“Se as relações de trabalho no capitalismo moderno buscam as parcerias, o jogador de futebol não só não é parceiro como é incapaz de ajudar a chutar para escanteio seus algozes que agem como se vivessem no século passado. E o futebol vegeta, com o perdão da analogia, num Estádio Grande e Senzala”. Juca Kfouri. In Coluna no site Carta Capital – disponível em: <http://cartacapital.terra.com.br/site/antigo/105/coluna.htm>.
Resumo: O presente trabalho abrange a evolução das normas brasileiras sobre o desporto, pondo em evidencia as inovações trazidas pela “Lei Pelé”, notadamente no que tange ao fim do “passe” no desporto nacional. Num primeiro momento, para os atletas o “passe livre” pode soar como uma libertação, enquanto para as agremiações desportivas a figura surge como o prenúncio de prejuízos, seja financeiro ou quanto a fuga de talentos. Não obstante, verificamos que as alterações sofridas pela “Lei Pelé” e a existência dos institutos da Cláusula Penal e da Multa Rescisória devem se prestar a manutenção dos efeitos que a existência do “passe” possuía no desporto.
Introdução
Desde as mais antigas civilizações, o esporte sempre se mostrou como elemento de lazer, educação, saúde e integração social, assim como se prestou a demonstrar a destreza e a força física dos competidores, bem como o poder de uma nação.
Evoluindo paulatinamente no decorrer dos séculos, progrediram as modalidades, formas de disputas e organizações desportivas, notadamente por acompanhar as transformações de outros aspectos da vida humana, como as artes, as ciências, a estrutura política, etc.
Nos dias atuais, muito por força da estrutura capitalista que domina o mundo, muitos atletas deixaram de ser apenas amadores e hoje são profissionais. Nesse quadro, a realidade desportiva apresenta relações entre aqueles que competem, aqueles quem os atletas representam, aqueles que organizam as competições e aqueles que acompanham os eventos esportivos, ainda que como meros espectadores.
Havendo essas várias relações entre atletas, clubes, organizadores e torcedores, surge a necessidade da mão estatal para regular as diversas situações, pois o ordenamento jurídico deve tentar abarcar todas os casos concretos que sobrevenham, considerando os valores sociais atuais. Destarte, a presença do ordenamento jurídico para regular as relações desportivas se mostra imprescindível, mormente por a prática desportiva estar cada vez mais ligada a interesses econômicos de grandes mercados “consumidores” deste lazer.
Pondere-se, todavia, que a intervenção do Direito nas relações desportivas se mostra essencial na prática profissional do esporte, enquanto que a prática desportiva voltada unicamente ao lazer deve ser mantida de fora dessa intervenção estatal específica, a si mantendo-se aplicadas as normas genéricas de Direito.
Sobre o tema, o advogado Mauro Lima Silveira, em artigo veiculado na Internet, argumenta no mesmo sentido:
“Temos, pois, uma dicotomia: de um lado o homem que encontrou no esporte uma maneira de se refugiar das incomodações rotineiras, procurando o isolamento e lugares reservados para praticá-lo, criando suas próprias regras, onde impera e é soberana a lealdade entre os adversários, e o Direito Comum não deve entrar; de outro, a necessidade que tem o Estado de regular a prática desportiva quando essa atente contra a dignidade da pessoa humana, criando normas que protejam aqueles que, na disputa, sofreram atos que prejudicaram o bem-estar do desportista, ou que criem relação de exploração entre o atleta e a entidade que ele representa”.[1]
O desporte é dotado de seus princípios próprios, de suas singulares características e qualquer lei que não respeite tais conceitos bailares será injusta. Em outras palavras, não podemos aplicar a legislação comum ao desporto se a mesma não se coadunar com o espírito desportista.
Nesse sentido, verificou-se a tendência de se positivar normas específicas sobre o esporte, que hoje encontra concretização, em sua maior parte, na Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que instituiu normas sobre o desporto brasileiro, pretendendo tratar o tema de forma geral, mas, sem sombra de dúvida, tendo no futebol seu alvo principal.
1. A evolução das normas desportivas no Brasil
1.1. Legislações Pioneiras
Ao longo dos anos, muitas foram as legislações que trataram do desporto brasileiro, merecendo destaque o Decreto-Lei 3.199 de 1941, obra do respeitável jurista João Lyra Filho, que, mesmo com o país sob a égide do Estado-Novo de Getúlio Vargas, teve o mérito de estruturar o desporto brasileiro, criando normas gerais.
Em virtude da política autoritária (ditatorial) do Estado Novo, o controle das entidades desportivas se dava em âmbito nacional, sendo controladas a participação de equipes brasileiras em competições estrangeiras, bem como a vinda de equipes do exterior para confrontarem-se com equipes do país. Porém, o que realmente tornou o Decreto-Lei 3.199/41 um marco no ordenamento desportivo foi a reestruturação do desporto brasileiro com a criação do Conselho Nacional de Desportos.[2]
Passaram os anos, o cenário político nacional sofreu transformações e mudaram os valores sociais, sendo editadas novas normas sobre o desporto, dentre as quais cumpre destacar a Lei 6.257/51, a Lei 6.354/76. e os Decretos 81.102/77 e 82.877/77, que também complementaram e alteraram o regramento sobre o esporte no país.[3]
1.2. Constituição Federal de 1988
Com a reforma constituinte de 1988, o artigo 217 da Constituição Federal outorgou ao desporto o status constitucional e condensou os postulados que constituem a estrutura da legislação desportiva brasileira. Nesse mister, o dever do Estado de fomentar as práticas desportivas como “direito de cada um”, de garantir a autonomia desportiva das entidades de administração e de prática desportiva e de reconhecer da Justiça Desportiva, se tornaram princípios cardeais desportivos cristalizados na Carta Magna.[4]
Dentre os postulados em sede constitucional, o princípio da autonomia desportiva impôs limites à elaboração das leis versando sobre desporto no plano do Legislativo, na esfera do Executivo estabeleceu o parâmetro delimitador de sua discricionariedade e, no tocante ao Judiciário, condicionou a interpretação das normas do ordenamento jus-desportivo. Pontue-se, ainda, que esta consagração da autonomia dos entes desportivos dirigentes e de prática quanto a sua organização e funcionamento – como cláusula pétrea da lei desportiva – buscou exatamente preservar o desporto.
1.3. Lei Zico (Lei nº 8.672/93)
Cinco anos depois de o desporto alçar patamar constitucional, foi promulgada a Lei no 8.672, em 6 de julho de 1993, promovendo e concretizando a modernização da legislação desportiva. A lei ficou conhecida como “Lei Zico” e instituiu normas gerais sobre o desporto, com diretrizes mais democráticas, reservando espaço para a autonomia desportiva e a liberdade de associação, ambas com sede constitucional, deixando transparente, em todos os seus 71 artigos, a positivação da “filosofia da permissividade”.[5]
Acerca da “Lei Zico”, o Professor Álvaro Melo Filho, um dos idealizadores da letra legal, esclarece os aspectos inovadores trazidos pela norma:
“Com a ‘Lei Zico’ o conceito de desporto, antes adstrito e centrado apenas no rendimento, foi ampliado para compreender o desporto na escola e o desporto de participação e lazer; a Justiça Desportiva ganhou uma estruturação mais consistente; facultou-se o clube profissional transformar-se, constituir-se ou contratar sociedade comercial; em síntese, reduziu-se drasticamente a interferência do Estado fortalecendo a iniciativa privada e o exercício da autonomia no âmbito desportivo, exemplificada, ainda, pela extinção do velho Conselho Nacional de Desportos, criado no Estado Novo e que nunca perdeu o estigma de órgão burocratizado, com atuação cartorial e policialesca no sistema desportivo, além de cumular funções normativas, executivas e judiciais. Ou seja, removeu-se com a ‘Lei Zico’ todo o entulho autoritário desportivo, munindo-se de instrumentos legais que visavam a facilitar a operacionalidade e funcionalidade do ordenamento jurídico-desportivo, onde a proibição cedeu lugar à indução”.[6]
Verifique-se, portanto, que a “Lei Zico” modernizou o cenário esportivo nacional, desburocratizando o esporte e possibilitando maior autonomia dos entes desportivos em relação ao Estado.
1.4. Lei Pelé (Lei nº 9.615/98)
Posteriormente, revogando a “Lei Zico”, em 24 de março de 1998, surge a “Lei Pelé” (Lei no 9.615/98), mantendo, em grande parte, as inovações trazidas pela “Lei Zico” e trazendo outras contribuições (segundo alguns, para pior), para o desporto nacional.
Nesse sentido, faz-se pertinente colacionar os ensinamentos do advogado Mauro Lima Silveira sobre a “Lei Pelé”:
“Contudo, foi em 1993 que a Legislação desportiva começou a sofrer suas maiores transformações. A Lei 8.672, a ‘Lei Zico’, de autoria do Secretário de Esportes Artur Antunes Coimbra jamais teve aplicação, mas teve real influência na ‘Lei Pelé’. Esta simplesmente copiou a maioria dos dispositivos daquela. Impelido por razões que nos fogem discutir, o Ministro Extraordinário dos Esportes Edson Arantes do Nascimento entendeu que a legislação desportiva não deveria chamar-se de ‘Lei Zico’, e sim de ‘Lei Pelé’. E assim nasceu este atentado ao desporto brasileiro, repleto de inconstitucionalidade e desrespeito ao desporto nacional”.[7]
Ainda mais incisivo sobre a letra legal em comento, o festejado Professor Álvaro Melo Filho também comenta (ou ataca):
“(…) dotada de natureza reativa, pontual e errática, que, a par de fazer a ‘clonagem jurídica’ de 58% da ‘Lei Zico’, trouxe como inovações algumas ‘contribuições de pioria’: o fim do ‘passe’ dos atletas profissionais resultando numa predatória e promíscua relação empresário/atleta; o reforço ao ‘bingo’ que é jogo, mas não é desporto, constituindo-se em fonte de corrupções e de ‘lavagem de dinheiro’, geradoras inclusive de CPI; e, a obrigatoriedade de transformação dos clubes em empresas, quando mais importante que a roupagem jurídica formal é a adoção de mentalidade empresarial e profissional dos dirigentes desportivos. Ou seja, a ‘Lei Pelé’, produto de confronto e não de consenso, com ditames que usaram a exceção para fazer a regra, restabelece, de forma velada e sub-reptícia, o intervencionismo estatal no desporto, dissimulada pela retórica da modernização, da proteção e do ‘elevado interesse social’ da organização desportiva do País”.[8]
Controvérsias acerca de eventual “plágio da letra da Lei Zico” ou de eventual retrocesso normativo, cumpre-nos apontar 2 (duas) normas da “Lei Pelé” que resultaram, e ainda resultam, em grande discussão no meio jurídico-desportivo, quais sejam: (i) a transformação dos clubes em empresas; e (ii) o fim do “passe”.
No que concerne à transformação dos clubes em empresas, a redação original do artigo 27 da Lei no 9.615/98, restringia a prática de atividade esportiva profissional apenas às sociedades que se revestissem da forma jurídica prevista na legislação, ou seja, exigia a transformação dos clubes em empresas.
Não obstante, tal exigência se mostrava de manifestamente inconstitucional, por violar princípios consagrados pela Constituição Brasileira, como a liberdade de associação (art. 5º, XVII, CF/88) e a autonomia desportiva (art. 217, I, CF/88), de sorte que o malsinado artigo 27 da “Lei Pelé” teve sua redação alterada para restabelecer a liberdade para qualquer entidade, independentemente da forma jurídica adotada, praticar atividade esportiva profissional.
Outro tema exaustivamente debatido e recheado de controvérsias diz respeito ao “passe”, ou, mais especificamente, ao fim do instituto. A inserção do “passe livre” no ordenamento jurídico pátrio foi positivada no artigo 28 da “Lei Pelé”, que também contou com alterações em seu texto original.
2. O “passe”
Até a edição da “Lei Pelé”, o esporte brasileiro atravessou longo período de carência de legislação específica. No futebol, as relações entre atletas profissionais e clubes eram reguladas pelas disposições da Lei 6.354/76, dentre as quais urge recordar a positivação do instituto do “passe”, constante do artigo 11 do referido instrumento legal, abaixo transcrito:
Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.[9]
Para os clubes, o “passe” se mostrava como verdadeira premiação pela formação do atleta ou mesmo pela visibilidade que dava ao mesmo, permitindo sua valorização e posterior transferência de agremiação.
Noutro sentido, na visão do atleta, o “passe” consistia em verdadeiro aprisionamento, uma vez que era tolhida sua liberdade de disponibilização da própria “força de trabalho” (prática do esporte), deixando-o a mercê das agremiações detentoras de seu “passe”.
Nos dizeres de Luciano Brustolini Guerra, em análise do instituto norteada pelo prisma econômico, poder-se-ia ponderar, ainda, que:
“(…) apoiando-se no protecionismo que a legislação pátria lhes conferia, os clubes de futebol faziam do passe verdadeiro capital ativo, fonte principal de renda e subsistência. Isso porque o referido instituto impedia que o atleta, mesmo depois de encerrado o contrato de trabalho com determinado clube, procedesse à sua transferência para outra agremiação, enquanto não fosse paga a importância que a lei atribuía como devida”.[10]
Convém observar, também, que o “passe” conta com o reconhecimento da FIFA, que entende que o clube que revelou o jogador e que possui sua vinculação federativa deve ser indenizado pela eventual transferência desse atleta para outra agremiação. Assim, verifica-se o “passe” como verdadeira indenização em prol dos clubes que investiram no jogador quando ele ainda era desconhecido ou que projetaram esse jogador aos olhos do meio desportivo.
Todavia, conforme antes visto, o instituto do “passe” foi banido das práticas desportivas pela “Lei Pelé”, que instituiu o “passe livre” no Brasil.
3. O “passe livre”
Já foi visto que uma das verdadeiras inovações trazidas pela “Lei Pelé” foi a derrocada do instituto do “passe” no ordenamento jurídico nacional, inserindo o “passe livre” no ordenamento jurídico pátrio na forma positivada no artigo 28 da referida lei, que contou com alterações em seu texto original e hodiernamente possui a seguinte redação:
Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.
§ 1o Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho.
§ 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
I – com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
II – com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 3o O valor da cláusula penal a que se refere o caput deste artigo será livremente estabelecido pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada. (Incluído pela Lei no 9.981/00)
§ 4o Far-se-á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando-se, para cada ano integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não-cumulativos: (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
I – dez por cento após o primeiro ano; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
II – vinte por cento após o segundo ano; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
III – quarenta por cento após o terceiro ano; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
IV – oitenta por cento após o quarto ano. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 5o Quando se tratar de transferência internacional, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação, desde que esteja expresso no respectivo contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei no 9.981/00)
§ 7o É vedada a outorga de poderes mediante instrumento procuratório público ou particular relacionados a vínculo desportivo e uso de imagem de atletas profissionais em prazo superior a um ano. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)[11]
Consoante o artigo 26 da lei Zico, caberia ao Conselho Superior de Desportos fixar o valor, os critérios e condições para o pagamento da importância denominada “passe”. O artigo 64 da mesma lei determinava que se observassem as resoluções 10/86 e 19/88 do Conselho Nacional de Desportos até que o artigo 26 fosse regulamentado.
O §2º do art. 28 da “Lei Pelé” transformou todo o previsto na “Lei Zico” nesse aspecto e o artigo 119 do Decreto nº 2.574, de 29/04/98, revoga todas as Resoluções do extinto Conselho Nacional de Desportos, acabando com o aprisionamento dos atletas profissionais às agremiações desportivas, extinguindo o “passe”.
3.1. Aspectos positivos do “passe livre”
Em que pese opiniões contrárias à extinção do “passe” no ordenamento jurídico-desportivo brasileiro, em última análise o §2º do artigo 28 da “Lei Pelé” é a resposta ao anseio de libertação dos atletas profissionais.
Isso porque, para alguns, o “passe” nada seria do que os grilhões que atrelavam o atleta a uma entidade de prática desportiva, tornando-o escravo desse clube e não um empregado. Isso porque mesmo após o encerramento do período do contrato de trabalho, o atleta continuava vinculado ao clube, não podendo se transferir para outro sem prévia autorização de sua agremiação.
Em outras palavras, o “passe” retirava a liberdade do esportista (atleta profissional) de escolher outra agremiação (empregador) para trabalhar (praticar o esporte). Com a existência do “passe”, o atleta se tornava espécie de trabalhador que não gozava do direito de mudar de emprego, que não podia discutir bilateralmente seu contrato de trabalho, que se via obrigado a aceitar condições impostas por seu empregador, sob pena de não poder exercer sua profissão. Assim, a “Lei Pelé” vem agasalhar antigo sonho dos atletas profissionais.
Em análise jurídica do tema, sob o prisma do Direito do Trabalho, cumpre colacionar os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento acerca da legalidade e da moralidade do “passe”:
“A relação jurídica que prende o jogador de futebol profissional ao clube é trabalhista. Trata-se, portanto, de um contrato de trabalho, regido pelas leis trabalhistas, pelas leis desportivas e pelos regulamentos da Fedération Internationale de Football Association (FIFA).
(…)
O passe é uma instituição combatida.
Consiste numa liberação dos serviços do profissional, que sem essa cessão de direitos não poderá transferir-se de empregador. (…) É criticado por Russomano nos seguintes termos: ‘Nesse sistema em matéria de direito do trabalho, não existe nada mais obsoleto o trabalhador é reduzido à condição de res, e como tal submetido a poder arbitrário e despótico de deliberação do empregador. O direito do passe ou direito de transferência unilateral coloca o atleta sob a deliberação soberana do empregador, que decide a seu respeito como decide a respeito das coisas de sua propriedade’”.[12]
Nessa esteira, o §2º do artigo 28 da “Lei Pelé” é “Carta de Alforria” para o atleta profissional. De sorte que, encerrado o contrato de trabalho, encerra-se também o vínculo desportivo do atleta com a agremiação empregadora, posto que este vínculo é apenas acessório ao vínculo empregatício.
3.2. Aspectos negativos do “passe livre”
Por outro lado, sem embargo dos aspecto positivos trazidos pelo “passe livre”, grande parte dos doutrinadores não viram com bons olhos a inovação da “Lei Pelé” no sentido da extinção do “passe”.
Para eles, o “passe” seria instituto jurídico-desportivo sui generis, mais afeto ao Direito Civil do que ao Direito do Trabalho, seria instituto eminentemente contratual também se prestaria a impedir transferências abruptas de atletas, mormente no meio de competições, que causariam seu esvaziamento e o caos desportivo.
Nesse sentido, posiciona-se o professor e advogado, especialista em Direito Esportivo, Evaristo de Moraes Filho:
“Em verdade o passe não cerceia, quando regulamenta a liberdade do atleta, não chegando nem de longe a poder ser acoimado de inconstitucional.
Trata-se de instrumento adotado em toda a parte, regulado pela legislação internacional como única medida capaz de impedir a concorrência desleal e o aliciamento ilícito dos jogadores, dentro ou fora do país.
Vivendo os clubes de renda auferida pelas exibições que dão, muitos dependem do renome e da fama dos seus atletas, como atrativos para uma grande platéia.
Não raro, é o clube que faz a fama do atleta, educando-o, burilando as suas virtudes praticamente inatas e a sua própria personalidade. Tudo isso pode e deve ter uma correspondência patrimonial, que se traduz, afinal de contas, no direito, que ambos os contratantes possuem, de plena certeza de segurança do vínculo que os prende, manifestado no contrato por prazo determinado.
Sem o instituto do passe, na ganância de auferir altas rendas nos espetáculos públicos, juntamente com o significado econômico e moral das vitórias, e dos campeonatos, não haveria mais certeza nem garantia alguma nas contratações, de cuja insegurança seriam vítimas e algozes, ao mesmo tempo, os atletas e as associações desportivas”.[13]
Sob esse ponto de vista, a “Lei Pelé” agravaria a penosa situação financeira das agremiações desportivas brasileiras, esvaziando uma de suas principais fontes de renda, o “passe”.
Críticos da lei também salientam que o “passe livre” facilitaria as transferências dos atletas profissionais, produzindo um Eldorado para os empresários do mundo do esporte, que herdariam os lucros que antes seriam destinados às agremiações com o recebimento dos “passes” e continuariam a atuar livremente e com ainda mais voracidade no mercado desportivo. Ou seja, não mais seriam as agremiações os “senhores dos atletas”, mas sim seus empresários.
Sobre o “passe livre”, pondera-se, ainda, que caso não haja uma real preocupação com o futuro de todos os atletas, craques ou não, a simples liberação do “passe” não trará benefício algum aos jogadores brasileiros que, na sua maioria, jogam em médias e pequenas agremiações. Apenas uma minoria de atletas (elite esportiva) seria beneficiada com a nova legislação.[14]
Não obstante, a derrocada do instituto do “passe” também se mostraria como a retirada de empecilho financeiro para que nossos atletas profissionais deixassem o Brasil, funcionando como atrativo para que as agremiações estrangeiras viessem buscar talentos do desporto no interior de nossas fronteiras.
Em conseqüência da facilitação da atuação das agremiações estrangeiras na sedução de nossos talentos nacionais, veríamos a migração deles para as grandes praças de esporte mundiais (mais ricas), sem qualquer respeito a nossas paixões clubísticas e sem a devida indenização pecuniária pelas perdas.
4. Compensação pela extinção do passe
Independentemente de prevalecerem os aspectos positivos ou negativos no que concerne à extinção do “passe”, certo é que o sepultamento do instituto, estilizado sob a extinção do vínculo desportivo, a partir de então acessório ao vínculo empregatício, propiciou uma grande insatisfação por parte dos clubes de futebol, que tinham na compra e venda de jogadores o seu propulsor financeiro.
Assim foi que, logo depois de sancionada a “Lei Pelé”, a letra legal sofreu alterações em seu texto original introduzidas pela Lei 9.981/00, pela Medida Provisória 2141/01 e, por último, pela Lei 10.672/03.
Nesse interregno, dentre as modificações de relevo formalizadas, destaca-se que, durante certo período, por meio da edição e das reedições da Medida Provisória 2141/01, as formas de indenização previstas no regulamento de transferência da FIFA prevaleceram no ordenamento jurídico, sendo elas: indenização de formação (ou revelação) e indenização de promoção. Em suma, com a redação dada pela Medida Provisória, o direito de preferência havia sido transformado no direito de se exigir indenização pela transferência do atleta, desde que a agremiação tivesse firmado o primeiro contrato de trabalho profissional com o jogador transferido.[15]
Atualmente, os artigos 28 e 29 da “Lei Pelé” vigoram com a redação dada pela Lei 10.672, de maio de 2003, e o protecionismo amplo e exacerbado que se verificou na Medida Provisória 2141/01 foi amenizado. O direito de preferência para a primeira renovação do contrato de trabalho voltou a prevalecer sobre as indenizações de formação e de promoção, sendo oportuna a transcrição da redação presente do artigo 29:
Art. 29. A entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com esse, a partir de dezesseis anos de idade, o primeiro contrato de trabalho profissional, cujo prazo não poderá ser superior a cinco anos. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 2o Para os efeitos do caput deste artigo, exige-se da entidade de prática desportiva formadora que comprove estar o atleta por ela registrado como não-profissional há, pelo menos, dois anos, sendo facultada a cessão deste direito a entidade de prática desportiva, de forma remunerada. (Incluído pela Lei no 9.981/00)
§ 3o A entidade de prática desportiva formadora detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a dois anos. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 4o O atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 5o É assegurado o direito ao ressarcimento dos custos de formação de atleta não profissional menor de vinte anos de idade à entidade de prática de desporto formadora sempre que, sem a expressa anuência dessa, aquele participar de competição desportiva representando outra entidade de prática desportiva. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 6o Os custos de formação serão ressarcidos pela entidade de prática desportiva usufruidora de atleta por ela não formado pelos seguintes valores: (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
I – quinze vezes o valor anual da bolsa de aprendizagem comprovadamente paga na hipótese de o atleta não profissional ser maior de dezesseis e menor de dezessete anos de idade; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
II – vinte vezes o valor anual da bolsa de aprendizagem comprovadamente paga na hipótese de o atleta não profissional ser maior de dezessete e menor de dezoito anos de idade; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
III – vinte e cinco vezes o valor anual da bolsa de aprendizagem comprovadamente paga na hipótese de o atleta não profissional ser maior de dezoito e menor de dezenove anos de idade; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
IV – trinta vezes o valor anual da bolsa de aprendizagem comprovadamente paga na hipótese de o atleta não profissional ser maior de dezenove e menor de vinte anos de idade. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
§ 7o A entidade de prática desportiva formadora para fazer jus ao ressarcimento previsto neste artigo deverá preencher os seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
I – cumprir a exigência constante do § 2o deste artigo; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
II – comprovar que efetivamente utilizou o atleta em formação em competições oficiais não profissionais; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
III – propiciar assistência médica, odontológica e psicológica, bem como contratação de seguro de vida e ajuda de custo para transporte; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
IV – manter instalações desportivas adequadas, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade, além de corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva; (Redação dada pela Lei no 10.672/03)
V – ajustar o tempo destinado à formação dos atletas aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, exigindo o satisfatório aproveitamento escolar. (Redação dada pela Lei no 10.672/03)[16]
Pela nova redação, tornou-se possível que o vínculo entre atleta e agremiação se estenda por até 7 (sete) anos, sendo 5 (cinco) anos em se tratando de o primeiro contrato profissional (que pode ocorrer a partir dos dezesseis anos de idade), prorrogado por até mais 2 (dois) anos.
Portanto, a vinculação do atleta para com o clube que lapidou suas habilidades esportivas e investiu (também financeiramente) em seu talento, pode se dar contratualmente e as proteções desse vínculo seriam as mesmas inerentes a algumas modalidades de contratos, conforme o Direito Civil vigente, dentre as quais destacamos a Cláusula Penal.
4.1. A cláusula penal
Assim sendo, mesmo diante da extinção do “passe”, a fim de se garantir o Direito à indenização por eventual transferência de atleta revelado ou promovido pela agremiação, tornou-se obrigatória a estipulação da cláusula penal nos contratos profissionais de trabalho entre os atletas e os clubes, de qualquer modalidade esportiva, praxe no meio desportivo que se mostrou como verdadeiro substituto do “passe” no ordenamento jurídico brasileiro.[17]
Observe-se, portanto, que, claramente, o principal escopo da incorporação desse instituto (cláusula penal) à relação profissional entre atletas e agremiações é justamente atender às peculiaridades dessa relação jurídica, garantindo aos clubes o recebimento de indenização nos casos de transferência dos atletas, mesma finalidade a qual se prestavam o “passe” e as indenizações previstas no regulamento da FIFA, qual seja a compensação pela extinção do vínculo jurídico.
Todavia, uma diferença essencial emerge da extinção do “passe” e sua substituição pela cláusula penal, pois na vigência do instituto do “passe”, o vínculo trabalhista e o vínculo desportivo coexistiam, enquanto no atual regime jurídico o vínculo jurídico é unicamente trabalhista, sendo o vínculo desportivo de natureza acessória.
A Cláusula Penal tem previsão legal e regulamentação nos artigos 408 e seguintes do Código Civil vigente, Lei nº 10.406/02, mas o código não traz um conceito para o instituto em seu bojo, restringindo-se a tratar, no seu artigo 409,[18] da forma pela qual se dá sua constituição, ficando com a doutrina a tarefa de conceituá-la.
Sobre o tema, o eternizado jurista Clóvis Beviláqua afirma que a cláusula penal “é um pacto acessório, em que se estipulam penas e multas, contra aquele que deixar de cumprir o ato ou fato, a que se obrigou, ou, apenas, o retardar”[19] e consagrado jurista Caio Mário da Silva Pereira elucida que “a cláusula penal ou pena convencional é uma cláusula acessória, em que se impõe sanção econômica, em dinheiro ou outro bem pecuniariamente estimável, contra a parte infringente de uma obrigação”.[20]
Todavia, um dos mais completos conceitos da cláusula penal vem do eminente civilista Rubens Limongi França, que afirma que:
“A cláusula penal é um pacto acessório ao contrato ou a outro ato jurídico, efetuado na mesma declaração ou declaração à parte, por meio do qual se estipula uma pena, em dinheiro ou outra utilidade, a ser cumprida pelo devedor ou por terceiro, cuja finalidade precípua é garantir, alternativa ou cumulativamente, conforme o caso, em benefício do credor ou de outrem, o fiel cumprimento da obrigação principal, bem assim, ordinariamente, constituir-se na pré-avaliação das perdas e danos e em punição ao devedor inadimplente”.[21]
Com as definições em mente, temos que uma das características da Cláusula Penal é ser uma obrigação acessória. Assim sendo, podemos concluir que: sua forma deve seguir a da obrigação principal; a nulidade da cláusula penal não acarreta a da obrigação principal; e, de outro lado, a nulidade da obrigação principal implica a da cláusula penal.
A Cláusula Penal pode ser estipulada entre as partes e funciona como espécie de indenização devida na eventualidade de o devedor deixar de cumprir a obrigação na sua totalidade (cláusula penal compensatória) ou no caso de inadimplemento no prazo fixado (cláusula penal moratória).
Em que pese, via de regra, haver vedação legal de que a Cláusula Penal exceda o valor da obrigação principal (no caso dos atletas profissionais, o contrato entre eles e as agremiações) – artigo 412 do Código Civil –,[22] a Cláusula Penal Desportiva não se submete ao limite da legislação civil.
Nesse aspecto, os parágrafos do artigo 28 da “Lei Pelé” (incluídos por meio das alterações trazidas pela Lei nº 9.981/00), prevêem que o valor da cláusula penal será livremente estabelecido pelas partes contratantes, desde que não ultrapasse o limite de 100 (cem) vezes a remuneração anual pactuada (artigo 28, § 3º, da “Lei Pelé”), devendo-se considerar, no cálculo da remuneração anual, todas as verbas salariais estipuladas em contrato, inclusive o 13º salário e o terço constitucional de férias. Em se tratando de transferência internacional, não haverá limitação alguma da cláusula penal, contanto que tal vontade esteja expressa no contrato de trabalho, de acordo com o que determina o §5º do artigo 28 da “Lei Pelé”.[23]
Outra inovação trazida pela “Lei Pelé” que diferencia a espécie Cláusula Penal Desportiva do gênero Cláusula Penal (civilista) é a estipulação de percentuais progressivos e não cumulativos de redução do valor da Cláusula Penal, aplicados a cada ano de vigência contratual, sendo reduzida proporcionalmente na medida em que o contrato é cumprido.[24]
Em suma, ao menos enquanto perdurar o vínculo empregatício entre atleta profissional e agremiação desportiva, continua assegurado a estes a indenização por eventual transferência daqueles (antes garantido pelo “passe”). Todavia, terminado o contrato de trabalho, que, cumpre recordar, não pode ultrapassar 7 (sete) anos, também se dissipa o Direito dos clubes a perceber a indenização oriunda da Cláusula Penal.
4.1.1. A impossibilidade da cláusula penal em benefício do atleta
Em 18.02.2005, foi publicada decisão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho que, no processo nº 1490/2002-022-03-40, movido pelo atleta Alexandre de Oliveira Silva contra o América Futebol Clube, decidiu pela aplicabilidade da Cláusula Penal também em benefício do atleta. Assim, além da multa rescisória regulada pelo artigo 479 da CLT (50% do que receberia até o termo do contrato), os atletas profissionais também fariam jus ao pagamento da cláusula penal.[25]
Porém, com todo respeito à decisão da mais alta corte trabalhista, convém salientar que, em análise minuciosa da legislação desportiva, notadamente da “Lei Pelé”, verifica-se que a cláusula penal aplica-se tão somente ao atleta, ou seja, se a rescisão ocorrer por iniciativa do clube, não é devida a cláusula penal.
Isso porque o § 5º do artigo 28, o artigo 33 e o inciso II do artigo 57 da “Lei Pelé”, quando versam sobre Cláusula Penal Desportiva, são inequivocamente voltados para o atleta, afastando a hipótese aventada pelo TST.
Sobre o tema, cumpre colacionar a valiosa lição do mestre Álvaro Melo Filho:
“É importante aduzir que a cláusula penas desportiva (art. 28) é aplicável apenas ao atleta que ‘quebra’ unilateralmente o contrato, pois no caso de esse rompimento ser de iniciativa do clube, aplica-se multa rescisória (art. 31) em favor do atleta. Quanto o § 3º do art. 28 não fixar limite para avençar a cláusula penal nas transferências internacionais, deixa evidenciado que o transferido é o atleta, e não o clube, daí porque a cláusula penal incide exclusivamente sobre o atleta. Além disso, quando o art. 33 refere-se a condição de jogo (conceito aplicável tão-somente a atleta, e nunca a clube), que só será concedida com a ‘prova do pagamento da cláusula penal’, reforça o entendimento de que a cláusula penal incide apenas sobre a resolução unilateral pelo atleta profissional. (…) o mesmo legislador no art. 57, II, dissipa qualquer dúvida ao grafar que cláusula penal será paga pelo atleta. Assim, vê-se, em face de interpretação sistemática, que a cláusula penal desportiva é devida somente pelo atleta ao clube nos valores pactuados no respectivo contrato profissional desportivo.
(…)
Aliás, é preciso atender à finalidade visada pelas partes ao estipularem a cláusula penal desportiva, que é uma compensadora das perdas e danos que o clube sofrerá em face do não-cumprimento ou cumprimento parcial, pelo atleta, do contrato de trabalho desportivo profissional. Vale dizer, a cláusula penal, na esfera desportiva, dotada de colorações e conotações especiais, tem em mira compensar o custo que o clube terá com a contratação de outro atleta, no mínimo com a mesma qualidade técnica, para substituir aquele atleta que, unilateral e desarrazoadamente, recusa-se a cumprir o pacto laboral, muitas vezes abrindo uma lacuna de difícil preenchimento para o conjunto da equipe”.[26]
Dessa forma, parece-nos que a melhor hermenêutica da legislação pátria aponta para a vedação da bilateralidade da cláusula penal, sendo esta de cunho exclusivamente unilateral e restando impossível o recebimento do benefício da cláusula penal pelo atleta. Ademais, o atleta profissional já conta com a proteção de outro instituto, a multa rescisória, sendo impensável o recebimento cumulativo deste com a cláusula penal.
4.2. Multa rescisória
A multa rescisória se dá nas ocasiões em que o clube acha por bem rescindir o contrato de trabalho do atleta antes de seu final previsto, estando o instituto com esteio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de sorte que o clube deverá arcar com as indenizações previstas na legislação trabalhista, em especial, pela multa prevista no artigo 479 da CLT, que dispõe:
Art. 479. – Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.
Parágrafo único: Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.[27]
Diante da letra legal, depreendemos que, antes do decurso do prezo do contrato, em dando o clube azo ao término do vínculo empregatício, este deverá efetuar o pagamento da multa equivalente a 50% do que o atleta receberia até o final do contrato (multa rescisória).
Dentre as causas ensejadoras da rescisão contratual do atleta profissional por culpa da agremiação (empregador), quando surgiria o direito à percepção da multa rescisória, cumpre esclarecer que, além da rescisão direta, seja por motivos técnicos, econômicos ou afins, também se encontram a mora salarial (artigo 31 da “Lei Pelé”).[28]
Conclusão
Uma das principais inovações trazidas pela “Lei Pelé” ao desporto nacional foi o “passe livre”, que pode ser encarado sob dois prismas opostos: o dos atletas e o das agremiações.
Para os atletas, o “passe livre” aparentou ser verdadeira “Lei Áurea”, haja vista que, tais quais os escravos nos tempos antigos, os atletas profissionais encontravam-se vinculados a seus senhores (os clubes) por meio de grilhões (o “passe”) e podiam ser livremente negociados, como mercadorias, independentemente de sua vontade, situação abolida pela “Lei Pelé”.
Para as agremiações, a “Lei Pelé” soa como autorização para que uma alcatéia o uso do coletivo é proposital) de empresários do desporto e de clubes estrangeiros suguem a nata do talento do esporte brasileiro, para vê-los exercer seus misteres em arenas de outros países sem que haja a justa reposição e/ou gratificação pecuniária, reduzindo ainda mais as já parcas receitas de nossos clubes.
Sem embargo, independentemente do posicionamento do leitor, insta salientar que as alterações sofridas pela “Lei Pelé” e a existência de institutos outros em nosso ordenamento jurídico, que não o “passe”, quais sejam a cláusula penal e a multa rescisória, podem funcionar como substitutivos do “passe”, a fim de evitar o pior dos quadros imaginado por atletas e agremiações, mantendo os talentos do esporte e os recursos financeiros em solo brasileiro.
Assim, em que pese não mais existir o “passe”, ao menos enquanto perdurar o vínculo empregatício entre o atleta e sua agremiação, continua assegurado o Direito dos clubes à indenização por eventual transferência dos esportistas. Todavia, com a “Lei Pelé” e o fim do “passe”, a sobrevida dessa indenização passa a ter prazo expresso, limitado ao máximo dos 7 (sete) anos previstos para os contratos de trabalho, tendo sua existência sustentada pela Cláusula Penal obrigatória.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Universidade Gama Filho – UGF. Atvogado atuante, notadamente na seara trabalhista, Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Autor do livro “Fiscalização do Correio Eletrônico no Ambiente de Trabalho” (Editora Servanda, 2007) e de diversos artigos jurídicos publicados em revistas, jornais, livros e sites especializados em Direito.
Especialista em Gestão Desportiva pela Universidade da Cidade
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