Resumo: O presente trabalho se propõe a examinar, detalhadamente, o real alcance dos efeitos da Emenda Constitucional n° 45/2004, que vieram a atribuir uma nova feição aos dissídios coletivos ajuizados perante a Justiça do Trabalho. Colocamo-nos a analisar as implicações da mencionada alteração constitucional na figura do poder normativo da Justiça do Trabalho, concluindo não ter sido, a mesma, extirpada do ordenamento jurídico pátrio, mas apenas tido seu âmbito de atuação reduzido. Ainda foram objetos de questionamento, as conseqüências da fixação do requisito do “comum acordo” para o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos, a manutenção do dissídio coletivo jurídico, bem como a elevação a nível constitucional da legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizamento dos dissídios coletivos de greve.
Palavras-chave: Dissídio coletivo, poder normativo, “comum acordo” e Emenda Constitucional n° 45/2004.
Sumário: Introdução; 1 Os conflitos coletivos de trabalho e suas formas de composição; 2 Caracterização dos dissídios coletivos e do poder normativo; 3 A configuração dos dissídios coletivos e do poder normativo à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004; 4 Considerações finais; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, consubstanciou parte da reforma do Poder Judiciário, contendo importantes medidas voltadas à melhoria da prestação jurisdicional.
Com relação à Justiça do Trabalho, muitas foram as inovações trazidas pela mencionada alteração constitucional, o que levou diversos juristas a afirmarem que dentre os órgãos do Poder Judiciário, aquele foi, provavelmente, o mais atingido.
Além de a sua competência material ter sido ampliada consideravelmente e de terem sido inseridas modificações na figura dos dissídios coletivos, outras medidas também relevantes foram adotadas, tais quais: a composição do Tribunal Superior do Trabalho – TST foi elevada para vinte e sete membros; foram instituídos o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, responsável pela supervisão administrativa, orçamentária, patrimonial e financeira dos seus órgãos de primeiro e segundo graus e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho, incumbida, primordialmente, de regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e a promoção na carreira e, por fim, previu-se a criação do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas.
A competência da Justiça do Trabalho, que já vinha se alargando por meio de alterações legislativas e até mesmo de decisões judiciais, sofreu uma acentuada ampliação com a EC n° 45/2004. Além de ter providenciada a supressão de lacunas atinentes à competência para processamento de conflitos trabalhistas típicos, através de um incrível detalhamento, outras controvérsias que não decorrem da relação empregatícia foram atribuídas a processamento por parte de tal Especializada.
Majoritariamente, entende-se ser a dita alteração merecedora de aplausos, uma vez que, inegavelmente, valorizou a Justiça do Trabalho, até então ameaçada de extinção.
A real importância da mencionada alteração de competência, todavia, não reside precisamente na atribuição de prestígio à Justiça do Trabalho. Conforme bem observa Francisco das Chagas Lima Filho (2005) a delimitação da competência anterior excluía da apreciação deste órgão a grande maioria dos conflitos decorrentes do trabalho humano, principalmente os oriundos do trabalho informal, que, assustadoramente, têm aumentado. Desse modo, tal matéria era relegada à Justiça Comum, que sempre se mostrou bastante lenta, formalista e onerosa, o que, em se tratando de verbas alimentares como as trabalhistas, acaba por obstar o acesso efetivo à justiça.
Tecidas importantes considerações genéricas acerca das alterações constitucionais trazidas pela Emenda, importa, de conseguinte, adentrar na delimitação do tema propriamente dito.
Sem embargo do reconhecimento da importância de todas as inovações constitucionais supramencionadas, o estudo realizado se fixa na análise de apenas um dos aspectos que envolvem toda esta temática.
Neste trabalho, nos propusemos a examinar, detalhadamente, o real alcance dos efeitos da Emenda Constitucional n° 45/2004, que vieram a atribuir uma nova configuração aos dissídios coletivos.
Indubitavelmente, esta tarefa não é das mais simples, exigindo do intérprete atenção redobrada, sob pena de incorrer em exageros, resultados de análises precipitadas ou de resistir às mudanças legislativas por puro conservadorismo desprovido de fundamento. Ambos os riscos são bastante comuns e depende-se, especialmente da prudência, para escapar deles.
Soma-se a tais dificuldades, o fato de que não raro o legislador opera as reformas sem o suficiente rigor técnico, o que pode levar os mais desatentos a constatações não condizentes com a real intenção das inovações. A alteração constitucional objeto do presente estudo também não escapou desta quase regra, e, obviamente, a sua deficiente redação não passou despercebida a renomados juristas. [1]
Constitui ainda limitação para a correta compreensão do tema, a escassez de jurisprudência a respeito, tendo em vista se tratar de alteração constitucional recente.
O objeto do trabalho realizado é, portanto, a análise das modificações instituídas nos dissídios coletivos, que são os processos coletivos do trabalho, bem como a nova configuração do poder normativo, atribuição da Justiça do Trabalho de elaboração de normas e condições de trabalho. Trata-se de tema de singular interesse e atualidade.
Muitos foram os juristas que se apressaram em se manifestar a respeito da inovação constitucional ora mencionada, o que, indubitavelmente, era fundamental, tendo em vista a urgente necessidade de firmar bases sólidas para a correta aplicação desta norma jurídica pelos magistrados trabalhistas.
Todavia, tal fim não foi alcançado, uma vez que substancialmente divergentes foram os entendimentos defendidos pelos juristas que se lançaram nesta aventura, tornando imprescindível o confronto dos diversos posicionamentos adotados, bem como a propositura de sugestões a fim de precisar a real configuração dos dissídios coletivos.
A uniformidade de interpretação, portanto, está longe de ser alcançada. Por tal razão, é imperioso que a matéria em comento seja analisada de forma mais detalhada e destituída de eventuais exageros decorrentes de averiguações apressadas. A necessidade é iminente, na medida em que diferentes problemas de ordem pragmática podem advir do manejo dos dissídios coletivos caso seja adotado um ou outro posicionamento.
Neste sentido, se manifestou Wilma Nogueira Silva para quem:
“A matéria apresenta certa complexidade e merece toda espécie de contribuição, para que se alcance, o mais brevemente possível, uma razoável harmonia doutrinária e jurisprudencial, no interesse exclusivo dos destinatários diretos da mudança: os trabalhadores, as entidades sindicais e as empresas”. (2005, p. 1033).
No incentivo à negociação coletiva também reside a importância do tema escolhido. Um dos intuitos de se redefinir a configuração aos dissídios coletivos era estimular esta modalidade de solução dos conflitos coletivos trabalhistas, o que revela amadurecimento do sistema disciplinador das relações coletivas de trabalho, uma vez que as vantagens da negociação em contraposição aos dissídios coletivos são inúmeras, conforme se demonstrará posteriormente.
Diante do exposto, verifica-se que o trabalho acadêmico realizado contém o que Décio Vieira Salomon (1999, p. 139) denomina como uma questão científica:
a) relevância operativa, uma vez que pode proporcionar novos e importantes conhecimentos aos operadores do direito;
b) relevância contemporânea, tendo em vista a atualidade do tema em comento e a preocupação do Estado e de toda a sociedade no desenvolvimento e aperfeiçoamento das relações de trabalho e
c) relevância humana, porque pode contribuir para a melhoria da vida em sociedade, promovendo a paz e o bem estar social.
Inicialmente, no estudo realizado, tecemos algumas considerações introdutórias acerca dos conflitos coletivos de trabalho e dos meios de solução dos mesmos, em especial dos dissídios coletivos.
Passaremos, a posteriori, à diferenciação das espécies de dissídios coletivos, bem como ao tratamento que lhes foi atribuído pelas Constituições anteriores e pela legislação ordinária.
Feitas tais colocações, analisaremos a inserção no texto do §2° do art. 114 da CRFB/88, da expressão “comum acordo”, pela EC n° 45/2004. Não foram poucos os doutrinadores que se apressaram em se manifestar acerca do alcance desta alteração, cujas repercussões são demasiadamente relevantes.
Cumpre ressaltar que o estudo realizado não se restringiu aos dissídios coletivos de natureza econômica. Isto porque já surgiram em sede doutrinária alguns questionamentos relevantes acerca da eventual supressão pela EC n° 45/2004 do dissídio coletivo de natureza jurídica, processo em que se pretende a interpretação de disposição normativa específica da categoria.
Também os dissídios coletivos de greve foram afetados pelas alterações trazidas pela referida emenda. O §3° do art. 114 da CRFB/88, que antes estabelecia a competência da Justiça do Trabalho para a execução de ofício das contribuições previdenciárias, passou a prever a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar os dissídios coletivos de greve, quando esta ocorrer em atividade considerada essencial à sociedade, com possibilidade de lesão ao interesse público.
Diversas são as controvérsias decorrentes da dita alteração, razão pela qual é imprescindível uma análise mais detalhada que vise ao embate dos diferentes entendimentos.
Fixaremos premissas básicas também em relação ao poder normativo, uma vez que se mostra bastante relevante a sua conceituação, a descrição de suas características e de sua origem, as principais críticas desferidas pela doutrina, bem como a feição que lhe foi dada pela Constituição em vigor e pelas anteriores.
Feitas estas exações, nos colocaremos a analisar se o poder normativo foi, finalmente, extirpado de nosso ordenamento jurídico trabalhista, o que já era, há tempos, anseio de grande parte dos envolvidos nos conflitos laborais e também daqueles que direcionaram seus estudos neste tipo de relação, ou se o mesmo sofreu apenas mais limitações, tendo sido, entretanto, mantido.
Enfim, é basicamente o enfrentamento dessas questões que permeou a construção do trabalho ora apresentado.
1 OS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO E AS SUAS FORMAS DE COMPOSIÇÃO
Conflito significa luta, combate, controvérsia. Nos dizeres de Amauri Mascaro Nascimento (1998, p. 114), trata-se de “[…] oposição ocasional de interesses, pretensões ou atitudes […]”.
O Direito do Trabalho, em virtude de objetivar a composição das reivindicações oriundas da classe trabalhadora com as possibilidades do capital, é ramo do Direito no qual se verifica intensa manifestação conflituosa.
Os conflitos de trabalho podem se concretizar no âmbito individual ou no coletivo, a depender das partes neles envolvidas e de seus objetos e finalidades.
Os conflitos individuais possuem como partes sujeitos determinados, como objeto interesses concretos destes indivíduos e como finalidade sua composição por meio da aplicação de norma jurídica já existente ao caso específico.
Os conflitos coletivos, por sua vez, são abstratos, hipotéticos, uma vez que envolvem o complexo de trabalhadores participantes de um mesmo ramo de produção, integrantes de uma coletividade, a categoria profissional.
Tais conflitos visam a proteger os interesses comuns que possuem esses entes, interesses que transcendem os objetivos meramente individuais dos trabalhadores. Não possuem como parte a soma material dos componentes de dada categoria, uma vez que não se desenvolvem entre indivíduos considerados em si mesmos.
Assim é que a apuração matemática dos integrantes das categorias profissionais é tarefa impossível, uma vez que, a todo momento, trabalhadores nelas ingressam ou as deixam. Neste caso, a solução do conflito se estenderá a pessoas indeterminadas que pertencem ou mesmo que venham a pertencer à coletividade.
Quanto à finalidade, ao contrário do que objetivam os conflitos individuais, os coletivos visam à criação, modificação ou interpretação de norma jurídica a ser aplicada às categorias neles envolvidas.
Os conflitos coletivos dividem-se em conflitos de direito, também denominados jurídicos ou de garantia e conflitos de interesse, econômicos ou de formação, segundo a matéria que os caracteriza. Enquanto os primeiros versam sobre a aplicação de regras e princípios jurídicos pré-existentes, os segundos se desenvolvem a partir de reivindicações oriundas dos trabalhadores, tendo por finalidade a fixação de novas condições de trabalho.
Essa classificação dos conflitos coletivos de trabalho serviu de base para a distinção que se faz entre as hipóteses de solução jurisdicional dos mesmos, de modo que os dissídios coletivos (instrumentos de composição jurisidicional dos conflitos) são também divididos em jurídicos e econômicos, conforme se aprofundará no curso deste trabalho.
Feitas essas considerações, passaremos a uma breve análise das diversas formas de solução dos conflitos coletivos de trabalho vislumbradas pelo ordenamento jurídico.
Os meios de composição dos conflitos coletivos de trabalho podem ser diretos, quando apenas os sujeitos de interesses conflitantes contribuem de maneira decisória para a eliminação dos mesmos, ou indiretos, nos quais se verifica a intervenção decisiva de terceira pessoa alheia ao conflito.
Como bem observam Mozart Victor Russomano e Gustavo Cabanellas (1979, p. 111), “[…] a solução indireta do conflito coletivo de trabalho resulta da impossibilidade ou do fracasso das soluções diretas […]”
As soluções diretas se dividem em hipóteses de autotutela ou autodefesa e de autocomposição.
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 21) sustentam que nas fases primitivas da civilização, em virtude de inexistir um Estado suficientemente forte de modo a impor o direito aos indivíduos, a estes incumbia, com o uso de sua própria força, fazer valer suas pretensões. Tratava-se da autotutela ou autodefesa.
Posteriormente, o fortalecimento do organismo estatal, o conseqüente desenvolvimento do corpo legislativo e o amadurecimento dos agentes sociais proporcionaram a efetivação de condições aptas a ensejar a solução efetiva dos conflitos individuais.
Os conflitos coletivos, por sua vez, só eclodiram tempos mais tarde, com o início da revolução industrial, e a autotutela vigorou por significativo tempo como a única forma de solução dos mesmos, em virtude do fraco poder aglutinatório das classes trabalhadoras.
Em virtude de seu caráter primitivo, manifestado pela imposição da vontade de uma parte sobre a outra por meio da força, a autotutela vem sendo considerada pela generalidade dos sistemas jurídicos modernos como crime de exercício arbitrário das próprias razões, sendo autorizada apenas em situações excepcionais.
Em nosso ordenamento jurídico, encontramos como exemplos típicos as hipóteses de legítima defesa da posse e de apreensão pessoal do bem no penhor legal, ambas pertencentes ao Direito Civil e de estado de necessidade e legítima defesa, do Direito Penal.
Já no âmbito coletivo juslaboralista, a autodefesa se materializa em duas figuras, a greve e o lock-out. A primeira é definida, pelo art. 2° da Lei n° 7.783/89, como: “[…] a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços ao empregador”. Apesar de já ter sido veementemente proibida pelos mais variados sistemas jurídicos, a greve é, nos tempos hodiernos, indiscutivelmente considerada direito coletivo dos trabalhadores, sendo um dos principais instrumentos de pressão possuídos pelos mesmos.
O lock-out, por sua vez, é a paralisação provisória das atividades da empresa ou de estabelecimento/setor desta, promovida pelo empregador, com o intuito de frustrar a negociação em curso ou de dificultar a acolhida das reivindicações levantadas pelos trabalhadores.
Tal instituto, a contrário da greve, é freqüentemente repelido pelos ordenamentos jurídicos, como o brasileiro, que no art. 17 da lei supracitada, o veda expressamente, garantindo aos trabalhadores todos os direitos trabalhistas referentes ao período de paralisação.
Por fim, urge mencionar que alguns doutrinadores, como Maurício Godinho Delgado (2006, p. 1293) e Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 936), entendem não constituir a greve modalidade de solução de conflitos, mas apenas “[…] instrumento de pressão econômica e política conferido aos trabalhadores socialmente organizados que possibilitará a solução do conflito”, segundo este último.
A assertiva se fundamenta na circunstância de possuir a greve natureza instrumental, auxiliando o encontro de uma resolução para o conflito, resolução esta que se materializará por meio de negociação coletiva ou de dissídio coletivo, que são, efetivamente, técnicas de composição.
Abordada a autotutela, passemos à verificação da autocomposição. Trata-se ainda de forma de solução direta para os conflitos, uma vez que as próprias partes interessadas, isoladamente ou com auxílio de um terceiro que as aconselha, criam as normas jurídicas aptas a solucionar os mesmos.
A forma autocompositiva por excelência do Direito Coletivo do Trabalho é a negociação coletiva, preconizada pela Organização Internacional do Trabalho -OIT como a técnica mais satisfatória de resolução dos conflitos coletivos de trabalho.
Tal conclusão se deve ao fato de que a negociação coletiva contribui decisivamente para o amadurecimento das relações entre os interlocutores sociais – empregados e empregadores, que são, sem sombra de dúvidas, os mais aptos a reconhecerem suas reais necessidades e possibilidades.
A importância da negociação coletiva já não passou despercebida ao constituinte de 1988, que a instituiu como uma condição para a propositura dos dissídios coletivos econômicos, sem a presença da qual deveriam os mesmos ser extintos sem a resolução do mérito.
Segue essa mesma linha de raciocínio a EC n° 45/2004, que, visando a incentivar a utilização desta importantíssima técnica de composição dos conflitos, limitou o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos à existência de comum acordo entre as partes, conforme será analisado detalhadamente ao longo do presente trabalho.
Alguns doutrinadores[2] ainda elencam a mediação como método de autocomposição dos conflitos coletivos de trabalho, sob o argumento de que o mediador apenas aproxima as partes para uma solução consensual, não possuindo poder de decisão. As partes envolvidas não estão obrigadas a aceitar as propostas elaboradas pelo mediador.
Outros, como Gustavo Cabanellas, Mozart Russomano (1979, p. 114-115) e Maurício Godinho Delgado, defendem que se trata de modalidade de heterocomposição, uma vez que, “[..] a diferenciação essencial entre os métodos de solução dos conflitos encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo utilizado” (2006, p. 1293). Assim é que a mera intervenção de pessoa externa ao conflito já configura a heterocomposição.
A mediação, conforme explanado, caracteriza-se pela intervenção de um terceiro, que além de ouvir e avaliar os termos do conflito, sugere propostas para o deslinde do mesmo.
Cumpre observar que com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a mediação dos conflitos coletivos de trabalho realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego deixou de ser compulsória, em virtude do princípio da liberdade sindical, restando não recepcionado o art. 616, §1° da CLT. Ressalte-se que a mediação voluntária ainda é significativamente exercida pela entidade supramencionada, contribuindo sobremaneira para o deslinde de alguns conflitos coletivos.
A mediação constitui figura bastante próxima à arbitragem, em virtude da presença de um agente externo às partes litigantes. Todavia, é significativamente menos interventiva, porque o mediador não pode impor a solução que entende como melhor, estando as partes livres para aceitar ou recusar suas sugestões.
Por sua vez, a arbitragem se configura, assim como a jurisdição, como modalidades de heterocomposição dos conflitos coletivos de trabalho, também chamadas de formas de solução indireta.
A primeira figura se verifica quando se transmite a um terceiro, regra geral eleito pelas próprias partes litigantes, a possibilidade de decidir o conflito e impor-lhes a decisão.
Decorre de um pacto entre as partes no sentido de submeterem suas vontades à convicção do terceiro, designado árbitro, sendo estas dominadas pela decisão deste. Em virtude do caráter decisório e impositivo da atuação do terceiro, a arbitragem é comumente classificada como modalidade de justiça privada.
O ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente a Lei de Arbitragem (Lei n° 9307/96, art. 1°), só considera como passíveis de arbitragem os direitos patrimoniais disponíveis.
Por tal razão e, em virtude da hipossuficiência do trabalhador, de seu estado de subordinação jurídica ao empregador que o impede de manifestar livremente sua vontade, a doutrina e jurisprudência pátrias não vêm admitindo a utilização da arbitragem para resolução de conflitos individuais trabalhistas.
Com relação aos conflitos coletivos de trabalho, a arbitragem, além de permitida, é estimulada pela nossa Constituição Federal, que sugere a utilização da mesma, em sendo frustrada a negociação coletiva (art. 114, §1°, CRFB).
Tal incentivo se justifica, conforme ensina Mauro Schiavi (2008, p. 37), em uma série de facilidades decorrentes da utilização da arbitragem, a saber: a maior agilidade das decisões, em virtude da inexistência de recursos; a escolha do árbitro pelas partes; a circunstância de o árbitro possuir mais condições precisar a real dimensão do conflito e a possibilidade de a decisão se dar por eqüidade.
A última modalidade de solução indireta dos conflitos coletivos de trabalho, a jurisdicional, é também a mais polêmica e a que se relaciona de modo mais incisivo com a temática deste trabalho, razão pela qual será objeto de estudo mais aprofundado no próximo capítulo.
2 CARACTERIZAÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS E DO PODER NORMATIVO
2.1 DISSÍDIOS COLETIVOS: A SOLUÇÃO JURISDICIONAL DOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO
A regra imperante nos conflitos em geral é a de que, em sendo fracassados os sistemas não-judiciais de composição dos mesmos, o Estado deve intervir no litígio, de modo a evitar que este cause efeitos danosos aos envolvidos e à sociedade como um todo.
A possibilidade de submissão dos conflitos coletivos do trabalho à análise jurisdicional decorreu da tautológica constatação de que estes, como os demais conflitos entre pessoas, devem ser solucionados pelo Estado, mais precisamente pelo Poder Judiciário, incumbido precipuamente de pacificar as controvérsias jurídicas.
No Brasil, tal ação coletiva é vulgarmente designada de dissídio coletivo, expressão que peca, indubitavelmente, por ser atécnica, uma vez que é tendente a acarretar confusão entre o fenômeno sociológico (o conflito de trabalho) e o instrumento jurisdicional que visa a solucioná-lo.
Dissídio coletivo é, nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite,
“[…] uma espécie de ação coletiva conferida a determinados entes coletivos, geralmente os sindicatos, para a defesa de interesses cujos titulares materiais não são pessoas individualmente consideradas, mas sim grupos ou categorias econômicas, profissionais ou diferenciadas, visando à criação ou interpretação de normas que irão incidir no âmbito dessas mesmas categorias” (2006, p. 938).
Amauri Mascaro Nascimento, por sua vez, o conceitua como:
“[…] um processo judicial de solução dos conflitos coletivos econômicos e jurídicos, que no Brasil ganhou máxima expressão como um importante mecanismo de criação de normas e condições de trabalho por meio dos tribunais trabalhistas, que proferem sentenças denominadas como normativas, quando as partes que não se compuseram na negociação coletiva acionam a jurisdição” (2002, p. 631).
Conforme afirmado anteriormente, a separação dos conflitos coletivos de trabalho em categorias distintas serviu de base para a classificação dos dissídios coletivos. Assim é que estes também se dividem em econômicos ou de interesses, quando visam à criação de novas condições de trabalho e jurídicos ou de direito, quando pretendem a interpretação de norma jurídica pré-existente.
Há, ainda, quem faça menção aos dissídios coletivos mistos, cujo exemplo principal é o dissídio coletivo de greve que além de objetivar a declaração da abusividade ou não do movimento, vise ao julgamento das reivindicações da categoria grevista, fixando novas normas e condições de trabalho.
Urge salientar que a impropriedade técnica das expressões acima utilizadas para identificar os diferentes tipos de conflitos e, conseqüentemente, de dissídios, não passou despercebida à doutrina.
É bastante criticada a conceituação de alguns conflitos como “de direito”. Isto porque, sendo todos os dissídios coletivos regulados pelo Direito, razão não há para assim se designar apenas uma espécie deles.
Também não é imune de críticas a expressão “dissídios econômicos”, em virtude de sua acentuada abrangência. Novamente segundo Amauri Mascaro Nascimento, pode a mesma
“[…] prestar-se a equívocos, uma vez que dá a idéia de um bem econômico, quando não é essa a sua função no problema, mas a de indicar que o conflito é de natureza constitutiva de novo conteúdo normativo para as relações coletivas de trabalho mantidas entre os sujeitos conflitantes” (2002, p. 633).
Por tais razões, o eminente jurista entende como mais adequada a nomenclatura “processos coletivos declaratórios”, em substituição a “dissídios coletivos de direito”, porque os mesmos se limitam a interpretar norma já existente, e “processos coletivos constitutivos”, em contraposição a “dissídios coletivos econômicos”, uma vez que nestes se constituem novas regras e princípios.
Certo é que, a despeito das ponderações acima indicadas, as terminologias “dissídios coletivos econômicos” e “dissídios coletivos jurídicos” são, até os dias atuais, as predominantes tanto no terreno da práxis trabalhista, sendo largamente utilizadas pelos juristas atuantes nesta Justiça Especializada, quanto em sede doutrinária.
Por fim, cumpre indicar que os dissídios coletivos econômicos se subdividem em categorias, tendo em vista a existência ou não de normas e condições de trabalho anteriormente fixadas em sede de normatização coletiva. Tal classificação foi adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme análise de seu Regimento Interno, art. 216.
Deste modo, são denominados de originários ou inaugurais os dissídios coletivos, quando inexistentes normas especiais de trabalho estabelecidas convencionalmente ou em sentença normativa anterior. Em situação contrária, ou seja, quando os dissídios objetivarem reavaliar normas previamente fixadas em norma coletiva anterior, os mesmos se designarão como dissídios de revisão. Os dissídios de extensão, por sua vez, são os que pretendem estender a toda a categoria as normas coletivas que apenas alcançavam parte dela.
2.2. PODER NORMATIVO: A COMPETÊNCIA NORMATIVA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
2.2.1. Conceituação e caracterização
Conforme explicitado, os dissídios coletivos podem ser solucionados através da fixação da interpretação adequada a determinado preceito normativo preexistente especial a uma determinada categoria ou por meio da criação normativa de condições de trabalho aplicáveis a dada coletividade.
Na primeira hipótese, verificada nos dissídios coletivos jurídicos, a sentença é meramente declaratória, uma vez que se limita a afirmar a existência ou não de determinada relação jurídica.
Nos dissídios coletivos econômicos, por sua vez, é que se vislumbra o exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho.
E o poder normativo, também denominado de competência normativa, já há um tempo considerável, é o instituto do Direito do Trabalho brasileiro que provoca maiores polêmicas, objeto das mais variadas críticas e propostas de supressão por parte dos juristas.
Por tal razão, a EC n° 45/2004, a par de alargar acentuadamente a competência da Justiça do Trabalho, também laborou no sentido de implementar modificações na figura dos dissídios coletivos econômicos, visando a atribuir nova configuração ao poder normativo, conforme se analisará com maior precisão de detalhes, posteriormente.
O poder normativo é conceituado, por Arion Sayão Romita (2005, p. 10), seu mais acirrado combatente em terrenos brasileiros, como a competência conferida à Justiça do Trabalho de criar o direito no âmbito dos dissídios coletivos econômicos.
Explicita, ainda, que neste julgamento, proferido por uma sentença normativa, a eqüidade, que normalmente atua como subsídio para a interpretação da lei, assume o caráter de fonte material do direito.
Tal provimento distingue-se da sentença clássica, que subsume os fatos ao preceito normativo preexistente, uma vez que, em virtude da inexistência de norma jurídica anterior, o julgador formula nova regra a ser aplicada às situações futuras.
É bem de se ver que, pois, que a sentença normativa constitui fonte formal do direito, de caráter geral e abstrato, já que possui efeitos erga omnes, abrangendo a totalidade da categoria envolvida no conflito, e não apenas os trabalhadores associados ao sindicato litigante.
Em virtude de suas características peculiares, é comumente atribuída pela doutrina ênfase à distinção gritante entre a sentença normativa e a sentença clássica, de modo que se afirma ser aquela, sentença, apenas formalmente, devendo ser considerada, em sentido material, ato legislativo.
É sentença formalmente porque é proferida por uma autoridade judiciária, sob os procedimentos que regulam a atuação da jurisdição. Todavia, substancialmente, produz os mesmos efeitos das normas jurídicas. Por tal razão, como bem recorda Vidal Neto, Francisco Carnelutti (CARNELUTTI, apud VIDAL NETO, 1983, p. 126) cunhou a célebre assertiva de que a sentença normativa possui “[…] alma de lei em corpo de sentença”.
A doutrina alemã observa ainda semelhanças entre a sentença normativa e as convenções coletivas, como a de ambas buscarem a regulação de conflitos coletivos trabalhistas, criando novas condições de trabalho, razão pela qual denominam a primeira de “convenção coletiva forçada ou obrigada”.
Por derradeiro, urge salientar que exercício de poder normativo não se confunde com o de jurisdição, com o “dizer o direito”. A competência normativa atribuída aos Magistrados trabalhistas corresponde ao poder de exercer atividade de natureza legislativa. Por tal razão, de modo algum o julgamento oriundo do dissídio coletivo de natureza econômica se equipara às hipóteses em que a Justiça do Trabalho julga ações coletivas exercendo estritamente o poder jurisdicional.
2.2.2. Retrospecto histórico e tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro
O Direito Comparado vem se inclinando no sentido de admitir a composição jurisdicional dos conflitos coletivos jurídicos, mas sempre hesitou no que diz respeito aos conflitos de natureza econômica, nos quais se verifica o poder normativo.
Mauro Schiavi (2007) realiza uma breve análise sobre os sistemas adotados na Espanha e em Portugal, destacando que em ambos os modelos, mesmo que o conflito de interesses não chegue a uma solução, não há a possibilidade de intervenção judicial.
Informa-nos que: “O modelo espanhol apresenta, basicamente, as seguintes modalidades de solução de conflitos: conciliação, mediação, arbitragem facultativa e solução jurisdicional apenas para os conflitos jurídicos. Também há a possibilidade de greve”.
O português, a seu turno, estabelece a obrigatoriedade de arbitragem quando o conflito não se solucionar em até dois meses de negociação.
O caráter atípico do poder normativo, que só é encontrado, além de no brasileiro, nos ordenamentos jurídicos da Austrália, Nova Zelândia, Peru e México, não passou despercebido ao ilustre jurista Ives Gandra Martins Filho (1996, p. 33-34), que alerta para a escassa previsão do mesmo nos sistemas jurídicos modernos.
Em nosso sistema jurídico a figura do poder normativo é presente desde o início do desenvolvimento do Direito Trabalhista, uma vez que sempre se optou pela solução jurisdicional de todos os conflitos coletivos de trabalho.
Em virtude de ser instituto próprio ao Direito Coletivo do Trabalho, o poder normativo da Justiça do Trabalho pátria teve, como aquele, suas raízes no regime corporativo da Itália fascista, formalizado pela Lei n° 563 e pelo Decreto de Execução n° 1.130, ambos de 1926, constituindo a “Magistratura del Lavoro”.
A V Declaração da “Carta del Lavoro”, conceituava a “Magistratura del Lavoro” como o “[…] órgão com o qual o Estado intervém para regular as controvérsias de trabalho, quer relativas ao cumprimento do contratos e normas existentes, quer referentes à determinação de novas condições de trabalho”.
O art. 16 da lei supracitada estabelecia que a Justiça do Trabalho Italiana deveria julgar, na aplicação dos contratos existentes, de acordo com as normas legais sobre interpretação e execução dos contratos e, na formulação de novas condições de trabalho, em consonância com a eqüidade.
Arion Sayão Romita (1991, p. 350-352) pontualmente observa que o poder normativo no sistema jurídico italiano se fundamentava em virtude da quase inexistência de normas jurídicas referentes ao contrato individual do trabalho e na expressa proibição à greve.
Trata-se de concretização do modelo intervencionista de regulação das relações de trabalho. O binômio proibição da greve – poder normativo tinha os claros escopos de proporcionar a intervenção do Estado nos conflitos coletivos de trabalho, evitando a negociação direta entre as classes, e, conseqüentemente, de amortecer as reivindicações dos grupos operários.
No Brasil, no mesmo período em que as nações fascistas eram consagradas na Europa, se instalou um novo regime político ditatorial, o “Estado Novo”, tendo como inspiração a doutrina corporativista.
Como bem relembram Mozart Victor Russomano e Gustavo Cabanellas (1979. p. 135-137), o foco do novo regime foi o de incrementar os direitos trabalhistas individuais e estimular a economia, concedendo auxílios aos empresários.
Nesse sentido, foram editadas diversas leis materiais trabalhistas, disciplinando de modo minucioso as condições de trabalho, foi aprimorada a atuação administrativa do Ministério do Trabalho, bem como foi instaurada, em 1939, a Justiça do Trabalho, para proporcionar maior implementação aos direitos criados.
Urge ressaltar que a Justiça do Trabalho, nesta época, constituía um setor do Ministério do Trabalho, sendo, portanto, órgão do Poder Executivo. Como neste período o Congresso Nacional havia sido destituído e todo o poder de edição de leis se concentrava nas mãos do ditador, era decorrência natural a concessão da atribuição de criar normas a um órgão executivo.
O poder normativo aliado à unicidade sindical, à sindicalização por categoria e à contribuição sindical obrigatória, que sujeitavam os sindicatos à intervenção estatal, eram os corolários do regime jurídico trabalhista brasileiro.
Todos estes institutos visavam a reprimir o entendimento direto entre as classes, a atuação reivindicatória e o poder de aglutinação dos trabalhadores, negando os conflitos trabalhistas e submetendo os sindicatos ao estrito controle estatal.
Raimundo Simão de Melo Neto (2002, p. 32) pondera que a razão de o Estado negar a existência de conflitos coletivos se justifica no fato de considerá-los nocivos aos interesses da produção, que não poderiam ser incomodados por reivindicações dos trabalhadores. Temia-se que a luta de classes pudesse afetar a sociedade e o próprio governo, razão pela qual deveria a mesma ser combatida implacavelmente.
Todavia, caso as rebeliões trabalhistas surgissem, “[…] caberia ao Estado, através da sua máquina, resolvê-las rapidamente e restabelecer a paz social”.
Assim, como os sindicatos eram fracos e a greve proibida, sendo definida pela Constituição Federal de 1937 como “recurso nocivo e anti-social”, o poder normativo foi instituído como único instrumento hábil a solucionar as controvérsias trabalhistas coletivas.
A bem da verdade, em virtude do momento político então vivido pelo país, bem como de suas características culturais, não era de se esperar que outro sistema de regulação das relações de trabalho fosse implementado, que não o do intervencionismo estatal.
O poder normativo foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Lei n° 1237, de 1939, que organizou a Justiça do Trabalho, mas que ainda não a enquadrou como entidade do Poder Judiciário.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, aprovada pelo Decreto Lei n° 5452/1943, previu, em seus arts. 868 e 869, a figura do dissídio coletivo econômico e, conseqüentemente, da competência normativa da Justiça do Trabalho, não tendo introduzido grandes novidades no tocante ao processamento do mesmo.
Por sua vez, a Constituição Federal de 1946, além de ter finalmente tornado a Justiça do Trabalho órgão do Poder Judiciário e de ter consagrado o direito de greve dos trabalhadores, estabeleceu, em seu art. 123, § 2°, que incumbia à lei especificar as hipóteses nas quais os dissídios coletivos poderiam fixar normas e condições de trabalho.
Tal inovação visava, indubitavelmente, a restringir a utilização do poder normativo pela Justiça Trabalhista, dependendo tal preceito constitucional de lei ordinária que o regulamentasse.
Em que pese a consistência do argumento acima descrito, foi a tese contrária a prevalecente no Supremo Tribunal Federal, que, em diversas decisões, assentou que enquanto não sobreviesse lei definindo os casos, irrestrita seria a competência normativa da Justiça do Trabalho.
A Emenda Constitucional de 1969 repetiu a cláusula condicionante do poder normativo à especificação legal, já tendo, todavia, tal celeuma sido solucionada jurisprudencialmente.
Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a “Constituição Cidadã”, que pretendeu implantar no Brasil um Estado Democrático de Direito, objetivo que não foi plenamente satisfeito no terreno trabalhista.
Algumas modificações, como a ênfase atribuída à negociação coletiva, o desenvolvimento da autonomia sindical e a regulamentação ao direito de greve, contribuíram bastante para o fortalecimento da estrutura sindical brasileira.
De fato, a Constituição de 1988 reconhece a importância da negociação coletiva como meio de composição dos conflitos coletivos, valorizando-a, na medida em que a estabelece como condição da ação coletiva trabalhista, do dissídio coletivo econômico. O julgamento do mérito de tal ação passou a depender da comprovação da recusa de uma das partes à negociação coletiva.
Essa norma, regulamentada pela Instrução Normativa n° 4, do Tribunal Superior do Trabalho – TST, foi responsável por extinguir um grande número de dissídios coletivos econômicos.
Trata-se da consagração do modelo da autonomia coletiva da regulação das condições de trabalho, corolário do Estado Democrático de Direito, o qual pretendia a Constituição de 1988 implementar.
Não obstante o avanço alcançado, algumas antinomias autoritárias foram mantidas em nosso ordenamento jurídico, como a unicidade sindical, a contribuição sindical obrigatória, e o poder normativo, que teve seu âmbito de atuação não mais vinculado à existência de lei reguladora.
Nesse sentido, dispôs a Constituição Federal de 1988, em seu art. 114, § 2°, a faculdade dos sindicatos, em se recusando qualquer das partes à negociação ao à arbitragem, de ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
A atual configuração do instituto do poder normativo lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n° 45/2004, cujas inovações serão analisadas, mais detidamente, nas linhas desenvolvidas no próximo capítulo.
2.2.3. Objeções e limites de abrangência estabelecidos à competência normativa
Conforme ressaltado anteriormente, a competência normativa da Justiça do Trabalho é o instituto mais controvertido de nosso sistema jurídico trabalhista, razão pela qual foi objeto das mais variadas críticas, que influenciaram, sobremaneira, a alteração a ele imposta pela EC n° 45/2004.
Por tal razão, postergar-se-á a análise da nova configuração dada aos dissídios coletivos econômicos e, conseqüentemente, ao poder normativo, à verificação dos apontamentos críticos destilados a esta figura.
O principal deles reside na consagração do intervencionismo estatal na composição dos conflitos coletivos de trabalho. O retrospecto histórico acima realizado leva à imperativa constatação de que a Justiça do Trabalho, quando do exercício de sua competência normativa, acabava por se prestar ao domínio do autoritarismo e da invasão das liberdades privadas.
O poder normativo estava estreitamente vinculado à estrutura sindical rígida que se instalou no país. A outorga de competência normativa à Justiça do Trabalho significava a existência de uma arma a mais, de um outro instrumento destinado ao alcance dos fins objetivados pelo regime autoritário, que dependia, primordialmente, do desestímulo e da repressão à luta de classes.
É bem de se ver que o embate entre as classes era por demais temido pelos detentores do poder, que nele viam o reflexo de seu despreparo e falta de firmeza para manejar os problemas sociais.
Desejava-se que os sindicatos não fossem munidos de suas funções de luta, de questionamento, e para tanto, atribuiu-se ao Estado, a competência de atuar como substituto deles, a fim de evitar o entendimento direto entre os interessados, do qual poderia redundar a ocorrência de greves.
Obviamente que os desdobramentos desta absurda intervenção estatal nas relações coletivas de trabalho são os responsáveis pela falta de tradição reivindicatória dos sindicatos e, como desdobramento lógico, pela escassa produção normativa coletiva.
Constitui o poder normativo, sem sombra de dúvidas, um dos principais fatores impeditivos do desenvolvimento no Brasil de um sindicalismo forte, realmente comprometido com a defesa dos interesses dos trabalhadores e, conseqüentemente, da melhoria das suas condições de vida.
A toda evidência, o poder normativo inibe a negociação coletiva entre os entes envolvidos, uma vez que eles se acomodam com a intervenção judicial, não procurando, por si só, soluções para os conflitos.
Não resta qualquer indício de dúvida de que a negociação coletiva, modalidade de autocomposição exercida nos conflitos coletivos de trabalho, é a melhor técnica de solução dos mesmos, tendo sido, assim preconizada pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, pelo fato de contribuir, inexoravelmente, para o amadurecimento das relações entre os interlocutores sociais.
De fato, ninguém melhor do que os próprios trabalhadores para reconhecerem suas necessidades e do que os empregadores para indicarem as possibilidades de suas empresas.
Enoque Ribeiro dos Santos (2005) enumera algumas vantagens da negociação coletiva sobre os dissídios coletivos, tais quais: a celeridade na elaboração de acordos e convenções coletivas; a maior adaptação ao caso concreto, uma vez que toma em consideração as peculiaridades de cada empresa, ramos de atividade, custos de produção; a propensão a uma maior estabilidade social e a um menor nível de conflituosidade, já que as novas condições foram estabelecidas pelas próprias partes interessadas; o fato de ser mais compatível às necessidades e exigências do mercado e da produção, especialmente pela circunstância de as empresas operarem em um mercado globalizado, sem fronteiras territoriais, utilizando-se de altos níveis de tecnologia e informática; sua contribuição ao fortalecimento dos sindicatos e de outras formas de organização dos trabalhadores no local de trabalho; e à atuação no desenvolvimento de um maior grau de solidariedade e integração entre trabalhadores e empregadores.
Outra objeção comumente atribuída ao poder normativo é a de que o mesmo consistiria em ofensa ao princípio da separação dos poderes. Em que pese tal alegação, alguns juristas[3] entendem que o dinamismo das relações econômico-trabalhistas exige que a regulamentação jurídica seja também rápida, o que é peremptoriamente incompatível com a lentidão característica do Poder Legislativo.
A bem da verdade não se trata, nem da única e nem da última situação em que o exercício de uma atribuição típica de um poder é transferida, atipicamente, a outro. Cita-se como exemplo, a possibilidade de edição de Medidas Provisórias, pelo Chefe do Poder Executivo.
Também constitui um ponto negativo do poder normativo a circunstância de os magistrados trabalhistas não conhecerem, a fundo, as reais situações de todos os setores econômicos, arbitrando, desse modo, condições de trabalho divorciadas da realidade, o que acaba por retirar da sentença normativa a sua efetividade.
Tal situação é agravada pela parca possibilidade de instrução probatória nos dissídios coletivos econômicos, o que levava os magistrados a julgarem quase que por íntima convicção.
Soma-se às críticas indicadas ao exercício do poder normativo a circunstância de que a significativa maioria dos tribunais do trabalho se negava a fundamentar as sentenças normativas, sob o argumento de que a edição de normas, tarefa por eles desempenhada quando da concretização desta competência, dispensa motivação.
Arion Sayão Romita, por meio de uma interpretação sistêmica da Constituição Federal, destaca algumas antinomias decorrentes do exercício daquele instituto, que por sua relevância, merecem ser transcritas:
“1ª – entre o art. 1º, parágrafo único, e o artigo 114, § 2º: se o povo exerce poder por intermédio de seus representantes eleitos, o poder normativo, exercido pelos juízes, não poderia ser acolhido pela Constituição, pois juízes não são representantes do povo; 2ª – entre o artigo 5º, inciso LV, que reconhece o princípio do contraditório sem qualquer exceção, e o artigo 114, § 2º: no exercício do poder normativo, a Justiça do Trabalho não é obrigada a observar o referido princípio, pois exerce jurisdição de eqüidade, dispensando a manifestação de contrariedade por parte da categoria econômica suscitada no dissídio coletivo; 3ª – entre o artigo 93, inciso IX e o artigo 114, § 2º: como decisão judicial, a sentença normativa não pode deixar de ser fundamentada, sob pena de nulidade; entretanto, o poder normativo se exerce como meio de solução de controvérsia coletiva, mediante edição de normas (poder legislativo delegado), tarefa que dispensa fundamentação; 4ª – entre o artigo 9º e o artigo 114, § 2º: enquanto o primeiro dispositivo assegura o exercício do direito de greve pelos trabalhadores, o outro o inviabiliza, pois o poder normativo é utilizado para julgar a greve, inibindo o entendimento direto entre os interlocutores sociais”. (2001, p. 268).
Por todas as razões expostas, a competência normativa da Justiça do Trabalho já vinha sendo mitigada pela jurisprudência, principalmente a manifestada nos julgados do TST e do STF.
Em célebre decisão, o ex-Ministro do TST Coqueijo Costa, pretendeu estabelecer os limites do poder normativo, assim dispondo:
“O poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho, limita-se, ao norte, pela Constituição Federal; ao sul, pela lei, a qual não pode contrariar; a leste, pela eqüidade e bom senso; e a oeste, pela regra consolidada no artigo setecentos e sessenta e seis, conforme a qual nos dissídios coletivos serão estipuladas condições que assegurem justo salário aos trabalhadores, mas permitam também justa retribuição às empresas interessadas”.[4]
Todavia, é a decisão proferida por Octávio Gallotti (RE n° 197.911-9, DJU 7.11.1997), então Ministro do STF, a responsável por limitar, peremptoriamente, o âmbito de atuação do poder normativo às hipóteses de vazio legal, quando não contrarie ou se sobreponha à lei vigente, desde que as condições não estejam vedadas pela Constituição e que a matéria tratada não esteja reservada à lei formal pela Constituição. Trata-se da fixação do limite máximo da competência normativa.
Assim, se houver texto legal acerca da matéria conflituosa, não poderá ser reduzida, nem ampliada a garantia da lei, salvo se esta expressamente declarar que estabelece um benefício mínimo. É o que ocorre com o adicional de horas extras, que poderá ser acrescido por meio de sentença normativa, caso não exista lei fixando outro, já que a Constituição Federal dispõe, em seu art. 7°, inciso XVI, que a remuneração do serviço extraordinário deve ser superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal.
Por outro lado, quando a lei fixa exatamente o montante do benefício, não poderá haver a extensão do mesmo em dissídio coletivo. Arion Sayão Romita (1991, p. 350) exemplifica tal hipótese com a licença à gestante, que tem sua duração estabelecida, constitucionalmente, em exatos cento e vinte dias.
Urge salientar que os limites mínimos impostos ao poder normativo serão analisados mais detidamente ao longo deste trabalho.
Estas preocupações com o exercício do poder normativo incentivaram diversos estudos, tendo sido, inclusive, objeto de análise por parte do Fórum Nacional do Trabalho, instituído em 2004, cujo objetivo era o de promover o debate entre membros do governo e entidades representativas de empregados e empregadores, visando ao alcance de propostas que sustentassem as futuras reformas trabalhista e sindical.
A principal constatação advinda destas reuniões foi a de que tanto os empregados, quanto os empregadores repudiavam a competência normativa da Justiça do Trabalho, razão pela qual a EC n° 45/2004, que consubstanciou a primeira parte da reforma do Poder Judiciário, não poderia se quedar silente neste particular.
O poder normativo também não é visto com bons olhos pela OIT, que conforme já afirmado, preconiza a negociação coletiva como o meio de resolução de conflitos coletivos por excelência.
Amauri Mascaro Nascimento (2005, p.650-651) recorda passagem em que o Comitê de Liberdade Sindical da OIT, após ser questionado pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, por ocasião da greve dos petroleiros ocorrida em 1995, sugeriu que algumas medidas fossem tomadas pelo governo brasileiro, dentre as quais: a transformação do sistema de solução de conflitos coletivos com a adoção da arbitragem quando solicitado pelas partes e a manutenção do dissídio coletivo apenas nas hipóteses de greve em atividades essenciais.
3 A CONFIGURAÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS E DO PODER NORMATIVO À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004.
A Emenda Constitucional n° 45/2004, que consubstanciou parte da reforma do Poder Judiciário, foi a responsável por alterar, drasticamente, a estrutura da redação do art. 144 da CRFB, e, conseqüentemente, atribuir nova configuração aos dissídios coletivos, com o nítido propósito de incentivar o manejo da negociação coletiva, como principal técnica de resolução dos conflitos coletivos de trabalho.
Neste particular, foram alterados os § 2° e § 3° do art. 114, conferindo-lhes a seguinte redação:
“§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”
A redação anterior do § 3° do mencionado artigo, que previa a execução de ofício das contribuições sociais, foi incluída no inciso VII do mesmo dispositivo legal.
Há que se explicitar, inicialmente, que não são poucos os questionamentos levantados pelos juristas pátrios acerca da alteração constitucional supracitada. Também foram muitas as divergentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais surgidas, razão pela qual as incertezas que permeiam a matéria, sob seus variados ângulos, são significativas.
A fim de tornar mais didático o enfrentamento de todas as questões levantadas sobre a matéria em comento, agrupar-se-á as mesmas em três grupos: dissídios coletivos econômicos, dissídios coletivos jurídicos e dissídios coletivos de greve, analisando as alterações provocadas pela Emenda a cada uma das espécies de dissídios.
3.1. O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS ECONÔMICOS
3.1.1. Supressão X redução do poder normativo – retirada da expressão “estabelecer normas e condições de trabalho”.
A primeira divergência doutrinária quanto aos dissídios coletivos econômicos é a que separa os que defendem que a alteração constitucional em questão extirpou de nosso ordenamento jurídico a figura do poder normativo, daqueles que sustentam ter havido simples restrição ao mesmo.
Tal objeção surgiu da omissão da expressão “podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições de trabalho” na nova redação do § 2° do art. 114 da CRFB, que apenas autoriza a Justiça do Trabalho a “decidir o conflito”.
Neste particular, em que pesem as alegações de abalizados juristas, como Walter Wiliam Ripper (2005), Marcos Neves Fava (2005, p. 288-290) e José Augusto Rodrigues Pinto (2005, p. 243), inclino-me ao defendido pela maioria da doutrina e consagrado jurisprudencialmente, em virtude de entender que a interpretação literal por aqueles atribuída à nova redação do dispositivo legal em comento é insatisfatória.
O primeiro sustenta que:
“A exclusão da expressão estabelecer normas e condições, ao nosso entender, exclui qualquer possibilidade de manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho e limita suas decisões aos mínimos preceitos legais e às cláusulas anteriormente negociadas, mas, ainda assim, desde que o conflito coletivo seja fundado no conteúdo e não na existência dessas cláusulas, bem como seja proposto de comum acordo das partes e na forma de arbitragem judicial irrecorrível, como anteriormente. O poder criativo da Justiça do Trabalho foi banido quando o legislador propositadamente substituiu a expressão estabelecer normas e condições por decidir o conflito”.
José Augusto Rodrigues Pinto, por sua vez, enfatiza que a decisão de um conflito significa o julgamento de pretensões deduzidas em juízo atendo-se aos limites da controvérsia, “[…] o que é muito diferente de quem pode, em face de uma pauta de propostas unilateralmente apresentada pelo suscitante, estabelecer (criar) normas e condições”
Fico com os que defendem que a Emenda Constitucional ora analisada contribuiu apenas para restringir o poder normativo através da fixação de condição para o ajuizamento do mesmo, o que será posteriormente verificado.
Na esteira do sustentado por Arion Sayão Romita (2005, p. 35), entendo que ao autorizar a Justiça do Trabalho a decidir os conflitos coletivos de trabalho, a mencionada alteração constitucional reconheceu sua competência normativa, uma vez que tal ação coletiva só é decidida mediante a fixação de normas e condições de trabalho.
Edson Braz da Silva (2005, p. 1039-1040) também caminha nesta direção, lembrando que nas discussões manifestadas no Fórum Nacional do Trabalho, já citado, apesar de as representações de empregadores e empregados pugnarem pela simples extinção do poder normativo, tal providência não foi a adotada pela reforma constitucional, que apenas condicionou o exercício deste ao comum acordo entre as partes.
Interpretando o processo histórico de elaboração da EC n° 45/2004, em especial os discursos dos blocos congressistas de oposição de idéias, André Luis Spies (2005, p. 300-301) também chega à mesma conclusão, defendendo a permanência do caráter criativo do poder normativo.
Por fim, merece ser apontada a sustentação do Eminente Ministro do TST José Luciano de Castilho (2005, p. 32-34), que fundamenta a manutenção do poder normativo na possibilidade de fixação, por parte do Poder Judiciário Trabalhista, de direito superior ao que está previsto em lei, ainda que sem prévio ajuste em norma coletiva anterior.
É bem de se ver, pois, que a lei é piso e não teto para o exercício do poder normativo.
3.1.2Condições de trabalho anteriormente ajustadas em negociação coletiva
Essas assertivas nos levam, inexoravelmente, à análise de outra modificação da redação original do § 2° do art. 114 da CRFB, através da substituição da expressão “respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”, pela “respeitadas as disposições legais mínimas de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Convém realizar, preliminarmente à perquirição das conseqüências da alteração do dispositivo legal supra apontado, uma análise do alcance atribuído pela doutrina e jurisprudência pátrias à sua redação original.
A interpretação literal da norma em comento, que exigia que a competência normativa da Justiça do Trabalho respeitasse as disposições convencionais mínimas de proteção ao trabalho, levava muitos ao entendimento equivocado de que as cláusulas das convenções e acordos coletivos e individuais deveriam se incorporar aos contratos de trabalho.
Em que pese o argumento acima descrito, prevaleceu, tanto em doutrina, quanto em jurisprudência, o posicionamento contrário, negando a possibilidade de incorporação aos contratos de trabalho das disposições convencionadas anteriormente, entendimento que foi, inclusive, sumulado, no Enunciado n° 277 do TST e consagrado pela OJ n° 322 da SDI-I do TST.
Admitir o oposto consistiria em atribuir a tais instrumentos normativos vigência indeterminada, contrariando o período estipulado pelas próprias partes para duração dos mesmos, e, conseqüentemente, violando tal ato jurídico perfeito.
Como bem observa Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2005, p. 85), a matéria tratada pela regra em comento “[…] não é propriamente a respeito de integração ou não das normas coletivas nos contratos individuais de trabalho, mas sim o critério estabelecido, pela Constituição Federal, para o julgamento do dissídio”.
Trata-se não de disposição relativa ao direito individual do trabalho, e sim, de regra de julgamento, fixando limites mínimos ao poder normativo da Justiça do Trabalho, que deverá observar no julgamento do dissídio coletivo de natureza econômica as disposições de norma coletiva anterior, não podendo reduzir vantagens alcançadas por determinada categoria em negociação passada.
É bem de se ver, pois, que as cláusulas constantes dos acordos ou convenções coletivas anteriores só podem ser modificadas em sentido mais favorável aos trabalhadores. A redução dos benefícios alcançados só tem cabimento, excepcionalmente, quando se demonstre que, em face do caráter dinâmico da sociedade e da economia, a cláusula que os estabelece se tornou excessivamente onerosa ou inadequada.
Em consonância com o acima descrito está o posicionamento adotado pelos tribunais regionais trabalhistas e pelo TST[5].
Caso se defendesse a incorporação de tais normas aos contratos de trabalho, seria forçoso concluir que as mesmas também não poderiam ser alteradas por novos acordos ou convenções coletivas de trabalho, o que não ocorre.
Manoel Antônio Teixeira Filho, com a precisão de raciocínio que lhe é peculiar, enfatiza que a finalidade da norma constitucional em comento reside em
“[…] preservar, no julgamento do dissídio coletivo, as cláusulas consensuais, como providência destinada a prestigiar o que se poderia denominar de vontade jurígena (fonte formal do direito), das partes, impedindo, dessa forma, de vir a ser desconsiderada por ato da jurisdição” (2005, p. 206).
Por fim, é importante ressaltar que somente se exige da sentença normativa a observância ao mínimo estabelecido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, do que se conclui que as disposições constantes de sentença normativa anterior não vinculam o a autoridade julgadora.
Feitas essas considerações acerca do alcance dado à expressão constante do texto originário do art. 114 da CRFB, urge ressaltar que a doutrina, quase que de forma unânime, se pronunciou no sentido de que a nova redação, imposta pela EC n° 45/2004, não difere, substancialmente, da anterior, se apoiando no fundamento de que apenas houve alteração nas fontes formais (disposições legais e disposições convencionadas) a serem respeitadas quando do julgamento do dissídio coletivo de natureza econômica.
É este também o entendimento adotado pelo Colendo TST, como se extrai da leitura do julgado a seguir:
“Nesse sentido, segue a decisão ementada: DISSÍDIO COLETIVO – ACORDO PARA SEU AJUIZAMENTO – MANUTENÇÃO DE CLÁUSULAS SOCIAIS ANTERIORMENTE AJUSTADAS EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A) Na Delegacia Regional do Trabalho a Suscitada diz que retirava suas propostas para aguardar o Dissídio Coletivo. Ajuizado o Dissídio, em 26/1/2005, na audiência de conciliação foi dito pelo Ministro Instrutor que o processo se encontrava devidamente formalizado pela legislação atual e em seguida deu a palavra à Suscitada, que nada disse sobre a necessidade de acordo e foi iniciada uma negociação que, entretanto, não se concretizou. Mas, apresentando a sua resposta, a Suscitada disse que não concordava com o ajuizamento do Dissídio. Não poderia mais manifestar a sua oposição, pois, até então, comportara-se como se concordasse com o mesmo. B)Cláusulas Sociais conquistadas em negociações anteriores devem ser mantidas pela Sentença Normativa por aplicação do § 2º do art. 114 da Constituição Federal com as modificações feitas pela EC nº 45/2005.” (Processo: DC – 150085/2005-000-00-00.3 Data de Julgamento: 09/06/2005, Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 27/06/2005).
3.1.3Exigência do “comum acordo” para ajuizamento do dissídio coletivo
A despeito de terem sido muitas as modificações na redação dos parágrafos do artigo 114 da CRFB, é imperativa a conclusão de que a introdução da exigência de “comum acordo” entre as partes do dissídio coletivo para o ajuizamento do mesmo foi a que gerou o mais significativo debate doutrinário.
Abre-se, inicialmente, parênteses para enfatizar a deficiente redação do § 2° do artigo supracitado, que além de fazer menção ao “comum acordo”, como se algum acordo pudesse não ser comum, como se algum acordo não exigisse o consenso entre as partes, utiliza a expressão “dissídio coletivo econômico”, nomenclatura que, conforme já analisado, é imprecisa, é mais abrangente do que pretende ser.
É forçoso concluir, preliminarmente ao enfrentamento dos argumentos levantados para a defesa ou a crítica à modificação constitucional em comento, que a implementação da exigência do “comum acordo” ou “mútuo consentimento” foi uma solução moderada que o legislador constituinte encontrou entre o banimento do poder normativo, o que era defendido ardorosamente por muitos e, sua manutenção integral. E, ao entender de alguns juristas, posicionamento ao qual me filio, foi a medida acertada, tendo em vista a realidade das lideranças sindicais de nosso país, que não pode, de modo algum, ser olvidada, conforme de explicitará mais profundamente.
A toda evidência, distintas teses jurídicas já foram levantadas a respeito do requisito em questão, inclusive a de estar o mesmo eivado de inconstitucionalidade, o que fundamentou o ajuizamento de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Até o presente momento, transitam no Supremo Tribunal Federal cinco ADIs contrárias à exigência do “comum acordo”, a saber: ADI n° 3392, ADI n° 3423, ADI n° 3431, ADI n° 3432 e ADI n° 3520, todas pendentes de julgamento.
A defesa da inconstitucionalidade acima mencionada se apóia, primordialmente, na ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do livre acesso ao Judiciário, consagrado no art. 5°, inciso XXXV da CRFB, que assim dispõe: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ainda foram alegadas, em algumas das ações constitucionais citadas, violação ao direito adquirido, ao devido processo legal e ao princípio da razoabilidade.
Abalizados juristas, como Manoel Antônio Teixeira Filho (2005, p. 201-206) e Arnaldo Süssekind (2005, p. 1031-1032), sustentam que a impossibilidade de que o ajuizamento da ação coletiva econômica se dê de modo unilateral pela parte interessada inibe o direito constitucional de ação, direito este que além de ter sido produto do Poder Constituinte Originário, se inclui no rol dos fundamentais, razão pela qual não pode ser atingido pela reforma constitucional.
A ofensa ao mencionado direito se justificaria na presunção de que a convergência de interesses em classes antagônicas para ajuizamento do dissídio dificilmente ocorre, quando já restaram frustradas as tentativas de negociação coletiva ou de arbitragem extrajudicial.
Afastando a exigência do “comum acordo” se manifesta Wilma Nogueira (2005, p.1035), ao defender que a mesma configura a imposição de uma condição impossível e potestativa ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A seu ver, a condição obriga ao impossível, uma vez que pressupõe o utópico assentimento entre partes discordantes em momento de absurda conflituosidade, uma vez que já fracassaram as tentativas de negociação e de arbitragem voluntária. Além de ser impossível, trata-se de condição potestativa, uma vez que ocasiona a “[…] distribuição, entre as partes litigantes, de um requisito de admissibilidade que, se não satisfeito, prejudicará apenas uma delas, e precisamente aquela que fica submetida ao exclusivo arbítrio da outra […]”.
Os defensores da inconstitucionalidade do requisito em questão sustentam ainda que a inviabilidade do alcance do “mútuo consentimento” será responsável por estimular a deflagração de greves, como instrumento de pressão ao alcance das condições de trabalho almejadas.
Márcio Ribeiro do Valle (2005, p. 103-104) também entende que a imposição do mútuo consentimento seria inconstitucional, em virtude dos motivos explicitados. Por tal razão, realiza uma interpretação da norma em comento conforme a Constituição, concluindo que o intuito do legislador foi apenas o de tornar o “comum acordo” faculdade das partes que pretenderem ajuizar o dissídio coletivo de interesses. Argumenta, por tal razão, que nas hipóteses em que a conciliação não fosse alcançada, seria possível o ajuizamento sem o “comum acordo”.
A nosso ver, com o devido respeito aos defensores, trata-se de defesa equivocada. Indubitavelmente, o que a norma constitucional faculta é o ajuizamento do dissídio coletivo, como já fazia em sua redação anterior, e, não, o “comum acordo” para o ajuizamento. Diante da clareza do novo texto constitucional, não há como se negar a exigência de tal requisito.
Em que pesem as alegações de inconstitucionalidade, não parece ser este o entendimento prevalecente tanto em sede doutrinária, quando jurisprudencial. Nesse sentido, colacionam-se posicionamentos de ilustres juristas, bem como recentes decisões dos TRTs e do TST.
A consistência da defesa da constitucionalidade da exigência do comum acordo se funda em diversos argumentos. O principal deles é o de que o princípio da inafastabilidade da jurisdição não se aplica aos dissídios coletivos, uma vez que o exercício do poder normativo não visa ao julgamento de lesão ou ameaça a direitos e sim, à criação de normas que novas condições de trabalho que modificam a relação jurídica existente.
Em virtude de não se tratar o julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica de exercício de atividade jurisdicional pelo Estado, a exigência de “comum acordo” para a sua instauração não representa violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Assim sustenta Edson Braz da Silva, para quem:
“Não há conflito real entre as normas dos artigos 114, §2° e art. 5°, XXXV simplesmente porque cuidam de matérias diferentes. Enquanto na ação normal se objetiva a proteção de direitos, no dissídio coletivo o escopo é a satisfação de interesses que, se acolhidos judicialmente, mediante sentença normativa, transmutam-se em direitos. Portanto, se o art. 5° XXXV proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito previamente constituído, esse “é proibido proibir” não […] refletiria sobre a exigência do comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo, porque nesse tipo de ação não se invoca direito lesionado ou ameaçado de lesão, somente se pede uma sentença dispositiva para a satisfação de interesses contrariados”. (2005, p. 1041)
No mesmo caminho segue o entendimento do Procurador-Geral da República, consubstanciado em parecer prolatado na ADI n° 3432, a seguir descrito:
“Ação direta de Inconstitucionalidade em face do § 2° do art. 114 da Constituição, com redação dada pelo art. 1° da Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004. O poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade jurisdicional, não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição da República. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário”.
Há ainda, aqueles que defendem a constitucionalidade do pré-requisito do “comum acordo”, sob outros argumentos, como o de que o princípio de livre acesso ao Judiciário impõe a impossibilidade de a lei excluir a apreciação do Poder Judiciário, e, não, de a Constituição fazer o mesmo. Trata-se de comando impeditivo da atividade da lei, não limitando a atuação constitucional.
Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 80) defende essa posição, comparando a mencionada exigência, com o condicionamento também feito pela Constituição Federal, em seu art. 217, § 1°, ao acesso à jurisdição estatal em ações relativas à disciplina e às competições desportivas após prévio esgotamento das instâncias da justiça desportiva.
Outro argumento que não passa despercebido é o de que o requisito do “mútuo consentimento” não afasta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, não exclui a apreciação do dissídio coletivo pelo Poder Judiciário, mas apenas a condiciona ao adimplemento de uma exigência, o que é comumente encontrado na legislação processual.
Tal medida visa, simplesmente, a restringir a possibilidade de ajuizamento do dissídio coletivo econômico, de modo a incentivar o desenvolvimento da negociação coletiva, com o desfecho da controvérsia pelos próprios atores sociais nela envolvidos.
Foi esse o entendimento apresentado na 1ª Jornada de Direito Material Processual da Justiça do Trabalho, realizada em novembro de 2007, consagrado no Enunciado n° 35, que assim dispõe:
“Dadas às características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§ 2°, do art. 114 da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos.”
Novamente com precisão de raciocínio, Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 80-81) pondera que se na significativa maioria dos sistemas jurídicos sequer existe a figura do dissídio coletivo de natureza econômica, razão não há para se considerar inadmissível o estabelecimento de restrição, por nosso ordenamento jurídico, ao ajuizamento do mesmo.
Fixada a premissa da constitucionalidade de tal alteração constitucional, outro questionamento surgiu em sede de doutrina, acerca da natureza jurídica do requisito do “mútuo consentimento. Urge salientar que não se trata de debate meramente acadêmico, uma vez que são diversas as conseqüências práticas que podem advir da adoção de um ou outro posicionamento, conforme se demonstrará a seguir.
Nesse tocante, houve quem defendesse que a exigência em questão constitui pressuposto processual e quem a caracterizasse como condição da ação coletiva, sustentação que prevaleceu, tanto no âmbito doutrinário, quanto no jurisprudencial.
Os pressupostos processuais são definidos como requisitos de existência e desenvolvimento válido do processo, dividindo-se, conseqüentemente, em dois grupos: de existência e de validade.
As condições da ação, por sua vez, consistem, conforme Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 258), em requisitos necessários para que legitimamente se possa exigir a prolação de provimento jurisdicional de mérito. São exigências a serem observadas depois de estabelecida regularmente a relação processual. Ainda que esteja ausente alguma condição da ação, terá havido exercício de função jurisdicional.
São reconhecidas em nosso ordenamento jurídico, pela doutrina, três condições da ação, a saber: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade das partes.
Parte considerável dos juristas vem considerando o requisito do “comum acordo” como condição específica da ação de dissídio coletivo econômico, na modalidade interesse de agir.
Também é este o entendimento que vem sendo adotado pela jurisprudência, conforme se extrai do julgado prolatado pelo TST, a seguir descrito:
“Ementa: DISSÍDIO COLETIVO. PARÁGRAFO 2º DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGIBILIDADE DA ANUÊNCIA PRÉVIA. Não demonstrado o -comum acordo-, exigido para o ajuizamento do Dissídio Coletivo, consoante a diretriz constitucional, evidencia-se a inviabilidade do exame do mérito da questão controvertida, por ausência de condição da ação, devendo-se extinguir o processo, sem resolução do mérito, à luz do art. 267, inciso VI, do CPC. Preliminar que se acolhe”.
(Processo: DC – 165049/2005-000-00-00.4 Data de Julgamento: 21/09/2006, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 29/09/2006)
Enquadrando-se o “comum acordo” como condição da ação, há de se concluir que o mesmo não precisa ser prévio, sendo absolutamente desnecessária a exigência de petição conjunta das partes litigantes do dissídio coletivo econômico. Pode o acordo se manifestar de modo expresso, ou até mesmo tácito, no curso do processo.
Isto porque as condições da ação podem ser preenchidas no curso do processo. Destarte, ainda que não estejam presentes quando do ajuizamento da ação, podem ser obtidas até o julgamento.
Edson Bráz da Silva (2005, p.1042) é um dos que consideram dito requisito como condição da ação, defendendo que o suscitado deve manifestar a sua objeção ao dissídio na primeira oportunidade de falar nos autos, o que se verifica, em tal procedimento especial, no início da audiência de conciliação e instrução, sob pena de ter sido suprido, tacitamente, o requisito do comum acordo.
Por sua vez, Amauri Mascaro Nascimento (2005, p. 193-194) aplaude a decisão de alguns tribunais, no sentido de admitir a configuração do comum acordo quando a empresa ou o sindicato patronal não tiver impugnado as pretensões do sindicato dos trabalhadores durante a negociação coletiva ou o procedimento de mediação ocorrido no Ministério do Trabalho e Emprego.
É bem de se ver, pois, que apenas a hipótese de recusa formal ao dissídio caracteriza a carência da ação e, conseqüentemente, o julgamento da mesma sem a resolução de seu mérito.
Posicionamento contrário teria como efeito a redução drástica dos dissídios ajuizados e do exercício do poder normativo e, conseqüentemente, a deflagração significativa de greves, como único recurso para forçar a análise das reivindicações, o que não é nada conveniente, uma vez que as mesmas, por vezes, não atingem apenas o patronato, mas também necessidades inadiáveis da população.
Tal alegação se justifica em virtude de que em situações nas quais já fracassaram as tentativas de solução pacífica do conflito, os ânimos das partes envolvidas se acirram, razão pela qual dificilmente será alcançado acordo prévio ao ajuizamento do dissídio.
Por tal motivação, Edson Braz da Silva (2005, p. 1043) alerta-nos para a urgente necessidade de os magistrados perquirirem a moderação e legitimidade do uso do direito de recusa por parte da categoria econômica e, em constatando ser tal recusa injustificada, atuarem no sentido de buscar o “comum acordo” entre as partes.
Em virtude de sua abrangência acerca das variadas questões relativas à exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo de natureza econômica, entendemos por bastante relevante a transcrição do julgado prolatado pelo TST a seguir:
Por fim, não se pode olvidar acerca da situação dos empregados pertencentes a categorias profissionais representadas por sindicatos frágeis, desprovidos de condições de barganhar benefícios trabalhistas com a categoria econômica correspondente.
Indubitavelmente que sobre eles o efeito da fixação da exigência do “comum acordo” será ainda mais perverso, uma vez que a recusa injustificada da categoria econômica em participar do dissídio coletivo levaria à absoluta falta de proteção a tais trabalhadores.
Por tal razão, a alteração constitucional em questão deveria ter sido precedida de uma reforma sindical efetiva, indispensável para uma alteração significativa de nossa realidade sindical.
A fim de solucionar tal celeuma, pelo menos até que um novo panorama sindical se verifique em nosso país, entendo como acertada a proposição de Enoque Ribeiro dos Santos (2005) e Júlio Bernardo do Carmo (2005, p. 596), no sentido de se admitir o suprimento da falta do “comum acordo” por declaração judicial, em se tratando de dissídio no qual figure sindicato profissional desprovido de força de persuasão. O sindicato deverá, ao instaurar o dissídio, requisitar o suprimento judicial do “comum acordo”, por meio da tutela específica, prevista no art. 461 do CPC.
Essa sugestão se fundamenta no argumento de que na hipótese em comento a recusa deve ser considerada abusiva, razão pela qual a condição do “comum acordo” corresponderá à imposição de cláusula potestativa e, portanto, proibida pelo art. 122 do Código Civil de 2002.
3.1.4 Instituição de juízo arbitral
Diante da fixação da exigência do “comum acordo” para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, foi levantada doutrinariamente a sustentação de que a EC n° 45/2004 os transformou em exercício de juízo arbitral público ou oficial.
Isto porque ao consentirem em ajuizar o dissídio coletivo econômico, as partes litigantes acabam por eleger um terceiro, o Estado-juiz, transmitindo a este a possibilidade de decidir o conflito e impor-lhes a decisão.
Em que pesem tais argumentos, filiamo-nos à corrente que defende posicionamento em sentido contrário. A toda evidência, a EC n° 45/2004 não extinguiu o poder normativo, mas apenas condicionou o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza econômica, reduzindo o âmbito de exercício do mesmo.
A simples fixação da exigência do “comum acordo” não é condicionante da transformação da espécie de dissídios supramencionada em juízo arbitral, uma vez que a arbitragem pressupõe outros elementos.
Arion Sayão Romita (2005, p. 30-31) elenca significativas diferenças entre a atividade do árbitro, desempenhada na arbitragem e o exercício do poder normativo, manifestado nos dissídios coletivos econômicos.
A principal delas reside na circunstância de que, enquanto a decisão arbitral não constitui fonte de direito, nos dissídios coletivos econômicos se verifica a criação de normas jurídicas aplicáveis a dada categoria por meio de sentença normativa, cujos efeitos se projetam para o futuro.
Conforme Gustavo Filipe Barbosa (2005, p. 82-83), a própria Carta Magna distingue os dissídios coletivos econômicos, forma jurisdicional de solução dos conflitos, da arbitragem, uma vez que menciona esta última de modo específico, facultando, nos §§ 1° e 2° do art. 114, a eleição de árbitros pelas partes envolvidas.
Além disto, cumpre observar que a nova redação de tal dispositivo constitucional ao fazer referência a “ajuizar o dissídio coletivo”, reitera expressamente o caráter de ação judicial dos dissídios coletivos, pois somente as ações judiciais são ajuizadas.
Tal discussão, novamente, não é meramente acadêmica, uma vez que o consentimento com a tese que defende a transformação do poder normativo em arbitragem enseja a aplicação, aos dissídios coletivos de natureza econômica, de procedimento absolutamente distinto do anteriormente utilizado. Deverão ser observadas as disposições da Lei n° 9307/96, a norma responsável por regulamentar a arbitragem no sistema jurídico pátrio, que prevê, dentre outras regras, a impossibilidade de interposição de recurso em face da sentença arbitral.
A irrecorribilidade da mencionada decisão se sustenta na inexistência de lógica em se admitir a interposição de recurso em face de decisão prolatada por alguém livremente escolhido pelas partes para tanto, por meio de convenção de arbitragem.
Ocorre que nos dissídios coletivos econômicos, o “comum acordo” pressupõe apenas o consentimento das partes de submeter o conflito à apreciação do Estado-juiz, enquanto na arbitragem, o compromisso arbitral consiste na concordância com a decisão que será prolatada pelo árbitro.
Em razão de entendermos que a ação coletiva em questão não foi transformada em arbitragem, a despeito de ter dela se aproximado, ressaltamos que as disposições relativas ao procedimento a ser adotado na mesma não foram alteradas pela emenda constitucional em questão.
Brilhantemente, Wilma Nogueira da Silva (2005, p. 1036) observa que as restrições presentes no sistema de arbitragem, como a irrecorribilidade das decisões e a impossibilidade do emprego da defesa indireta, em virtude dos elementos de perpetuação história presentes na essência do sistema processual brasileiro, “[…] não se aplicam à ação coletiva, que não prescinde do direito ao contraditório e à ampla defesa e tampouco alija as partes do acesso ao duplo grau de jurisdição”.
A única modificação implementada no trâmite dos dissídios coletivos de natureza econômica pela fixação da exigência do requisito do “comum acordo”, foi ter tornado prejudicada a possibilidade de extensão das decisões neles proferidas aos integrantes da categoria profissional, se os empregadores respectivos não tiverem sido parte no processo. É bem de se ver, pois, que não foram recepcionados pela EC n° 45/2004 os arts. 869 e 870 da CLT.
3.2 O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS JURÍDICOS
A alteração do art. 114 da Constituição Federal também gerou polêmica no que diz respeito à figura dos dissídios coletivos jurídicos, especialmente quanto à sua manutenção em nosso ordenamento jurídico.
Tal dúvida surgiu, simplesmente, em virtude de na nova redação do artigo constitucional modificado ter sido acrescentado o termo “de natureza econômica”, ao lado da expressão “dissídio coletivo”, sem fazer menção ao dissídio coletivo de natureza jurídica.
Quase que de forma unânime a doutrina se manifestou no sentido de que os dissídios coletivos de natureza jurídica não sofreram alteração, uma vez que o anterior art. 114 da CRFB/88, assim como as Constituições anteriores também não lhes fizeram referência expressa. Ora, se sua existência jamais foi questionada, não há razões para o ser agora. A nova ordem constitucional, de modo algum, é incompatível, inconciliável com os mesmos.
Além disso, há que se ressaltar que a possibilidade de proposição dos dissídios coletivos de natureza jurídica se encontra tacitamente inserida na competência genérica atribuída à Justiça do Trabalho para julgar as lides decorrentes da relação de trabalho, prevista no art. 114, inciso I da CRFB.
Ora, tal figura consiste na ação judicial destinada a fixar a interpretação de dado texto normativo, de modo a solucionar o conflito coletivo de trabalho surgido da relação empregatícia. Por tal razão, não haveria necessidade de a mesma ter sido mencionada pelo § 2° do artigo supracitado.
Soma-se a tal argumento a circunstância de que esta espécie de dissídio coletivo, a despeito de não ser expressamente prevista na Constituição, foi consagrada em sede infraconstitucional, pela Lei n° 7.701/88, em seu art. 1°.
Outra dúvida surgida diz respeito à possibilidade de extensão da exigência do “comum acordo” aos dissídios coletivos jurídicos. Também neste particular, inicialmente parece prevalecer, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, o entendimento de não ter havido modificação, sendo o mútuo consentimento entre as partes desnecessário para o ajuizamento desta modalidade de dissídio.
Isto porque o novo art. 114, quando exige o “comum acordo”, refere-se expressamente ao dissídio coletivo de natureza econômica. Como se trata de uma restrição ao acesso à jurisdição, deve a mesma ser interpretada restritivamente, sem alargamento a outras espécies de dissídios.
Argumenta-se ainda que como a estipulação do requisito do mútuo consentimento teve nítido propósito de estimular a negociação coletiva, não há razão para exigi-lo também para o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza jurídica, uma vez que estes não exigem a negociação prévia. Neste particular, cumpre observar que OJ 06 da SDC do TST, que exigia a negociação coletiva prévia ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza jurídica, foi cancelada em 2000.
Ressalte-se, por fim, que tal entendimento vem sendo adotado significativamente pelos tribunais regionais pátrios, bem como pelo TST.
3.3 O NOVO PANORAMA DOS DISSÍDIOS COLETIVOS DE GREVE
Por fim, cumpre analisar as modificações impostas aos dissídios coletivos de greve pela EC n° 45/2004, que atribuiu ao § 3° do art. 114 de nossa Constituição Federal a seguinte redação: “Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito”.
Apenas a fim de atribuir uma visão sistêmica ao dispositivo legal indicado, salienta-se que a matéria pertinente à execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças prolatadas no âmbito da Justiça do Trabalho, anteriormente por ele tratada, passa, coma EC n° 45/2004, a ser abordada no inciso VIII do mesmo artigo.
Inicialmente, questiona-se o efeito da mencionada alteração na competência do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento do dissídio coletivo de greve. O entendimento majoritário é o que defende que apesar de ter tal legitimidade sido erigida a nível constitucional, foi a mesma, indubitavelmente, reduzida.
Isto porque, se antes da EC n° 45/2004, o Parquet laboral possuía, à luz do art. 8°, Lei 7783/89, atribuição para o ajuizamento dos dissídios coletivos de greve, independentemente do tipo de atividade exercida pela categoria profissional envolvida no conflito coletivo, agora o panorama se modificou.
A nova norma disposta no parágrafo em questão, além de elevar ao patamar constitucional a legitimidade do MPT para ajuizamento dos dissídios coletivos de greve, expressamente a restringe às situações nas quais a greve se verifique em atividade essencial à sociedade, com possibilidade de lesão ao interesse público.
Não há como negar que a alteração constitucional regulou integralmente a legitimidade do MPT, nas hipóteses de greve. Nesse sentido entende o Ministro do TST José Luciano de Castilho (2005, p. 35), para quem: “Não pretendesse a Carta restringir a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, ela não precisaria dizer nada, em face dos termos do citado art. 8° da Lei n° 7783/89”.
Abre-se, neste momento, parênteses para observar que as atividades essenciais são as elencadas no art. 10, da supracitada lei, a saber: tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, assistência médica e hospitalar, distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, funerários, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, telecomunicações, guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais, controle de tráfego aéreo e compensação bancária.
A finalidade da norma, indubitavelmente, foi a de limitar a legitimidade do MPT às ações coletivas de greve, quando estiver em jogo alguma das atividades acima descritas, se coadunando com as atribuições impostas a tal entidade de proteção à sociedade e ao interesse público.
Foi levada em consideração a circunstância de que nas greves em atividades essenciais, além das categorias econômicas, são prejudicados também os cidadãos, que são dependentes dos serviços essenciais prestados, razão pela qual há o interesse de que tais greves durem o mínimo possível, sendo plenamente justificada a intervenção do MPT.
Essa limitação da legitimidade se fundamenta, assim como as demais matérias objetos da alteração do art. 114, da CRFB, no estímulo à negociação coletiva.
Questionou-se, ainda, se a EC n° 45/2004 estabeleceu a exclusividade da legitimidade para ajuizamento dos dissídios coletivos de greve ao MPT, excluindo a possibilidade de as partes envolvidas no conflito proporem tais ações.
Nesse particular, a doutrina, de modo unânime, defendeu o último posicionamento, em virtude de a Carta Magna ter apenas consagrado a faculdade de ajuizamento de tal espécie de dissídio coletivo ao MPT, do que, indubitavelmente, não decorre a impossibilidade de as partes a ajuizarem. O silêncio do dispositivo constitucional analisado não pode significar a ilegitimidade das partes, tendo em vista que a Carta Magna anterior também não lhe fazia menção e nem por isso havia questionamento neste sentido.
Consentindo-se com a manutenção da legitimidade das partes para a ação coletiva de greve, torna-se fundamental a perquirição acerca da necessidade ou não de haver “comum acordo” entre elas para o ajuizamento da mesma.
Há quem defenda que deverá exigido o consenso entre as partes quando a ação coletiva de greve pretender, além da declaração da legalidade ou ilegalidade do movimento, o julgamento de parcela econômica reivindicada, sob o argumento de que o legislador foi bastante claro ao condicionar o ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos ao mútuo consentimento.
É bem de se ver que em havendo pedido de julgamento da pauta de reivindicações grevistas, o dissídio coletivo de greve terá feição de dissídio coletivo econômico, buscando a satisfação de interesses econômicos. Assim sendo, imperioso seria o preenchimento do requisito do “comum acordo” entre as partes.
Em concordância com o alegado, entendem abalizados juristas como Edson Braz da Silva (2005, p. 1045), José Luciano de Castilho (2005, p. 36), Amauri Mascaro Nascimento (2005, p. 196), Arion Sayão Romita (2005, p. 28) e Manoel Antônio Teixeira Filho (2005, p. 211), que, apesar de entender pela inconstitucionalidade da exigência em questão, defende que em sendo a mesma considerada constitucional, deverá ser manifestada nos dissídios de greve.
Em sentido contrário já se posicionou Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2005, p. 81), para quem o requisito do consentimento entre as partes é exigível apenas para os dissídios coletivos econômicos “tradicionais”, puros, típicos, e não para os dissídios de greve, que possuem regulamentação própria.
Argumenta que outro entendimento viola o princípio da razoabilidade, uma vez que na “[…] greve, normalmente os ânimos se encontram mais acirrados, dificultando o consenso entre as partes até mesmo a respeito do ajuizamento do dissídio coletivo, não sendo adequado eternizar o impasse e a paralisação coletiva do trabalho […]”.
A jurisprudência vem realizando uma interpretação sistemática do §3° do art. 114, da CRFB, com seu inciso II, que fixa a competência da Justiça do Trabalho para julgar todo conflito decorrente de movimentos grevistas.
A toda evidência, em sendo o dispositivo legal que estabelece o requisito do “comum acordo” um mero parágrafo do art. 114, não pode o mesmo restringir a norma estabelecida no caput do artigo. Trata-se, conforme argumentam José Eduardo Duarte Saad e Carlos Eduardo Souza Saad (2005, p. 1048-1051), de regra básica da interpretação, segundo a qual o contido em um parágrafo não pode limitar o estabelecido no caput de um artigo.
Impõe indicar a observação feita por André Luis Spies (2005, p. 302), no sentido de que o anteprojeto de lei relativo à reforma sindical encaminhado para votação prevê, em seu art. 182, que “[…] apenas mediante requerimento formulado em conjunto pelos atores coletivos envolvidos na greve, o Tribunal do Trabalho poderá criar, modificar ou extinguir condições de trabalho”.
Em sendo tal modificação aprovada, será posto um ponto final nos questionamentos levantados acerca do alcance da exigência do “comum acordo” para o ajuizamento dos dissídios coletivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme enfatizado ao longo do presente trabalho, singulares eram as ponderações a serem feitas, em virtude de que ainda há bastantes divergências, tanto em sede doutrinária, quanto jurisprudencial, acerca do real alcance dos efeitos da Emenda Constitucional n° 45/2004 sobre os dissídios coletivos e o poder normativo.
Por tal razão, tais questionamentos apenas serão pacificados efetivamente quando houver pronunciamento dos tribunais superiores pátrios, em especial decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da mencionada alteração.
A par das polêmicas, enfatizamos ao curso do trabalho os posicionamentos por nós defendidos, apoiados em fundamentos levantados por abalizados juristas ora em sede doutrinária, ora em sede jurisprudencial.
Restou evidente a restrição imposta ao poder normativo da Justiça do Trabalho, no sentido de reduzir a abrangência do mesmo, através do condicionamento do ajuizamento dos dissídios coletivos econômicos à comprovação da existência de “comum acordo” entre as partes litigantes.
Tal modificação é resultado de uma série de ferrenhas críticas desferidas ao instituto em comento, primordialmente, em virtude de a utilização do mesmo concretizar evidente intervenção do Estado nas relações privadas. Fruto do regime político autoritário instalado em nosso país, a competência da Justiça do Trabalho constituía um dos instrumentos utilizados pelo Estado para desestimular e reprimir a luta de classes.
Ressalta-se, novamente, que o objetivo principal pretendido pela alteração constitucional objeto do presente trabalho foi o de fortalecer a negociação coletiva entre os atores sociais envolvidos nos conflitos coletivos de trabalho.
As qualidades da negociação coletiva, detalhadamente descritas neste trabalho, são as responsáveis por elevá-la ao patamar da mais satisfatória técnica de resolução dos conflitos coletivos de trabalho, tal como preconizado pela OIT.
Neste sentido, ressalta-se que as modificações introduzidas pela EC em comento guardam estreita consonância com as recomendações internacionais, bem como com o posicionamento adotado pelos diversos sistemas jurídicos estrangeiros, que, veementemente, censuram a possibilidade de criação de normas jurídicas por parte do Poder Judiciário em sede de ações coletivas trabalhistas.
Todavia, é imprescindível não olvidar a realidade social brasileira, principalmente a sindical, caracterizada pela consagração de um modelo constituído, primordialmente, por sindicatos profissionais frágeis, sem poderes reivindicatórios frente às empresas e sindicatos patronais.
Os sindicatos são, indubitavelmente, produtos do sistema econômico no qual se enquadram. Assim, a precarização das relações de trabalho, nas quais predominam a terceirização dos serviços, a informalidade e o alto índice de desemprego, contribui, inexoravelmente, para a fragilidade do sindicalismo pátrio.
Diante do afirmado, a imposição das modificações implementadas pela EC n° 45/2004, em especial a exigência do “mútuo consentimento” para o ajuizamento dos dissídios coletivos de interesse, tem como efeito colateral relegar os trabalhadores pertencentes a categorias representadas por sindicatos fracos à absoluta condição de falta de proteção, uma vez que em não sendo alcançado o “comum acordo”, tais sindicatos sequer teriam força para pressionar a categoria patronal mediante a utilização da greve.
Por tal razão, imperiosa é a realização de uma reforma sindical efetiva, que proporcione aos sindicatos profissionais o poder de garantir a realização das reivindicações dos trabalhadores por eles representados, atuando de modo compromissado e honesto.
Márcio Túlio Viana, com a precisão de raciocínio que lhe é peculiar observa que:
“Para começar, o sindicato terá de reconstruir, em níveis maiores, as solidariedades desfeitas e abrir suas portas para a diversidade, que hoje inclui desempregados, subempregados, cooperativados, estagiários e pequenos autônomos, acolhendo essas vidas picotadas e sem rumo. […] Sua arma não será tanto a greve, mas a denúncia e o boicote.” (2005, p. 171-172).
Diante do exposto, e concluindo pelo imperioso e urgente desenvolvimento de um sindicalismo forte e comprometido com os anseios dos trabalhadores, encerramos o presente trabalho, enfatizando que de modo algum se pretendeu esgotar o tema proposto.
As proposições aqui sugeridas representam apenas mais um instrumento hábil a conferir maior proteção aos trabalhadores envolvidos nos conflitos coletivos, de modo a proporcionar-lhes garantia de alcance dos direitos indisponíveis que lhes foram outorgados e, conseqüentemente, melhores condições de vida.
Um simples incentivo, um estímulo que o presente trabalho possa representar ao aprofundamento dos estudos relacionados à importantíssima temática dos dissídios coletivos, do poder normativo e do acesso à justiça, já nos trará grande satisfação e sensação de dever cumprido.
Auditora-Fiscal do Trabalho; Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Público e Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil.
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