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A legitimação pelo procedimento e a obsolência da concepção clássica e seus critérios regulativos da verdade e da Justiça

Resumo: A presente resenha versa sobre a Apresentação e Parte I da obra “Legitimação pelo procedimento”, de autoria de Niklas Luhmann. Trata-se de um dos mais influentes sociólogos, nascido em 1927 em Lüneburg, Alemanha. Luhmann não apenas procurou teorizar acerca da sociedade, como também, buscou, através de sua teoria, reduzir as complexidades sociais. Embora tenha sido discípulo de Talcott Parsons, não partilha o otimismo subjacente ao seu pensamento. Iniciou sua carreira na Administração Pública, tendo atuado, posteriormente, como catedrático nas Universidades de Münster, Frankfurt e, Bielefeld. Luhmann faleceu no ano de 1998, em Oerlinghausen, deixando uma obra numerosa e abrangente.[1]


Legitimação pelo procedimento


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Ao apresentar a presente obra, Tércio Sampaio Ferraz Júnior refere que Luhmann afronta explicitamente a questão teórica da definição do direito, propondo uma análise dos problemas precípuos da sociologia do direito a partir de uma perspectiva unitária e original e ampliando esta perspectiva não só dentro de uma concepção global da teoria sociológica, mas também de um ângulo epistemológico e até de uma filosofia geral.


Na análise do autor, a sociedade é, para Luhmann, um sistema estruturado de ações que não abrange o homem, vez que este faz parte de seu ambiente externo. Assim, embora estruturados de modo que possam coexistir, homem e sociedade são, um para o outro, sistemas distintos, mundo circundante, complexo e contingente.


Neste contexto, Ferraz Júnior apresenta como mecanismos de controle das contingências, as normas, as instituições e os núcleos significativos. Destarte, estes três mecanismos não são congruentes entre si. Daí o entendimento de Luhmann de que o direito traduz-se em uma generalização congruente e dinâmica entre estes mecanismos, neutralizador das contingências e possibilitador de uma imunização simbólica de certas expectativas contra os fatos.


Esta concepção do direito traz ínsita três importantes categorias teóricas fundamentais: complexidade, sistema e mundo circundante. Sistema é um conjunto de elementos delimitados segundo o princípio da diferenciação sistema/entorno, ou seja, todo sistema pressupõe um ambiente externo (entorno) com o qual se limita. Assim, o mundo apresenta-se para o sistema como complexidade, ou seja, como um conjunto aberto de múltiplas possibilidades.


O sistema é sempre contingente, eis que as possibilidades por ele selecionadas podem ou não ocorrer, sendo que o que garante o sistema contra a contingência das possibilidades escolhidas é a sua estrutura. O direito, nesta perspectiva, figura enquanto estrutura indispensável, definidora dos limites e interações da sociedade e possibilitadora de estabilização de expectativas nas interações. A problemática reside, precisamente, em saber em que sentido se pode chamar a estrutura do direito de legítima.


No entendimento luhmanniano, procedimentos são sistemas de ação, através dos quais os destinatários das decisões aprendem a aceitar previamente uma decisão futura, sem contestá-la, ainda que lhe seja desfavorável. Luhmann procede a analise de três procedimentos jurídicos que alcançaram especial importância nos sistemas políticos atuais: o da eleição política, o parlamentar da legislação e o judicial. Conforme o autor, o objetivo da eleição política é a ocupação das instâncias politicamente decisórias com pessoas especialmente capazes e que decidirão conforme a vontade do povo, e que, por isso, representam verdadeiramente.


O sentido justificador do procedimento parlamentar volta-se para o objetivo da verdade dos fundamentos da decisão, bem como de sua correção. Já quanto aos procedimentos judiciais, o seu sentido relaciona-se a um critério de verdade, a um conhecimento exato daquilo que é legalmente válido. Esta tríade possui como ponto comum a busca da verdade e daquilo que é justo. Neste ponto, Luhmann questiona, então, como é que num tal sistema de papéis se poderá garantir a verdade no sentido da solução correta e totalmente convincente dos problemas de decisão.


Na concepção luhmanniana, a diferenciação dos papéis específicos do procedimento pode constituir uma importante condição prévia à busca da verdade. O livre estabelecimento da comunicação constitui um segundo momento e, a organização concorrente ou contraditória da comunicação constituirá um terceiro momento. Destarte, tudo isso não garante que sempre que se alcançar a verdade, se encontrarão as decisões certas. Nesse sentido, Luhmann salienta que para que seja possível investigar a função da verdade para a legitimação da decisão imparcialmente considerada numa forma sociológica moderna, deve-se abdicar a ideia de que os procedimentos legais objetivam revelar esta verdade.


Na definição de Luhmann, a legitimidade traduz-se em uma “disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância” (p. 30). Conforme o autor, deve-se fazer a distinção no conceito de legitimidade, entre a aceitação de premissas de decisão e a aceitação da própria decisão. É necessário que o indivíduo aceite as decisões enquanto premissas do seu próprio comportamento e que estruture as suas expectativas nesse sentido.


Ademais, o indivíduo deve aprender a superar as frustrações das expectativas, porém, esse aprendizado carecer de apoio social, de estímulos exteriores. A legitimidade não depende, portanto, da convicção de responsabilidade pessoal, mas de um clima social que institucionaliza o reconhecimento das opções obrigatórias e que as encara como resultados do crédito da decisão oficial.


O procedimento não pode ser considerado como um ritual nos atuais sistemas de decisão. Deste modo, a análise do processo jurídico sob a perspectiva teórico-sistêmica permite conhecer a sua capacidade, bem como as funções do procedimento juridicamente organizado. Por fim, o autor assinala que a força motriz do procedimento é a incerteza quanto aos resultados e é esta força impulsionadora do procedimento, o fator efetivo de legitimação, eis que se não houver incerteza, não ocorre um processo jurídico singular.


Em face do exposto, pode-se concluir, por derradeiro, que o ponto central de reflexão do autor reside na noção de legitimação pelo procedimento enquanto alternativa à busca da verdade por parte do positivismo. A concepção luhmanniana distancia-se, assim, de conceitos ideológicos como o de verdade universal e afasta qualquer possibilidade de fundamentar a legitimidade em valores supremos.


O autor coloca-se em oposição à concepção clássica do procedimento que tem como núcleo essencial a verdade e a justiça e vincula-se a valores e hipóteses vagas e sem provas empíricas sobre a idoneidade dos meios. Infere que a verdade, tão propagada por todas as teorias clássicas, realiza apenas uma transmissão de complexidade e compromete o indivíduo enquanto ser humano. Ele traz o conceito de procedimento institucionalizado como forma de aprendizado nos sistemas sociais e afirma o procedimento como critério de legitimação. Em suma, apresenta a legitimação pelo procedimento e pela igualdade de decisões como um substituto aos fundamentos morais – e, portanto, ideológicos – de consenso. Assim, o paradigma por ele proposto revela a obsolência dos velhos critérios regulativos da verdade e da justiça, e, perfaz-se, pois, em uma teoria mais adequada e condizente com a hipercomplexidade da sociedade atual.


 


Referências

LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição. Brasilia. UNB, 1980.

______. El arte de la sociedad. Traducción de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2005.


Notas:

[1] Fonte: LUHMANN, Niklas. El arte de la sociedad. Traducción de Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2005.

Informações Sobre o Autor

Katia Leão Cerqueira

Mestranda em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especializanda em Direito Imobiliário com ênfase em Direito Notarial e Registral na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.


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Equipe Âmbito Jurídico

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