A nova lei de estágio

A primeira regulamentação pátria referente ao estágio de estudantes ocorreu com a  Portaria n. 1.002, de 29 de setembro de 1967 do Ministério do Trabalho[1], sendo seguida por outras normas, a exemplo do Decreto n. 66.546, que permitiu programas de estágios aos estudantes de ensino superior de áreas prioritárias em órgãos e entidades públicas e privados. Também o Decreto 75.778/75 disciplinou o estágio perante o serviço público federal.


Em 1977, foi editada a Lei n. 6.494, que autorizou o estágio de estudantes de estabelecimento de ensino superior e de ensino profissionalizante do 2º grau, sendo regulamentada pelo Decreto n. 87.497/82.


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Apesar da legislação específica referente ao estágio  ter vigorado por mais de trinta anos, a realidade fática, muitas vezes, demonstrou que estagiários eram contratados como mão-de-obra barata, verificando-se uma verdadeira exploração do estudante.


Como resposta ao anseio dos estagiários por uma regulamentação mais rígida e protecionista, no ano de 2008, foi promulgada a Lei  n. 11.788, de 25 de setembro, com a finalidade de promover maior proteção ao estudante, bem como efetivar o objetivo do estágio, revogando a regulamentação anterior.


A legislação vigente regula o estágio em geral, sendo que diplomas legais específicos normatizam estágios de certas profissões legalmente regulamentadas, a exemplo da advocacia e medicina.


A nova lei define o estágio como ato educativo escolar supervisionado e desenvolvido no ambiente de trabalho, que faz parte do projeto pedagógico do curso, objetivando não apenas a preparação para o trabalho produtivo do educando, mas acima de tudo, para uma vida cidadã. Observa-se que o estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, tratando-se de trabalho educativo, produtivo e gerador de renda.


O estágio classifica-se como obrigatório, quando definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para obtenção do diploma, ou não obrigatório, quando desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.


Importante salientar, que as atividades de extensão, bem como as de monitorias e de iniciação científica na educação superior desenvolvidas pelo estudante, somente poderão ser equiparadas ao estágio em caso de previsão no projeto pedagógico do curso.


Nos moldes da Lei n. 11.788/08, o tipo legal do estágio, enquanto relação jurídica especial, contém requisitos formais e materiais específicos ao delineamento da figura, conferindo-lhe nova estrutura jurídica, como se passa a expor.


No que tange aos requisitos materiais do estágio, visam garantir os fins sociais da lei instituidora, já que o estudante estagiário deve realizar atividades de aprendizagem social, profissional e cultural em situações reais, existindo total compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso. Para tanto, é preciso que a entidade concedente possua condições de proporcionar experiência prática de formação profissional.


Devendo existir uma relação direta e necessária entre a formação escolar do estudante e as tarefas que lhe sejam conferidas pela parte concedente, elucida Alice Monteiro de Barrros, que os ensinamentos teóricos obtidos na escola devem ser complementados com a aplicação experimental no estágio, possibilitando aos estudantes a aplicação prática dos conhecimentos acadêmicos que lhes foram transmitidos[2] .


O verdadeiro estágio não cria vínculo empregatício com a entidade concedente, pois, o que deve existir é uma relação direta entre a formação escolar e as tarefas que lhe são efetivamente conferidas, configurando o aperfeiçoamento do conhecimento acadêmico adquirido, sendo imprescindível a harmonia entre as funções educativa e formadora exercidas pelo estudante.


O diploma legal vigente prevê a possibilidade de realização de estágio remunerado também para os estrangeiros, desde que regularmente matriculados em cursos superiores no Brasil, autorizados ou reconhecidos, observado o prazo do visto temporário de estudante. Tem razão Maurício Godinho Delgado, quando afirma que a nova lei introduziu uma ressalva salutar à vedação genérica contida nos art. 98 e 13, IV, da Lei n. 6.815/80, que proíbe ao estrangeiro com visto de turista ou de estudante o exercício de atividade remunerada[3].


Verifica-se que as exigências pedagógicas e a profissionalização devem prevalecer sobre o escopo produtivo, tratando-se do ponto de vista geral, de modalidade de trabalho educativo. Desse modo, a filosofia que deve orientar a formação técnico-profissional é a de uma qualificação técnica polivalente, preparando o espírito crítico do estagiário sobre o trabalho que irá desenvolver. 


Outro requisito material, é que o estágio seja acompanhado e avaliado em consonância com os currículos, programas e calendários escolares. O acompanhamento efetivo deve ser realizado pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos em relatórios, acentuando-se o necessário caráter educativo dessa forma de trabalho. Tal disposição é de extrema importância, pois, se cumprida adequadamente, proporcionará a efetivação da finalidade do estágio. Entretanto, na prática, aumenta-se o grau de dificuldade de fiscalização por parte do professor universitário orientador, já que a nova lei não prevê número máximo de estágios a serem supervisionados. Desse modo, dependendo do contingente de estagiários em um determinado curso, poderá ficar totalmente prejudicado o acompanhamento efetivo do professor.


Embora a nova lei de estágio não estabeleça nenhuma penalidade às instituições de ensino, pelo descumprimento das obrigações estabelecidas pelo art. 7º, entende-se que deverão responder por tais irregularidades perante o Ministério da Educação.


Quanto aos requisitos formais, como é sabido, o contrato de estágio possui formalidades especiais, que são imperativas à sua configuração.  Caso sejam desatendidas tais formalidades, descaracteriza-se a relação jurídica de estágio.


Atenta-se, primeiramente, à qualificação das partes envolvidas no estágio, quais sejam: estudante-trabalhador; tomador de serviços e instituição de ensino[4]. Nesse sentido, o art. 9º da Lei n. 11.788/08 dispõe que o sujeito concedente de estágio não está limitado legalmente apenas às “pessoas jurídicas de direito privado, aos órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios(…)”, incluindo-se também, os profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional.


Andou bem o legislador ao revogar a injustificável exclusão legal dos profissionais liberais como parte concedente de estágio, haja vista poderem efetivamente, proporcionar ensinamentos práticos profissionais ao estagiário.


Salienta-se que as condições de adequação do estágio devem ser compatíveis à proposta pedagógica do curso, bem como a modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar, que devem estar indicados no termo de compromisso. Acerca do tema, cabe elucidar que o contrato de estágio é do tipo solene.


O estágio implica, portanto, uma relação triangular, que possui como vértices o estudante devidamente matriculado, frequentando curso de educação superior, ou de educação profissional, de ensino médio, educação especial ou nos anos finais do ensino fundamental; a instituição de ensino, que encaminha o estudante ao ato educativo escolar supervisionado; e a parte concedente do estágio, que prepara o educando para o trabalho produtivo, visando ao aprendizado de competências próprias, tanto da atividade profissional, como da contextualização curricular.


Raciocina-se, que a inserção do estudante dos níveis médio e fundamental no ambiente laboral, pode, na prática, não atender à natureza e objetivos  da Lei n. 11.788/08, em razão da dificuldade real dessa relação jurídica especial estar contida no projeto pedagógico do curso, inexistindo sintonia entre os conteúdos acadêmicos e práticos, tornando-se duvidoso o efeito formativo do educando. Assim posto, prudente o entendimento que os “anos finais de ensino fundamental” (8º e 9º anos), devem ser considerados na modalidade profissional, ou seja, técnico, conforme dispõem a Lei e n. 9394/96 e a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica n. 1/2004, esclarecendo que a idade mínima do educando para a realização do estágio é a de 16 anos completos, em face do piso etário constitucional inserido pela EC n.20/98.


O termo de compromisso deverá ser firmado pelo estagiário ou com seu representante ou assistente legal e pelos representantes legais da parte concedente e da instituição de ensino, vedada a atuação dos agentes de integração como representante de qualquer das partes. Configura-se, desse modo, uma relação de natureza jurídica civil, posto que a lei em comento, no art. 3º, estabelece que  o estágio não cria vínculo trabalhista.


Assevera Oris de Oliveira, que pela letra e espírito da lei, o estagiário não é um empregado a mais para integrar-se no processo produtivo, sendo que a parte concedente oferta seu espaço, equipamentos e pessoal para que o estagiário possa nela praticar o que aprende na instituição profissionalizante[5]. Embora possa ser possível, que fraudulentamente, termos de compromissos sejam rubricados como estágios, camuflando uma relação de emprego, através da exploração de mão-de-obra mais barata, salienta-se que tais abusos não invalidam a importância do verdadeiro estágio, como fase da aprendizagem escolar.


A Lei  n. 11.788/08 prevê, também, como requisito formal do estágio, a elaboração de plano de  atividades de acordo com as 3 (três) partes, a ser incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos, à medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante, bem como  a concessão de seguro contra acidentes pessoais em favor do estagiário, esclarecendo-se que no estágio obrigatório, pode tal concessão ser alternativamente assumida pela instituição de ensino.


Não sendo observadas as formalidades previstas, ou havendo descumprimento de qualquer obrigação contida no termo de compromisso, caracteriza-se vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio, para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.


Cabe à instituição de ensino, a avaliação das instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando; a indicação de professor orientador da área a ser desenvolvida no estágio[6], como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário. 


Outra atribuição da instituição de ensino é exigir do educando, a apresentação periódica em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades, zelando pelo cumprimento do termo de compromisso, e no caso de descumprimento das normas, reorientar o estagiário para outro local. Deve, ainda, elaborar as normas complementares e os instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos, além de comunicar a parte concedente do estágio, no início do período letivo, das datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas. 


Por sua vez, como disposto anteriormente, a parte concedente é obrigada a celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento; ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; indicar representante de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente.


A contratação em favor do estagiário de seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso também é obrigação da parte concedente, bem como a entrega do termo de realização do estágio com indição resumida das atividades desenvolvidas e da avaliação de desempenho, na época do desligamento do estagiário.


É obrigação legal da parte concedente, manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio, enviando à instituição de ensino, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses.


Quanto à jornada das atividades de estágio, deve ser  expressa no termo de compromisso, permitindo-se o comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o estagiário ou seu representante legal, não podendo ultrapassar 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos; e no máximo, 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.


A limitação da jornada estabelecida pela nova lei de estágio é considerada como inovadora, esclarecendo-se que se forem extrapolados os limites acima dispostos, além do pagamento de horas extraordinárias trabalhadas, será descaracterizado contrato de estágio, através do reconhecimento de vínculo empregatício entre a parte concedente e o “falso estagiário.”


Na hipótese de a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho acadêmico do estudante. A instituição de ensino deve, contudo, comunicar à parte concedente do estágio no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas 


É possível que o estágio relativo a cursos que alternem teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, a jornada poderá ser de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que exista tal previsão no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino. 


A nova lei do estágio dispõe que o estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo, porém, compulsória a concessão da bolsa, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório, salientando que a eventual concessão de benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracteriza vínculo empregatício. 


É inegável que o estágio e o trabalho dele resultante, consubstancia um conteúdo econômico para a parte concedente, entretanto, é imprescindível aferir-se seu papel agregador efetivo à escolaridade e formação profissional do estagiário.


O fato é que a previsão normativa referente à bolsa de estudos obrigatória para o estágio facultativo, tem provocado intenso debate jurídico e social, inexistindo, até o momento, estipulação de valor mínimo a ser concedido ao estudante, salvo para os estagiários no âmbito da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, que segundo a Orientação Normativa n. 7, de 30 de outubro de 2008, da Secretária de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em seu art. 18, estabelece que o valor da bolsa para o estágio não obrigatório de estudante de nível superior ou de nível médio é de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) e R$ 290,00 (duzentos e noventa reais), respectivamente, equivalentes à carga horária de trinta horas semanais.


Poderá o estagiário inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto no art. 14 da Lei nº 8.212/91, aplicando-lhe a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio. 


 Há limites temporais à utilização do trabalho estudantil, não podendo o estágio na mesma parte concedente exceder 2 (dois) anos, salvo quando se tratar de estagiário portador de deficiência, sendo assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano, a um período de recesso de 30 (trinta) dias. Tal recesso deve ser remunerado, quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação, e ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares. Nos caso de o estágio possuir duração inferior a 1 (um) ano, os dias de recesso, que não se confundem com as férias prevista pela CLT,  serão concedidos de modo proporcional.


A manutenção de estagiários em desconformidade com a lei vigente, caracteriza o vínculo empregatício do educando com a parte concedente do estágio, e qualquer instituição privada ou pública que reincida na irregularidade, ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente, limitando-se tal penalidade à filial ou agência em que for cometida a irregularidade. 


A Lei n. 11.788/08, seguindo as disposições normativas anteriores, prevê que as instituições de ensino e as partes cedentes de estágio podem, a seu critério, recorrer a serviços de agentes de integração públicos e privados, mediante condições acordadas em instrumento jurídico apropriado. No caso de contratação com recursos públicos, deve ser observada a legislação que estabelece as normas gerais de licitação. 


Os agentes de integração atuam como órgãos auxiliares no processo de aperfeiçoamento do estágio, identificando as oportunidades de estágio e ajustando suas condições de realização, bem como realizando o acompanhamento administrativo, encaminhando as negociações de seguros contra acidentes pessoais  e cadastrando os estudantes. Existe vedação legal expressa  da cobrança de qualquer valor dos estudantes a título de remuneração pelos serviços prestados pelo agente de integração.  


Serão responsabilizados civilmente os agentes de integração, caso indiquem estagiários para a realização de atividades incompatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular.


Quanto ao local de estágio, pode ser selecionado a partir de cadastro de partes cedentes, organizado pelas instituições de ensino ou pelos agentes de integração, e como inovação legal, há previsão do número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio atendendo as seguintes proporções: 


I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; 


II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; 


III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; 


IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários[7]


A limitação supraexposta não se aplica aos estágios de nível superior e de nível médio profissional, considerando-se quadro de pessoal o conjunto de trabalhadores empregados existentes no estabelecimento do estágio. Sob esse aspecto, se a parte concedente possuir várias filiais ou estabelecimentos, os quantitativos previstos na lei vigente, serão aplicados a cada um deles. 


Como medida afirmativa, a lei do estagiário assegura às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio, e no que toca aos estágios iniciados antes de 25 de setembro de 2008, o art. 18 da Lei n. 11.788/08 dispõe que suas prorrogações somente poderão ocorrer se ajustadas à norma vigente.


O fato, é que até a vigência da lei atual, o estagiário revelava-se como força de trabalho bastante atrativa e economicamente viável, já que o pagamento da bolsa complementar representava ônus meramente facultativo para a entidade concedente, que tinha como único custo obrigatório pela legislação o seguro contra acidentes pessoais. Assim sendo, o vínculo sóciojurídico do estágio favorecia não somente o aperfeiçoamento da formação acadêmico-profissional do estudante, mas também, economicamente a entidade concedente, isentando o tomador de serviços dos custos da relação formal de emprego, tratando-se de uma relação de trabalho lato sensu, de caráter  meramente educativo. 


Incontestavelmente, o legislador pátrio atendeu aos reclames dos estagiários e a lei em epígrafe “quase” equiparou os direitos dos estagiários facultativos, aos direitos trabalhistas dos empregados. A equiparação seria  total através da inclusão no rol os direitos do estagiário ao FGTS, 13º salário, licença maternidade e paternidade, inscrição junto ao INSS, o que  configuraria, por fim, a relação de emprego.


Segundo alguns juristas[8], a norma legal em epígrafe, criou uma figura atípica, nominada como “estagiário falsificado”, “estagiário quase empregado” ou outra expressão semelhante.


Acredita-se que as novas obrigações legais referentes à remuneração para o estagiário facultativo, ao recesso remunerado, à jornada limitada e ao auxílio-transporte, a curto prazo, podem afastar possíveis sujeitos concedentes dessa nova relação jurídica, amedrontados com encargos, até então considerados como facultativos.


É possível, portanto, um esvaziamento real e imediato na concessão de estágios, mas por outro lado, não é crível que as unidades concedentes de estágio utilizem desse instituto apenas para reduzir seus custos de mão-de-obra, deixando de lado sua responsabilidade social. Caso inexista vinculação entre as atividades práticas exercidas pelo estudante e sua formação profissional obtida na escola, frustra-se a causa e a destinação da relação de estágio, devendo prevalecer o reconhecimento da relação de emprego até então dissimulada, quando presentes os pressupostos do art. 3º da CLT.


Assim posto, não atendidos os requisitos legais conferidos ao estagiário, objetivando a parte concedente fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação da legislação trabalhista disposta no art. 9º, da CLT, caracteriza-se a relação de emprego para todos os efeitos legais, rechaçando o subemprego, o emprego precário.


Indubitavelmente, o estágio deve ser harmônico ao seu objetivo educacional, que por razões metajurídicas, objetiva o alargamento das perpectivas de  sua concessão no mercado de trabalho, permitindo ganhos educacionais e profissionais para o estudante trabalhador[9]. Para tanto, a configuração do contrato de estágio exige formalidades imperativas e especiais, sem as quais fica descaracterizada tal relação jurídica.


Quanto à distribuição do ônus probatório no processo do trabalho, admitindo-se a prestação do trabalho pelo tomador de serviços, nos moldes da Súmula n. 212 do TST, será deste o ônus de provar o fato modificativo da relação jurídica existente. Sendo, portanto, apresentadas provas documentais evidenciando os requisitos formais do estágio, cabe ao autor da ação, segundo o art. 389 do CPC, demonstrar que os requisitos materiais não emergem na relação jurídica trazida à análise judicial[10].


A lei de estágio vigente se aplicará aos novos contratos firmados e à renovação dos anteriores, devendo as partes envolvidas se adequar à nova realidade. Não atinge os pactos celebrados e executados na fase anterior à vigência da lei nova, ainda que sua execução seja concluída tempos após essa data.


Por fim, caso a experiência prática do estágio não configure uma verdadeira complementação do ensino e da aprendizagem, resta descaracterizada tal prestação de serviço, confirmando a assertiva de que se o estagiário executar serviços não relacionados com os programas da escola, será considerado empregado. Desnuda-se, portanto, o véu que encobre o falso estagiário, para revelá-lo como legítimo empregado, em respeito ao princípio da primazia da realidade, proclamando-se a relação de emprego e todas as suas consequências legais.


Ante o exposto, constata-se uma inegável evolução jurídica quanto a proteção ao estagiário, conferindo ao estágio uma nova estrutura jurídica, produzindo-lhe significativas mudanças. Acredita-se, contudo, que  somente o tempo apascentará os ânimos das possíveis partes concedentes, que gradativamente, voltarão a utilizar-se dos estágios como forma de valorização do trabalho humano.


 


Notas:

[1] A Portaria 1.002/67 do MT foi bastante discutida juridicamente, por conta do extrapolamento da reserva legal, já que não possui competência para criar direitos e obrigações, o que normalmente deveria resultar do texto de uma lei.

[2] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr 2008. p. 226.

[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Ltr. 2009. p. 305.

[4] A instituição de ensino passa a ser considerada parte envolvida no estágio, e não mera interveniente na relação jurídica de estágio, como dispunha a lei de estágio revogada.

[5] OLIVEIRA, Oris. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. São Paulo: ed. Malheiros. 1996. p. 190.

[6] Não há um limite legal do número de estagiários a serem acompanhados pelo professor  orientador responsável, podendo prejudicar  não apenas a qualidade do serviço prestado, bem como sua efetividade.

[7] Art. 17, da Lei n. 11.788/2008

[8] SOUZA FILHO, Georgenor de Souza. Painel do 48º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo.  Centro de Convenções Rebouças. Junho. 2008.

[9] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr. 2008. p. 324.

[10] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr. 2008. p.313.

Informações Sobre o Autor

Cláudia Coutinho Stephan

Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Professora de Direito do Trabalho da PUC/MG- campus de Poços de Caldas


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Equipe Âmbito Jurídico

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