grave por um fato semelhante, principalmente naqueles em que a sanção penal seria menor do que quatro anos, levando à aplicação de penas não privativas de liberdade. Por outro lado, no ECA não existe a previsão de prescrição, impedindo que a morosidade processual leve à impunidade.


Por exemplo, na vigência da redação atual da lei de tóxicos, não há previsão de privação de liberdade para o usuário, incurso no artigo 16, caso seja um adulto. No entanto, um adolescente, poderia vir a sofrer privação de liberdade em caso igual, por exemplo, no caso de descumprimento de medida sócio-educativa não privativa de liberdade, podendo ser determinada a semiliberdade ou até a internação como regressão da medida anterior.


O argumento da brandura das penas tem por principal fundamento uma concepção vingativa do direito penal, em que a pena, mais do que retribuição, tem por objetivo fazer com que o condenado sofra  em conseqüência de seus atos. Segundo esta visão a pena não busca ressocialização, mas expiação da culpa. Para os defensores desta visão, justificam-se as condições precárias dos estabelecimentos destinados à privação de liberdade, pois não é considerada importante a condição dada ao detido como parte de um processo de reorganização de sua vida. É uma atualização do “olho por olho, dente por dente”, que não se sustenta em uma sociedade moderna e racional. Isto nos leva a outro argumento:


O adolescente só pode ser privado de liberdade por três anos


O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê um limite de 3 anos como tempo máximo para a aplicação da medida de internação. Para muitos este tempo é muito curto e deveria ser aumentado ou justificaria a inclusão dos jovens no sistema do código penal. Há propostas em tramitação no Congresso Nacional, apresentadas como uma alternativa à redução da idade de imputabilidade penal, que aumentam o tempo máximo de privação de liberdade do adolescente de três para cinco ou mais anos.


Três aspectos devem ser analisados aqui: o que ela representa na vida do adolescente, como ocorreria, comparativamente, se utilizado o código penal e a responsabilidade do Estado na aplicação da medida.


Em primeiro lugar, o limite de três anos se refere à privação total da liberdade, podendo após este período a medida ser substituída por outra, não privativa de liberdade.Porém três anos na vida de um jovem de 15 anos, por exemplo, representam 20% de toda a sua vida, no momento em que ele busca a autonomia. É muito mais do que este período representará na vida de um adulto de 30 ou 40 anos, que já teve a oportunidade de construir relações, ter uma vida sexual ativa, constituindo ou não uma família.


Não bastasse este impacto, como não há um sistema de progressão no ECA como o da Lei de Execuções Penais, que permite a mudança de regime como um direito do preso, desde que cumpridos partes da pena, os três anos equivalem, na verdade, a um tempo maior de uma pena criminal.


Mas estes argumentos não devem fazer esquecer a responsabilidade do Estado: para que é necessário este período de privação de liberdade? Para que o jovem possa refletir sobre seus atos, sendo preparado para a saída com formação educacional e o apoio psicológico necessário. Sua função não é causar sofrimento ao internado. Se o Estado foi incapaz de cumprir sua obrigação em três anos, tempo que a maioria dos profissionais do campo da psicologia consideraria adequado por que este período deve ser aumentado?


Por outro lado é público e notório o estado do sistema prisional brasileiro., Colocar em nas prisões brasileiras jovens de 16 ou 17 anos serviria apenas para aumentar as probabilidades de reincidência no futuro, além de submetê-los às possibilidades de abusos por parte dos adultos, uma vez que o Estado não controla a convivência interna na maioria dos estabelecimentos. Uma contaminação por AIDS ou tuberculose significará pena de morte, instituto negado pela Constituição brasileira.


Avanço da sociedade leva à maturidade mais cedo


Para muitas pessoas a limitação da idade de 18 anos para imputabilidade é anacrônica porque foi definida em 1940. Para os que defendem este ponto de vista, as mudanças na sociedade e na tecnologia permitem que nos dias atuais os jovens sejam melhor informados e por isso poderiam assumir responsabilidades mais cedo.


Se por um lado é verdade que as transformações ocorridas nas últimas décadas fizeram com que os jovens assumissem determinados comportamentos de adultos mais cedo, como por exemplo, um início precoce da vida sexual ativa, por outro lado há indicações vão em sentido contrário.


Principalmente nos segmentos das classes média e alta é comum que os jovens dediquem-se exclusivamente aos estudos, vivendo sob a dependência da família até os 24, 25 anos ou mais, de idade. Também tornou-se menos comum casar e constituir família antes desta idade ou até mais tarde.


O maior acesso à informação não pode ser considerado sinônimo de maturidade. Que os jovens tenham acesso à televisão, internet e outros meios digitais não significa que tenha ocorrido uma mudança no processo de formação da capacidade de discernimento e avaliação. Ao contrário, a miríade de estímulos a que são submetidos torna ainda mais difícil fazer opções, que não são mais balizadas apenas pelas instituições que no passado formavam os  limites morais – família, igreja e escola. Por outro lado, estas instituições tradicionais tem perdido sua capacidade de moldar os valores que balizam o comportamento dos jovens. Esta constatação, porém, não justifica que se considere que o direito penal é um substituto adequado para as deficiências do processo educativo.


Tanto esta suposta aceleração da maturidade deve ser relativizada que, ao mudar o Código Civil em 2001, a idade limite para alcançar a maioridade civil foi diminuída de 21 anos para 18 e não para 16. E a idade em que se concede capacidade relativa foi mantida aos 16 anos, conforme já constava no código anterior. Se não consideramos um jovem apto para assumir as responsabilidades da vida civil, por que deve ser utilizado um critério diferente para a responsabilidade penal?


Esta é uma distinção que se encontrava claramente presente na diferenciação dada pelo antigo Código Civil em relação ao Código Penal. A maioridade civil se dava aos 21 anos. Mesmo a maioridade trabalhista, pela CLT, se dá aos 18 anos. Significa considerar que valores como a proteção patrimonial e a responsabilidade civil devem ser mais preservados que a integridade pessoal. Este ponto de vista não se sustenta se considerados os princípios norteadores da Constituição Federal de 1988.


O voto aos 16 anos


Geralmente quando se discute a maioridade penal aparece um contra-argumento, que é a maioridade eleitoral. A Constituição de 1988 concedeu o direito de voto aos maiores de 16 anos. Se o indivíduo pode votar, por que não poderia ser responsabilizado criminalmente, perguntam as pessoas.


Ora, a maioridade eleitoral aos 16 anos é relativa e não plena. O voto nesta idade é facultativo e não dá direito à apresentação de candidatura. É necessária a idade de 18 anos para ser candidato a vereador. Outros cargos exigem idades de 21 ou 35 anos. Portanto o direito concedido aos adolescentes não é igual ao dos adultos. A responsabilidade deve ser?


Por outro lado, a inimputabilidade penal não impede a responsabilização dos jovens a partir dos 12 anos. Se esta idade é considerada adequada para que o jovem possa responder a um procedimento judicial e receber uma medida sócio educativa, poderia se argumentar que o direito de voto também deveria ser previsto a partir deste momento.


Motivos para não reduzir a idade


Além da fragilidade dos argumentos utilizados para defender a redução da idade mínima de responsabilidade penal, há outros elementos a serem levados em conta.


A campanha pela redução da idade é uma ação oportunista de alguns políticos que se repete periodicamente, com o objetivo de conquistar espaço na mídia. Assim como o deputado Amaral Neto manteve sua carreira às custas da defesa da pena de morte, o discurso reducionista conquista facilmente os meios de comunicação e uma população ávida por uma resposta fácil à violência cotidiana.


Este discurso é alimentado por argumentos emocionais, geralmente utilizando a dor de famílias e o sangue das vítimas. Em praticamente todos os casos de crimes violentos que envolvem adolescentes citados na mídia havia um ou mais adultos envolvidos. Mas estes são deixados de lado, culpabilizando-se exclusivamente o adolescente pelo fato.


A discussão fundamental sobre a idade mínima de imputabilidade penal não é exclusivamente um problema técnico, de definição se o discernimento ocorre na idade X ou Y. Na verdade, na prática, nossa legislação fixa esta idade em 12 anos e não em 18, uma vez que a partir dos 12 anos é possível ser réu de uma ação judicial e ser condenado a uma restrição de direitos por uma sentença judicial, conforme já dito.


Não quer dizer que uma pena e uma medida sócio educativa sejam a mesma coisa, apenas com uma mudança de nomenclatura nem que seja necessário aceitar a existência, segundo determinados autores, de um “direito penal juvenil”. Mas a partir dos 12 anos qualquer pessoa pode ser restringida em sua liberdade em conseqüência de seus atos.


Portanto a discussão é que natureza e que objetivo terá esta restrição. E neste caso talvez seja necessário fazer o movimento contrário, para aumentar a idade de imputabilidade penal.


Segundo os dados disponíveis, a maioria da população carcerária brasileira é de jovens adultos, entre os 18 e os 30 anos, o que inclusive levou ao governo federal a criar uma política específica para atendimento aos apenados que são adultos jovens, buscando diminuir a reincidência. Se não há uma diferença radical entre um adolescente de 17 anos e 11 meses e um adulto de 18 anos e 1 mês, a não ser uma regra de corte que foi definida pela lei de uma forma que é, se não totalmente, ao menos em parte arbitrária, este fato deveria ser utilizado na defesa do jovem de 18 anos e não contra o de 17. A lei penal prevê que ser menor de 21 anos é circunstância atenuante da pena, mas isto não é suficiente.


Por outro lado, não se pode discutir uma mudança na legislação de forma abstrata, sem levar em conta as conseqüências que terá. A emenda constitucional acrescenta um parágrafo que qualquer operador do direito sabe que será difícil de implementar com as estrutura hoje existente.


Tendo em vista que se presume a imputabilidade do adulto e a inimputabilidade da criança e do adolescente, somente são exigidos laudos nos casos em que a defesa do adulto alega a inimputabilidade. Caso venha a ser aprovada a emenda constitucional, este procedimento tornar-se-ia obrigatório para todos os jovens entre 16 e 18 anos que viessem a ser acusados de um delito.


Dificilmente as pequenas comarcas de todo o Brasil contarão com equipes técnicas capazes de realizar tal laudo. Os institutos médicos legais, hoje já abarrotados de casos e com éqüites técnicas insuficientes receberiam uma enxurrada de pedidos de laudos. E ainda que tal fosse realizado, como ficariam as conseqüências deste limbo processual? Enquanto não for realizado o laudo, o adolescente teria o procedimento tramitando pelo Juizado da Infância e Juventude, sendo transferido para uma Vara Penal, caso venha a ser considerado imputável? E se for considerado inimputável, ainda assim poderá ser submetido a uma medida sócio-educativa? Seria aplicável a prescrição, existente no direito penal mas não no direito da infância? Seria vedado o uso da remissão, prevista no ECA, enquanto não houver um laudo?


Na verdade a emenda cria uma mistura de sistemas que tornaria difícil de aplicar qualquer um dos dois, levando a talvez um novo movimento para reduzir a idade de presunção e criando um caos maior que o já existente em nosso sistema penal.


O que pode ser feito


Defender a manutenção do limite de 18 anos para a idade mínima para imputabilidade penal não significa fechar os olhos à realidade de violência de nosso país. No entanto, esta deve ser avaliada com cuidado, fugindo-se da repostas fáceis, que consideram que uma mera mudança legislativa pode acabar com o problema.


A Declaração Universal dos Direitos Humanos não acabou com as violações e tortura. A Constituição Federal de 1988 não acabou com a fome e a miséria. Novas leis podem ser o ponto de partida e a sustentação para ações que mudem a realidade, mas não são suficientes se seus dispositivos não são colocados em prática.


O Estatuto da Criança e do Adolescente traz disposições suficientes e adequadas para enfrentar a responsabilização dos jovens pelos seus atos. Mas qualquer legislação será insuficiente se não for adequada de políticas apropriadas para garantir a toda a população condições dignas de vida.


Qualquer forma de legislação de caráter sancionatório será incapaz de garantir a pacificação de uma sociedade imersa nas desigualdades. Ainda que não se possa atribuir meramente a pobreza ser uma causa da violência, a grande disparidade de renda e de condições sociais são certamente causadores de atritos, ainda mais em uma sociedade baseada na valorização das pessoas por seus padrões de consumo.


Medidas repressivas, como o aumento de penas ou redução da idade de imputabilidade penal, longe de resolver qualquer problema, apenas contribuirão para agravar as suas causas.



Informações Sobre o Autor

Rodrigo Stumpf González

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Foi Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e Coordenador Geral da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB/RS


Equipe Âmbito Jurídico

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