Resumo: É possível emoldurar que as cidades se desenvolvem na contemporaneidade levando em consideração, além da questão fincada no território, o trinômio moradia-trabalho-consumo inserido em uma realidade econômica capitalista existente nos países em substancial parte do globo. Verifica-se, em uma órbita urbanística, que os edifícios projetados pelos arquitetos e em consonância com os regulamentos, as cidades orientadas pelos planos urbanísticos e providas com plurais serviços públicos, as ruas, os parques etc. dizem respeito apenas a uma parcela da população. É fato, neste contexto, que toda cidade do mundo teve um grupo de habitantes pobres, que habitavam barracos da extrema periferiam ou dormiam debaixo de pontes. Na contemporaneidade, sobremaneira, a definição já não mais seria válida, maiormente na medida em que os estabelecimentos irregulares vêm, de maneira exponencial, crescendo com maior velocidade que os chamados estabelecimentos regulares, abrigando, em muitos países, a maioria da população. No território nacional, os bairros irregulares que florescem em torno dos centros urbanos regulares são denominados de favelas concentrando, como traço característico, a pobreza e, por vezes, ausência do Poder Público e dos serviços essenciais. Ora, sendo porções do território das cidades brasileiras, é possível sublinhar que as favelas passam a usufruir de condição de bairros, isto é, porções do território de uma determinada cidade ocupada, maiormente, por pessoas integrantes de uma mesma classe social-econômica.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Artificial. Favelas. Grandes Cidades.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Uma Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo; 4 O Estatuto das Cidades a partir de um viés de inspiração da salvaguarda do Meio Ambiente Artificial; 5 A Natureza Jurídica da Favela à luz do Meio Ambiente Artificial: Breve Painel do Cenário Urbanístico Contemporâneo nas Grandes Cidades
1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica do Direito Ambiental
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” [6].
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando coloca em destaque que:
“Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7].
“Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente
Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].
Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/, salientou, com bastante pertinência, que:
“(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12].
É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:
“A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15].
O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando materializada situação de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Uma Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que:
“Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011).
“Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012)
O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19].
Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, é possível coligir o entendimento jurisprudencial que:
“Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011).
“Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005).
Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas.
4 O Estatuto das Cidades a partir de um viés de inspiração da salvaguarda do Meio Ambiente Artificial
Em sede de comentários introdutórios, alinhado ao escólio explicitado alhures, cuida salientar que a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[22], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, configura o instrumento normativo que disciplina, no território nacional, o uso puro e simples da propriedade urbana, as principais diretrizes do meio ambiente artificial, alicerçado no equilíbrio ambiental, em consonância com os dispositivos contidos na Carta de Outubro. Ao lado disso, destacar faz-se carecido que o escopo primordial do legislador infraconstitucional foi de dispensar tratamento ao meio ambiente artificial adstrito não apenas ao que é estabelecido no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[23], na proporção em que a individualização dos aspectos do meio ambiente tem essencialmente função didática, mas também em razão do que estabelecem os artigos 182 e 183 do mesmo diploma, no sentido de orientar os operadores do Direito facilidade ao manusear o manejo da matéria, inclusive no que se refere à utilização dos instrumentos jurídicos essencialmente pelo direito ambiental constitucional brasileiro.
Desta feita, na denominada execução da política urbana, é possível afirmar que o meio ambiente artificial passar a receber uma tutela mediata, calcada no artigo 225 da Carta de Outubro, e uma tutela imediata, estruturada nos artigos 182 e 183 do mesmo diploma legislativo. Como bem assinala Fiorillo, “é, portanto, impossível desvincular da execução política urbana o conceito de direito à sadia qualidade de vida, assim como o direito à satisfação dos valores da dignidade da pessoa humana e da própria vida”[24]. Nesta esteira de destaque, salta aos olhos que êxito obteve o ideário no qual a execução da política urbana, contida na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[25], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, sendo orientada pelos primordiais escopo do direito ambiental constitucional e, maiormente, a realização dos valores agasalhados no artigo 1º da Carta de 1988.
“As normas de ordem pública e interesse social, que passam a regular não só o uso da propriedade urbana nas cidades mas principalmente aquilo que a lei denominou equilíbrio ambiental, deixam de ter caráter única e exclusivamente individual, assumindo valores metaindividuais na medida em que o uso da referida propriedade urbana passa a ser regulado em decorrência do que determina o art. 1º, parágrafo único, do Estatuto da Cidade”[26].
Nesta perspectiva de exposição, é verificável que a propriedade urbana passa a ser emoldura por uma ótica eminentemente ambiental, isto é, despe-se do arquétipo segundo o qual consiste em um simples imóvel localizado dentro de limites estabelecidos burocraticamente pelo legislador infraconstitucional ou alocado em específica zona por ele determinada, ambicionado a incidência de impostos, consonante entendimento vigorante no pretérito e atualmente superado. Contemporaneamente, a cidade passa a ser analisada como ambiência na qual o indivíduo pode concretizar suas potencialidade e, por extensão, substancializar a dignidade da pessoa humana. Destarte, infere-se que o bem coletivo aludido na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[27], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, ultrapassa a tradicional dicotomia existente entre direito público e direito privado, reafirmando, doutro modo, os preceitos contidos na Carta Magna. “Com acepção clara, o uso da propriedade passa a ser estabelecido em prol do bem ambiental (art. 225 da CF), com todas as consequências jurídicas dele derivadas”[28], como bem destaca Fiorillo.
Ora, a segurança e o bem-estar, alçados ao rol de direitos materiais constitucionais, apontados na seara das normas ambientais, deixam de ser observados juridicamente tão somente a partir de um prisma criminal, passando, doutra perspectiva, ter a sua proeminente importância, qual seja: assegurar a incolumidade físico-psíquica dos cidadãos, no que se refere às suas principais atividades na ordem jurídica do capitalismo. Denota-se, deste modo, que a segurança e o bem-estar passam a orientar o uso da propriedade no que concerne aos direitos fundamentais agasalhados pela dignidade da pessoa humana, sem olvidar as necessidades que derivam dos sistemas econômicos capitalistas contemporâneos. Assim, o uso da propriedade está subordinado ao meio ambiente em suas plurais facetas, a saber: meio ambiente cultural, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural, tal como, por expressa disposição contida na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[29], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, ao meio ambiente artificial.
Ancorado em tais argumentos, é patente que o Estatuto das Cidades apresenta-se como a mais robusta norma regulamentadora do meio ambiente artificial, em especial quando iça ao status de objetivo a ordenança do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelecendo, para tanto, um sucedâneo de diretrizes gerais, notadamente no que concerne à garantia do direito a cidades sustentáveis. Quadra pontuar, ainda, que essa garantia, inédita no direito pátrio, é que deverá fornecer sedimentos para edificação da maciça diretriz política urbana no território nacional, em especial no que tange aos direitos básicos de brasileiros e estrangeiros residentes no País, em especial no que compreende a relação pessoa humana e lugar em que vive. Trata-se, com efeito, de primado legislativo que objetiva conceder tutela jurídica à ambiência urbana, em decorrência da proeminência do espaço para o desenvolvimento do ser humano, na condição de animal social e político, a fim de privilegiar a concreção das plurais potencialidades de cada indivíduo.
5 A Natureza Jurídica da Favela à luz do Meio Ambiente Artificial: Breve Painel do Cenário Urbanístico Contemporâneo nas Grandes Cidades
Diante do cenário edificado pelas ponderações estruturadas acima, é possível emoldurar que as cidades se desenvolvem na contemporaneidade levando em consideração, além da questão fincada no território, o trinômio moradia-trabalho-consumo inserido em uma realidade econômica capitalista existente nos países em substancial parte do globo. Verifica-se, em uma órbita urbanística, que os edifícios projetados pelos arquitetos e em consonância com os regulamentos, as cidades orientadas pelos planos urbanísticos e providas com plurais serviços públicos, as ruas, os parques etc. dizem respeito apenas a uma parcela da população. Doutro viés, a outra não está em condições de se servir deles e se organiza por sua própria conta em outros estabelecimentos, os quais são denominados “irregulares”, comumente em contato direto com os “regulares”, mas claramente distintos. Neste passo, a ocupação do terreno dá-se sem um título jurídico organizado por meio dos diplomas legislativos vigentes; “as casas são construídas com recursos próprios, os serviços faltam ou não são introduzidos posteriormente, sempre com critérios absolutamente diversos daqueles que valem para o resto da cidade”[30].
Nesta senda, os estabelecimentos “irregulares” foram nomeados de “marginais”, eis que eram considerados um desdobramento secundário da cidade pós-liberal. É fato, neste contexto, que toda cidade do mundo teve um grupo de habitantes pobres, que habitavam barracos da extrema periferiam ou dormiam debaixo de pontes. Na contemporaneidade, sobremaneira, a definição já não mais seria válida, maiormente na medida em que os estabelecimentos irregulares vêm, de maneira exponencial, crescendo com maior velocidade que os chamados estabelecimentos regulares, abrigando, em muitos países, a maioria da população. No território nacional, os bairros irregulares que florescem em torno dos centros urbanos regulares são denominados de favelas concentrando, como traço característico, a pobreza e, por vezes, ausência do Poder Público e dos serviços essenciais.
Ora, sendo porções do território das cidades brasileiras, é possível sublinhar que as favelas passam a usufruir de condição de bairros, isto é, porções do território de uma determinada cidade ocupada, maiormente, por pessoas integrantes de uma mesma classe social-econômica. Em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[31], as favelas passaram a assumir natureza jurídica de bem ambiental, porquanto estão integradas ao traçado urbanístico de toda e qualquer cidade. Neste sentido, é possível trazer à colação o magistério apresentado por Celso Fiorillo:
“Como bairros que são, as favelas têm no âmbito jurídico uma série de interesses específicos; referidos interesses, conforme indica o art. 29, XIII, da Constituição Federal, asseguram a prerrogativa de a comunidade (pessoas integrantes de determinado bairro) tutelar direitos não só por meio da denominada iniciativa popular, visando projetos de lei específicos, observando-se a manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado (a exemplo do Município e da cidade), como mediante as ações ambientes destinadas à tutela do meio ambiente artificial sempre que ocorrer, […], lesão ou ameaça ao piso vital mínimo observado concretamente em face de diferentes hipóteses encontradas no território brasileiro”[32].
Desta feita, o direito ambiental brasileiro, ao determinar no plano constitucional a concreção de uma política pautada no desenvolvimento urbano a ser executado pelo Poder Público municipal, atrelada a garantir o bem-estar de brasileiros e estrangeiros residentes no país, explicitou a tutela jurídica das favelas, como bairros que são, orientadas a assegurar às comunidades a terra urbana, a moradia, o saneamento ambiental, a infraestrutura urbana, o transporte, os serviços públicos, o trabalho e o lazer, adotando como axioma os instrumentos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[33], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[34]. Salta aos olhos, deste modo, que cuidou o direito ambiental de salvaguardar a dignidade da pessoa humana inserida no meio ambiente artificial não apenas na órbita dos “bairros regulares”, como também dos “bairros irregulares”.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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