Resumo: O texto traz a legislação aplicável à meia-entrada para estudantes abordando práticas abusivas dos estabelecimentos de diversão e eventos culturais esportivos e de lazer. São abordados os direitos consumeristas aplicáveis e as possíveis medidas coercitivas para fazê-los valer.
I – Das práticas abusivas
Muitas vezes é noticiada ou presenciada conduta espúria, reprovável, abusiva, que é a de dificultar o acesso de estudantes à chamada meia-entrada em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer.
Tal dificuldade é impingida de variadas formas: uma dela é forçar os estudantes a se dirigirem pessoalmente às bilheterias para que possam adquirir a meia-entrada, sendo que os ingressos com preço integral podem ser comprados em diversos lugares, inclusive por telefone, e tal problemática já foi amplamente divulgada na mídia, especialmente quando há um grande show e muitos estudantes são atingidos por tal atitude. Note-se que esta conduta visa a dificultar ao máximo a compra de tais ingressos pelos estudantes, posto que muitos estabelecimentos encontram-se extremamente distantes. Algumas dessas casas abrem a possibilidade de compra, inclusive, por telefone, sendo que a comprovação da condição de estudante poderia ser comodamente feita na hora da apresentação do bilhete no dia do espetáculo.
Outro embaraço ao exercício de tal direito é a exigência de documentos adicionais à carteirinha (como comprovante de matrícula, de freqüência, etc), ou ainda a não aceitação da carteirinha emitida por determinada entidade, o que configura claro desrespeito à regulamentação aplicável.
Como se não bastasse, muitas vezes, quando há algum preço promocional, o valor da meia-entrada não é calculado sobre o mesmo (e note-se que os diplomas normativos infracitados referem-se expressamente ao valor “efetivamente cobrado”), e sim sobre o preço não-promocional, o que vem a corroborar com a conclusão de que não é do interesse destas empresas respeitar a classe estudantil, mas sim obter lucro a qualquer preço (com o intuito de burlar o direito à meia-entrada), às margens da lei e da Justiça, mesmo que seja às custas de um segmento eminentemente hipossuficiente.
III- Do Direito
A Medida Provisória 2.208, de 17/08/01 disciplinou a matéria da seguinte forma:
“Art. 1o A qualificação da situação jurídica de estudante, para efeito de obtenção de eventuais descontos concedidos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identificação estudantil expedido pelos correspondentes estabelecimentos de ensino ou pela associação ou agremiação estudantil a que pertença, inclusive pelos que já sejam utilizados, vedada a exclusividade de qualquer deles.
Parágrafo único O disposto no caput deste artigo aplica-se nas hipóteses em que sejam oferecidos descontos a estudantes pelos transportes coletivos públicos locais, acompanhada do comprovante de matrícula ou de freqüência escolar fornecida pelo seu estabelecimento de ensino.
Art. 2o A qualificação da situação de menoridade não superior a dezoito anos, para efeito da obtenção de eventuais descontos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identidade expedido pelo órgão público competente.
Art. 3o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.”
Relembre-se que, por força da Emenda Constitucional n.º 32, de 11/09/2001, as Medidas Provisórias editadas em data anterior à de sua publicação continuam em vigor até que Medida Provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Portanto, a referida MP encontra-se válida, vigente e eficaz.
Defende-se aqui que as condutas expostas ferem frontalmente o princípio da igualdade, consagrado no art. 5º, caput, da Carta Magna (bem como no art. 6º, inc. II do CDC), posto que estabelecem tratamento desigual, de forma arbitrária e abusiva, entre estudantes e não-estudantes, mormente tendo em vista que os primeiros são notadamente hipossuficientes em relação aos últimos, o que inclusive levou à edição da legislação que dá acesso à meia-entrada. Conforme lição de Alexandre de Moraes, “Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade – limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade (…) O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias (…) Finalmente, o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor” (Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo, Atlas, 2001, p. 63)
Também diversos princípios do CDC, notadamente o da boa-fé, são afrontados. Conforme a mais balizada doutrina, “O Código adotou, implicitamente, a cláusula geral de boa-fé, que deve reputar-se inserida e existente em todas as relações jurídicas de consumo, ainda que não inscrita expressamente no instrumento contratual. O princípio é praticamente universal e consta dos mais importantes sistemas legislativos ocidentais, em leis e normas de proteção do consumidor.” (NERI JÚNIOR, Nelson in Codigo Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.500).
Resta claramente configurada a infração de vários dispositivos do CDC:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:(…)
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:(…)
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (…)
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:(…)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;(…)
XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; (…)
§1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (…)
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; (…)
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Note-se que o art. 34 do mesmo diploma legal estabelece a responsabilidade solidária de todos os envolvidos no fornecimento do produto ou serviço; o art. 56 estabelece as possíveis sanções administrativas a que estão sujeitos os fornecedores, independentemente das esferas civil, penal e outras sanções determinadas por normas específicas.
II – Da legimidade
Resta claramente verificada a relação de consumo, visto que plenamente caracterizados os conceitos de “consumidor” e “fornecedor” na hipótese em questão, conforme os arts. 2º e 3º do CDC; ainda, incide a inversão do ônus da prova com relação a todas as práticas relatadas, nos moldes do art. 6º, inc. VIII do CDC, pois caracterizar-se-ia verdadeira probatio diabolica a prova de uma omissão, ou seja, de que as referidas casas de espetáculo não possibilitam ou dificultam a venda de meia-entrada para estudantes.
Além da cediça possibilidade de ingresso com a ação cabível no Juizado Especial Cível ou na Justiça Comum (conforme a alçada), o art. 51, §4º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) estabelece que “é facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”. Os arts. 81 e 82 do mesmo Codex estabelecem a legitimação do Ministério Público (dentre outros co-legitimados) para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores.
Assim, o parquet poderá promover as diligências necessárias para que, sob pena de eventual propositura de Ação Civil Pública, os estabelecimentos infringentes cessem imediatamente as práticas abusivas, mediante celebração, se cabível, de Compromisso de Ajustamento de Conduta (art. 5º, §6º da Lei 7.347/85).
Portanto, essas são algumas das ferramentas disponíveis para coibir tal conduta totalmente contrária à legislação consumerista e aos nobres princípios que regem as relações de consumo, que vêm se consolidando durante anos, sendo efetivados notadamente pela intensa atuação dos órgãos de defesa dos consumidores.
Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo USP. Mestre em Direito Público pela Universidad Complutense de Madrid
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