Introdução:
Muito antes de se imaginar que um dia todo o mundo estaria, de alguma forma, distante apenas alguns segundos, a busca por alternativas comerciais já existiam. A paródia “nada se cria, tudo se copia” utilizada sem pudores e ética por muitos já é moderna considerando que há muito anos antes de Lavoisier muito já se copiava. Não havia Internet quando a Xerox inventou a máquina de tirar foto cópias. Não existia rede de dados internacionais quando a fita cassete foi inventada permitindo a cópia e distribuição comercial de músicas sem pagamento dos direitos devido aos artistas. A Walt Disney Productions e a Universal Studios[1] já chegaram até mesmo a processar a Sony pelo desenvolvimento do videocassete, com o argumento de que o mesmo facilitava a pirataria.
Entretanto, todos estes e muitos outros recursos tecnológicos a favor do homem não chegavam a incomodar os grandes produtores de fonogramas e videofonogramas pois a representação era mínima se comparado ao faturamento destas mega empresas.
Com o advento da Internet e outras tecnologias como a gravadora de CD aliadas ao capitalismo e ao instinto oportunista humano, todos os impérios se curvaram diante dos números. A federação internacional da indústria fonográfica[2] (International Federation of the Phonographic Industry’s – IFPI) divulgou em seu relatório que 33% dos CD´s vendidos em todo o mundo em 2003 foram piratas. Na linguagem capitalista, estes 33% representaram para as empresas deste mercado menos 4,5 bilhões de dólares em caixa. Ressaltando que este valor diz respeito somente à pirataria da indústria fonográfica. Para este mercado no Brasil, a pirataria ultrapassa os 50%, chegando até a 61%[3] no caso de contrafação de software. É importante ressaltar também que o Brasil neste inicio do século XXI, é o país com maior número de crimes virtuais no mundo. A empresa Britânica Mizg[4], em reportagem de na Revista Istoé , mostrou que o Brasil é responsável pelos maiores índices de acesso ilícito e modificações de sites na Internet.
Há alguns anos, sentindo em seus balanços a gravidade deste movimento, as grandes empresas tentam lutar contra. E têm obtido êxitos. O congresso americano[5], no dia 29 de setembro deste ano, aprovou a nova lei de pirataria on-line que pune com até 3 anos de prisão, usuários de redes peer to peer (P2P) –redes usada para compartilhar arquivos na Internet.
Este estilo de crime imprimiu em todo o mundo a necessidade de se rever as formas de tratar, através da justiça, estes casos. Portanto, esta monografia tem, não só o interesse de apresentar e analisar, sob a óptica jurídica, três novas criações surgidas com a Internet como os sítios, os programas de computador, e as obras musicais, como também os casos de violações de direitos autorais, através da Internet, mas também a pretensão de contribuir para este debate que com certeza invadirá os Tribunais Pátrios a procura de uma consolidação.
2) Histórico
No Direito Romano não se vislumbra nenhuma disposição acerca dos Direitos Autorais. Entretanto conforme salienta Henrique Galdeman (2001):
A consciência, porém, de que essas coisas incorpóreas haveriam de ser reconhecidas como bens de seus atores sempre existiu.Por isso é que passados quase 2500 anos, ainda sabemos, como era sabido naquela época que Antígona, Édipo Rei e Electra são obras de Sófocles: pertencem-lhe hoje, tal como sempre lhe pertenceram, indubitavelmente.
Salienta o referido autor que ainda que não houvessem sanções escritas, havia a sanção moral que impunha a desonra e a desqualificação do mesmo nos meios intelectuais.
Gutemberg foi o inventor dos caracteres tipográficos, que permitiu pela primeira vez a impressão por meio de tipos metálicos. Com esse invento, Gutemberg e seus auxiliares editaram livros esplêndidos na Alemanha, no séc XV, fazendo com que as idéias, o conhecimento pudesse atingir escalas industriais. Surge então a necessidade de proteger os direitos do autor, principalmente os relativos à remuneração do autor e de seu direito de reproduzir e divulgar em maiores quantidades suas obras.
Entretanto o direito autoral ainda nessa época concedia privilégio somente aos editores e não aos autores. O governante concedia a autorização ao editor, partindo da boa-fé de que os editores já haviam conseguido a autorização dos autores para a publicação da obra.
Em 1662, na Inglaterra, o Licensing Act proibia a impressão de qualquer livro que não fosse licenciado ou registrado devidamente.
Mas foi no início do Séc XVIII[6], que a Inglaterra reconheceu formalmente o Copyright (direitos do autor), e também o pagamento de royalties, que conferiam um lapso temporal de 21 anos, para obras impressas, para a proteção da obra após o registro formal da mesma.
A Revolução Francesa, em 1789 adicionou ao conceito inglês a primazia do autor sobre a obra, incluindo não só os direitos patrimoniais, mas também os morais, como o direito a paternidade, ineditismo, e a integridade da obra. Com o Droit D’auter houve a desvinculação dos direitos patrimoniais dos morais, ou seja mesmo que a obra fosse cedida, o autor conservava os direitos morais, que são inalienáveis e irrenunciáveis.
No Brasil o direito autoral tem sua primeira manifestação nos cursos jurídicos das Universidades de Olinda e São Paulo. Os mestres deveriam encaminhar o material relativo as matérias que lecionavam às Assembléias Gerais que, se aprovados, gozariam do privilégio da publicação durante 10 anos.
Com os Códigos Penais de 1830 e 1890, surgiu a primeira regulamentação da matéria. Entretanto suas normas só se referiam a proibição da contrafação, ou pirataria.
Com a Constituição de 1891 o Brasil editou normas positivas de direito autoral, conferindo aos autores de obras literárias e artísticas o direito de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro meio mecânico. Conferiu também a suscetibilidade desse direito, podendo ser transferidos aos herdeiros por prazo que a lei determinasse. Cinco anos depois foi editada a lei Medeiros de Albuquerque que conferia a proteção de 5 anos contada da publicação das obras devidamente registradas.
Esta lei teve vigência até o Código Civil de 1917. Com o advento desse código o direito autoral passou a ser considerado uma espécie de propriedade e o contrato de edição foi regulamentado no livro dos Direitos das Obrigações, sendo posteriormente regulamentado na lei 5988 de 1973.
Atualmente a Lei que regula os direitos do autor e conexos no Brasil é a Lei 9610/1998, ou L.D.A. (Lei de Direitos Autorais), que será examinada mais detalhadamente no decorrer do trabalho.
3) Propriedade Intelectual
A propriedade intelectual é o fruto do pensamento, da criação e da produção de obras intelectuais. Os direitos autorais bem como a propriedade industrial são “espécies” de direitos intelectuais.
A propriedade industrial abrange as invenções, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, as indicações de procedência, e as expressões ou sinais de propaganda. Como o objeto de nosso estudo se concentra nos direitos autorais, não vamos examinar cada uma das espécies de propriedade industrial, mas apenas diferenciá-la genericamente do conceito dos Direitos Autorais.
Nos Direitos Autorais o criador tem desde o momento da criação todos os direitos, pessoais e materiais inerentes a coisa. Não é requisito, como nas patentes e marcas, o registro obrigatório. Portanto a titularidade é conferida desde a criação. Própria da pessoa física, esse direito também poderá ser concedido à pessoas jurídicas, inclusive estatais. Outro requisito dos Direitos Autorais é a originalidade da forma de expressão.
Os Direitos Autorais que englobam as obras literárias, artísticas e científicas, asseguram aos seus titulares fundamentalmente 2 aspectos: a proteção moral ou pessoal, assegurada no art. 24 da L.D.A., que seria o direito à paternidade ou personalidade e o direito de denominação, e também o direito material ou patrimonial, arts. 28 e 29 L.D.A., que consiste no direito de usar, fruir e dispor da obra literária artística ou cientifica e o direito de exploração, oponível erga omnes.
Os direitos patrimoniais poderão ser total ou parcialmente cedidos, diferentemente do que ocorre com a propriedade industrial que a cessão de direitos tem que ser definitiva. Além disso podem ser titulares derivados não só as pessoas que adquirem os direitos patrimoniais da obra, mas também os sucessores do autor. Neste caso[7] ocorre a derivação plena de direitos do autor para o sucessor.
3.1 ) Direito Moral x Direito Patrimonial
O Direito moral como mencionado acima é adotado na LDA, e consiste em um vínculo perene que une o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade. As características fundamentais desse direito são: a pessoalidade, a perpetuidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a impenhorabilidade.
Como ressalta Carlos Alberto Bittar (2003, p.48):
[…] são direitos de natureza pessoal, inserindo-se nessa categoria direitos de ordem personalíssima; são também perpétuos ou perenes não se extinguindo jamais; são inalienáveis, não podendo pois ingressar legitimamente no comércio jurídico, mesmo se o quiser o criador, pois dele não pode dispor ; são imprescritíveis, comportando pois, exigência por via judicial a qualquer tempo; e por fim são impenhoráveis, não suportando pois constrição judicial.
A Lei de Direitos Autorais enumera em seu art. 24 os direitos morais:
Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
Já os Direitos Patrimoniais são aqueles de cunho econômico derivados da exploração da obra. Dessa forma é necessária a autorização expressa do autor para qualquer uso da obra. As características do direito patrimonial são: o cunho real; o caráter de bem móvel; a alienabilidade, para permitir seu ingresso no comércio jurídico, podendo ser transmitido por via contratual ou por sucessão; o lapso temporal, ou seja sua proteção durante determinado tempo; a penhorabilidade; a prescritibilidade, ou seja a perda da ação por inércia no lapso de 5 anos, conforme o Código Civil.
Os direitos patrimoniais são também independentes entre si (princípio da divisibilidade dos direitos patrimoniais) podendo ser utilizado de acordo com a vontade do autor e negociado com partes distintas.
Exemplo na Jurisprudência[8] temos a ação ajuizada por seis jornalistas independentes que demandaram contra o The New York Times Co. e contra provedoras de serviço eletrônicos. O motivo seria se os Editores teriam o direito de converter em bases de dados digitais e em CD-ROM o conteúdo de suas publicações jornalísticas gráficas, sem uma autorização expressa dos jornalistas cujos artigos faziam parte das tiragens impressas. A Corte, entretanto entendeu que não era acertado o entendimento dos autores, ao sustentarem que as reproduções eletrônicas não constituíam revisões (de acordo com o Copyright Act) da obra coletiva original, posto que considerava que as modernas tecnologias de reprodução não agregavam valor às obras, além daquilo que as partes haviam negociado. Considerou também que na nova Sociedade de Informação o Copyright Act não podia mais ser aplicado, alegando a necessidade do Congresso em revisar a provisão legislativa.
No Brasil , no entanto , a norma é expressa. Conforme o art. 31[9] da LDA que proíbe o encomendante de fazer qualquer outra utilização, sem prévia consulta e remuneração especifica ao autor, sob pena de violação, a não ser que outros direitos lhe sejam imputados, por exemplo, em contrato.
3.2) Natureza Jurídica dos Direitos Autorais
Existem 3 correntes[10] com concepções diferentes acerca da natureza jurídica dos Direitos Autorais. A Escola Francesa trata o direito autoral como um direito a propriedade. Entretanto uma das críticas para caracterizá-lo como tal é a impossibilidade de apropriação.
A segunda corrente, de Kant, considera como um direito de personalidade. Entretanto o direito autoral não protege propriamente a personalidade do autor, mas a relação jurídica entre a dita personalidade e a obra criada.
A Terceira corrente considera que o direito autoral constitui um direito sue generis, que envolve vários interesses. Essa corrente é a mais aceita e a Lei 9610/98 adotou essa corrente, assegurando os já conhecidos direitos morais e patrimoniais do autor.
3.3) Titularidade dos Direitos Autorais
O titular de direitos é o criador da obra. Isto implica que em qualquer idade, estado ou condições mentais, inclusive os incapazes de todos os níveis podem ser titulares de Direitos Autorais. Podem ser criadores: o menor, o pródigo, o silvícola e o doente mental, desde que o exercício correspondente seja submetidos as regras do Direito Comum, como a assistência ou representação.
Tal situação não e difícil de ocorrer. A Revista Veja, do dia 13 de outubro de 2004, publicou uma reportagem na Seção Arte, sobre uma criança americana, de apenas 4 anos chamada Marla, que com suas pinturas já arrecadou a quantia de US$ 40.000,00. Os quadros da menor são expostos em uma galeria e já lhe renderam reportagens em diversos jornais, e também críticas sobre o conceito de arte abstrata. Os pais de Marla representam a menor e garantem estarem guardando o direito para custear o estudo universitário da mesma.
Geralmente o criador de software detém a sua titularidade. Entretanto a Lei 9609/98 em seu art. 4º determina que se o programa for criado sob uma relação de emprego, seja trabalhista ou estatutário, ou até mesmo um estágio, o empregador será o titular do mesmo.
Ao empregador cabe portanto os direitos econômicos, patrimoniais sob o software, salvo estipulação em contrario. Cabe ressaltar que:
A interpretação legal deve, no entanto, se restringir aos direitos patrimoniais sobre o programa de computador, visto que, os direitos morais, por consistirem em atributo da personalidade do autor, são inalienáveis e irrenunciáveis, conforme dispõe a Lei Autoral.[11]
4) Direitos Conexos
A lei assegura também a proteção aos direitos conexos assim definidos por Carlos Alberto Bittar (2003): “Direitos conexos são os direitos reconhecidos, nos planos dos de autor, a determinadas categorias que auxiliam na criação ou na produção ou, ainda na difusão da obra intelectual.”
Os artistas, intérpretes, executantes ou músicos, organismos de radiodifusão, e produtores de fonogramas[12] são alguns dos titulares que recebem a proteção pelos Direitos conexos. A lei 5988/1973 também previa a inclusão do direito de arena, que consiste no valor pago por emissoras de televisão a entidades esportivas, como os clubes de futebol, para a transmissão dos jogos. Da quantia paga, 20% do valor recebido era distribuído entre os jogadores que atuassem na partida. O direito de arena ainda existe mas foi revogado pela atual L.D.A. da previsão de direitos conexos.
Com os direitos conexos ocorre então uma ampliação do conceito de autoria, aplicando-se a esses direitos, no que couber, a legislação autoral. Não obstante, alguns direitos autorais não são concedidos como, por exemplo, a impossibilidade do titular de um direito conexo ceder sua criação artística, diferentemente do que ocorre com os titulares dos Direitos Autorais em que a cessão dos direitos patrimoniais esta prevista no art. 49[13] da L.D.A.
A proteção dos direitos é de 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente à fixação, para os fonogramas, transmissão ou realização do espetáculo. Se o autor for falecido, os herdeiros e sucessores poderão reivindicar o direito, até a prescrição do período de tutela.
5) Direitos Autorais na Internet
A Internet revolucionou o mundo atual. O meio digital originou novos tipos de criações intelectuais, que por sua vez originaram vários problemas de direitos autorais, principalmente pela sua determinação. Assim podemos distinguir entre as várias criações derivadas da tecnologia da informação os programadas de computador, os sítios, as bases de dados eletrônica e a multimídia. A tecnologia também inseriu características novas em criações antigas, como as músicas e os livros, também chamados e-books.
Na Internet não existe um centro, um governo. Ela é um conjunto de mais de 80.000 redes no mundo inteiro, que tem em comum um protocolo chamado TCP/IP, que permite a comunicação, e é a “língua comum” dos computadores que integram a Internet. No Brasil estima-se um número de 34 milhões de usuários (estimativa do Comitê gestor de Internet, em novembro de 2003), que podem ter acesso a um mundo virtual, que esta cada vez mais real na prática cotidiana. Como qualquer sociedade real ou virtual esta sujeita à ilícitos praticados por seus membros, a necessidade de um controle de conteúdo e de usos da Internet vem causando preocupações.
Quando se criou a fotocopiadora muitas pessoas se questionaram acerca da morte dos direitos autorais, alegando Marshall Mcluhan[14] que “ Na era da xerox, qualquer cidadão é um editor”. Com a Internet o mesmo ocorre, com vários doutrinadores se perguntando se o direito autoral sobreviverá a esse mundo virtual globalizado, inundado de informações, e conseqüentemente de violações ao direito autoral.
Neste estudo vamos estudar as formas de manifestação dos direitos autorais na Internet, e os casos mais freqüentes de violações ocorridos neste meio
5.1) Sítios
Os sítios, ou websites, são as páginas que existem na Internet. Segundo Manoel J. Pereira dos Santos[15]: “o espaço virtual criado na Internet, através do qual entidades e indivíduos disponibilizam informações, ofertam bens e serviços e se comunicam com o público.”
Muitos doutrinadores acreditam que o mesmo deve ser protegido pela propriedade industrial. Entretanto a doutrina majoritária vem entendendo que, por lhe faltar o requisito da novidade, o sítio encontra guarida na Lei de Direitos Autorais.
De fato a natureza jurídica do sítio não é pacífica. Muitas vezes o sítio ou website é visto como uma obra multimídia online, ou com uma obra audiovisual (o que implicaria em criação de movimentos), mas tal afirmação não pode ser genérica porque vários sítios não contém esses requisitos. Outros afirmam que o sítio equivaleria a um
programa de computador, ou a uma base de dados, mas a natureza do mesmo não é apenas realizar uma funcionalidade ou disponibilizar um conteúdo. De fato , o sítio é uma combinação de vários tipos de obras, muitas vezes interagindo com o usuário através de textos, músicas e imagens, constituindo uma estrutura orgânica, sui generis.
5.1.1) Elementos dos Sítios
Como estrutura orgânica que é, os sítios possuem os seguintes elementos que são potencialmente protegíveis pela propriedade intelectual: o aspecto gráfico (constitui a verdadeira criação, envolve um grau de estética e de criatividade, que, desde que respeitado o requisito da originalidade, é protegido pelo Direito Autoral), a base de dados eletrônica, a programação, o conteúdo e a estrutura.
Entretanto o art. 7º da LDA, em seu inciso XIII, reconhece a proteção de obras intelectuais não só para as coletâneas, bases de dados, ou compilações, mas também a outras obras que por sua seleção, organização ou disposição do conteúdo, constituam uma criação intelectual.
Portanto o sítio pode ser protegido como uma obra autônoma, e não separadamente com cada elemento de sua estrutura. Na medida em que o sítio disponibiliza criativamente todos os elementos que o agregam, desde que originais, ele terá a proteção da LDA.
5.1.2) Titularidade
O sítio é caracterizado pela doutrina como uma obra coletiva, que é aquela em cuja realização concorrem várias pessoas, cabendo a organização a uma pessoa física ou jurídica.
A titularidade conferida às obras coletivas, conforme art. 23[16] da LDA, é do organizador. É a pessoa física ou jurídica responsável pelo desenvolvimento e disponibilização da obra que poderá explorá-la economicamente.
Quando a obra for uma criação individual de uma única pessoa, como os webdesigners, importante recordar que os direitos morais, por sua natureza de inalienáveis e irrenunciáveis, continuam pertencendo ao autor da mesma.
Entretanto como muitos sítios necessitam de mudanças constantes, em alguns países como a Franca por exemplo a prática contratual tem feito com que se disponha em contratos realizados com o webdesigner, uma restrição em seus direitos morais. Dessa forma, considerando o sítio como uma obra em continua evolução, o autor- , não poderia se opor a mudanças ou adaptações realizadas posteriormente pelo encomendante.
5.1.3) Links
O serviço de hipertexto surgiu em 1991, com o objetivo de facilitar o envio de documentos ilustrados entre os computadores. O hipertexto usa o recurso de links ( ou hiperlinks), que são uma ligação ativa entre um documento e outro. Quando um usuário clica no mouse, a nova página indicada será transferida para o computador-cliente. No direito muito já se discutiu acerca dos links. No Tribunal da Califórnia[17], no caso Ticketmaster Corporation versus Tickets.com Inco., foi discutido a questão dos links. O sítio dos litigantes consiste num serviço de compra de entradas para diversos espetáculos, como shows, jogos, concertos etc. Ocorre que na página da Tickets haviam vários links para alguns espetáculos em que a mesma não vendia ingresso, mas apenas possibilitava ao cliente, com a utilização de links, ir ao endereço, URL, correta para adquiri-los no site da Ticketmaster. A Ticketmaster então ajuizou uma ação contra a Tickets alegando que a mesma para fornecer informações sobre espetáculos que ela não vendia ingressos, utilizava e copiava páginas internas da Ticketmaster , alegando que a copia incluía a impressão de informações fáticas obtidas no sítio da ticketmaster, constituindo portanto, violação dos direitos de propriedade intelectual.
O Tribunal não acatou as alegações da Ticketmaster com o fundamento de que o hiperlink não constitui violação da lei de propriedade intelectual, uma vez que não era uma cópia. De fato, o link apenas transfere automaticamente o cliente de um sítio para outra página determinada, autêntica, do autor original.
No Brasil ainda não existe uma norma especifica sobre o uso de links. O seu uso convencional é comum até mesmo nos sites do Poder Judiciário Brasileiro. Alguns autores diferenciam o uso normal, como indicação de sites e o uso ilícito de links, como por exemplo utilizar links de marcas famosas, para que os usuários em sites de busca na Internet, através de palavras chaves, encontre o site “infrator”. Outro uso ilícito seria o de duas empresas concorrentes, em que uma usa o link para o site da outra com o objetivo de desviar a clientela do site original, utilizando do conteúdo do mesmo. Esses usos abusivos já vêm causando problemas nos Tribunais de outros países, e breve poderão também ensejar litígios no Brasil.
5.2) Programas de Computador
A proteção legal pelo regime jurídico dos direitos autorais de programas de computador foi adotada em 1980 pelos EUA. No Brasil, antes mesmo da Lei 9609/98 que conferiu aos programas de computador a proteção às obras literárias, a jurisprudência já vinha decidindo de acordo com a proteção conferida nos Estados Unidos.
Cumpre aqui também diferenciar o hardware do software. O hardware são os componentes físicos de um sistema de processamento de dados. Dessa forma, o hardware tem o regime jurídico da propriedade industrial. Já os softwares que são os programas de computadores, são protegidos pelos direitos autorais. Segundo Leonardo Poli[18]: “ a defesa da adoção do regime autoral se baseia no fato de que o processo de elaboração do programa é criativo e que o programa final seria, conseqüentemente, passível da tutela autoral.”
Entretanto para doutrinadores como Renato Borruso, Antonio Ascesao, e Leonardo Poli, essa classificação dos programas de computador como obras literárias ou artísticas não é correta. Segundo Leonardo Poli (2003):
Comparando-se a classificação de invenção, com o procedimento de elaboração do software, acima explicitado, é fácil concluir que seu enquadramento jurídico deveria estar no regime protetivo da propriedade industrial, e não no regime do direito autoral. O programa de computador nada mais é do que uma invenção de processo; é o método operacional do computador. De fato a elaboração de um software não consiste em um ato criativo, mas sim de um ato inventivo, que consiste na adoção de um sistema ou método destinados a execução.
Portanto, para vários doutrinadores, o software foi enquadrado no regime jurídico de direitos autorais por uma questão meramente econômica. Os EUA ao adotar essa classificação influenciou a jurisprudência mundial e várias legislações seguiram a orientação americana. Como um dos maiores fabricantes de software do mundo, teria seus produtos mais amplamente protegidos, pois os direitos autorais conferem uma maior proteção que os de propriedade industrial. Além de possuir uma proteção automática, a legislação aplicável preservaria o código-fonte do programa (que teria que ser informado caso fosse considerado propriedade industrial) impedindo que o mesmo seja difundido sem o pagamento das licenças. Outro requisito fundamental é a originalidade dos direitos autorais em contrapartida a novidade necessária na propriedade industrial. Segundo Leonardo Poli:
[…] se na criação intelectual os conceitos técnicos forem utilizados de forma singela , a ponto da criação ser obvia para os demais especialistas, a criação intelectual não recebe a patente de invenção. Há que constatar que a grande maioria dos programas de computador elaborados falta inventividade suficiente para a efetiva concessão dos privilégios.
5.2.1)Classificação dos Programas de Computador
Independente da análise crítica feita a legislação aplicável aos programas de computador no Brasil, temos que o mesmo foi equiparado as obras literárias e portanto aplica-se a legislação autoral.
Entretanto existem alguns softwares que não gozam dessa proteção, sendo os mais comuns denominados Free Software, ou Software Livre. Esses softwares são disponibilizados na Internet com a permissão para qualquer um usá-lo, copiá-lo, e distribuí-lo, seja na sua forma original ou com modificações, seja gratuitamente ou com custo. Geralmente o código fonte desses programas são disponibilizados, o que permite às pessoas denominadas Peopleware, que são os programadores, analistas, usuários de programas de computador, utilizá-los gratuitamente.
Com a iniciativa do software livre, músicos , escritores, fotógrafos e jornalistas fundaram o Copyleft[19]. O nome na verdade é um trocadilho com o Copyright, ou direito do autor, e significa “pode copiar” . Por não concordarem com a industria do entretenimento, ou pela dificuldade em conter a pirataria, o Copyleft é a disponibilização de suas obras para serem compartilhadas livremente, com a única restrição de se manter o credito para a fonte original e a licença Copyleft. Um exemplo é o Linux, um sistema operacional que tem as mesmas funções do Windows, da Microsoft. O Linux foi desenvolvido por usuários da Internet e pode ser obtido gratuitamente em dezenas de sítios.
Os Sharewares, são também programas que podem ser utilizados durante um período de tempo de forma gratuita, mas depois devem ser comprados. Esses programas são muito comuns na Internet, como por exemplo o Winzip, um programa de compactação de arquivos. Os sharewares são alvos de violações constantes de hackers, que disponibilizam a forma de utilizar o software mesmo quando expirado o prazo de experimentação.
5.2.2) Proteção dos Programas de Computador
O titular dos direitos do programa de computador tem a tutela do mesmo assegurada durante 50 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou criação.
A lei do Software retrocedeu e restringiu os direitos morais do titular. O art. 2º, §1 assim dispõe:
“§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem em deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.”
5.3) Obras musicais
A obra musical é protegida pela LDA mesmo possuindo só melodia. Não é necessário que possua letra. Se a obra é formada por melodia, harmonia e ritmo é denominada música. Quando possui além dos elementos mencionados, o título e a letra denomina-se obra lítero-musical, e quando essa obra é armazenada em um suporte dá-se o nome de fonograma. Cabe salientar que o título da música se original e divulgado anteriormente a outra obra, também é protegido.
As obras musicais podem ser exploradas de diversas formas como o direito de edição gráfica (de partituras), direito fonomecânico ( exploração das musicas gravadas em suporte material), direito de inclusão ou sincronização ( utilização de música em obra audiovisual, como filmes), direito de execução pública (execução de musica para o público) e o direito de representação pública (utilização de música em peças teatrais).
Em todos esses casos, deve-se obter uma autorização para a utilização da obra, e também o pagamento dos direitos autorais para o autor. Considera-se titular da obra tanto o compositor da música e o autor-compositor da letra (obras primígenas), quanto o tradutor, arranjador e o compositor da variação (obras secundárias).
Com a Internet a facilidade de se obter músicas sem pagar um centavo ao autor tornou-se uma prática corriqueira entre os usuários da rede. O arquivo MP3 tem uma qualidade muito próxima da de um CD, e é 12 vezes menor que arquivos Wav, sendo portanto ideal para a transmissão de músicas pela Internet. Esse arquivo com certeza foi que causou um maior debate acerca da proteção dos direitos autorais e a Internet.
A facilidade de armazenar arquivos de áudio no computador, aumentou ainda mais, quando um universitário americano, Shawn Fanning criou em 1999 o Napster. A ironia ao analisarmos a legislação autoral brasileira é a de que o Napster é um programa de computador, portanto protegido pelos Direitos autorais, mas que perm itia o “desrespeito” aos direitos autorais de músicas que podiam ser adquiridas através do mesmo. O princípio foi a tecnologia peer-to-peer, que possibilita a conexão direta entre dois computadores ligados à Internet. Os usuários conectavam-se com um sistema de busca em um computador central, capaz de listar vários computadores que possuíam a música desejada e conectá-los neste computador para que pudesse receber o arquivo. Com uma gravadora de cd, qualquer usuário poderia criar seu próprio repertório. Entretanto a Justiça norte-americana proibiu a utilização do Napster, tirando o da rede, por infringir os direitos autorais. O Napster foi comprado posteriormente por uma grande empresa e voltou a oferecer seus serviços entretanto cobrando um valor de suas músicas.
Não obstante a retirada do Napster surgiram vários outros programas, como Kazaa, Grokster, Blubster, StreamCast, dentre outros que permitem a troca de músicas na Internet.
No Brasil a Associação Brasileira de Produtores de Discos, ABPD[20], é a responsável por conter a pirataria, ou a contrafação dos direitos autorais. Essa entidade já retirou mais de 20.960 websites do ar por disponibilizarem música na Internet sem qualquer autorização do autor da obra.
Já o ECAD, Escritório Central de Arrecadação e Distribuição[21], realiza o controle da execução pública de musicas, lítero-musicais e fonogramas nacionais ou estrangeiros, em todo o território nacional, inclusive através da radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade e também por exibição cinematográfica. O Ecad é uma sociedade civil, que representa os autores, cobra os direitos autorais e depois repassa os valores para os seus associados. Em alguns países existe o regime da licença legal, onde órgãos estatais controlam o pagamento prévio dos direitos autorais para posterior distribuição, concedendo assim o uso da obra. Esse regime em funcionado também para os fonogramas, com tem ocorrido com o Napster atualmente, em uma tentativa de conter a pirataria.
A controvérsia existente com relação à pirataria na Internet refere-se também ao grau de violação do direito do autor. Vários doutrinadores alegam que na verdade os grande prejudicados pela contrafação são as gravadoras. O artista ganha na faixa de 8, 9% sobre a venda[22] de cada faixa ao revendedor. Segundo Eliane Abrão, advogada e presidente da Comissão de Propriedade Material da OAB, “ a industria fonográfica fala de suas perdas, mas nunca se diz o quanto ela ganha”.
De fato a internet não pode ser considerada a grande vilã dos direitos autorais. Essa tecnologia em muito contribuiu para a divulgação, à publicidade de várias criações e até mesmo, e contra o interesse de grandes gravadores, na descoberta de novos talentos musicais. Várias bandas, como a Mombojó de Recife, possuem um sítio na Internet, e alegam que a disponibilização gratuita de suas músicas foi fundamental na divulgação do CD da banda, e também aumentou o número de vendas do mesmo. John Perry Barlow, professor de Direito em Harvard, e letrista da banda Grateful Dead, luta pela liberdade de expressão na Rede:
Com a Internet, há uma ligação direta entre os artistas e o público. Os músicos podem interagir diretamente com os fãs, conservando o copyright dos seus trabalhos e, eventualmente ganhando a vida com um volume de vendas que as grandes gravadoras considerariam pequeno demais para valer a pena.
5.4)Outros Conceitos
A tecnologia proporcionou a criação de obras antes inimagináveis, mas também deu uma nova roupagem para conceitos antigos, que mudaram para o mundo virtual. Assim surgiram os livros eletrônicos, e as bases de dados por exemplo. Abaixo o conceito de algumas novas obras no mundo dos “bits”.
5.4.1) Bases de Dados Eletrônicas
As bases de dados eletrônicas têm sido conceituadas como o conjunto de dados, obras e materiais organizados de uma maneira sistemática e ordenada, de acordo com sua finalidade podendo ser acessadas por meio eletrônico. O art. 7º da LDA prevê a proteção autoral para as bases de dados originais. Para as não originais, ou que não possuem a criatividade inerente as obras autorais, não abarca os dados ou materiais em si mesmos, mas apenas a organização e disponibilização dos elementos.
5.4.2) Livros Eletrônicos
Os e-books são livros eletrônicos que podem ser “baixados” para o computador de qualquer usuário da Internet. Podem ser manipulados facilmente, oferecendo recursos como o aumento da letra, a possibilidade de se criar anotações ao longo do texto e os recursos de pesquisas de palavras, vêm tornando o e-book bastante atrativo.
5.4.3) Obra multimídia
Multimídia é a combinação de vários elementos como textos, sons, arte gráfica, animação, vídeos, transmitidas pelo computador com base em um software. Pra Gandelman “ se refere basicamente à interatividade de dados digitalizados, contidos num único suporte material”.
6) Legislação Aplicável
O legislador não conseguirá alcançar os avanços tecnológicos que são muito mais rápidos que a atividade legislativa. Entretanto cumpre examinar os diplomas legais acerca do assunto, para que ao invés de se criarem várias normas e leis, as já existentes tenham eficácia.
6.1) Constituição Federal
A Constituição Federal é taxativa ao defender no seu art. 5º XXVII e XXVIII os direitos autorais:
“XXVII- Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.”
No artigo seguinte, a Constituição não só reafirma esse direito, como assegura o mesmo aos participantes de obras coletivas, e também garante às Associações dos autores o direito de fiscalizar o aproveitamento econômico das mesmas:
“XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;”
Assegura também o uso da Internet ou de qualquer outro meio de comunicação conforme art. 220:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
6.2) Tratados
Com as novas tecnologias, como a Internet , tornou-se necessário uma unificação das leis, jurisprudência e doutrina acerca da proteção dos Direitos Autorais. Assim seria mais fácil a punição de infratores, quando em um mundo globalizado a difusão de obras intelectuais ficou cada vez mais internacionalizada. A territorialidade como um fundamento da Soberania Estatal constui um óbice muitas vezes na punição de crimes realizados pela Internet, devido a ocorrência muitas vezes da multinacionalidades dos infratores. A proteção autoral é territorial, mas é estendida a tratados e Convenções de reciprocidade internacional.
Portanto a necessidade de proteção aos Direitos autorais em todos os territórios do planeta, fez com que surgisse uma serie de Tratados para regulamentar, de preferência universalmente a matéria.
O Brasil adotou em seu art. 2º, §1º da L.D.A.[23] a proteção aos estrangeiros domiciliados no exterior a mesma proteção conferida aos nacionais ou domiciliados no país, desde que haja reciprocidade de tratamento. Este é o principio da reciprocidade de no tratamento jurídico da autoria. Independentemente de variações nas legislações um autor americano goza no Brasil dos mesmos direitos de um brasileiro.
O Brasil ratificou os seguintes tratados em Direito Autoral:Convenção de Berna, Convenção Universal, Convenção de Roma, Convenção de Genebra.
6.3) Lei 9610/1998
A chamada LDA, ou Lei de Direitos Autorais, não inovou muito a antiga lei de direitos autorais 5988/73. Para ser mais exatos 89 dos 115 artigos da lei de 1998 são compilações da antiga lei de 1973.
Entretanto essa lei veio assegurar e garantir os direitos já consagrados em nossa Carta Magna e também incluir no rol dos direitos assegurados a proteção ao autor de programas de computador. Para se assegurar os direitos autorais, não é necessário o registro, conforme o art. 18 da L.D.A.[24], mas que a obra possua um mínimo de originalidade, de contribuição pessoal para a configuração da mesma. A simples idéia, conforme enunciado pelo art. 8º, não é amparada pelo Direito. É necessário que essa idéia, ou “criação de espírito” , como define a própria lei, apresente-se sob determinada forma, para que possua proteção legal. Não se confunde essa forma entretanto com o amparo físico da mesma, podendo este último ser através de “átomos ou bits”.
A nova Lei também revogou a licença legal sobre a fotografia, o direito de arena (direitos concedidos a atletas pela divulgação de jogos em televisão), a obra de encomenda, e nada mencionou a respeito da prescrição. Esta ultima em razão de sua omissão restaura o estabelecido no art. 178, VII[25] do Código Civil, que prevê o prazo de 5 anos para o ajuizamento de ação civil por ofensa ao Direitos do Autor.
A lei beneficiou o autor ao estabelecer que a indenização em relação à pirataria, ou contrafação, que era de 2000 exemplares subisse para 3000, na lei atual. Não obstante estabeleceu limites ao direito autoral, garantindo que o conhecimento, a arte e a informação não sejam monopólio de poucos. Assim em seu Capítulo IV enumera exemplos que não constituem ofensas aos direitos autorais, tais como: os textos de caráter jornalístico, pronunciamentos públicos, a isenção de direitos no caso de obras destinadas aos deficientes visuais, o direito de citação, e uso didático restrito ao espaço destinado ao ensino, as paráfrases e as paródias são todas livres. Amplia também em dois aspectos a possibilidade de representar livremente obras situadas permanentemente em logradouros públicos , e no art. 46 que permite a reprodução de pequenos trechos de obras, sendo este artigo ampliado pela Lei 10.695/03, que inseriu o §4 no art. 184 do Código Penal , permitindo a reprodução integral de um texto para uso privado, sem intuito de lucro.
Outra novidade foi a isenção do Editor de numerar uma obra publicada por cessão de direitos.
6.3.1) Da duração dos Direitos Patrimoniais
Na Lei 5988/73 os direitos patrimoniais eram garantidos por toda a vida do seu autor e também dos seus herdeiros necessários: filhos, pais ou cônjuge supérstite. Na LDA/98 são garantidos pelo prazo de 70 anos, contados a partir do dia 1º de janeiro do ano subseqüente ao do falecimento do autor.
Em caso de obras anônimas, que não se indica o nome do autor por determinação ou por não ser conhecido, e pseudônimas, em que o autor se oculta sob nome suposto, em nada altera a proteção aos direitos autorais, salvo quando ao aspecto patrimonial que geralmente é concedido por quem publicar a obra, enquanto o autor não assumir o respectivo exercício. O prazo é contado a partir de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação e terá a duração de 70 anos.
Nas obras áudiovisuais e fotográficas o prazo é de 70 anos, a contar de 1º de janeiro do ano subseqüente a divulgação. A Lei de Softwares, estabelece o prazo de 50 anos a contar de 1 janeiro do ano posterior a sua criação.
Findo o prazo a obra não terá mais a proteção autoral e pertencerá ao domínio público. Quando o autor não deixar sucessores, ou se o autor for desconhecido as obras pertencerão também ao domínio público. Daí resulta o Princípio da liberdade de utilização na fase do domínio público, desde que respeitadas a genuinidade e a integridade da obra
Alguns anos atrás, vigorou o regime do domínio público remunerado, que consistia em pagar uma quantia ao Estado que defendia a obra e aplicava os recursos para o financiamento de programas culturais. Houve muita discussão entre os editores e o Governo, o que fez com que os arts. 93 I e art. 120 da lei 7.123/83 fossem revogados e o uso livre da obra voltasse para cada interessado.
7) Penalidades
O direito autoral previsto na Constituição Federal, pode ser protegido sob o aspecto administrativo, civil e penal, podendo ocorrer cada medida independentemente, sucessivamente ou cumulativamente. As tutelas são independentes entre si, mas podem receber uma tríplice proteção de acordo com a ação do lesionado.
O título VII da LDA/98 e o art. 184 do Código Penal estabelecem a tipificação da violação e conseqüente sanção ao infrator dos Direitos Autorais. A prescrição para esse tipo de crime, embora vetado o art. 111 da Lei 9610/98, tem sido considerado pela doutrina de 5 anos, aplicando o previsto no Código Civil de 1946 em seu art. 178, VII.[26].
7.1) Sanções Civis
A LDA prevê duas modalidades de proteção ao direito do autor: os direitos morais e os patrimoniais. Em casos de pessoa jurídica, ou de programas de computador, só incidem violações aos direitos patrimoniais.
Portanto o titular dos direitos acima enunciados que tenham sua obra fraudulentamente reproduzida, divulgada ou utilizada de forma ilícita possuem o direito de requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.
O art. 103 estabelece que quem editar obra sem autorização do titular deverá pagar os exemplares que forem apreendidos, bem como o preço dos que foram vendidos. Na Internet a solução seria verificar o número de acessos realizados no site onde se contém o material ilícito. Caso não se saiba o montante da edição fraudulenta, o transgressor devera pagar 3000 ( três mil) exemplares, além dos apreendidos, ou 3000 vezes o valor da obra disponibilizada na Rede.
Caso a obra seja divulgada sem a autorização expressa do autor ou titular, em violação ao art. 68 da L.D.A., sujeitará o responsável ao pagamento de multa de até vinte vezes o valor que deveria originariamente ser pago.
No juízo civil têm legitimidade para propor ação o autor e os demais titulares reconhecidos , ou seus representantes como o Ecad, que tem reconhecido na jurisprudência o direito de pleitear em nome próprio o direito de seus membros.
7.2) Sanções Penais
A violação dos Direitos Autorais comportam não só a sanção civil, que seria a reparação do dano e a posterior indenização, mas também uma sanção penal. O art. 184 do Código Penal Brasileiro prevê a pena para quem infringir o artigo não importando o meio em que a infração ocorreu, seja no mundo material ou no virtual.
Em abril de 2003 vários artistas brasileiros se encontraram com o Presidente Lula e vários parlamentares para solicitar a aprovação do projeto de lei 2681/96, que aumentava a penalidade para os crimes contra os direitos autorais. Em julho, dois meses depois da visita, a lei 10.695/03 foi aprovada e alterou o art. 184 do Código Penal Brasileiro. Este artigo impõe uma pena de 3 meses a 1 ano, ou multa para a violação dos Direitos Autorais. Nos casos do §1º, §2º e §3º do art.184 , devido a maior culpabilidade do autor, que reproduz obra intelectual ou que vende, expõe a venda, aluga, troca, oculta, empresta ou deposita os objetos, a pena é de 2 a 4 anos e multa. A preocupação com a contrafação na Internet fez com que o legislador no §3º discriminasse qualquer meio hábil para a realização de pirataria, desde as novas tecnologias como a Internet.
Além das penas devidas cumpre ao juiz do processo na sentença condenatória determinar a destruição da produção ou da reproduções ilegais.
No caso de violação dos direitos autorais relacionados ao software, a pena é a prevista na Lei 9609/98, que atribui em seu art.12 a pena de 6 meses a dois anos ou multa de quem violar direitos de autor de programa de computador.
Outro delito tipificado é o de “atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nomes, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística”, com pena de detenção de 6 meses a 2 anos, cumulada com multa, conforme previsto no art. 185 do CPB.
A ações penais referentes aos arts. 184 e 185 são privadas, desde que não sejam contra entidades de direito público: autarquias, empresas públicas sociedades de economia mista ou fundações instituídas pelo Estado. Uma das soluções que com certeza melhoraria o problema da contrafação no Brasil seria que os crimes contra o direito intelectual que afetasse qualquer pessoa, seja pública ou privada, física ou jurídica fosse de ação penal publica. Assim nem o Ministério Público, nem mesmo os delegados teriam que esperar por uma eventual manifestação do ofendido para agir, e também poderiam utilizar de softwares com o Encase, que será abaixo examinado, para da uma melhor efetividade as demandas judiciais.
7.3) Sanções Administrativas
Os órgãos que representam os direitos autorais como o Ecad, as associações e a autoridade policial, são responsáveis por formalizar operações, esclarecer dúvidas de usuários, e até mesmo resolver litígios conforme o caso. As decisões podem prosperar no âmbito administrativos quando definitivas, uma vez que representam a palavra final da Administração Pública. Essa atuação não impede o ingresso ao Judiciário, conforme assegurado na CR/88.
Dentre as penalidades administrativas podemos citar : a aplicação de multas administrativas, a não concessão de autorização de uso, a suspensão ou interdição de espetáculos e da divulgação dos mesmos, e também a suspensão de empresas e a cassação de licença para atuação.
7.4.) O Uso Justo
O Fair use, uso justo, ou uso livre, é adotado no Copyright Act, lei americana de Direitos Autorais. Analogicamente poderia ser considerado como “ a função social” da propriedade intelectual, que possibilita o uso de obras literárias na Internet desde que não adquiridas com o intuito de lucro. No Brasil não existe tal exceção aos direitos do autor, mas podemos considerar que o art. 184 §4º do Código Penal que autoriza a cópia integral da obra em um único exemplar, para uso privado sem intuito de lucro, uma possibilidade de fair use, uma vez que é permitido e não tipificado como crime.
Os programas de computador também admitem uma limitação à propriedade intelectual. A reprodução de um original legitimo, para cópia de segurança , não constitui ofensa aos direitos autorais. Segundo Leonardo Poli (2003):
Essa limitação imposta pelo Legislador tende a preservar a segurança e a liberdade do uso privado. Visa à preservação da segurança do uso privado do programa porque devido à volatilidade da memória central do computador, o risco de perda das informações ali armazenadas é constante.
8) Busca e Apreensão Digital
A busca e apreensão é a medida prevista no Código de Processo Civil, mais utilizada em casos de violação de direitos autorais.
Em uma sociedade informatizada a produção de provas torna-se de difícil resolução. Posso armazenar em meu computador, milhares de músicas MP3 por exemplo, sem autorização dos autores. O certo anonimato e a lucratividade incentivam milhares de pessoas a fazê-lo. A Associação da Indústria Fonográfica Americana esta realizando uma verdadeira caça às pessoas que disponibilizam músicas na Internet. Essa ação divulgada pela imprensa poderia fazer com que os possíveis infratores simplesmente apagassem os arquivos de seus computadores, fazendo com que não existissem mais provas contra eles. A busca e apreensão convencional prevista em nosso Código de Processo Civil, não teria uma eficácia satisfatória no caso de crimes, contra os direitos autorais, ou quaisquer outros cometidos pela Internet, como a difamação, os cassinos, a pornografia e os furtos.
A empresa norte-americana Guidance[27], com o intuito de facilitar a vida dos advogados que trabalham nessa área, e até mesmo do Estado, para conseguir assegurar sua soberania , criou um software chamado Encase Forensic. Este software permite encontrar no computador infrator as evidências do ilícito cometido. Além de ser muito mais rápido e eficaz, o Encase consegue até mesmo descobrir por exemplo quando foi utilizado determinado programa, quantas músicas ilegais ou material ilegal foi “baixado”, mesmo que o responsável já tenho apagado as provas de seu computador. Isso ocorre porque o espaço que ocupava o arquivo ilegal, pode não ter sido preenchido e portanto é identificado no software.
Uma solução para a violação dos direitos autorais seria portanto transformar a ação penal privada em pública, e equipar o Ministério Publico com softwares e equipe especializada para os crimes de informática. A Lei nº 10695/03 já inovou e facilitou ao prever que o art. 184 §3º a ação penal seria publica condicionada à representação. A questão seria se o uso do mesmo não infringiria a intimidade da pessoa, mas com uma ordem judicial não acredito que a utilização do software seria mais danosa do que por exemplo uma escuta telefônica. Infelizmente é um mal necessário.
9) Conclusão
Com a Internet novos tipos de criações, antes inimaginados, surgiram. A Lei 9.610/98, atualmente vigente, incluiu inéditos conceitos de criações no leque dos direitos autorais, mas não conseguiu prever todos os avanços da tecnologia, que a cada dia continuam a nos surpreender.
Em um país como o Brasil ,que a renda per capita média é de R$713,00 (Segundo estatísticas do IBGE, em 2003) por mês, que pouquíssimas pessoas lêem algum livro por ano, e que a televisão ainda é o maior veículo de informação, a Internet muitas vezes surge como uma solução. É democrática e parece que essa oportunidade de informações incomoda. A alienação da população é muito mais vantajosa para o Estado. Tanto é que atualmente temos nos vislumbrado com medidas que lembram o regime ditatorial. Como exemplo temos a criação da Portaria 1091/2003[28] que restringiu a publicação na Internet de lei e de outros textos legais. Além de ir contra o Princípio da Publicidade da Administração Publica, viola o art. 8, IV da LDA que diz expressamente que não são objetos de proteção da lei autoral os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais. Essa medida parece estabelecer que o governo não quer dar ciência à sociedade dos seus atos. O controle das violações ilícitas tem que ser combatido, mas a proibição de divulgar informações é censura.
O direito às informações, à cultura deve ser balanceado com os direitos de exploração do autor sobre sua obra. A Internet não pode ser considerada a vilã dos direitos autorais. Muitas vezes ela atua em prol dos mesmos: divulgando, vendendo, revelando novos autores, e também beneficiando a coletividade, que pode ter acesso à informações mais facilmente. O conhecimento deve ser divulgado de maneira mais ampla possível, garantindo acesso ao maior número de pessoas. Afinal é com educação e com acesso à informações que ocorre o desenvolvimento de um país.
Por enquanto fico com a posição de Henrique Galdeman (2001) que afirma que: “só a experiência e o tempo é que indicarão os caminhos a seguir e fornecerão as molduras jurídicas atualizadas pela nova cultura, no que se refere a proteção justa dos direitos autorais.”
Bibliografia
______________ A Nova Lei de Direitos Autorais. 3ª ed. São Paulo: Sagra Luzzatto, 1999.
Advogada em Minas Gerais
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