Resumo: Este artigo versa sobre a multa prevista no art. 475-J e a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a necessidade ou não da intimação pessoal do devedor quanto ao início do prazo para a sua incidência.
Palavras-chaves: intimação – art. 475-J do CPC – multa
Sumário: 1. Introdução – 2. A intimação – 3. A multa prevista no art. 475-J do CPC – 4. Conclusão – 5. Bibliografia.
1. Introdução
O legislador estipulou, com advento da Lei 11.232/05, a incidência de multa na hipótese do devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue o pagamento no prazo de quinze dias.
O presente artigo analisa o dispositivo em comento, em cotejo com a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.
2. A intimação
A intimação pessoal é um termo técnico da processualística – seja de que natureza for. Assim, esta deve ser compreendida como aquela havida no curso de um processo e não como qualquer ato de comunicação do devedor quanto ao inadimplemento de obrigação de fazer e não fazer.
O art. 234 do CPC define a intimação como o “ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”.
No entanto, a intimação nem sempre é necessária. É que aquele que deveria receber a intimação pode tomar ciência de forma inequívoca do seu conteúdo, isto é, do ato, dos termos do processo, da determinação para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Diferenciam-se citação e intimação. A primeira é aquela que dá a “ciência ao demandado da propositura da ação, ao passo que a segunda se refere aos demais atos do processo e pode ter por destinatário qualquer um que participe do processo” (MARINONI, 2009:233).
A intimação pode se dar de diversas formas: por publicação no órgão oficial, pelo correio, por oficial de justiça, por hora certa ou por termo nos autos.
3. A multa prevista no art. 475-J do CPC
A multa é um mecanismo coercitivo imposto com o objetivo de compelir alguém ao cumprimento de uma prestação, à semelhança do que se dá com as astreintes provenientes do direito francês, por serem medidas coercitivas indiretas(1).
“O art. 475-J, acrescentado pela Lei 11.232/2005, assim prevê:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10 (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”
O legislador estipulou o dever do condenado ao pagamento do débito apurado, uma vez constituindo este obrigação de pagar quantia dívida líquida, certa e exigível, prevista na condenação.
O condenado poderá efetuar o pagamento diretamente ao próprio credor e juntar aos autos a respectiva prova, bem como proceder ao depósito em conta vinculada ao juízo em que tramita o processo.
O condenado terá o prazo de quinze dias para efetuar o pagamento, salvo a hipótese da sentença prever prazo diverso, que deverá ser respeitado. Havendo omissão da decisão quanto ao prazo, aplica-se o prazo legal(2).
Importa destacar, na esteira da lição de Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (3), que:
(…) “o efeito condenatório da sentença não se opera apenas com o trânsito em julgado. A eficácia da sentença não se confunde com a autoridade da coisa julgada. Nesse sentido, quando a sentença condenatória produz efeitos na pendência da apelação (o que é exceção, art. 520, CPC) ou na pendência de recurso especial ou extraordinário (o que é a regra, art. 542, §2º, CPC), o prazo para o cumprimento da condenação corre exatamente a partir do momento em que a sentença se torna imponível. Mais precisamente: o prazo de 15 (quinze) dias começa a correr a partir do momento em que ao réu é dada ciência da sentença (objeto da apelação) ou da decisão do tribunal (objeto do recurso especial ou extraordinário). Vale dizer: quando o recurso tem efeito suspensivo, não se inicia o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da sentença condenatória; quando o recurso não tem efeito suspensivo, o prazo flui a partir do instante em que o condenado tem ciência da decisão. Porém, se a decisão suscetível de recurso sem efeito suspensivo é ilíquida, só poderá o demandando efetuar o pagamento depois de liquidada a obrigação. Assim, realizada essa e cientificado o demandado do valor devido, terá curso o prazo legal para pagamento voluntário do débito.”
A intimação para o pagamento se verifica a partir do momento em que o demandado ou de quem o represente toma ciência inequívoca da condenação. O Superior Tribunal de Justiça e parte da doutrina vinham entendendo que não havia necessidade de intimação pessoal do condenado para que se dê a fluência do prazo de quinze dias para o cumprimento da sentença condenatória.
Nesse sentido, decisões do Superior Tribunal de Justiça:
“IV. No cumprimento de sentença, não há necessidade de ser o devedor intimado para, então, se iniciar a contagem dos 15 (quinze) dias para o pagamento, tendo em vista que o prazo flui do trânsito em julgado da sentença na qual o devedor já foi intimado, quando de sua publicação, na pessoa de seu advogado. Isso é o que determina o art. 475-J do CPC, para caso em que se trata de quantia certa, que não requer liquidação de sentença, perícia ou outro trabalho técnico de elevada complexidade. (REsp 1136370/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 03/03/2010).”(5) (grifos nossos).
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido da exigência da intimação pessoal do demandado, incluídas aquelas hipóteses em que se verifica sentença transitada em julgado antes da vigência da Lei 11.232/2005, conforme se verifica no seguinte precedente:
A esse respeito, Fredie Didier e colaboradores (7), anota:
(…) “Como cediço, a lei processual nova, salvo disposição em contrário, tem eficácia imediata, passando a incidir sobre os atos processuais subseqüentes ao termo inicial da sua vigência.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chegou a se posicionar no sentido de que a referida multa não seria aplicável às sentenças transitadas em julgado antes da vigência da lei federal n. 11.232/2005. Felizmente, porém, modificou o seu entendimento. ”
Fredie Didier Jr e outros doutrinadores, em obra específica sobre a execução civil(8), defendia, até a edição do referido compêndio, a desnecessidade da intimação pessoal do devedor, sendo esta cabível somente quando o demandado não possuir advogado constituído nos autos, verbis:
“Parece que a melhor interpretação é a que exige a intimação do devedor, que pode ser feita pela imprensa oficial, dirigida ao seu advogado, consoante a tendência que se vem firmando em nosso ordenamento” (…)
“Acaso o devedor não tenha, por qualquer motivo, advogado constituído nos autos, deverá ser intimado pessoalmente para cumprir a decisão. Não tendo sido encontrado, parece ser possível aplicar aqui o que diz o art. 653 do CPC, autorizando que o oficial de justiça proceda à pré-penhora dos bens do executado.” (…)
“Enfim, para que a multa do art. 475-J incida, é preciso que, antes, o executado tenha sido intimado para cumprir espontaneamente a obrigação.”
Daniel Amorim Assumpção Neves (9) observa, ainda, que há corrente doutrinária defensora do início de prazo para o pagamento a partir da eficácia da decisão, que poderá ser executada, isto é, ainda que não tenha transitado em julgado.
O autor não concorda com tal posicionamento, defendendo que, após o trânsito em julgado da sentença deve ocorrer a intimação do devedor por questões de segurança jurídica, na seguinte dicção:
(…) “Dar início a contagem de prazo sem a devida intimação do executado, além de contrariar texto expresso de lei consagrado no art. 240 do CPC, cria uma nítida insegurança em razão da dificuldade na fixação da data exata do trânsito em julgado.”
No que se refere à necessidade de intimação pessoal, o autor assim observa, de forma esclarecedora (10):
(…) “Para alguns, a intimação deve ser pessoal, considerando-se que o dever de pagar é da parte e não do advogado, prestando-se a intimação deste somente para a prática de atos postulatórios, o que não é o caso. Entendo que no espírito de celeridade processual que norteia as recentes reformas processuais, a intimação possa ser feita na pessoa do advogado, como forma de agilizar o andamento procedimental e evitar atos protelatórios de devedores de má-fé. Existe inclusive julgamento isolado do Superior Tribunal de Justiça acolhendo o entendimento aqui exposto. (11)
Registre-se que, mesmo que se defenda a necessidade da intimação pessoal, é aplicável o art. 238, parágrafo único, do CPC, presumindo-se válida a intimação realizada no endereço constante nos autos, independentemente de quem a receba. Sendo o cumprimento de sentença a segunda fase de um procedimento, salvo no caso de réu revel que não comparece ao processo, existirá um endereço do executado nos autos, sendo a aplicação do dispositivo legal mencionado uma forma de observar, com as devidas flexibilizações, os princípios da segurança jurídica e da celeridade.” (grifos do autor).
4. Conclusão
Estamos com a doutrina que entende desnecessária a intimação pessoal do devedor, salvo nas hipóteses de ausência de advogado constituído nos autos.
Entendemos que a dispensa da intimação pessoal torna eficaz os comandos constitucionais e legais que exigem a observância da celeridade processual, da razoável duração do processo, sob pena do esvaziamento das reformas processuais havidas, engessando desnecessariamente o processo, muitas vezes utilizados por devedores de má-fé para furtarem-se aos pagamentos devidos.
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