A legislação plena e a incógnita quanto às normas gerais e específicas

Resumo: O artigo visa discutir se o exercício da legislação plena pelos Estados-membros, no que tange a competência concorrente possibilita que o ente crie normas gerais e específicas. Para tal, antes de se proferir uma conclusão, desenvolve-se questões concernentes à forma federativa de Estado, à repartição constitucional de competências, à competência concorrente e a problemática que envolve o tema.

Palavras-chave: Competência; Estados-membros; normas; gerais; específicas.

Abstract: This article aims to discuss the full exercise of the legislation by Member States regarding the concurrent jurisdiction allows the entity to create general and specific standards. To this end, before uttering a conclusion, develops questions concerning the federative form of state, the constitutional division of powers, the concurrent jurisdiction and the issue surrounding the topic.

Keywords: Competence; Member States; standards; general; specific.

Sumário: Introdução. 1 A forma federativa de Estado. 2 A repartição constitucional de competências na Constituição Federal de 1988. 2.1 A competência concorrente. 3 Conclusão. Referências.

Introdução

O constituinte originário atribuiu, no que tange à competência concorrente, a possibilidade de todos os entes federados legislarem sobre dadas matérias, guardando cada qual, um campo material de competências.

Seu dispositivo prevê que os Estados-membros poderão exercer a legislação plena quando da inércia da União em estabelecer as normas gerais. A partir da previsão, há grande divergência no sentido de se o Estado, quando da efetivação desta legislação plena cria normas gerais e específicas. Busca-se, por meio deste artigo enfrentar a questão e de certa forma, opinar sobre uma tangente racional.

Aborda-se, a princípio, que a forma federativa de Estado surge como um bloqueio à concentração autoritária do poder, por proporcionar uma repartição de competências político-administrativas entre a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

Posteriormente, disserta-se, ainda que brevemente, sobre a repartição constitucional de competências na Constituição Federal de 1988, quando procura-se desenvolver que de um modo geral existem variadas classificações, modelos e técnicas de repartição de competências, consistindo, basicamente, na divisão de competências legislativas e administrativas, nos modelos vertical e horizontal, e na conjugação de poderes enumerados, reservados ou remanescentes, residuais e suplementares. Bem como que no Brasil, há uma adaptação dos modelos adotados nos Estados Unidos, na Índia e na Venezuela.

Mormente, pondera-se sobre a competência concorrente, quando procura-se evidenciar que esta competência caracteriza-se pela possibilidade da mesma matéria ser partilhada entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, havendo, contudo, uma relação de subordinação relativamente à atuação de cada um. E que esta atuação encontra-se prevista nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do dispositivo, por meio dos quais a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; os Estados-membros poderão suplementar a norma geral da união para atender às suas peculiaridades; inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena; a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Discorre-se igualmente, que os Municípios não estão excluídos do exercício dessa competência, podendo suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que em atendimento a interesses locais.

Por fim, discuti-se a problemática que envolve o tema, quando, em ato contínuo, se profere conclusão no sentido de que na inércia da União em criar normas gerais acerca das matérias relacionadas no art. 24 da CF, o exercício da legislação plena pelos Estados-membros não deve ser entendido como possibilidade de criação de normas gerais e específicas, outrossim, como uma norma criada por Estado-membro para atender à sua peculiaridade regional, sem norma geral anterior da União, pois resta claro, pela sistemática Constitucional, que o constituinte originário visou privilegiar consecução de necessidades regionais urgentes dos Estados-membros, que seriam prejudicados por eventual omissão legislativa federal, o que não é raro! 

1 A forma federativa de Estado

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) (CF, art. 1º, caput) consagra além da forma republicana de governo, a federativa de Estado.

A Federação brasileira (CF, arts 1º, caput[1], e, 18, caput[2]) tem como componentes a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição Federal[3].

Noutras palavras, a República Federativa do Brasil é formada pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Assim, à luz dos referidos dispositivos constitucionais, a União decorre da congregação dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal, tratando-se de um ente federado autônomo, pessoa jurídica de direito público interno, não se confundindo com a República Federativa do Brasil (País), pessoa jurídica de direito público internacional, detentora da soberania, formada pela reunião da União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal.

“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende como se vê do art. 18, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A Constituição aí quis destacar as entidades que integram a estrutura federativa brasileira: os componentes do nosso Estado Federal. Merece reparo dizer que é a organização político administrativa que compreende tais entidades, como se houvesse alguma diferença entre o que aqui se estabelece e o que se declarou no art. 1º. Dizer que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal não é diverso daquela que compreende União, Estados, Distrito Federal e Municípios, porque a união indissolúvel (embora com inicial minúscula) do art. 1º é a mesma União (com inicial maiúscula) do art. 18. Repetição inútil, mas que não houve jeito de evitar, tal o apego à tradição formal de fazer constar do art. 1º, essa cláusula que vem de constituições anteriores, sem levar em conta que a metodologia da Constituição de 1988 não comporta tal apego destituído de sentido. Enfim, temos aí destacados os componentes da nossa República Federativa: (a) União; (b) Estados; (c) Distrito Federal; e (d) Municípios” (SILVA, 2000, p. 159-160).

Nos moldes constitucionalmente delimitados, os entes componentes da federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) podem se auto-organizar por meio da sua própria legislação, se autogovernar elegendo os representantes dos poderes executivo e legislativo e se autoadministrar por meio da criação de suas próprias leis, da possibilidade de autoadministração, bem como pela capacidade tributária.

“A Federação brasileira é singular, inconfundível e detentora de várias características peculiares, das quais sobressai a constante do art. 1º, caput, da CF/88, ou seja, a existência de três níveis de governo (federal, estadual e municipal), todos agraciados com autonomia administrativa, política e financeira e, sobretudo, competências tributárias privativas. […] A autonomia das unidades federadas em nosso país há de ser vista de forma plena nas relações internas, porquanto cada entidade pode se organizar livremente em sua estrutura política, administrativa e financeira, desde que observadas as disposições da CF/88. […] Quanto à autonomia municipal, não há, nas nações conhecidas que adotam o Federalismo como forma de Estado, elevação do município como um ser constitucionalmente reconhecido e dotado de autonomia  administrativa, política e financeira. Trata-se, pois, de uma particularidade genuinamente brasileira. […] Outra particularidade brasileira prende-se à elevação do Distrito Federal à condição de entidade componente da Federação, deixando, com isso, de ser apenas a sede administrativa da União. Assim, o Distrito Federal hoje é uma pessoa política, participante da vontade nacional e desfruta de todas as características de qualquer ente federativo” (PUCCINELLI JUNIOR, 2012, p. 410-411).

Nesses termos, a forma federativa de Estado surge como um bloqueio à concentração autoritária do poder, por proporcionar uma repartição de competências político-administrativas dentre as diversas unidades do Estado.

2 A repartição constitucional de competências na Constituição Federal de 1988

Com a declaração da autonomia dos componentes do nosso Estado (CF, art. 18, caput), a Constituição Federal de 1988 promoveu uma distribuição Constitucional de poderes (competências) entre os entes (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) para que desenvolvam as suas atividades de forma democrática.

De um modo geral existem variadas classificações, modelos e técnicas de repartição de competências, consistindo, basicamente, na divisão de competências legislativas e administrativas, nos modelos vertical e horizontal, e na conjugação de poderes enumerados, reservados ou remanescentes, residuais e suplementares.

Quando se fala em competência legislativa, sabe-se que o (s) ente (s), promoverá (ão) atos eminentemente legislativos (criará/criarão leis), enquanto que na realização de competências administrativas o (s) ente (s) deverá (ão) desempenhar atos administrativos.

Em nosso país, há de certa forma, uma adaptação dos modelos dos Estados Unidos, da Índia e da Venezuela. Nos Estados Unidos, enumeram-se as competências da União, reservando-se aos estados os poderes remanescentes. Já no Canadá, enumeram-se as competências dos estados, sendo reservados à união os poderes remanescentes (o inverso dos Estados Unidos). Na Índia e na Venezuela, enumeram-se exaustivamente as competências das entidades federativas, atribuindo-se à união os poderes residuais.

Aqui no Brasil, enumeram-se os poderes da União (CF, arts. 21 e 22) e dos Municípios (indica-se dos Municípios) (CF, art. 30), reservando-se aos Estados-membros os poderes remanescentes (CF, art. 25, § 1º), além de possibilitar a estes últimos, ao Distrito Federal e aos Municípios, o exercício de competência suplementar (CF, arts. 24, § 2º; 30, I; 32, § 1º). Ademais, no que concerne às matérias tributárias, a Constituição brasileira enumerou exaustivamente as competências de todos os entes, atribuindo à União a competência residual (CF, art. 154, I)[4].

A Constituição Federal de 1988 adotou (CF, arts. 21; 22; 23; 30; 32, § 1º) o modelo horizontal de repartição de competências, por meio do qual cada ente exerce as suas atribuições nos limites por ela fixados e sem uma relação de subordinação (CF, arts. 21; 22; 23; 30; 32, § 1º).

Todavia, há uma exceção, pois o art. 24 da CF é um exemplo de repartição vertical de competências por tratar-se da possibilidade da mesma matéria ser partilhada entre os entes federados, havendo, contudo, uma relação de subordinação relativamente à atuação de cada um.

Nesse sentido, vale analisar:

“Na repartição vertical de competências realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a união e os Estados-membros. Essa técnica, no que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos institutos, permitindo aos Estados-membros aperfeiçoar a legislação às suas peculiaridades locais. A técnica da legislação concorrente estabelece um verdadeiro condomínio legislativo entre União e Estados-membros” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 830).

Sobre a classificação da competência concorrente como sendo um exemplo de repartição vertical, necessário apreciar:

Nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), nas quais se estabelece verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal e os Estados-membros (Raul Machado Horta, Estudos de Direito Constitucional, p. 366, item 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas, a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de entender incabível a ação direta de inconstitucionalidade, se, para o específico efeito de examinar-se a ocorrência, ou não, de invasão de competência da União Federal, por parte de qualquer Estado-membro, tornar-se necessário o confronto prévio entre diplomas normativos de caráter infraconstitucional: a legislação nacional de princípios ou de normas gerais, de um lado (CF, art. 24, § 1º), e as leis estaduais de aplicação e execução das diretrizes fixadas pela União Federal, de outro (CF, art. 24, § 2º). Precedentes. É que, tratando-se de controle normativo abstrato, a inconstitucionalidade há de transparecer de modo imediato, derivando, o seu reconhecimento, do confronto direto que se faça entre o ato estatal impugnado e o texto da própria CR (BRASIL, 2000, p. 01).

Trata-se o dispositivo (CF, art. 24) do objeto da presente pesquisa, o qual será analisado a partir de agora. 

2.1 A competência concorrente

A legislação concorrente, à luz do art. 24, caput da Constituição Federal de 1988 é atribuída à União, Estados-membros e ao Distrito Federal, os quais legislarão sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; orçamento; juntas comerciais; custas dos serviços forenses; produção e consumo; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; educação, cultura, ensino e desporto; criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; procedimentos em matéria processual; previdência social, proteção e defesa da saúde; assistência jurídica e Defensoria pública; proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; proteção à infância e à juventude; organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

Conforme dito alhures, esta competência caracteriza-se pela possibilidade da mesma matéria ser partilhada entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal (art. 24, caput da CF), havendo, contudo, uma relação de subordinação relativamente à atuação de cada um.

Referida atuação encontra-se prevista nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do dispositivo, por meio dos quais a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º); os Estados-membros poderão suplementar a norma geral da união para atender às suas peculiaridades (CF, art. 24, § 2º e § 3º, parte final); inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º); a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (CF, art. 24, § 4º).

Nesse viés, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o Distrito Federal, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o Distrito Federal, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). A Lei 10.860, de 31-8-2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a CF, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º” (BRASIL, 2006, p. 01).

Vale frisar, por mais que o dispositivo não preveja a figura dos Municípios, por força do inciso II do art. 30 da Constituição Federal de 1988 este ente federado, para fazer valer assuntos concernentes aos interesses locais, poderá suplementar a legislação federal e estadual no que couber, inclusive, acerca das matérias relativas à legislação concorrente.

A respeito Marcelo Novelino aduz:

“Outrossim, cabe aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (CF, art. 30, II). Apesar de não estar elencado entre os entes da federação que possuem competência legislativa concorrentemente (CF, art. 24), os Municípios podem exercer a competência legislativa suplementar, desde que relacionadas a assuntos de interesse local” (NOVELINO, 2012, p. 774).

No mesmo sentido, fomentam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

“Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal e estadual contrária a lei municipal, suspende a eficácia desta. […] A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais” (MENDES; BRANCO, 2011, p. 855).

Postas essas considerações, surge a incógnita: Quando o § 3º atribui a competência plena aos Estados-membros na ausência de norma geral da União para atender às suas peculiaridades, possibilita-se aos Estados a criação de normas gerais, além daquelas específicas atinentes à sua realidade regional, vez que por força do § 4º a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário?

A resposta ao questionamento, ao que tudo indica, percorre o caminho das técnicas de repartição constitucional de competências adotadas na Constituição Federal de 1988, bem como aquele que percorre a definição das normas gerais.

Quanto às normas gerais, Marcelo Novelino desenvolve as palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no sentido de serem:

“Declarações principiológicas que cabe a União editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-membros na feitura das suas legislações, através de normas específicas, direta e imediatamente, às relações e situações concretas que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos” (MOREIRA, apud, NOVELINO, 2012, p. 731).

Segundo Novelino (2012), para o autor ora citado, as normas gerais caracterizam-se por estabelecerem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas gerais. Não podendo adentrar em pormenores, detalhes, tampouco esgotar o assunto legislado. Devendo ser regras nacionais, aplicáveis a todos os entes públicos de maneira uniforme, bem como uniforme a todas as situações homogêneas, entre outros.

Nessa seara, Meirelles (2012) afirma não ser adequado dizer que as normas gerais são apenas aquelas que estabelecem diretrizes, pois todas as normas, gerais ou específicas, federais ou estaduais, trazem diretrizes em seu texto, assim como não é correto dizer que as normas gerais são apenas aquelas que tratam de princípios[5].

Segundo Meirelles:

“Ao se invocar o termo diretrizes para definir normas gerais, é preciso esclarecer que seriam diretrizes nacionais, a serem seguidas por todos os Estados-membros, pois as diretrizes estabelecidas por estes últimos em suas Constituições Estaduais e demais diplomas tem aplicação apenas regional (destinação limitada), e portanto não preenchem o requisito da dimensão territorial nacional. Superado o aspecto da dimensão nacional da norma, o caminho mais correto nos parece a análise concreta do nível de generalidade. Nesse sentido, não é o tratamento dado a determinado dispositivo legal – princípio ou regra – o critério essencial para dizer se estamos diante de norma geral ou específica. […] Uma vez esclarecido que as normas gerais não se vinculam a princípios, podendo ser também regras com objetivo de viabilizar a concretização de princípios expressos em outras normas jurídicas, não é possível também partir do velho pressuposto de que normas específicas seriam aquelas que tratam de procedimentos, e portanto todas as demais sobre a matéria seriam normas gerais, o que já provou-se ser uma inverdade. Ao definir como deve ser o procedimento de apresentação e abertura de propostas nos certames licitatórios, por exemplo, a norma jurídica procura proteger os princípios da igualdade, da impessoalidade e transparência e, portanto, por mais que trate de procedimento, pode ser considerada uma norma geral. Saliente-se ainda que as normas que exaurem em seu próprio texto o conteúdo tratado, dispensando qualquer necessidade de regramento posterior pela União ou pelos entes federados também não são aceitas como normas gerais. […] Consideramos incontroverso que a aplicabilidade da norma a todos os entes federativos é característica essencial para que ela seja dita de caráter geral, o que confirma a tese de que apenas a União possui capacidade para legislar a nível de normas gerais. Quando esta for omissa, deixando de editar normas gerais, os Estados-membros estarão aptos a exercer competência legislativa plena, porém estarão editando normas genéricas ou específicas, conforme seu conteúdo, e nunca normas gerais” (MEIRELLES, 2012, p. 01).

Sobre o tema, nem mesmo no Supremo Tribunal Federal[6] há entendimento pacífico.  Segundo o Ministro Carlos Brito a generalidade de uma norma decorre da possibilidade de aplicação uniforme a todos os entes federativos. Já o Ministro Carlos Velloso sustenta que uma norma seria geral em razão da sua maior abstração, a exemplo dos princípios, conforme se visualiza a seguir:

“Penso que essas normas gerais devem apresentar uma generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Penso que a norma geral, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências” (BRASIL, 1994, p. 01).

3 Conclusão

A discussão acerca da possibilidade ou não dos Estados-membros legislarem sobre normas gerais e específicas quando da inércia da união em criar normas gerais é calorosa e, os argumentos são bons e contundentes.

Após o desenvolvimento deste trabalho, chegamos à conclusão de tratar-se o princípio da predominância do interesse (princípio básico da repartição Constitucional de competências), bem como da sistemática Constitucional, do caminho mais racional à solução da celeuma.

Pelo princípio da predominância do interesse, entende-se caber à União aquelas matérias de interesse predominantemente geral/nacional; aos Estados-membros as matérias de interesse predominantemente regional;  e aos Municípios as matérias de interesse predominantemente local.   

Pela sistemática Constitucional, no que tange às competências concorrentes, nota-se, facilmente até, que o constituinte originário fez valer o princípio em tela, tanto que a União limitar-se-á a estabelecer as normas gerais (matérias de interesse geral/nacional) (CF, art. 24, § 1º), podendo os Estados-membros suplementá-la, para atender às suas peculiaridades regionais (matérias de interesse regional) (CF, art. 24, §§ 2º e 3º, parte final), bem como aos Municípios suplementar referidas legislações (federais e estaduais), no que couber, em atendimento às suas necessidades locais (matérias de interesse local) (CF, art. 30, II).

Concordamos com Meirelles (2012) para quem norma geral é aquela que dispõe sobre as normas (princípios ou regras) a serem uniforme e compulsoriamente observadas em âmbito nacional. Assim, na inércia da União em criar normas gerais acerca das matérias relacionadas no art. 24 da CF, o exercício da legislação plena pelos Estados-membros (CF, art. 24, § 3º) não deve ser entendido como possibilidade de criação de normas gerais e específicas, outrossim, como uma norma criada por Estado-membro para atender à sua peculiaridade regional, sem norma geral anterior da União. Ora, resta claro, pela sistemática Constitucional, que o constituinte originário visou privilegiar consecução de necessidades regionais urgentes dos Estados-membros, que seriam prejudicados por eventual omissão legislativa federal, o que não é raro! 

 

Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3.098. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso. Decisão em: 10/03/2006. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 14 de outubro de 2012.
________. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.344-QO. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. Decisão em: 23/11/2000. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 14 de outubro de 2012.
________. Supremo Tribunal Federal. ADI (MC) nº 972-3/RS. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso. Decisão em: 11/11/1994. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 14 de outubro de 2012.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional – Tomo III. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MEIRELLES, Humberto Lauar Sampaio. O Conceito Constitucional de Normas Gerais. Disponível em: http://www.cgmadvogados.com.br/publicacoes_texto.php?id_pub=292. Acesso em 12 de outubro de 2012.
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
__________, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
Notas:
[1] CF, art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[2] CF, art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
[3] O nosso Estado federal surgiu a partir de um estado unitário, criado pela Constituição de 1824. O seu processo de formação é, portanto, exatamente o inverso do norte-americano, o modelo inicial, com o qual não pode ser equiparado. A Constituição brasileira de 1891 copiou várias instituições norte-americanas, mas, como a história não pode ser copiada e o modelo norte-americano, tanto a Suprema Corte, como de presidencialismo, de bicameralismo e de federalismo são modelos históricos, a nossa cópia tem muitas diferenças do original. […] A visão de nosso federalismo como centrífugo explica a nossa federação extremamente centralizada que, para aperfeiçoar-se, deve buscar constantemente a descentralização. Somos um Estado Federal que surgiu a partir de um Estado Unitário, o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação mais democrática. A Constituição de 1891 construiu um modelo federal descentralizado (em comparação com outros modelos federais das Constituições de 1934 e 1946 e os federalismos meramente nominais das constituições de 1937, 1967 e 1969), mas artificial, pois não houve união de Estados soberanos, mas, sim, uma divisão para se criar uma união artificial, que, por este mesmo motivo, recuou nas Constituições brasileiras posteriores. Não se pode negar a história, mas sim trabalhar com ela para fazer evoluir o nosso Estados para modelos mais descentralizados e, logo, mais democráticos. Por isso, um federalismo de três níveis teria que surgir no Brasil para fazer avançar a democracia em um país de tradição municipalista, como ocorreu com a Constituição democrática de 1988 (MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional – Tomo III. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 36-37).
[4] Sobre a distinção entre as competências reservada ou remanescente e residual, vale analisar: Reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração de outra (art. 25, § 1º: cabem aos Estados as competências não vedadas pela Constituição), enquanto a competência residual consiste no eventual resíduo que reste após enumerar a competência de todas as entidades, como na matéria tributária, em que a competência residual – a que eventualmente possa surgir apesar da enumeração exaustiva – cabe a União (art. 154, I) (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 480).
[5] A doutrina pretende diferenciar os princípios e as regras de diversas maneiras, podendo-se destacar as propostas de autores como Ronald Dworkin e Robert Alexy. Ronald Dworkin, abandonando a ideia de grau de abstração (ou generalidade), afirma que […] As regras são aplicáveis à maneira de tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ele fornece deve ser aceita, ou não é válida […] (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 39). Já Robert Alexy estabelece que a diferença entre os princípios e as regras é qualitativa. Alexy faz um alerta no sentido de que os princípios oferecem a possibilidade de o intérprete do direito buscar o melhor para a resolução do caso, ou seja, otimizar a decisão. Mas que essa busca deve levar em consideração todas as características do fato, além das possibilidades jurídicas (princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais). Para o autor: […] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, p. 90).
[6] Essas informações foram colhidas em NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 732.

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


Equipe Âmbito Jurídico

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