A Justiça e os militares – A Constituição versus Estatuto Militar

Resumo: Pretende-se uma ligeira abordagem sobre a diferença entre as disposições presentes no texto constitucional em vigor relativas ao acesso à Justiça e as determinações do Estatuto dos Militares, o qual prevê o esgotamento da via administrativa para permitir a entrada, no Judiciário, de questões relativas aos militares. Este entendimento contrasta com a determinação presente na Lei Máxima do país e demanda, assim, um novo entendimento.


Palavras-chave: militar; Constituição; Estatuto Militar.


1. INTRODUÇÃO


É interessante uma abordagem que enfoque quais são as matérias jurídicas que se mostram mais interessantes para os militares. Normalmente, elas versam sobre a legislação penal militar, sobre o direito processual penal militar e a modalidade administrativo-militar – esta última modalidade pode ser representada pelo Estatuto dos Militares, pela Lei de Pensão Militar e pela Lei de Remuneração Militar. Diante de tais fatos, evidencia-se a falácia de que os problemas jurídicos que possam estar relacionados com as Forças Armadas apresentam uma solução que despreze a intermediação do texto constitucional em vigor no país.


2. A Constituição e o Estatuto Militar: Divergências relativas ao acesso à Justiça


As autoridades militares devem, como todos os cidadãos, fazer a observância dos relevantes princípios que são bases para a articulação do Estado Democrático de Direito. Estes nortes não se mostram importantes não apenas no trato com questões de natureza estritamente jurídica, mas devem estar presentes, por exemplo, nas interações existentes entre os diversos tipos de militares. Ou seja, devem fazer parte das várias interações que ocorrem no âmbito militar, de modo a estimular o respeito à dignidade e evitar a ocorrência ou a continuidade de condutas desrespeitosas ou que afrontem a dignidade de uma das partes envolvidas.  O § 3º do Art. 51 do Estatuto dos Militares (EM). determina que  “o militar só poderá recorrer ao Judiciário após esgotados todos os recursos administrativos e deverá participar esta iniciativa, antecipadamente, à autoridade à qual estiver subordinado.”


Uma das normas do EM vem determinar que é necessário que se esgote a via administrativa a fim de que o militar possa iniciar um questionamento pela via do Poder Judiciário, sejam atos de cunho administrativo, sejam de natureza da disciplina militar. Esta lei ainda estatui o fato de que o militar deve dar informação prévia à autoridade que lhe é superior antes de ingressar em juízo – este aviso deverá ser proferido in verbis. Está presente no dispositivo já mencionado a seguinte orientação:


“Art. 51. O militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo regulamentação específica de cada Força Armada.”


Além disso, os parágrafos desse dispositivo as regras abaixo descritas:


“§ 1º O direito de recorrer na esfera administrativa prescreverá:


a) em 15 (quinze) dias corridos, a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra de inclusão em quota compulsória ou de composição de Quadro de Acesso; e


b) em 120 (cento e vinte) dias, nos demais casos.


§ 2º O pedido de reconsideração, a queixa e a representação não podem ser feitos coletivamente.”


Deve-se atentar para as determinações de esgotamento da via administrativa e da necessidade de comunicação a indivíduo dotado de superioridade em caráter hierárquico. Muitas críticas que foram empreendidas contra o EM, principalmente ao seu § 3º do art. 51 mostram-se pautadas no princípio da inafastabilidade da jurisdição. Este se encontra no art. 5º inciso XXXV da Constituição Federal. Este vem determinar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”. Diante deste fato, inclina-se para a consideração da norma do Estatuto Militar como inserida numa situação de possível incompatibilidade, o que poderia, por isto, determinar a perda de sua validade no ordenamento pátrio vigente.


A determinação já citada mostra-se dotada de um caráter que afronta a lei máxima existente na ordem jurídica nacional. Dotada de supremacia de cunho incontestável, o texto constitucional é a base primeira que confere validade e eficácia aos atos provenientes do poder público, sendo o arcabouço jurídico do Estado. Nesse contexto, os atos e emanações de cunho infraconstitucional que com ela contrastem serão alcançados pela invalidade, ao contrário daqueles que se mostrem adequados às determinações emanadas pelo texto máximo.


A norma presente no texto infraconstitucional já mencionado, a qual trazia a determinação orientando o esgotamento da via administrativa para se verificar o adentrar na via judicial só recebeu orientação com ela compatível no art. 217, § 1º, relativo a questões inerentes à Justiça Desportiva. Ele vem determinar que ”O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.


Conforme o texto Magno já mencionado, em seu art. 5º, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.Frente a este posicionamento, fica notório o quão inadmissível é o esgotamento da via administrativa como requisito para que o militar possa ingressar na via judiciária. O princípio constitucional já descrito vem mostrar que qualquer pessoa física ou jurídica pode recorrer ao Judiciário e é conseqüência de um interesse em promover a progressiva ampliação do acesso à Justiça, sejam civis, sejam indivíduos investidos de função militar.


Concernente à segunda parte do dispositivo da lei militar que se menciona, a necessidade de comunicação, por parte do militar, à autoridade a que o militar se subordina, demanda uma interpretação sistemática de seu conteúdo. Para MAXIMILIANO (1961), é importante proceder à comparação entre o dispositivo em exame com outros presentes na mesma lei ou em outras, desde que sejam concernentes ao mesmo objeto de abordagem .


Além disso, BARROSO (1999), sobre tais aspectos, informa que os princípios constitucionais consistem num conjunto de normas da ideologia da Constituição, apresentando seus postulados básicos e seus afins, tratando-se de normas que foram contempladas com o status de fundamento ou de estrutura basilar na ordem jurídica que determinam.Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.


3.CONCLUSÃO


As Forças Armadas, formadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica consistem em instituições nacionais, de natureza permanente e que têm sua organização pautada na hierarquia e também na disciplina, estando subordinada ao Presidente da República. Como a Constituição constitui norma de patamar hierárquico superior ao do Estatuto Militar, convém que as determinações nela presentes sejam consideradas preponderantes sobre as deste instrumento. Sob a forma da valorização da disciplina, portanto, deve ser obedecido o preceito constitucional, de forma que se valorize a possibilidade de acesso do militar à Justiça, ainda que sem o esgotamento da via administrativa. Um posicionamento diverso afrontaria, pois, o próprio senso de disciplina tão caro e apregoado por parte dos Militares em suas diversas instâncias.


 


Referências

BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Freitas Bastos S/A, 7ª. ed., 1961.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

ESTATUTO MILITAR.

Informações Sobre o Autor

Adriana Maria Silva Santos

Acadêmica de Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB


Equipe Âmbito Jurídico

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