Resumo: O trabalho investiga os princípios jurídicos e sua relevância na consecução do Estado Democrático de Direito ante a sociedade de risco. Neste sentido, destaca-se que a sociedade de risco em que se insere hoje a humanidade leva o gestor público a realizar escolhas em um cenário de incertezas, especialmente na área ambiental. O processo administrativo ambiental, neste contexto, é a ferramenta com a qual se pode alcançar da forma mais adequada os objetivos do Estado tal qual esculpido na Constituição Federal de 1988. Este processo administrativo, assim, será conduzido de modo apropriado com a atual sociedade de risco se permeado pelos contornos dos princípios jurídicos que embasam o direito ambiental, o direito administrativo e de outros ramos. Tais princípios, assim, devem ser vistos não isoladamente, mas como um todo harmônico sem o qual não se pode concretizar os ditames do Estado Democrático de Direito e nem se vislumbrar a consecução do idealizado Estado de Direito Ambiental.
Palavras-chave: Princípios, processo administrativo ambiental, Estado Democrático de Direito, Estado de Direito Ambiental, sociedade de risco.
Abstract: This paper investigates the legal principles and their relevance to achieve the Democratic State of Law in a society at risk. In this sense, it’s important to say that the risk society whose the humanity operates today lead the public authority to make choices in a backdrop of uncertainty, especially in the environmental area. The administrative process environment, in this context, is the tool with it’s possible to achieve adequately the State objectives as it carved in the Constitution of 1988. This administrative process will be taken as appropriate with the current risk society if it’s permeated by the contours of the legal principles that underlie environmental law, administrative law and other fields. These principles therefore should be viewed not in isolation but as a harmonious whole without it’s not possible to achieve the dictates of Democratic State of Law, nor envisage the achievement of the idealized Environmental Law State.
Keywords: Principles, environmental administrative process, Democratic State of Law, Environmental Law State, risk society.
Dicionário
Introdução
A sociedade pós-industrial trouxe à humanidade problemas de âmbito global. Esta é a sociedade em que vive o ser humano atualmente, chamada “sociedade de risco” por seu maior estudioso, Ulrich Beck. Com a evidência desta sociedade de risco, percebe-se que os problemas ambientais a serem enfrentados necessitam de um posicionamento contundente, sobretudo para que não se ameace a própria existência de vida no planeta.
Neste contexto, fundamental é a adequada tomada de decisão do gestor público, que não pode encarar os desafios ambientais desta sociedade com o descaso e desconhecimento com que enfrentava os problemas ligados ao meio ambiente no século XIX e primeira metade do século XX. Por isto, necessário faz-se modificar a postura e encarar o processo de tomada de decisão como uma atitude que trará reflexos ao macro, ou seja, a toda a coletividade. Ademais, fundamental é sopesar os riscos que esta sociedade apresenta, o que torna ainda mais delicada e minuciosa as escolhas realizadas pelo gestor, que irá lidar com incertezas.
Para tanto, o administrador público deve se valer dos princípios de direito, verdadeiras balizas do processo administrativo ambiental, que conferirão a ele um norte em busca de decisões adequadas para um futuro incerto.
Deste modo, o trabalho está organizado em dois grandes eixos temáticos: o primeiro trata da relevância dos princípios do processo administrativo ambiental. O segundo, lida com a integração destes princípios para a consecução do Estado Democrático de Direito.
No primeiro grande eixo, assim, será exposto o processo administrativo ambiental e sua relevância no atual modelo de Estado, enfocando o processo administrativo como verdadeiro paradigma da ação estatal. A posteriori, mas ainda neste primeiro eixo, serão analisados os princípios de direito de relevância para a consecução do Estado Democrático de Direito e aqueles primados fundamentais ao processo administrativo ambiental visto como ferramenta de utilidade ímpar na gestão de riscos.
No segundo grande eixo, evidencia-se a necessidade de integração destes princípios para se produzir eficiente processo administrativo ambiental e para se alcançar o almejado Estado Democrático de Direito trazido pela Lei Fundamental de 1988, em especial na sociedade de risco em que a humanidade se insere atualmente.
I – Da relevância dos princípios do processo administrativo ambiental
O processo administrativo ambiental, assim como as demais modalidades de processo administrativo, não pode mais ser concebido tal qual era feito nos séculos XIX e XX. A tomada de decisão, atualmente, deve ser dotada de transparência e publicidade, e esta não pode ser efetivada ao alvedrio do gestor, considerado no passado o soberano absoluto que não cometia erros. Hoje o este necessita de auxílio e amparo de terceiros para tomar decisões, perfectibilizando o que se consubstancia no princípio da participação, do acesso à informação e, novamente, da transparência.
Igualmente, não pode realizar escolhas na seara pública sem que se esclareça como houve a conclusão de que aquela deliberação é a mais adequada, necessitando o dirigente público obedecer ao princípio da fundamentação e, mais uma vez, ao princípio da informação e, em última análise, ao princípio do devido processo legal.
De tal forma, percebe-se que os princípios possuem singular papel na tomada de decisão do gestor público. Os princípios de direito ambiental, plenamente aplicáveis ao processo administrativo ambiental, estão consubstanciados em várias declarações internacionais do meio ambiente, a exemplo das Declarações de Estocolmo (1972) e do Rio de Janeiro (1992).
O ilustre professor Guido Soares considera tais declarações como “uma notável consolidação de princípios gerais do direito […] por seu conteúdo e sua finalidade”. E completa aclarando que, se tais Declarações “são guias para a unificação ou uniformidade dos direitos internos dos Estados, estão presentes nestes e, portanto, são princípios gerais de direito, por um dos aspectos deste[1]”.
Do mesmo modo, relevantes são os princípios de direito administrativo, bem como os princípios de processo civil e de outras áreas do direito para o adequado desenvolvimento do processo administrativo ambiental, formando um rol tendente a auxiliar os gestores públicos em suas escolhas no que concerne ao meio ambiente.
§ 1º – Do processo administrativo e sua importância no atual modelo de estado
Não se concebe na atualidade um Estado que exerce o poder de forma isolada e autoritária[2]. Neste contexto, o processo administrativo, em especial em sede ambiental, não pode refletir o autoritarismo e a ausência de critérios objetivos que antes existia na seara pública.
O processo administrativo deve obedecer à exigência de proteção a uma série de princípios de direito, a fim de refletir o modelo de Estado brasileiro que se almeja. Dentre estes princípios está o da legalidade, entendida não como um conjunto de leis, mas como ordem jurídica, composta de princípios e regras, sendo os primeiros destinados à realização de algo da melhor forma possível e, in casu, destinados à consecução do bem-estar social.
Deste modo, não há como se dissociar o processo administrativo, hodiernamente, da obediência dos princípios para que este efetivamente albergue a dignidade e o direito à vida[3], direitos humanos fundamentais.
Assim, o processo administrativo adquire especial importância na defesa do Estado Democrático de Direito, na medida em que se traduz em grande ferramenta a disposição do agente público.
A – Noções preliminares acerca do processo administrativo
O processo administrativo ocupa especial lugar para concretizar o Estado Democrático de Direito traçado na Constituição da República. Destaca a jurista Carla Amado Gomes que o procedimento é técnica que leva à decisão com eficácia e transparência, fatores de suma importância quando a deliberação envolve grandes consequências socioeconômicas quanto aos riscos[4].
Conforme elucida o eminente Antônio Herman Benjamin, diferente do modelo liberal de Estado, a crise ambiental vivenciada hoje em dia clama por uma maior intervenção Estatal, que deve ser preventiva e afirmativa[5]. O processo administrativo é, assim, a via mais adequada para estas intervenções.
Pode-se dizer, desta forma, que o processo administrativo possui especial importância no atual modelo de Estado, pois o caminho que leva à decisão deve ser procedimentalizado. As posturas do gestor público frente aos problemas ambientais devem ser condizentes com a situação atual da humanidade, inserida em uma sociedade de risco. A mesma estudiosa supracitada assevera que:
“A extensão quantitativa e qualitativa, do risco obrigou as autoridades públicas a assumir novas tarefas. O que se resolvia num plano puramente privativo (através da realização de contratos de seguro), passou a ter regulação pública com a criação legislativa da (especial) responsabilidade pelo risco, para hoje obrigar uma intervenção activamente preventiva do Legislativo, e sobretudo do Executivo[6]”.
Ampliou-se, assim, o rol de responsabilidades estatais quando o assunto é meio ambiente. Neste diapasão, de suma importância é o processo administrativo para apoiar as ações do Estado. Os governantes, desta forma, devem se pautar não apenas na letra fria da lei, por muitas vezes maculada por vontades humanas alheias ao bem-estar da coletividade. Mais do que isto, o gestor deve se utilizar do processo administrativo e, por consequência, do rol de princípios de direito a sua disposição para a consecução de efetiva proteção ao bem-estar social e dos direitos fundamentais.
B – Do processo administrativo como paradigma de ação estatal
Os princípios de processo administrativo ambiental reforçam a ideia de que o procedimento é técnica propulsora de uma boa decisão tomada pelo gestor público. A aplicação dos princípios de direito ambiental e de outros ramos do direito no procedimento de tomada de decisão do gestor público, deste modo, são indispensáveis quando este lida com questões ambientais, tão delicadas e que, por muitas vezes, envolvem grave risco ou perigo para toda a sociedade.
Na tarefa de conduzir o Estado a escolhas que priorizem o bem-estar social, o processo administrativo possui características típicas do processo lato sensu, quais sejam: a finalidade e o dinamismo contínuo, até seu momento final, que é fase de equilíbrio e repouso, ou seja, quando há a solução da controvérsia. Sem o processo, o direito não atingiria as suas finalidades. Sem o direito, o processo é inócuo e sem sentido[7].
O processo administrativo, sob esta ótica, é paradigma para a atuação estatal, especialmente nos moldes em que deve se encontrar o Estado atualmente: verdadeiro Estado Democrático de Direito. O processo administrativo deve ser instrumento para concretizar os anseios da sociedade e seu projeto de existência, não se aceitando mais a fórmula clássica do “eu-contra-o-Estado” e nem a versão welfarista “nós-contra-o-estado” e sim uma dinâmica solidarista do “nós-todos-em-favor-do-planeta”. O processo administrativo, neste diapasão, deve ser utilizado em prol do solidarismo positivo que hoje se espera do ente público[8].
O Estado consolidará o direito fundamental à boa administração pública se utilizar de forma adequada o processo administrativo. Para isto, imprescindível é a obediência dos princípios neste trabalho mencionados: o agente público está obrigado a preservar o máximo dos direitos fundamentais, com todas as dimensões e eficácias dos princípios constitucionais[9].
Portanto, o Estado não mais satisfará o cidadão com uma bela Carta de direitos básicos, ou com normas de conteúdo programático que aguardam pacientemente por outras normas que tiraram aquelas do limbo. Mais do que isto, hoje as salvaguardas devem ser não apenas em face do Poder Público:
“mas que também vinculem uma poderosa minoria de sujeitos privados que, em vários terrenos e no ambiental em especial, aparecem não exatamente como vítimas indefesas dos abusos estatais, mas como sérios candidatos à repreensão e correção por parte da norma (inclusive a constitucional) e de seus implementadores”.[10]
É esta a relevância e a missão do processo administrativo para o Estado, visto este como concretizador das políticas públicas e dos rumos que a sociedade irá trilhar.
§ 2º – Dos princípios do processo administrativo ambiental
São muitos os princípios do processo administrativo ambiental a serem obedecidos pelo gestor público. Cada um deles possui especial relevância e, juntos, fornecem o suporte necessário ao adequado processo administrativo ambiental que se busca em um Estado Democrático de Direito e mais, ao Estado de Direito Ambiental.
A – Princípios de direito que norteiam o estado democrático de direito
Existem princípios que, ante a sua presença implícita ou explícita na Lei Fundamental, tornam-se de tal relevância que permeiam todo o ordenamento jurídico, constituem verdadeiros pilares do Estado Democrático de Direito e, por consequência, do Estado de Direito Ambiental. No presente trabalho não se pretende esgotar tal rol, mas selecionar alguns dos principais primados que o compõe.
Neste contexto, ganha ênfase o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal). É, no plano jurídico, primado que origina e fundamenta o respeito a uma série de direitos fundamentais, tais como: o direito à vida, à igualdade, à integridade física, moral e psíquica[11]. Este princípio representa um postulado primário para a compreensão do alcance dos objetivos do Estado proposto na Lei Maior, que antes eram associados a uma visão antropocêntrica de sociedade e atualmente não podem ser dissociados da imposição de certas restrições ao livre exercício da autonomia da vontade. Hoje deve prevalecer um Estado comprometido com tarefas sociais, econômicas e ecológicas. Deste modo, tal princípio deve condicionar a realização das tarefas estatais, ganhando significado diferenciado quando contextualizada numa sociedade plural, uma comunidade moral axiologicamente complexa[12].
O autor Patryck de Araújo Ayala ainda destaca que:
“Somente se pode conceber dignidade a partir de uma referência deodôntica que considera a coletividade sob uma perspectiva de escala diferenciada, vinculada a uma noção de humanidade. Portanto, o dever estatal e os deveres fundamentais atribuídos a cada membro desta comunidade não se esgota, no projeto de sociedade delineados na Constituição brasileira, na garantia do bem-estar e na qualidade de vida destes mesmos membros, senão aponta para uma tarefa (estatal) e para deveres (estatais e sociais) perante a humanidade. O princípio da dignidade da pessoa humana impõe, nesta direção, deveres estatais e deveres fundamentais sujeitos a uma escala exigente de concretização”[13].
Avulta-se, ademais, o princípio do direito humano fundamental. Este decorre do texto da Constituição Federal (art. 225), que coloca o direito ao meio ambiente equilibrado com o status de bem jurídico, res communi omni, um verdadeiro Direito Humano Fundamental.
Neste ponto há que se frisar o papel fundamental do art. 225 da Carta Magna. Segundo Délton Winter de Carvalho:
“Neste contexto pós-industrial, a tutela ambiental constitucional mostra-se não apenas preocupada com a tutela subjetiva e presente do meio ambiente, prevendo o controle da poluição em seus efeitos e causas, como também em constituir os aspectos globais e transtemporais dos riscos e danos ambientais como interesses juridicamente tutelados. Esta segunda geração de direitos ambientais, mais sistêmica e comprometida com os interesses ambientais das futuras gerações, encontra sustentação no próprio texto constitucional brasileiro, cujo conteúdo forma expectativas normativas de controle dos efeitos combinados de diversas fontes de riscos e degradações ambientais”[14].
Clarissa F. M. D’isep assevera que a Lei Fundamental esboçou um verdadeiro “Estado de Direito Ambiental”, evidenciando que a concretização dos valores ambientais é um macrojurídico sistêmico, formadores de microssistemas espalhados por toda a Lei Maior, tudo isto dentro da riqueza e pluralidade que formam o Estado Democrático de Direito[15].
Como princípio basilar do Estado Democrático de Direito destaca-se, ainda, o princípio do direito à sadia qualidade de vida, que está inserido nas Declarações de Estocolmo 72 e Rio 92. Este primado coloca que não basta viver ou conservar a vida, faz-se necessário buscar e conseguir a qualidade de vida.
Sobressai-se, outrossim, o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais. Este dispõe que os bens que integram o meio ambiente devem satisfazer as necessidades de todos os integrantes do planeta. No entanto, não basta a vontade de utilizar estes bens, mas deve se estabelecer a razoabilidade desta utilização, isto pois nem sempre o homem ocupa o centro da política ambiental ou seja, os homens deverão usar estes bens na medida de suas necessidades, com a necessária razoabilidade. Deste modo, usuários potenciais das gerações vindouras também deverão ser resguardados.
B – Princípios do processo administrativo e princípios de relevância para a gestão de bens ambientais
Como princípio de importância incomum para o gestor público no controle dos riscos ambientais e, por consequência, na tomada de decisões, destaca-se o princípio da prevenção, que é primordial para se antecipar as consequências malévolas de eventos de ocorrência provável. Ele é, por conseguinte, estritamente ligado à imprevisibilidade do risco[16]. Embora não esteja expresso na Constituição Federal, ela estabelece um conjunto de medidas cuja essência é precaucional[17].
Já o princípio da prevenção strictu sensu, conforme Délton de Carvalho, pode ser resumido na máxima “é melhor prevenir do que remediar”. Para o jurista: “Este princípio, portanto, estabelece a prioridade da adoção de medidas preventivo-antecipatórias em detrimento de medidas repressivo-mediadoras e a necessidade de controle da poluição na fonte”[18].
Destaque-se, da mesma forma, o princípio da legalidade que se encontra explicitamente previsto na Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º, II. Delicada é a questão da legalidade na seara ambiental. Isto se traduz pelo pensamento da autora Carla Amado Gomes que esclarece que “não há arrimos legislativos firmes para uma decisão sobre o risco[19]”. Isto pois o risco traz um estado de incerteza e a lei, muitas vezes, não consegue e nem pretende contemplar este estado.
Por isso pode-se afirmar que o processo administrativo é ferramenta fundamental na tomada de decisão do dirigente público, visto que as escolhas do gestor hoje encontram-se atualmente pautadas por limites impostos pela ordem jurídica, mas dotado de certa liberalidade concedida por esta própria ordem para a consecução de eficientes políticas públicas[20].
Deste modo, o processo administrativo deve obedecer à legalidade entendida como ordem jurídica, composta de princípios e regras. Portanto, muitas vezes o arcabouço principiológico do país é que deverá dar suporte às decisões cuja solução não está explícita e, em muitos caso, sequer implícita na legislação.
O princípio da participação, igualmente, é fundamental para a análise do risco e visa concretizar o cumprimento do dever de imparcialidade administrativa, trazendo todos os interesses envolvidos para a tomada de decisão, pois a autoridade administrativa poderá incorporar na decisão elementos relevantes que poderiam lhe escapar[21].
Encontra-se este princípio esculpido na Constituição Federal do Brasil no art. 37, modificado pela Emenda Constitucional no. 19 de 1998.
Sem a obediência a este mandamento, não se concretizam com a necessária eficiência os princípios da moralidade, publicidade e até da própria legalidade, pois a participação permite a tomada de decisão mais consciente, ante o acesso do gestor a muitos pontos-de-vista. Isto, ademais, permite que o gestor tome decisão mais imparcial, privilegiando, também, a observância do princípio da imparcialidade.
Este princípio, entretanto, não pode ser obedecido simplesmente para que se cumpra uma formalidade ou se transvista de legalidade procedimento de conteúdo ilícito ou imoral. De acordo com o pensamento da autora Carla Amado Gomes “a possibilidade de os potenciais atingidos pelos efeitos lesivos (cuja ocorrência não pode ser plenamente comprovada) fazerem ouvir as suas razoes deve ser efectiva, embora não deva ser encarada como co-constitutiva da decisão[22]”.
Portanto, o princípio da participação não vincula o gestor em suas decisões. Não necessita o administrador público decidir com a maioria, pois nem sempre a maioria tem a melhor consciência dos riscos e perigos da seara ambiental. Da mesma forma, frise-se que o princípio da participação não confere à decisão chancela de que esta foi a mais adequada ou justa. Este primado deve ser respeitado para que os mais diversos pontos-de-vista sejam trazidos à lume, sopesados e, por fim, a decisão seja tomada nem sempre tal qual deseja a maioria, mas com o máximo de informações disponíveis.
Neste sentido, o princípio da participação aproxima-se aos princípios da ampla defesa e do contraditório, que conferem aos cidadãos o direito de expor a defesa seu ponto-de-vista de todas as formas possíveis e legalmente admitidas, bem como de tomar conhecimento de todos os atos de um processo administrativo em que o cidadão seja parte ou interessado. Da mesma forma, não pode a autoridade pública eximir-se ou tentar se eximir de sua responsabilidade na escolha dos rumos do Estado sob o argumento de que foi a população quem assim escolheu, através do exercício do direito de se manifestar e opinar. A decisão, seja com aprovação popular ou da maioria dos cidadãos, é de responsabilidade do agente público competente para realizar determinada tarefa.
O princípio da proporcionalidade também é fundamental na análise do risco, na medida em que é estruturante da decisão. O estudioso Délton Winter de Carvalho destaca a importância de tal princípio, tanto para medir a intensidade dos riscos quanto para aplicação das medidas preventivas adequadas em relação aos riscos ambientais objeto de gestão. Para este autor, o princípio:
“tem uma função sistêmica de formar um “equilíbrio de interesses”, mediante a análise de necessidade, adequação e proibição do excesso nas medidas adotadas. Esta ponderação acerca dos interesses em jogo deve observar, contudo, um nível de proteção elevado (padrão mínimo existencial ecológico), que a Constituição brasileira assegura sem deixar dúvidas em expressões tais como “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, “sadia qualidade de vida”, “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”, “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”, etc”[23].
Para que o gestor tome a melhor decisão, terá que fazer aflorar seu juízo de ponderação ante os interesses trazidos à baila sobre problema ambiental exposto, devendo escolher qual solução melhor se amolda ao interesse público a ser defendido.
Embora este postulado não esteja explicitamente previsto na Lei Maior brasileira, atualmente ocupa espaço singular no ordenamento jurídico do país, sendo largamente aplicado nas esferas judiciárias e administrativas de governo.
Destaca-se, por oportuno, que as questões ambientais são muito difíceis de se resolver ante a margem de incomprovabilidade que rodeia a decisão. Assim, a administração pública deve se apoiar em todo o conhecimento técnico disponível para tomar a melhor decisão, destacando-se, no entanto, que o conhecimento técnico não substitui o juízo de ponderação do gestor[24].
Há que se destacar, da mesma forma, o princípio da fundamentação, que também possui explícita ligação com o princípio da imparcialidade, mas no que se refere ao seu aspecto formal. Isto pois é obrigação do administrador público motivar todos os atos que edita, sejam gerais, sejam de efeitos concretos.
Na Carta Magna brasileira está explícito no art. 93, IX, que trata especialmente da esfera judicial. No entanto, em toda a redação da Carta Política existe o imperativo de motivação das decisões na esfera pública, como corolário dos demais princípios assegurados pela República Federativa do Brasil.
Ora, para que se tome decisão em um determinado sentido, faz-se necessário que o gestor público demonstre a compatibilidade lógica de sua decisão com os fatos ocorridos, ou à gama de possibilidades expostas pois, lembre-se mais uma vez, lidar com questões ambientais na esfera pública é gerir riscos e perigos num quadro de incertezas. Por isso é que se sustenta que na seara ambiental a fundamentação na tomada de decisão é característica ainda mais relevante.
Certo é que uma decisão sem a fundamentação adequada padece de vício e pode ser anulada tanto pela própria Administração Pública, em sede de autotutela, quanto pelo Poder Judiciário. Assim, a fundamentação é parte integrante da decisão, sem a qual a mesma perecerá. Este princípio é pressuposto do próprio Princípio Democrático e dos princípios da transparência, da revisibilidade, da igualdade de tratamento perante a lei e da imparcialidade administrativa[25].
Há que se mencionar, ainda, dois princípios primordiais na gestão dos riscos ambientais: os princípios da adaptabilidade e da supervisão. O primeiro, também chamado de princípio da provisoriedade das decisões, consiste na introdução de mecanismos de moldabilidade que seriam exigidos ante as circunstâncias de incertezas que rodeiam a decisão na esfera ambiental.
Para Winter de Carvalho:
“Numa dimensão temporal, a decisão tomada no presente apenas poderá representar o futuro por meio do modo da probabilidade e da improbabilidade, havendo assim uma previsão provisória, cujo valor não esta na segurança que esta decisão outorga, mas na rapidez e especificidade da adaptação a uma realidade (que pode ser distinta daquela esperada ou desejada previamente)”[26].
É sabido que a ciência não remove da esfera de atuação do gestor público as incertezas. Mas o conhecimento especializado deve ser empregado, e este conhecimento deve ser analisado de forma aberta, transparente, pluralista.
O princípio da supervisão, da mesma forma, trata da gestão dos riscos ambientais e liga-se com a ideia de que a decisão do gestor público é sempre acerca de um futuro mais ou menos prolongado, e com contornos incertos, o que exige que as autoridades continuem a acompanhar os fatos ligados à esta decisão constantemente[27].
Suscite-se, igualmente, o princípio da precaução, pois este não exige que o gestor tenha certeza de que suas decisões são definitivas e imutáveis. Ao contrário, nem sempre o gestor possuirá certeza acerca da decisão que está tomando, mas deverá realizá-la sempre tendo em mãos todo o conhecimento científico e a participação ampla da sociedade. Este princípio é apontado por Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala como estruturantes do Estado de Direito Ambiental, e, com base nele, “sempre que houver perigo da ocorrência de um dano grave ou irreversível, a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a degradação ambiental[28]”.
Enfim, muitos são os princípios que devem permear a atuação do gestor público na análise dos riscos e tomada de decisão em sede ambiental. Estes se encontram nas leis e doutrinas ambientais, administrativas, de processo civil, processo penal e na própria Carta Fundamental. O que convém ressaltar, no entanto, é que todo o arcabouço de princípios inserido no ordenamento jurídico pátrio deverá tecer a rede em que se deverão se acomodar as escolhas dos dirigentes públicos, especialmente no contexto ambiental.
II – Da integração dos princípios e a consolidação do estado democrático de direito
Conforme acima explicitado, o rol de princípios trazidos à lume no presente estudo formam um conjunto que está a disposição do gestor público para a adequada tomada de decisão no tocante às questões ambientais e por ele deve ser utilizado.
Pelo exposto acima, percebe-se que nenhum princípio mencionado pode ser considerado sozinho, ao contrário, encontram-se sempre entrelaçados, não se podendo entender ou utilizar um deles sem que se reporte a outro ou muitos outros. Assim, estes irão formar um todo em que as partes devem conviver harmoniosamente.
§ 1º – A integração dos princípios para a conducão adequada do processo administrativo de cunho ambiental – demais princípios de relevância na tomada de decisão
Não há como um só princípio de direito resolver ou amparar uma tomada de decisão do administrador público, mormente quando este lida com questões tão delicadas como as que se encontram nos problemas ambientais. Portanto, o que existe não é a sobreposição ou a hierarquia de princípios, mas a integração dos princípios para que, de forma conjunta, possam oferecer ao gestor público um rol eficiente de ferramentas que, em conjunto, levarão o administrador à decisão mais adequada.
Deste modo, percebe-se que os princípios já mencionados devem estar entrelaçados entre si e necessitarão de outros componentes deste ordenamento jurídico, que deverão ser utilizados conforme o caso concreto.
Como princípio de suma relevância para tanto destaque-se o princípio da similaridade ou da equivalência substancial, em que propõe, conforme esclarece Patryck de Araújo Ayala, “relações mais flexíveis entre o conhecimento científico e a decisão política e, portanto, abordagens de regulação menos sujeitas à admissão de dogmas e mais dependentes da demonstração de premissas com a finalidade de construção dos modelos de avaliação de riscos e dos processos de formação dessas decisões[29]”.
Outro princípio de especial relevância é o princípio do poluidor-pagador, chamado igualmente de princípio do preservador-beneficiário[30], que possui procedência econômica e surgiu como slogan político na década de 60[31], mas, de acordo com a doutrinadora portuguesa Maria A. de Sousa Aragão, somente foi internacionalmente reconhecido em 1972, numa recomendação da ODCE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, sobre política do Meio Ambiente na Europa, que definia o princípio proferindo que “o poluidor deve suportar os gastos com o cumprimento de medidas (de controle de poluição) elaboradas pelas autoridades públicas a fim de assegurar que o Meio Ambiente permanecerá em um estado aceitável[32]”.
Este princípio parte do pressuposto de que os recursos ambientais são parcos e que sua utilização na produção e consumo resultam na sua paulatina degradação e até mesmo extinção. Por isso, incumbe ao poluidor o dever de arcar com o dano que originou, além de pagar, igualmente, as expensas da prevenção de danos ambientais. Veja-se que este se diferencia do princípio da responsabilização, a ser cotejado mais à frente.
Não se pode deixar de mencionar, igualmente, o princípio da proibição de retrocesso. Este aponta para uma proibição de reversão no desenvolvimento dos direitos fundamentais, seria a proibição de reversibilidade dos níveis de proteção de várias realidades existenciais proporcionados a uma sociedade por iniciativa do Estado[33].
Ressalte-se, igualmente, o princípio de solidariedade ou de responsabilidade entre gerações, consubstanciando-se o dever de zelar pela restauração de estados ecológicos é função pública, dever afeto não apenas a esta geração, mas, especialmente, às gerações vindouras, que possuem direito de ter acesso aos recursos ambientais[34]. De grande valia, da mesma forma, são os princípios da cooperação e o da responsabilização, ambos estruturantes do Estado de Direito Ambiental. O primeiro é umbilicalmente ligado ao princípio da participação, e deve ser entendida como uma política solidária entre os Estados na premente necessidade de proteção do bem ambiental, construída na assistência e auxilio entre os países, bem como na obediência ao dever de informação entre os Estados. O segundo alude à efetiva punição, seja civil, penal ou administrativa, daqueles que agridam ou lesem o meio ambiente, inclusive e principalmente o próprio Estado[35].
A informação por si só consubstancia-se num princípio autônomo, e o dever de fornecê-la cabe ao Estado e ao cidadão, não apenas possibilitando-se o acesso à ela, mas, igualmente, fornecer dados específicos que afetem uma minoria das pessoas. Com ela, os cidadãos poderão efetivamente exercer a devida fiscalização dos atos da Administração Pública, bem como participar ativamente das decisões. Já ao cidadão cabe trazer todas as informações cabíveis, na medida em que é seu dever proteger a natureza[36].
Portanto, todos estes princípios mencionados nascem integrados entre si, formando um todo harmonioso em que a aplicação de um princípio não poderá ocorrer sem que o gestor se remeta a outro, a fim de bem estruturar sua decisão, para a concretização dos objetivos do Estado.
§ 2º – A sociedade de risco e a relevância dos princípios nesta sociedade
Grande desafio colocado frente ao administrador público é a promoção de bem-estar de sua população em uma sociedade de risco. Esta sociedade surgiu após a sociedade industrial, baseada na distribuição de riqueza, na diferenciação em classes sociais. Insere-se no contexto da sociedade pós-industrial, cujos riscos são marcados pela sua globalidade, invisibilidade (científica e sensorial) e transtemporalidade[37]. Conforme expõe o autor Delton Winter de Carvalho:
“A Sociedade de Risco ou Pós-Industrial traz consigo, além do desenvolvimento econômico e social inerente aos avanços tecnológicos, a globalização do risco. Esta globalidade e a transtemporalidade (efeitos intergeracionais), cada vez mais intensos nos riscos produzidos pela Sociedade Pós-Industrial, levam, necessariamente, a uma intensificação da função gerenciadora do Direito frente aos riscos ambientais, mediante a constante análise de sua tolerabilidade. Para tanto, a análise jurídica passa não mais a se voltar apenas para os efeitos ambientais já concretizados (passado), mas, sobretudo, lança seu foco ao horizonte futuro. Ainda, há também um aumento na complexidade causal, uma vez que diversos fenômenos, isoladamente inofensivos, quando combinados (num determinado contexto por um determinado período) apresentam repercussões de grande magnitude ambiental”[38].
Destaque-se que risco difere-se de perigo. Estes se diferem conforme o grau de previsibilidade: o risco em sentido estrito seria sinônimo de impresivibilidade, quando o perigo estaria no conceito de risco em sentido amplo e seria suscetível de previsão e que pressupõe uma demonstrabilidade do nexo causal entre fato e lesão. O risco seria uma possibilidade, enquanto o perigo seria uma probabilidade[39].
Na lição da professora Carla Amado Gomes, o risco “sempre foi associado ao desconhecido” e esse desconhecido está em quase todos os lugares, passando de excepcional para regra geral, em especial no que concerne ao meio ambiente[40]. Em direito público, o risco seria “um fator externo propulsor de acções e reacções da parte dos poderes públicos, que têm a seu cargo a salvaguarda de valores fundamentais da comunidade, tais como a saúde e a segurança públicas[41]”. Assevera, ainda, a ilustre jurista lusitana:
“No Direito Público, máxime no Direito Administrativo, o risco irrompe do exterior, modificando a composição da relação jurídica administrativa, tradicionalmente caracterizada pela certeza quanto aos pressupostos e pela estabilidade dos efeitos. A incerteza associada ao risco confronta as autoridades públicas com uma necessidade de ponderação que sopesa o grau de (im)presivibilidade do ato lesivo, o grau de lesividade e o valor dos bens jurídicos afectados pela decisão, constituindo um elemento de perturbação da tomada de decisão pública”[42].
Ou seja, a sociedade de risco tal qual se apresenta traz às autoridades públicas a necessidade de ponderação com relação aos riscos, avaliando-se, com base neste juízo de ponderação a decisão mais adequada a ser tomada.
A estudiosa aponta que a irreversibilidade deve ser analisada em um horizonte transgeracional, posto que para que o dano seja irreversível necessita da ação não apenas de uma, mas de várias gerações[43].
Neste sentido, os princípios, normas de natureza mais flexível que as regras, são dotados de uma eficiência incomum quando existe um estado de incertezas, como as que se enfrentam atualmente na seara ambiental.
Este e outros aspectos revelam a importância dos princípios na gestão dos riscos ambientais, para fim de se concretizar os ditames inseridos na Lei Maior em busca de um efetivo Estado Democrático de Direito.
A – O estado de direito ambiental – implicações principiológicas para a gestão dos danos ambientais futuros numa sociedade de risco
O Estado de Direito Ambiental consiste em um modelo organizatório em que, segundo Patryck de Araújo Ayala, se:
“sugere tão somente consequências diferenciadas no plano de uma realidade, que tende a admitir que um projeto de sociedade e de vida para o futuro, e que adote como referência uma vida boa, digna e decente, não prescinde da consideração de variável ambiental, supondo esta em uma dimensão mais alargada”[44].
Como ressalta o estudioso, trata-se não apenas de se vislumbrar o meio ambiente em sua função meramente utilitária, mas considerar valores que se integram à ideia de proteção, traçadas por um conceito de abertura moral da comunidade política, que valorizaria a dignidade da pessoa humana e proteção da vida. Este Estado não seria mais amigo do meio ambiente do que de outros valores relevantes para a sociedade, mas seria:
“um Estado ecologicamente sensível e capaz de assegurar a integração de uma ordem de valores complexa, que requer a comunicação entre a diversidade de projetos existenciais situados num contexto de um pluralismo moral e a afirmação de instrumentos compatíveis com a governança de expectativas dessa comunidade política moralmente plural, que convive diariamente sob a ameaça e a exposição a riscos existenciais emergentes de uma sociedade de riscos globais”[45].
O Estado de Direito Ambiental é, portanto, uma edificação abstrata que se precipita no mundo real tão somente como um devir. É paradigma para que se compreenda melhor as novas exigências da sociedade moderna, mormente ante a crise ambiental hoje vivenciada[46]. É conceito fictício com pressupostos de ordem política, social e jurídica, sendo parâmetro de Estado que destaca a crise ecológica atual, trazendo a necessidade de adoção de ferramentas para que haja um controle ambiental que alcance a dignidade humana, o equilíbrio dos ecossistemas e a gestão dos riscos[47].
De acordo com o pensamento de Delton Winter de Carvalho, ante a incerteza em determinar o futuro, fundamental é, pois, a importância de formação de critérios jurídicos para a configuração e a declaração da ilicitude dos riscos ambientais intoleráveis. Mesmo que o futuro seja incerto, deve-se dispor de um fundamento decisório seguro. Ainda conforme o autor:
“Assim, tem-se a necessidade de estruturação de uma principiologia instrumentalizadora do gerenciamento jurídico dos riscos ambientais, a fim de desencadear esta racionalização das incertezas. Como se sabe, os princípios apresentam uma relevância singular na ciência jurídica, em razão de sua maior flexibilidade interpretativa; destes conterem uma dimensão de peso ou importância para ponderação dos interesses envolvidos ou em casos de conflitos entre vários princípios; destes fornecerem uma sistematicidade e organicidade a determinados ramos jurídicos; destas programações consistirem em idéias mais genéricas e abstratas, capazes, portanto, de orientar determinadas áreas ou matérias jurídicas”[48].
As situações de incertezas não eximem o gestor público de tomar decisões, mas tais decisões necessitam ser adequadas a esta realidade trazida no bojo da sociedade de risco, conformando a situação fáticas com soluções que mais de aproximem de realizar, de fato, o bem-estar social e a proteção dos valores protegidos pela sociedade. Como elucida a autora Carla Amado Gomes, em um panorama de risco generalizado como é o da sociedade atual, as autoridades públicas não podem se utilizar deste argumento para adiar uma decisão, mas deve, com sua atuação, tentar minimizar os riscos[49].
Apesar de não haver na lei e na jurisprudência um consenso acerca dos princípios a serem aplicados na gestão dos riscos ambientais, existe na doutrina pontos comuns que formam um sistema de princípios jurídicos orientadores do controle de tais riscos, conjunto este que já foi acima explicitado.
Certo é que hoje se vivencia o Estado em rede, que não contempla autonomia de padrões, os objetivos são atingidos a partir das diferenças, sendo estas o conflito o ponto de partida para as decisões[50]. Com isto ganha ênfase o princípio da participação, que traz justamente o conflito de opiniões à mão do administrador público, pra que, a partir dela, tome as decisões mais adequadas. De acordo com o pensador Gustavo Justino de Oliveira:
“Com a ascensão dos fenômenos com o Estado em rede e Governança Pública, emerge uma nova forma de administrar, cujas referências são o diálogo, a negociação, o acordo, a coordenação, a descentralização, a cooperação e a colaboração. Assim, o processo de determinação do interesse público passa a ser desenvolvido a partir de uma perspectiva consensual e dialógica, a qual contrasta com a dominante perspectiva imperativa e monológica, avessa à utilização de mecanismos comunicacionais internos e externos à organização administrativa”[51].
Para que se desenvolva a forma de administrar consensual e dialógica trazida pelo pensador acima aludido, indispensável a aplicação dos princípios de direitos mencionados em todo este texto, aplicação esta que deve ocorrer analisando-se os princípios como um todo harmonioso, capaz de fornecer os subsídios adequados às escolhas públicas.
B – Os princípios do processo administrativo ambiental como consolidadores do estado democrático de direito e do estado de direito ambiental
Tendo-se em vista a função precípua do Estado Democrático de Direito, que visa a realização da justiça social pela garantia da vigência e eficácia dos direitos fundamentais, bem como a superação de desigualdades, não há como se tratar o meio ambiente dissociado destas ideias[52].
Constatada a relevância do processo administrativo na tomada de decisão, há que destacar que este apenas se desenvolve em sua plenitude forem obedecidos os princípios jurídicos acima mencionados e tantos outros que compõe o arcabouço jurídico pátrio e até mesmo internacional. Isto pois os princípios devem ser, sobretudo, utilizados como concretizadores dos direitos fundamentais a serem respeitados pelo Estado Democrático de Direito, entre eles o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantia esta estampada na Carta Magna de 1988.
Assim, para que se possa vislumbrar o Estado de Direito Ambiental no Brasil, faz-se imprescindível visualizar, igualmente, o rol de princípios acima alistado. Estes são o alicerce deste Estado de justiça ambiental, possibilitando uma política ambiental condizente com os problemas atuais[53].
O Estado atual se preocupa com uma série de questões, sejam sociais, econômicas, culturais e ecológicas. A obediência dos componentes deste Estado a um modelo predeterminado de desenvolvimento que não leva em consideração e nem assegura a existência de todas as formas de vida, é comportamento desleal ao que propõe a Carta Magna, inaceitável, portanto, ao que estabelece o Estado Democrático de Direito e, por consequência, ao Estado de Direito Ambiental[54].
Tal conduta pode plenamente ser evitada pela aplicação os princípios de direitos em todas as fases da tomada de decisão, conferindo a este ato do gestor público a eficiência, a transparência, a impessoalidade, a moralidade e a legalidade visadas.
Conclusão
Vive-se hoje em uma sociedade de risco, em que os problemas ambientais são de nível global. Assim, não há como o gestor público decidir em sede de meio ambiente sem pensar nas implicações nacionais e internacionais de sua decisão. A própria Constituição Federal encontra seu fundamento em um dever geral de solidariedade com a humanidade, assim como um compromisso com as presentes e futuras gerações[55].
A comunidade moral axiologicamente complexa existente na atualidade inseriu o meio ambiente no conjunto de valores a ser protegido pelo atual Estado de Direito. E esta comunidade percebeu a necessidade de se proteger o meio ambiente como parte de um projeto político de sociedade que enfatiza o bem-estar coletivo.
As escolhas do gestor são nacionais, porém os compromissos, globais. Assim, atualmente faz-se necessária uma governança global dos riscos, pois a boa gestão destes traz consequências transfronteiriças e intergeracionais. Primando-se pelo macro consegue-se salvaguardar o micro. O direito tem especial relevância neste contexto e deve-se focar não mais no passado, mas no futuro, analisando probabilidades e possibilidades. Isto apenas ocorrerá com a transformação da cultura constitucional, que define o projeto de sociedade que as formas políticas e jurídicas devem viabilizar[56].
Destaca-se, assim, que toda a gama de princípios do direito que auxiliam na concretização do Estado Democrático de Direito são relevantes à construção do processo administrativo ambiental.
De acordo com o que expõe Patryck de Araújo Ayala:
“Nem todas as escolhas são toleráveis e admissíveis pelo projeto de sociedade (que neste caso, também é um projeto de futuro) definido pela ordem constitucional brasileira. Cumpre às funções estatais obstar excessos na definição das escolhas sobre como é possível e como se desenvolverá a existência da humanidade”[57].
O agente público, ao tomar decisões, não necessita sobrepor o meio ambiente sobre qualquer outro direito ou necessidade humana, sem qualquer ponderação. Deve, ao contrário, exercer seu juízo de ponderação, a fim de proteger os mínimos existenciais e buscar o bem-estar social.
Na proteção do meio ambiente, assim, o padrão de governança vem assumindo contornos globais, tendo em vista que o tema preocupa a toda a comunidade, posto ser a defesa do meio ambiente objetivo comunitário.
Emanam, assim, os princípios de uma visão de centralizar sua construção, aplicação e interpretação nos direitos e necessidades dos seres humanos. Em outras palavras, os princípios possuem na atual sociedade o papel de concretizadores de direitos fundamentais[58].
Ante as dificuldades do gestor em tomar decisões perante esta sociedade de risco, destaca-se a importância dos princípios aqui trazidos à lume, que fornecem racionalidade e critérios jurídicos para o processo de tomada de decisão.
“[…] a afirmação e a elaboração de deveres para com as futuras gerações, a consideração destes interesses no contexto do conjunto das decisões políticas fundamentais de uma comunidade e o desenvolvimento de estruturas institucionais moralmente sensíveis, baseadas na concretização de princípios cujo sentido depende da consideração direta de juízos de decisão sujeitos a escala de tempo e a referências morais diferenciadas (desenvolvimento sustentável e a responsabilidade de longa duração), proporcionando que possa se justificar severas restrições e condicionamentos `as escolhas que poderão ser realizadas pelo Estados, para o fim de assegurar que sejam alcançados seus objetivos e concretizadas as tarefas que lhe foram reservadas”[59].
Mestre em Direito Agroambiental UFMT, Advogada do Município de Tangará da Serra – MT
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